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Revista Dr Plinio 266

Maio de 2020

Maio de 2020

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>266</strong> Maio de 2020<br />

A grande intervenção de Maria:<br />

um novo Pentecostes


Flávio Lourenço<br />

Santo Atanásio - Basílica<br />

de São Lourenço,<br />

Escorial, Espanha<br />

Glória de fogo na História da Igreja<br />

No tempo do Império Romano, Santo Atanásio combatia os arianos com muito vigor. Mas, a certa altura,<br />

o mundo inteiro tornou-se ariano, como que da noite para o dia, e esse Santo Patriarca de Alexandria<br />

quase ficou sozinho nessa luta, chegando a ser tão perseguido que, para evitar a morte, não teve<br />

outro remédio senão entrar na sepultura dos pais e ali morar escondido.<br />

Entretanto, ele lutou contra tudo e contra todos até que o Concílio de Niceia definiu a divindade de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo e, consequentemente, a Maternidade Divina de Nossa Senhora.<br />

Santo Atanásio pode ser chamado a coluna da Igreja. Uma coluna qualquer um terremoto derruba. Porém,<br />

nada derrubou Santo Atanásio! Ele tinha a graça divina que o ajudou. A muitos Deus oferece a graça, mas<br />

nem todos correspondem. A este grande Doutor da Igreja, pelo contrário, Deus a ofereceu e ele correspondeu generosamente.<br />

O nome dele ficou com uma espécie de glória de fogo na História da Igreja.<br />

(Extraído de conferência de 12/10/1985)


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>266</strong> Maio de 2020<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>266</strong> Maio de 2020<br />

A grande intervenção de Maria:<br />

um novo Pentecostes<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

em 1989.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Editorial<br />

4 Que Maria antecipe o novo Pentecostes<br />

Piedade pliniana<br />

5 Inteira e filial confiança<br />

em Nossa Senhora<br />

Dona Lucilia<br />

6 Altíssimos pensamentos,<br />

grandes panoramas<br />

Gesta marial de um varão católico<br />

8 Levaremos a luta até à vitória<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

De Maria nunquam satis<br />

20 Tocha ardente de amor a Deus<br />

Calendário dos Santos<br />

24 Santos de Maio<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Hagiografia<br />

26 O Papa que travou uma<br />

batalha decisiva<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

30 Flor e glória da Cristandade - I<br />

Última página<br />

36 A Virgem que traz consigo a Santíssima Trindade<br />

3


Editorial<br />

Que Maria antecipe o novo Pentecostes<br />

Durante o mês de maio sentimos uma proteção especial de Nossa Senhora estender-se sobre todos<br />

os fiéis, e a alegria que ilumina nossos corações exprime a universal certeza dos católicos<br />

de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna ainda mais solícito e amoroso,<br />

convidando-nos a uma intimidade tão mais acentuada com Ela, que em todas as vicissitudes da vida<br />

saibamos pedir com mais respeitosa insistência, esperar com mais invencível confiança e agradecer com<br />

mais humilde carinho todo o bem que Ela nos faça.<br />

Maria Santíssima é a Rainha do Céu e da Terra, e, ao mesmo tempo, nossa Mãe, a Quem amamos<br />

por sua própria glória, por tudo quanto Ela representa nos planos da Providência.<br />

Os filhos nunca são mais seguros da vigilância amorosa de suas mães do que quando sofrem. A humanidade<br />

inteira sofre hoje em dia, de todos os modos pelos quais se possa sofrer. As inteligências<br />

são varridas pelo vendaval da impiedade e do ceticismo; ideias nebulosas, confusas, audaciosas esgueiram-se<br />

em todos os ambientes e arrastam consigo não só os maus e os tíbios, mas até aqueles de<br />

quem se esperaria maior constância na Fé.<br />

Sofrem as vontades obstinadamente apegadas ao cumprimento do dever, com todas as contrariedades<br />

que lhes vêm de sua fidelidade à Lei de Cristo. Sofrem os que transgridem essa Lei, pois longe<br />

de Cristo todo prazer não é senão amargura, e toda alegria uma mentira. Sofrem os corações dilacerados<br />

pelos horrores das guerras que se alastram, das famílias que se dissolvem, das lutas que armam<br />

por toda parte irmãos contra irmãos. Sofrem os corpos dizimados pela metralhadora, depauperados<br />

pelo trabalho, minados pela moléstia, acabrunhados pelas necessidades de toda ordem.<br />

Pode-se dizer que o mundo contemporâneo enche os ares de um grande e clamoroso gemido. Porém,<br />

quanto mais sombrias se tornarem as circunstâncias e mais lancinantes as dores, tanto mais devemos<br />

pedir a Nossa Senhora que ponha termo a tanto sofrimento, não só para fazer cessar nossa<br />

dor, mas para maior proveito de nossas almas.<br />

Diz a Teologia que a oração de Maria antecipou o momento em que o mundo deveria ser redimido<br />

pelo Messias. Nesta quadra histórica, cheios de angústias, volvamos confiantes nossos olhos à<br />

Mãe de Misericórdia, pedindo-Lhe que apresse a chegada do grande momento em que um novo Pentecostes<br />

abra clarões de luz e de esperanças nestas trevas, e restaure por toda parte o Reinado de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Para a glória de Deus, desejemos grandes e muitas coisas. Peçamos a Nossa Senhora muito e sempre.<br />

O que Lhe devemos implorar, sobretudo, é aquilo que a Sagrada Liturgia suplica a Deus: Emitte<br />

Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ. Devemos pedir, pelo intermédio de Maria<br />

Santíssima, que Deus nos envie em abundância o Espírito Santo, para que as coisas sejam novamente<br />

criadas, e purificada, por uma renovação, a face da Terra.<br />

Confiemos à Santíssima Virgem este anelo, no qual vai todo o nosso coração. As mãos de Maria<br />

serão para nossa prece um par de asas puríssimas por meio das quais chegará certamente ao trono<br />

de Deus.<br />

Neste mês de Maria, façamos nossas estas súplicas, referentes às necessidades da Santa Mãe Igreja:<br />

Para que vos digneis humilhar os inimigos da Santa Igreja, nós vos rogamos, ouvi-nos, Senhor! Para<br />

que vos digneis exaltar a Santa Igreja, nós vos rogamos, ouvi-nos, Senhor! *<br />

* Cfr. CORRÊA DE OLIVEIRA, <strong>Plinio</strong>. Mês de Maria. Em O Legionário, n. 563, 23/5/1943.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Inteira e filial<br />

