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uma liberdade nova: poder dizer o que eu pensava e sentia, sem medo da
repercussão. Aceitar a rejeição era uma estranha forma de libertação. E, por ter
desejado a expressão direta durante a maior parte da vida — primeiro por causa
de um ambiente familiar cheio de repressão emocional e, depois, pela falsa
segurança que passei a demonstrar de um modo construído meticulosamente —,
eu me embriaguei naquilo como se fosse a melhor vodca já produzida. O mês
que passei em São Petersburgo passou voando, e no final eu não queria ir
embora.
Viajar é uma ferramenta fantástica de desenvolvimento pessoal, porque nos
afasta dos valores da nossa cultura e demonstra que outra sociedade pode viver
com valores diferentes e ainda funcionar sem se odiar. Essa exposição a valores e
parâmetros diferentes nos faz reexaminar o que parece óbvio e considerar que
nossa forma de viver pode não ser necessariamente a melhor. Nesse caso, a
Rússia me fez reexaminar a falsa comunicação calcada em simpatia, tão comum
na cultura ocidental, e me perguntar se isso não nos deixa mais inseguros nas
nossas relações e menos aptos à intimidade.
Eu me lembro de ter discutido essa dinâmica com meu professor de russo um
dia, e ele me contou uma teoria interessante. Vivendo sob o regime comunista
por tantas gerações, com poucas oportunidades econômicas e imersa numa
atmosfera de medo, a sociedade russa descobriu que a moeda mais valiosa é a
confiança. E, para criar confiança, é preciso sinceridade — isto é, se as coisas
estão uma merda, você diz isso abertamente e sem se desculpar. Essas
desagradáveis demonstrações de honestidade eram recompensadas pelo simples
fato de serem necessárias para a sobrevivência: as pessoas precisavam saber em
quem podiam ou não confiar, e precisavam saber rápido.
Enquanto isso, no Ocidente “livre”, continuou meu professor de russo, havia
uma abundância de oportunidades econômicas — tantas que se tornou muito
mais valioso se comportar da maneira X, mesmo que fosse falsa, do que ser de
fato da maneira X. A confiança perdeu o valor. As aparências e o carisma se
tornaram formas de expressão mais vantajosas. Conhecer muita gente de forma
superficial valia mais a pena do que conhecer pouca gente com intimidade.
É por isso que nas culturas ocidentais passamos a seguir a norma de sorrir e