confiança em<br />

Nossa Senhora<br />

ÓMaria Santíssima, que nunca negais<br />

acolher um pecador, dai-nos<br />

a graça de compreender que junto<br />

a Vós encontraremos o mais seguro e<br />

suave refúgio.<br />

Suplicamos-Vos, ó Mãe, que<br />

do alto do Céu desçam sobre<br />

vossos filhos – transpondo suave<br />

e vitoriosamente camadas<br />

espessas de pecado – vossas<br />

bênçãos maternais.<br />

Como os discípulos de<br />

Emaús ao Divino Redentor, nós<br />

Vos pedimos que essas bênçãos<br />

fiquem conosco, porque se faz<br />

noite sobre o mundo. A cada instante,<br />

a cada angústia e necessidade,<br />

ajudem-nos elas a manter a mais inteira<br />

e filial confiança em Vós.<br />

Mãe e Senhora nossa, nesta emergência,<br />

realizai por nós tudo o que de solicitude,<br />

desvelo, penetração psicológica<br />

e misericórdia fazeis aos filhos que Vos<br />

pedem com verdadeira confiança.<br />

Ó Mãe, nós Vos amamos, em Vós cremos<br />

e esperamos. Imploramos o vosso<br />

perdão pelos que não creem, não esperam<br />

e não Vos amam. Amém<br />

Daniel A.<br />

(Composta em abril de 1980)<br />

5


J.P.Ramos<br />

Dona Lucilia<br />

Altíssimos pensamentos,<br />

grandes panoramas<br />

O espírito de Dona<br />

Lucilia sempre pairava<br />

em cogitações de<br />

uma ordem muito<br />

elevada. Tudo o que se<br />

passava em sua volta<br />

ela reportava a isto,<br />

ecoando numa região<br />

muito alta da realidade,<br />

inspirando altíssimos<br />

pensamentos, grandes<br />

panoramas. Era o<br />

era amor de Deus e<br />

das coisas celestes.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

M<br />

uitas vezes, ao longo da<br />

vida de minha mãe, perguntei-me<br />

quais seriam<br />

as notas características do espírito,<br />

da mentalidade dela. Entre tantas<br />

coisas que me agradavam, me encantavam<br />

e eu venerava, qual seria<br />

aquela que poderíamos afirmar que<br />

constituía a nota máxima?<br />

Amor de Deus e das<br />

coisas celestes<br />

Cheguei à conclusão de que era<br />

uma certa qualidade de alma por onde<br />

o espírito dela pairava sempre em<br />

cogitações de uma ordem muito elevada.<br />

Não se sabia bem quais eram,<br />

mas se via que estavam em um patamar<br />

muito alto, postas em Deus, que<br />

não se podia definir.<br />

E ela possuía esta qualidade: todas<br />

as coisas que aconteciam, se passavam<br />

em sua volta, ela reportava a<br />

isto; tudo ecoava para ela numa região<br />

muito alta da realidade, inspirando<br />

altíssimos pensamentos, grandes<br />

panoramas.<br />

6


Mas não como seria no espírito de<br />

uma senhora universitária. Mamãe<br />

era uma dona de casa com o nível<br />

de cultura das paulistas<br />

do tempo dela, nem mais,<br />

nem menos. Era, portanto,<br />

de um nível caseiro.<br />

Mas a questão é que a alma<br />

dela voava…<br />

Às vezes eu chegava<br />

em casa e ela estava sozinha,<br />

por exemplo, rezando<br />

ou lendo alguma coisa, mas<br />

percebia que o espírito dela pairava<br />

numa região muito mais alta.<br />

Eu entrava, agradava-a e ela me dizia:<br />

“Filhão…” Bom, esse é um agrado<br />

que qualquer mãe faz a seu filho.<br />

Para a minha geração, eu não era<br />

um homem muito alto, mas bem alto.<br />

Sendo ela baixinha, era natural<br />

que dissesse “Filhão”. Como ela era<br />

pequenininha, eu dizia: “Mãezinha”.<br />

A questão é onde pairava o espírito<br />

dela ao dizer isto. Não tenho dúvida<br />

de que era amor de Deus, das coisas<br />

celestes, elevadas; e meu espírito<br />

se encantava. Isso era a nota dela.<br />

Por outro lado, nunca vi em Dona<br />

Lucilia um gesto, uma palavra, uma<br />

ação, um olhar que não fosse próprio<br />

a despertar uma abnegação inteira,<br />

um afeto que se voltava normalmente<br />

para todo mundo, de todo<br />

jeito, de toda forma e que se estendia,<br />

sem pieguice, até aos animais.<br />

Uma gata e seus gatinhos<br />

Numa casa onde morávamos havia<br />

uma garagem e ao lado um mu-<br />

ro coberto por uma hera. O nosso<br />

muro era mais baixo que o do vizinho,<br />

de maneira a formar um rebordo<br />

onde um animal se podia deitar;<br />

um gato, por exemplo.<br />

Certo dia eu vi, no meio<br />

daquelas heras, alguma<br />

coisa que se movia, e constatei<br />

ser uma gata. Num<br />

primeiro momento não me<br />

interessei e não disse nada.<br />

Como o muro era visível<br />

desde a sala de jantar, durante<br />

todas as refeições eu<br />

notava aquela movimentação.<br />

Em certo momento,<br />

eu disse:<br />

— Mamãe, a senhora<br />

já viu a gata?<br />

— Vi, sim.<br />

— É uma coisa esquisita<br />

aquela gata mexer-se<br />

no meio da folhagem...<br />

Minha mãe não disse mais nada e<br />

eu mudei de assunto.<br />

Muitos dias depois, por um<br />

dito de nossa empregada portuguesa,<br />

eu soube que a gata<br />

tinha tido crias ali e que<br />

alimentava, ao longo do<br />

muro, toda uma gataria.<br />

Paulo Valente<br />

Como eu já tivesse decretado<br />

a expulsão de todos<br />

aqueles felinos, mamãe<br />

disse:<br />

— Coitada da gata, ela<br />

não vai ter para onde ir com<br />

os seus gatinhos...<br />

Não preciso dizer que a gata ganhou<br />

a partida, e que eu perdi com<br />

delícias...<br />

v<br />

(Extraído de conferências de<br />

1/6/1985 e 23/4/1986)<br />

Pexels (CC3.0)<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1986<br />

7<br />

Arquivo <strong>Revista</strong>


Gesta marial de um varão católico<br />

Levaremos a luta<br />

até à vitória<br />

Biblioteca do Colégio São Luís<br />

Alguns meses antes de sua morte,<br />

ao narrar certos episódios de sua<br />

vida, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> afirma: “Ainda na<br />

minha infância, senti a Revolução<br />

em pé contra mim como uma hiena,<br />

e compreendi que a salvação de<br />

minha alma e o futuro de todo<br />

o mundo estavam arriscados se<br />

essa hiena não fosse derrubada;<br />

resolvi então combatê-la. Custasse<br />

o que custasse, com a proteção<br />

de Nossa Senhora, eu haveria de<br />

lutar contra ela e a Santíssima<br />

Virgem me daria a vitória.”<br />

8<br />

<strong>Plinio</strong> no Colégio São Luís, em 1921<br />

Divulgação (CC3.0)


Quando eu era menino, entre<br />

sete e dez anos, havia no<br />

meu quarto, além de uma<br />

estampa com o Sagrado Coração<br />

de Jesus, um quadro bonito representando<br />

Nossa Senhora, não me<br />

lembro sob que invocação.<br />

Dificuldade com a<br />

devoção a Nossa<br />

Senhora<br />

Mas a minha devoção, por<br />

causa do exemplo de mamãe,<br />

ia toda para o Sagrado Coração<br />

de Jesus. Embora eu a visse<br />

rezar também para a Santíssima<br />

Virgem, por uma espécie de relacionamento<br />

especial que ela possuía<br />

para com o Divino Filho d’Ela,<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, mamãe<br />

me ensinava a rezar muito ao Sagrado<br />

Coração de Jesus. Ela falava menos<br />

de Nossa Senhora e do Imaculado<br />

Coração de Maria.<br />

E formou-se em mim – menino,<br />

bobinho – um estado de espírito pelo<br />

qual eu tinha uma espécie de dificuldade<br />

com a devoção a Nossa Senhora.<br />

Compreendia, achava bonito, mas<br />

tinha uma espécie de objeção contra<br />

aquilo. Uma objeção de mau espírito,<br />

porque no fundo dizia o seguinte:<br />

“Reza-se demais para Nossa Senhora.<br />

Devia-se orar menos para Ela e<br />

rezar mais para Jesus Cristo”, o que<br />

me fazia orar pouco para Ela. É uma<br />

péssima disposição de espírito.<br />

Eu não sabia que a Santíssima Virgem<br />

misericordiosamente me reservava<br />

um caminho especial nas vias<br />

d’Ela, de tal maneira que mais tarde<br />

– em virtude das circunstâncias que<br />

vou relatar daqui a pouco – a minha<br />

vida acabou sendo um ato de devoção<br />

contínua a Nossa Senhora e, por meio<br />

d’Ela, a Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Os fatos se passaram do modo<br />

mais inesperado possível. No Colégio<br />

São Luís, onde eu estudava, os<br />

padres distribuíam a cada aluno, todo<br />

mês, um boletim no qual consta-<br />

Imagem do Sagrado Coração<br />

de Jesus pertencente<br />

a Dona Lucilia<br />

va uma nota em cada matéria lecionada.<br />

A primeira matéria mencionada,<br />

a muito justo título, era Religião<br />

e depois vinham as outras.<br />

Em cada matéria havia dois quadradinhos<br />

especiais: um se referia à<br />

aplicação e outro ao comportamento.<br />

A nota de aplicação visava premiar<br />

o aluno que aprendia bem, ou<br />

censurar o que não fazia esforço para<br />

aprender, sendo relaxado e preguiçoso.<br />

A de comportamento considerava<br />

a conduta do aluno durante<br />

a aula: se conversava, dava risada<br />

do professor, atrapalhava por meio<br />

de provocações e brincadeiras os outros<br />

colegas.<br />

Os alunos deveriam levar os boletins<br />

para os seus pais. Em geral a<br />

distribuição era feita nas sextas-<br />

-feiras à tarde. Na segunda-feira,<br />

o aluno tinha que trazer de volta<br />

o boletim assinado pelo pai, e o<br />

colégio o arquivava.<br />

Minha conduta na aula era<br />

boa e em geral as notas eram<br />

elevadas, até bem elevadas.<br />

Quanto à aplicação, havia uma<br />

diferença. Certas matérias me<br />

interessavam muito, então dessas<br />

eu era um aluno bem bom.<br />

Religião, História, Francês, Português<br />

eram matérias de que eu<br />

gostava e me aplicava. Mas em Geografia,<br />

Matemática, Geografia do<br />

Brasil e outras coisas dessas, eu recebia<br />

notas menos altas porque não<br />

estudava. Eu tinha birra dessas matérias,<br />

não gostava de estudá-las e<br />

concentrava o melhor do meu esforço<br />

naquelas que apreciava.<br />

Mas mesmo nas matérias das<br />

quais eu não gostava as notas de aplicação<br />

eram suportáveis. Em comportamento,<br />

sendo um aluno muito calmo,<br />

tranquilo, disciplinado, graças a<br />

Deus eu tirava dez em todas as matérias,<br />

que era a mais alta nota.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

9


Gesta marial de um varão católico<br />

O homem vale pelo<br />

seu caráter<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Quando eu chegava em casa, Dona<br />

Lucilia estava à minha espera,<br />

porque ela já sabia que aquele era o<br />

dia da distribuição do boletim. Ela<br />

me perguntava:<br />

— Filhão, você trouxe seu boletim?<br />

Eu o tirava da minha pasta e entregava-lhe<br />

tranquilo porque já tinha<br />

visto as notas e sabia que tudo<br />

estava bom. Ela lia com atenção,<br />

depois em geral me beijava e<br />

fazia um comentário de uma<br />

matéria ou outra:<br />

— Matemática está muito<br />

baixa. Veja se você levanta<br />

essa nota no mês<br />

que vem. Você não quer<br />

apreender Geografia do<br />

seu país? O que é isto?<br />

Eu dava uma saída<br />

qualquer e percebia<br />

que ela não fazia uma<br />

questão fechada.<br />

Ela às vezes me dizia:<br />

— Eu fico especialmente<br />

contente por<br />

causa da nota dez de<br />

comportamento que você<br />

sempre tem. Você quer<br />

saber por quê?<br />

Eu dizia naturalmente<br />

que queria, e ela me dava<br />

sempre a mesma explicação:<br />

— Ninguém tem culpa de ser<br />

burro, tem culpa de ser ruim. Um<br />

aluno que tem nota baixa de comportamento<br />

não é burro, é ruim, não<br />

gosta da ordem, da disciplina, do esforço.<br />

Agora, um aluno que tem nota<br />

baixa de estudos significa que é burro,<br />

ele não tem culpa de não aprender<br />

aquela matéria, não dá para aquilo.<br />

Eu prefiro mil vezes ter um filho<br />

burro, mas bom, do que um filho<br />

ruim, mas inteligente, porque o homem<br />

vale pelo caráter. A inteligência<br />

é uma coisa de valor, mas secundária.<br />

Sem inteligência se vai para o<br />

Céu, sem caráter não.<br />

Eu ouvia aquilo que me era dito<br />

com muito afeto e achava que ela tinha<br />

razão. Ela fazia como se não<br />

soubesse se eu era inteligente ou<br />

não. E acrescentava:<br />

— Se você vier a dar um homem<br />

burro não tem culpa, está perdoado<br />

desde já, nem tenho o que perdoar.<br />

Dona Lucilia em 1912<br />

Mas se der um homem ruim será diferente;<br />

com sua mãe homem ruim<br />

não passa.<br />

Uma nota baixa em<br />

comportamento<br />

Certo dia, após a distribuição dos<br />

boletins, eu abri o meu e verifiquei<br />

que as notas estavam razoáveis. En-<br />

tretanto, a de comportamento na<br />

matéria Geografia era péssima, seis,<br />

muito abaixo do que Dona Lucilia<br />

toleraria. Se uma nota de comportamento<br />

fosse nove, ela toleraria, mas<br />

com uma observação: que isso não<br />

se repita; mas seis ela não toleraria.<br />

Olhei aquilo e fiquei pasmo. Pensei:<br />

“Eu não fiz nada na aula de Geografia,<br />

não tenho culpa nenhuma, isso é uma<br />

injustiça ou um engano de quem copiou<br />

essas notas. Mamãe agora vai ficar<br />

indignada e não sei o que vou fazer.<br />

Devo tirar essa nota do boletim.”<br />

Aí veio a criancice, a imbecilidade.<br />

Cogitei: “Preciso passar<br />

uma água em cima dessa<br />

nota seis.” Depois eu refleti:<br />

“Mamãe verá que passei<br />

água e vai perguntar<br />

o que eu quis esconder.”<br />

Como estava chovendo<br />

muito, pensei:<br />

“Vou lá fora, abro o boletim,<br />

cai água da chuva<br />

em cima e depois direi<br />

a ela: ‘Mamãe, eu<br />

quis ler o boletim na<br />

chuva e pingou água na<br />

nota de Geografia, como<br />

em outras partes do<br />

boletim’; e assim tapeio a<br />

coisa.”<br />

Fui para a chuva, mas<br />

houve algo incrível: chovia<br />

em torno da nota seis, porém<br />

nenhuma gota de água caía em<br />

cima do seis. Perdi a paciência,<br />

esperei cair uma gota grande de<br />

água e com um dedo molhei resolutamente<br />

a nota seis. Aí verifiquei que<br />

ficou uma porcaria, ela veria mesmo<br />

e eu teria que lhe dar explicações.<br />

E como diz a Escritura abyssus<br />

abyssum invocat – quer dizer, um abismo<br />

atrai outro abismo, um erro atrai<br />

outro erro, uma má ação atrai outra<br />

má ação –, resolvi escrever dez em cima<br />

do seis com a minha letra. Ela estava<br />

farta de conhecer minha letra e<br />

veria que era o auge da infantilidade e<br />

do não saber fazer as coisas.<br />

10


Maria Cecília França Monteiro da Silva (Acervo Particular)<br />

“Prefiro tudo na vida a<br />

ter um filho falsário”<br />

Quando chego em casa, ela, com<br />

seu afeto habitual, indagou:<br />

— Filhão, você tem seu boletim aí?<br />

— Tenho.<br />

— Deixe-me ver.<br />

Entreguei-o fechado. Eu costumava<br />

entregá-lo aberto para ela.<br />

Ela abriu e perguntou:<br />

— O que é isto aqui?!<br />

— Mamãe, caiu água.<br />

— Não me venha com essa história.<br />

Aqui em cima você escreveu dez.<br />

O que tinha embaixo? Por que você<br />

apagou o que estava embaixo?<br />

Eu disse:<br />

— Mamãe… tinha seis.<br />

— Ah?! O que você fez para seu<br />

professor de Geografia lhe desse<br />

seis?<br />

— Não fiz nada, mamãe, mas saiu<br />

essa nota. Não querendo aborrecer a<br />

senhora, eu arranjei um jeito de pôr<br />

uma nota que a deixasse contente;<br />

mas sabia que tinha feito mal.<br />

Mamãe ficou indignada e tirou logo<br />

uma conclusão cujo verdadeiro<br />

alcance eu não peguei na hora. Ela<br />

disse:<br />

— Prefiro tudo na vida a ter um<br />

filho falsário.<br />

Ela pronunciou a palavra “falsário”<br />

de tal maneira que eu senti, no<br />

modo de ela dizer, sem poder<br />

compreender bem, todo<br />

o mal que existe na falsificação.<br />

No meio de casos publicados<br />

nos jornais e contados<br />

na família, eu já tinha<br />

ouvido falar de falsário,<br />

qualificado nas conversas,<br />

como por toda parte<br />

se qualifica, como um crime<br />

realmente dos mais nocivos,<br />

mais condenáveis<br />

e, nessas condições, como<br />

uma coisa que rebaixava<br />

muito o homem.<br />

Naturalmente não se<br />

tratava de falsário de nota<br />

de colégio, eram falsários<br />

que falsificavam cheques<br />

de banco e coisas<br />

dessas, quer dizer, crimes<br />

de prender na cadeia,<br />

uma coisa muito mais séria,<br />

muito mais forte.<br />

Mas, enfim, ela disse “falsário” e<br />

toda aquela censura do falsário caiu<br />

em cima de mim. E acrescentou:<br />

— Você fique sabendo o seguinte:<br />

na segunda-feira seu pai irá ao Colégio<br />

São Luís, vai mostrar ao padre o<br />

que você fez e pedirá para verificar,<br />

nos assentamentos do colégio, qual<br />

é a sua verdadeira nota. Se foi uma<br />

nota errada que copiaram mal, você<br />

Colégio São Luís em fins de 1910<br />

<strong>Plinio</strong>, entre seus colegas, em 1921<br />

está perdoado; mas se de fato a nota<br />

real é seis, você não vai ficar mais<br />

um dia em São Paulo. Eu vou mandar<br />

você para o Colégio do Caraça.<br />

Eu fiquei pasmo:<br />

— Longe de casa, mamãe?<br />

— Sim, senhor. Eu não quero ter<br />

falsário perto de mim.<br />

Eu caí em vários abismos. Para<br />

mamãe não me querer mais perto<br />

dela, pode-se imaginar<br />

o que isso significava, era<br />

uma coisa horrorosa!<br />

Ela, ao mesmo tempo,<br />

me disse que esse Caraça<br />

era uma espécie de<br />

penitenciária para crianças,<br />

que só meninos meio<br />

criminosos é que iam parar<br />

lá. Não correspondia à<br />

verdade, pois era um dos<br />

melhores colégios do Brasil.<br />

Mas naquele tempo as<br />

comunicações eram mais<br />

difíceis, as pessoas estavam<br />

menos informadas do<br />

que hoje e ela tinha esse<br />

Biblioteca do Colégio São Luís<br />

11


Gesta marial de um varão católico<br />

Biblioteca do Caraça<br />

Colégio Caraça na década de 1920<br />

conceito errado a respeito do Colégio<br />

do Caraça.<br />

Ela me disse:<br />

— Vou mandá-lo para lá e você<br />

vai ficar um ano sem me ver e sem<br />

que eu possa vê-lo. Não pense que<br />

vou visitá-lo, porque mãe de falsário…<br />

eu não quero saber disso.<br />

Cada vez que ela dizia uma coisa<br />

dessas, que contrastava com o carinho<br />

requintadíssimo e dulcíssimo<br />

com que ela me tratava, eu me sentia<br />

mais achatado e mais esmagado pelo<br />

meu próprio delito: “Falsário, que<br />

coisa horrorosa!” Eu, sem saber bem<br />

o que isso significava, me sentia um<br />

falsário.<br />

Paralelamente com isso eu fiz uma<br />

outra ação, a qual não tenho razão<br />

para contar aqui, que foi uma ação<br />

má. Quer dizer, infelizmente eu estava<br />

atravessando dias ruins. Mamãe<br />

não sabia dessa ação. Se ela viesse a<br />

saber, eu não sei onde iria parar.<br />

Missa na Igreja Sagrado<br />

Coração de Jesus<br />

Mamãe pediu a papai para vir falar<br />

com ela na minha presença. Explicou-lhe<br />

o acontecido e papai naturalmente<br />

também não gostou nada<br />

do que eu fizera. Combinaram que<br />

ele iria na segunda-feira – no primeiro<br />

dia útil, portanto – ao Colégio São<br />

Luís para perguntar o que havia.<br />

Passou-se com isso a sexta-feira, o<br />

sábado – triste e aborrecido para mim.<br />

No domingo resolvi ir à Missa na Igreja<br />

do Coração de Jesus. Estava com<br />

pouco sono e acordei-me cedíssimo,<br />

quando costumava despertar tarde<br />

aos domingos. Levantei-me e fui sozinho<br />

à Missa, sem mamãe, nem papai,<br />

nem minha irmã, nem ninguém.<br />

Quando cheguei à igreja, esperava<br />

encontrar junto à imagem do Sagrado<br />

Coração de Jesus um banco para me<br />

ajoelhar e assistir à Missa. Mas notei<br />

uma cena inteiramente diferente.<br />

O Colégio do Coração de Jesus<br />

é colossal, toma as quatro faces de<br />

um quarteirão muito grande. Naquele<br />

tempo era um internato enorme,<br />

não sei quantos meninos cabiam<br />

ali. Eles estavam entrando na igreja<br />

a fim de assistirem à Missa, a qual<br />

era obrigatória para todos. Eles entravam<br />

em fila cantando e iam ocupando<br />

os lugares nos bancos.<br />

Eu vi logo que quase todos os<br />

bancos estavam ocupados e que não<br />

haveria nenhum livre, pois os padres<br />

fariam sair do banco qualquer menino<br />

que não fosse do colégio para dar<br />

lugar aos alunos.<br />

Senti-me rechaçado por todos<br />

os lados, por Deus e pelos homens:<br />

“Tudo me acontece mal, eu andei<br />

mal em dois pontos, sou um falsário,<br />

é uma coisa horrorosa, vou-me<br />

espremer neste canto da nave lateral<br />

– do lado direito de quem entra<br />

na igreja – e aqui vou ficar bem no<br />

fundo. Neste lugar a misericórdia de<br />

Deus ainda olha para um miserável<br />

falsário que aqui pode rezar durante<br />

a Missa.” Coloquei-me lá.<br />

Os meninos começaram a cantar,<br />

o padre entrou, iniciou a celebração<br />

da Missa e as coisas tomaram seu caminho<br />

normal. Por causa das colunas,<br />

eu não conseguia ver o padre e acompanhar<br />

seus movimentos; levantava-<br />

-me e ajoelhava seguindo o povo .<br />

Uma imagem alvíssima<br />

de Nossa Senhora<br />

Também não podia ver a imagem<br />

do Sagrado Coração de Jesus. A única<br />

imagem que eu via era a de Nossa<br />

Senhora, de mármore alvíssimo,<br />

branquíssimo. Maria Santíssima tinha<br />

o Menino Jesus num braço e<br />

no outro um cetro para indicar que<br />

Ela era Rainha porque Mãe do Homem-Deus.<br />

Nossa Senhora, portanto,<br />

mandava no mundo inteiro e tudo<br />

quanto Ela quisesse Deus faria;<br />

Ela participava de algum modo da<br />

onipotência d’Ele. O Criador A ama<br />

12


Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />

como a Mãe d’Ele. Podia imaginar<br />

como Deus A amava, imaginando<br />

quanto eu queria a minha mãe.<br />

Pensei: “Se eu que sou finito e um<br />

trapo amo minha mãe tanto, tanto,<br />

tanto, imagine como Deus, que é infinito,<br />

amará a Mãe d’Ele.” Mas conjeturem<br />

também como é Nossa Senhora<br />

para que Deus A tenha escolhido<br />

por Mãe, resolvido encarnar-Se<br />

n’Ela, passado um estado de gestação<br />

em seu claustro bendito e depois,<br />

através d’Ela, ter nascido para salvar<br />

o mundo, é uma coisa extraordinária.<br />

“Ela deve ser formidável!”<br />

pai me queria bem de um certo modo,<br />

mas outra era a maneira de mamãe<br />

me querer bem. Deus era Pai,<br />

infinito, perfeito, mas Ela tinha mais<br />

pena de mim, mais misericórdia, era<br />

mais acessível.<br />

Enquanto eu estava pensando assim<br />

e olhando para a imagem de<br />

Nossa Senhora, não se deu milagre<br />

nenhum, mas, sem que houvesse no<br />

rosto de mármore da imagem o menor<br />

movimento, alguma coisa se passou<br />

pelo que eu tinha impressão de<br />

que Ela me olhava cheia de bondade<br />

e com muita pena de mim.<br />

Por um certo sorriso que os lábios<br />

d’Ela não definiram – os lábios<br />

não se moveram, a imagem é de pedra,<br />

não pode mover-se –, eu tinha a<br />

impressão de que Ela sorria. E sorria<br />

como quem me conhece: “É o<br />

<strong>Plinio</strong>, filho de Dona Lucilia e de <strong>Dr</strong>.<br />

João Paulo”, e Ela olhava para mim<br />

com uma misericórdia e uma bondade<br />

especiais.<br />

<strong>Plinio</strong>: um menino de<br />

correção excepcional<br />

nas aulas<br />

O fato produziu na minha alma<br />

uma verdadeira reviravolta. Compreendi,<br />

então, quem era Nossa Senhora<br />

e o papel d’Ela para com cada<br />

um de nós quando andamos mal,<br />

não só quando procedemos bem.<br />

Quando andamos bem, Ela é uma<br />

Mãe indizivelmente boa para com<br />

o filho bom. É uma efusão mútua<br />

de afetos e carinhos, enormemente<br />

maior quando desce d’Ela até nós<br />

do que quando sobe de nós até Ela.<br />

Mas em certo momento os dois afetos<br />

se encontram e é como se fosse<br />

um arco voltaico, um arco-íris, a caminho<br />

do Céu.<br />

Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />

Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em<br />

São Paulo, no início do século XX<br />

Por um jogo natural de ideias veio-<br />

-me à mente que se eu, um falsário, me<br />

dirigisse ao Sagrado Coração de Jesus<br />

não seria atendido, mas que se pedisse<br />

por meio d’Ela seria acolhido. Porque<br />

assim como eu fazia tudo quanto<br />

mamãe queria, também Ele faria tudo<br />

quanto a Mãe d’Ele desejava.<br />

Ora, a Mãe de Deus teria – como<br />

eu já disse – a influência junto<br />

a Ele parecida com a que mamãe<br />

tinha sobre mim e, portanto, o que<br />

Ela pedisse Deus faria. Mas como<br />

era Mãe, Ela queria bem não como<br />

um pai quer um filho, mas à maneira<br />

que uma mãe quer um filho. Pa-<br />

Missa solene no Santuário do Sagrado Coração de<br />

Jesus, nos tempos da infância de <strong>Plinio</strong><br />

13


Gesta marial de um varão católico<br />

dlkcmo (CC BY 2.0)<br />

Então, sem ouvir nenhuma voz –<br />

como eu disse, não houve milagre<br />

nenhum –, alguma coisa me disse no<br />

interior da minha alma o seguinte:<br />

“Confie, Nossa Senhora rezará por<br />

você, tudo isso se resolverá e mamãe<br />

ficará bem com você de novo. Esse<br />

negócio vai passar porque Maria<br />

Santíssima pediu.”<br />

Voltei para casa e encontrei Dona<br />

Lucilia tal e qual. E não podia deixar<br />

de ser, porque ela só ia tomar conhecimento<br />

da solução do caso do boletim<br />

no dia seguinte. Para mim o que<br />

contava era ela. Se Dona Lucilia estava<br />

contente comigo, o mundo estava<br />

contente; se ela não estava, o resto<br />

não valia nada.<br />

Na segunda-feira, meu pai, que tinha<br />

ido ao Colégio São Luís, a horas<br />

tantas entrou em casa com uma<br />

cara calma, segura, tranquila. Olhei<br />

para ele – que nem percebeu que eu<br />

ali me encontrava – e percebi que estava<br />

preocupado com o chaveiro o<br />

qual não funcionava bem. Cogitei:<br />

“Se ele está pensando no chaveiro é<br />

porque não está preocupado comigo;<br />

tudo correu bem.”<br />

Meu pai era de Pernambuco e os<br />

pernambucanos antigos tinham o<br />

hábito de chamar as esposas de senhora.<br />

Ele aproximou-se de Dona<br />

Lucilia e disse:<br />

— Senhora, aqui está o boletim<br />

de vosso filho.<br />

Mamãe o pegou logo e perguntou:<br />

— O que houve?<br />

Ele respondeu:<br />

— O Padre Reitor, diretor do colégio<br />

com quem eu conversei, deu muita<br />

risada quando viu a borradela que o<br />

<strong>Plinio</strong> fez no boletim. Depois me disse<br />

que deveria ter havido um engano de<br />

cópia, porque o <strong>Plinio</strong> era em geral de<br />

uma boa educação e de uma correção<br />

excepcional nas aulas. Acontece que<br />

sempre é possível um menino fazer alguma<br />

coisa errada. E afirmou: “Se o<br />

padre deu essa nota, vou falar com ele<br />

para saber qual o motivo.”<br />

Depois de algum tempo, o reitor<br />

voltou com o boletim na mão, no<br />

qual ele escrevera uma nota dizendo<br />

ter havido um engano da secretaria<br />

que copiou errado, que a nota que<br />

o padre dera ao comportamento de<br />

<strong>Plinio</strong> era dez.<br />

Estava tudo resolvido e o céu azul…<br />

Prestando atenção nas<br />

palavras da “Salve Rainha”<br />

Enquanto eu estava na igreja, no<br />

domingo, orando a Nossa Senhora,<br />

não sabendo o que dizer para Ela,<br />

rezei uma Salve Rainha. Foi a primeira<br />

vez que prestei uma atenção<br />

séria nessa oração. O texto me pareceu<br />

lindíssimo – é mesmo uma verdadeira<br />

obra-prima – e convinha para<br />

minha situação. Aquelas palavras<br />

podiam-se adequar a<br />

um menino mal comportado<br />

e ameaçado<br />

de ir para uma espécie<br />

de penitenciária, como<br />

eu imaginava. Na<br />

aflição que eu estava<br />

elas convinham perfeitamente.<br />

“Salve” em latim é<br />

uma saudação, como<br />

quem diz “bom-dia”<br />

ou “eu te saúdo”. Mas<br />

eu não sabia isso, pensei<br />

que “salve” queria<br />

dizer “salvai-me”. Dizendo<br />

“Salve Rainha”<br />

eu entendia: “Rainha,<br />

salvai-me desse apuro.”<br />

Então eu pedia<br />

com um desejo<br />

enorme de ser atendido:<br />

“Mãe de misericórdia”.<br />

Eu pensava:<br />

“Está vendo?<br />

Mamãe é tão boa,<br />

eu a quero tão bem,<br />

mas Nossa Senhora<br />

é muito melhor do<br />

que ela.”<br />

Sérgio N.<br />

Isso é pura verdade. Nossa Senhora<br />

é melhor a perder de vista do que<br />

o mais santo dos homens e o primeiro<br />

dos Anjos. Nosso Senhor não fez<br />

criatura que fosse igual a Ela. Maria<br />

Santíssima é um escalão intermediário<br />

entre Deus e a Criação inteira.<br />

Há os homens, os Anjos, depois<br />

Nossa Senhora num ponto supremo<br />

e mais elevado que tudo, e infinitamente<br />

acima está Deus. Quer dizer,<br />

o que é Nossa Senhora nós nem temos<br />

uma ideia.<br />

Ora, essa noção de que Ela era<br />

uma pessoa excelsa eu tinha, mas<br />

não de sua bondade e misericórdia.<br />

Tudo isso fazia-me ter a ideia:<br />

“Vê como a Igreja trata a Virgem<br />

Santíssima. Diz que Ela é nossa vida,<br />

doçura e esperança. Que beleza! Então<br />

Nossa Senhora é nossa vida, essa<br />

Altar de Nossa Senhora Auxiliadora, visto<br />

do ângulo em que <strong>Plinio</strong> rezou a Ela<br />

14


Imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, diante da qual<br />

<strong>Plinio</strong> recebeu uma das maiores graças de sua vida<br />

Teodoro Reis<br />

criatura tão única que ninguém tem<br />

comparação com Ela. Mãe de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, Esposa do Divino<br />

Espírito Santo, Filha do Padre<br />

Eterno, Ela é Mãe de Misericórdia.<br />

Mãe já indica a ideia de misericórdia.<br />

Mãe de misericórdia é uma mãe<br />

toda feita de misericórdia.”<br />

Eu pensava: “De algum modo pode<br />

dizer-se isso de mamãe, mas quão<br />

menor é ela do que Nossa Senhora.<br />

Quão maior é Ela, mais perfeita,<br />

mais incomparável; ninguém é igual<br />

a Maria Santíssima. E como Ela tem<br />

pena de mim e sorri para mim. Ah,<br />

já sei! Com quem eu vou me arranjar<br />

na vida é Ela.”<br />

E realmente em casa as coisas todas<br />

se consertaram. Depois, ao longo<br />

dos anos, eu às vezes brincava com<br />

Dona Lucilia sobre o Colégio do Caraça<br />

e o filho “falsário” dela. Ela sorria<br />

porque eu brincava<br />

com muito carinho,<br />

muito respeito<br />

com ela, e o fato<br />

se perdeu nos tempos.<br />

Mas uma coisa<br />

ficou: a devoção a<br />

Nossa Senhora.<br />

Aplausos<br />

entusiásticos do<br />

público católico<br />

Tudo isso se passou<br />

antes do período<br />

em que, ainda na minha<br />

infância, senti a<br />

Revolução em pé contra<br />

mim como um leão<br />

– ou, pior, como uma<br />

hiena – e compreendi<br />

que a salvação de minha<br />

alma e o futuro de<br />

todo o mundo estavam<br />

arriscados se essa hiena<br />

não fosse derrubada;<br />

resolvi então combatê-la.<br />

Custasse o que<br />

custasse, com a proteção<br />

de Nossa Senhora,<br />

eu haveria de lutar contra ela e a Santíssima<br />

Virgem me daria a vitória.<br />

Minha vida foi transcorrendo, tive<br />

com a Revolução esse<br />

começo de luta no Colégio<br />

São Luís. Fiquei moço,<br />

a partir do Congresso<br />

da Mocidade Católica,<br />

em 1928, ingressei na<br />

Congregação Mariana de<br />

Santa Cecília. Mais tarde<br />

veio a fundação da Liga<br />

Eleitoral Católica e minha<br />

eleição como o deputado<br />

mais moço e mais<br />

votado do Brasil.<br />

Precisamente quando<br />

eu estava nesse píncaro,<br />

exercendo uma liderança<br />

enorme sobre todo o movimento<br />

católico do País,<br />

as coisas chegaram a<br />

um tal ponto que, sendo ainda muito<br />

moço e convidado continuamente<br />

para fazer conferências, discursos<br />

por todos os recantos do Brasil,<br />

o público católico tomou um tal entusiasmo<br />

e uma tal preferência por<br />

mim, que fazia coisas que me deixavam<br />

pasmo.<br />

Por exemplo, eu não era muito<br />

pontual e às vezes chegava atrasado<br />

até para a conferência que devia<br />

fazer. Mas o público era benévolo,<br />

e não só perdoava o meu atraso,<br />

mas até me recebia com manifestações<br />

de agrado e entusiasmo muito<br />

grandes. Quando eu entrava, às vezes<br />

vinha correndo do automóvel para<br />

o palco para compensar meu atraso.<br />

Pouco antes de chegar ao palco<br />

parava de correr e andava com passo<br />

normal. Quando eu entrava, o auditório<br />

inteiro se levantava para bater<br />

palmas.<br />

Discurso em homenagem<br />

a São José de Anchieta<br />

Entretanto, comecei a notar uma<br />

coisa que me encheu de pasmo. No<br />

próprio meio católico começaram a<br />

aparecer maledicências a meu respeito,<br />

como, por exemplo, que eu estava<br />

fazendo um número insuficiente de<br />

Clément Bardot (CC3.0)<br />

15


Gesta marial de um varão católico<br />

Maria Cecília França Monteiro da Silva (Acervo Particular)<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Plinio</strong> na Faculdade<br />

de Direito, em<br />

fins de 1928<br />

Cartaz na fachada da Igreja de Santo Antônio,<br />

em São Paulo, divulgando o Congresso<br />

da Mocidade Católica de 1928<br />

discursos na Constituinte, quando deveria<br />

falar mais; que eu tratava os deputados<br />

anticatólicos com uma dureza<br />

que chegava aos limites da brutalidade,<br />

e outras coisas assim.<br />

Ora, o Cardeal Leme, Arcebispo<br />

do Rio de Janeiro, mandou um recado<br />

aos deputados católicos dizendo<br />

esperar que não fizéssemos discursos,<br />

de maneira a não comprometer<br />

a combinação feita por ele com<br />

todos os deputados da Constituinte,<br />

para aprovar tudo quanto a Igreja<br />

queria. Segundo ele, já estava todo<br />

o jogo pronto e não havia dúvida<br />

a esse respeito. Por causa disso ficássemos<br />

quietos.<br />

Assim, eu não podia fazer outra<br />

coisa senão ficar quieto. Se fosse<br />

falar, cometeria uma irreverência<br />

contra a Igreja que mandava isso.<br />

Então, só discursava quando surgia<br />

uma ocasião boa na qual eu podia<br />

justificar ser indispensável falar.<br />

Houve, por exemplo, um centenário<br />

de Anchieta e eu aleguei ser<br />

preciso um deputado católico falar,<br />

porque Anchieta era uma grande<br />

personalidade do mundo católico,<br />

e que eu, deputado por São Paulo,<br />

ex-aluno dos Jesuítas – Anchieta<br />

era jesuíta –, tinha o direito de falar.<br />

Dom Leme concordou e fiz um<br />

discurso.<br />

Com voz tonitruante,<br />

redarguiu um deputado<br />

comunista<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Em outra ocasião, estava falando<br />

na tribuna um deputado comunista<br />

chamado Zoroastro de Gouveia.<br />

Em certo momento ele deu a entender<br />

mais ou menos esta ideia: o católico<br />

não podia ser um bom patriota<br />

porque dependia do papa, o qual<br />

para os católicos é uma potência estrangeira<br />

e, portanto, todo o católico<br />

estava disposto a trair o Brasil em favor<br />

da Igreja.<br />

Eu me levantei e, da primeira fileira<br />

que ficava a dois passos da tribuna,<br />

falei com uma voz verdadeiramente<br />

tonitruante:<br />

— Senhor deputado, venho lavrar<br />

o meu protesto mais categórico e indignado<br />

contra o insulto infame que<br />

Vossa Excelência acaba de atirar em<br />

rosto dos católicos...<br />

E tonitruei contra ele. A Câmara<br />

estava acabando o trabalho do dia,<br />

os deputados cochilavam e alguns<br />

cochichavam. Quando saiu aquele<br />

barulho todos se levantaram:<br />

— O que é isso aí?<br />

O Zoroastro de Gouveia ficou<br />

pasmo com aquilo tudo, sem saber<br />

como responder. Então me disse alguma<br />

coisa qualquer, eu mais uma<br />

vez protestei e ele saiu da tribuna.<br />

Esse episódio deixou tal lembrança<br />

em quem o presenciou que, uns<br />

trinta anos depois, precisei ir à Câmara<br />

dos Deputados, em Brasília,<br />

para levar um protesto de proprietá-<br />

Congregação Mariana de Santa<br />

Cecília, em novembro de 1931.<br />

<strong>Plinio</strong> aparece na extremidade direita,<br />

de pé, com um envelope na mão.<br />

16


ios rurais contra a Reforma<br />

Agrária que já<br />

naquele tempo se queria<br />

fazer. Ali indicaram<br />

que entregássemos o<br />

protesto ao secretário<br />

da Câmara para ele encaminhá-lo<br />

ao Governo.<br />

Chegando lá, cumprimentamo-nos<br />

e entregamos-lhe<br />

aquele<br />

protesto. Ele começou<br />

a tomar notas, trabalhos<br />

de burocrata, e<br />

em certo momento fitou-me.<br />

Pensei: “Já estou<br />

vendo o que está na<br />

cabeça desse homem...”<br />

Ele parou o serviço e me perguntou:<br />

— Diga-me uma coisa, o senhor já<br />

foi deputado?<br />

— Já.<br />

— Não foi o senhor que passou<br />

aquela descompostura no deputado<br />

Zoroastro de Gouveia?<br />

Trinta anos depois o homem ainda<br />

estava lembrado da descompostura!<br />

Mas, apesar disso, a difamação<br />

circulava.<br />

Aspecto de uma reunião da Assembleia Constituinte, em 1934.<br />

Em destaque: Deputado Zoroastro Gouveia durante o seu mandato.<br />

Uma freira procurou<br />

denegri-lo<br />

Eu notava também – e isso me impressionava<br />

mais – que, da parte dos<br />

católicos e de alguns daqueles a quem<br />

tinha em conta de bons católicos, vinha<br />

uma indizível série de pequenas<br />

indiretas contra mim, na minha presença,<br />

que indicavam haver uma conspirata<br />

qualquer para me afastar, pôr-<br />

-me de lado, e eu não sabia a razão.<br />

Uma coisa característica foi isto:<br />

durante esse tempo, criou-se em São<br />

Paulo a Universidade Católica e fui<br />

nomeado professor de História da Civilização<br />

de duas faculdades dessa universidade.<br />

Certo dia, eu estava lecionando<br />

e uma freira veio me pedir licença,<br />

dizendo que estava ali presente<br />

uma compatriota dela, belga, a qual tinha<br />

ouvido falar muito das minhas aulas<br />

e queria assistir a uma delas.<br />

Eu disse:<br />

— Pois não, à vontade. Arranjem<br />

uma cadeira mais confortável para a<br />

freira poder assistir à aula, e eu tenho<br />

todo o gosto de lecionar diante<br />

dela.<br />

Quando terminou a aula, pensei<br />

que ela estaria de pé na porta para<br />

me cumprimentar, porque seria o<br />

normal, uma vez que eu lhe dera licença<br />

de assistir à minha aula. Mas<br />

ela tinha sumido.<br />

Algum tempo depois, encontrei a<br />

freira que fizera o pedido e perguntei:<br />

— O que aquela freira belga<br />

achou da minha aula?<br />

— Ah, ela fez um comentário<br />

muito elogioso.<br />

Pareceu-me esquisito que ela não<br />

fizesse o comentário elogioso para<br />

mim, mas fosse fazê-lo para a outra.<br />

Pensei: “Aqui tem ronha...”<br />

— Ah, sim, está bem. E o que ela<br />

comentou? – perguntei.<br />

— Ela disse que o senhor é um<br />

professor tão claro que, segundo<br />

o parecer dela, está mal empregado<br />

numa universidade, e seria muito<br />

melhor que o senhor fosse utilizado<br />

numa escola para débeis mentais<br />

porque, sendo claro como o senhor<br />

é, até esses conseguiriam entendê-lo.<br />

Ou seja, o senhor ficaria melhor<br />

empregado lecionando para uma escola<br />

de bobos. Ora, isso não é elogio,<br />

mas sim denegrir um professor,<br />

e de um modo muito esquisito, porque<br />

não é degradar por um defeito,<br />

mas por uma qualidade. Quer dizer,<br />

a qualidade é tão grande que até merece<br />

ser degradado.<br />

Divulgação<br />

17


Gesta marial de um varão católico<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Discussões vivíssimas<br />

com católicos de ideias<br />

revolucionárias<br />

Comecei a notar também que, fazendo<br />

parte do Movimento Católico,<br />

começava a se formar uma ala de<br />

gente que professava uma doutrina<br />

inteiramente diferente da Doutrina<br />

tradicional da Igreja.<br />

Essas pessoas achavam, por exemplo,<br />

que até então a Igreja tinha feito<br />

muito mal em proibir danças e a<br />

ida a lugares suspeitos, porque isso<br />

fazia com que os bons, separando-se<br />

dos maus, nunca tivessem oportunidade<br />

de convertê-los. Então o mundo<br />

ficava rachado em dois: os bons<br />

e os maus. O que os bons deviam fazer<br />

era misturar-se completamente<br />

com os maus e ir até aos lugares<br />

de perdição, porque ali, se tivessem<br />

comungado de manhã, eles levariam<br />

“o Cristo” – não diziam “Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo”. “O Cristo” presente<br />

neles haveria de converter essas<br />

pessoas.<br />

Sede do Legionário na Rua<br />

Imaculada Conceição<br />

De maneira que, segundo essa<br />

concepção, tudo deveria mudar. Os<br />

católicos precisavam se modernizar,<br />

tornar-se gente muito capaz de<br />

coisas engraçadas, pilhérias, etc. As<br />

moças deveriam fazer concessões em<br />

matéria de trajes, ler revistas inteiramente<br />

mundanas.<br />

Integrantes dessa corrente fizeram<br />

reuniões comigo e tivemos algumas<br />

discussões vivíssimas a esse<br />

respeito. Notei que a corrente estava<br />

imbuída de ideias da Revolução<br />

Francesa.<br />

Certa noite, eu estava na sede do<br />

“Legionário”, semanário católico do<br />

qual era o diretor. O andar térreo do<br />

prédio era todo ocupado pelas dependências<br />

do jornal. No piso superior,<br />

havia um salão grande que tomava<br />

o andar inteiro e servia de sala<br />

de conferências ou de teatro. Eu<br />

estava embaixo, trabalhando com<br />

outros nos preparativos do próximo<br />

número do “Legionário”, e notei<br />

que essa ala nova estava fazendo<br />

uma festa no salão de cima. De onde<br />

me encontrava podia<br />

ouvir as músicas<br />

que cantavam e alguma<br />

coisa dos discursos<br />

que faziam. Era<br />

tudo ao revés do que<br />

somos e defendemos.<br />

Houve um<br />

menino que,<br />

numa hora<br />

muito difícil,<br />

clamou a Nossa<br />

Senhora<br />

Em certo momento,<br />

um deles desceu e<br />

me disse o seguinte:<br />

— <strong>Plinio</strong>, eu vim<br />

falar com você uma<br />

coisa muito séria.<br />

Pensei: “Como pode<br />

ser séria, se você<br />

não é sério?”<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em fevereiro de 1985<br />

— Mas o que é? – perguntei.<br />

— Você note a diferença entre os<br />

dois andares. Você aqui embaixo e<br />

os seus jovens do “Legionário” representam<br />

a Igreja antiga, séria, que<br />

reza, trabalha, luta contra o adversário.<br />

Nós, em cima, representamos a<br />

Igreja nova, que ri, dança, se diverte,<br />

vai para a praia, para a piscina,<br />

vai por toda parte levando “o Cristo”.<br />

Mas uma coisa eu queria avisar<br />

a você: está feita uma combinação<br />

de mudar completamente a Igreja,<br />

de fazer com que a Igreja antiga cesse<br />

de existir, e dentro da casca dessa<br />

Igreja antiga apareça uma Igreja<br />

nova que somos nós. Agora, qual é o<br />

18


Daniel A.<br />

Nossa Senhora Auxiliadora (acervo particular)<br />

seu futuro? Se você aderir<br />

à Igreja nova, temos muita<br />

força política e não há cargo<br />

político a que não elevemos<br />

você. Mas se você<br />

continuar nessa situação<br />

em que está, aos poucos a<br />

Igreja vai passando completamente<br />

para o outro<br />

lado, você vai ficar só e<br />

completamente esmagado,<br />

o seu futuro acabou.<br />

Você vai acabar por ser<br />

um desconhecido.<br />

Olhei para ele, e disse:<br />

— Fulano – não quero revelar o<br />

nome dele –, eu prefiro tudo a vender-me.<br />

E você saiba que ainda que<br />

eu deva ser o último dos homens, serei<br />

o último dos soldados da Igreja<br />

tradicional, mas ela nunca morrerá.<br />

Afirmar que serei o último dos<br />

soldados é um modo de dizer, porque<br />

depois de mim virão outros que<br />

pensarão como eu, mas a Igreja não<br />

morre.<br />

— Bem, você foi avisado. Depois<br />

não se queixe...<br />

— Eu só me queixaria se soubesse<br />

que Deus vai me abandonar na luta.<br />

Mas isso nunca acontecerá, porque<br />

tenho confiança n’Ele e em Nossa<br />

Senhora. Poderá suceder que eu<br />

seja derrotado; porém outros virão<br />

e vencerão, mas não abandono a minha<br />

posição.<br />

Nunca mais nos falamos. Realmente,<br />

ele foi alçado aos mais altos<br />

graus. Eu, a esses graus não subi. Eu<br />

sou <strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira.<br />

Os anos escoaram e até aqui chegamos.<br />

Durante esse período, houve<br />

perseguições de todo tamanho contra<br />

minha Obra, estrondos publicitários<br />

aos quais temos respondido<br />

na ponta da lança continuamente.<br />

O fato concreto é que nunca ninguém<br />

conseguiu vencer-nos, crescemos<br />

cada vez mais e jamais perdemos<br />

a confiança. Isso porque houve<br />

um menino que, numa hora muito<br />

dura de sua existência, recebeu uma<br />

graça e clamou a Nossa Senhora, dizendo:<br />

“Salve, Rainha, Mãe de Misericórdia,<br />

vida, doçura, esperança<br />

nossa, salve!”<br />

Rezando o Rosário e comungando<br />

todos os dias, confiando na Santíssima<br />

Virgem como Mãe e Rainha<br />

de Misericórdia, vida, doçura, esperança<br />

nossa, Medianeira universal<br />

de todas as graças junto a seu Divino<br />

Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

nós temos resistido e resistiremos; e<br />

com a ajuda d’Ela levaremos a luta<br />

até à vitória!<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

28/2/1995)<br />

19


De Maria nunquam satis<br />

Tocha ardente de<br />

amor a Deus<br />

Não podemos nos salvar se não<br />

tivermos amor sobrenatural<br />

a Deus, e é Nossa Senhora,<br />

Medianeira de todas as graças,<br />

que nos obtém esse amor. Ela<br />

ama o Criador mais do que todos<br />

os Anjos e homens juntos, e, à<br />

maneira de uma tocha a qual<br />

se acende no Sol, transmite<br />

esse fogo às outras criaturas.<br />

J.P.Ramos<br />

Pediram-me para tratar a respeito da invocação de<br />

Nossa Senhora do Divino Amor, cuja festa se comemora<br />

no sábado anterior ao domingo de Pentecostes.<br />

Qual é o sentido profundo dessa devoção?<br />

Só obteremos o amor de Deus<br />

por meio de Nossa Senhora<br />

A coisa mais preciosa que o homem pode ter nesta<br />

Terra e lhe granjeia o Céu é o amor de Deus. Este é o<br />

primeiro dos Mandamentos o qual dá valor a todos os<br />

outros. Se uma pessoa cumprisse os nove Mandamentos,<br />

por outras razões que não o amor de Deus, aos olhos<br />

d’Ele não teria valor, porque é preciso que tudo seja feito<br />

por amor do Criador para ter valor. Portanto, a virtude<br />

cúpula, a virtude áurea, de acordo com a Doutrina<br />

Católica é o amor de Deus.<br />

20<br />

Mãe do Belo Amor<br />

(acervo particular)


Por outro lado,<br />

é este amor que<br />

nos abre a porta do<br />

Céu, onde nós estaremos<br />

praticando<br />

um eterno ato de<br />

amor de Deus. De<br />

maneira que essa<br />

invocação se refere<br />

a Nossa Senhora<br />

enquanto nos obtendo<br />

e comunicando<br />

a mais alta virtude<br />

e o mais elevado<br />

dom que Ela teve e<br />

que pode ser obtido<br />

para uma criatura.<br />

Isto posto, precisamos<br />

nos perguntar<br />

qual é o papel<br />

de Maria Santíssima<br />

na obtenção<br />

e na difusão do<br />

amor de Deus.<br />

A questão se põe de um modo muito simples. É uma<br />

verdade de Fé, a qual ninguém pode negar sob pena de<br />

pecado mortal, que Nossa Senhora é a Medianeira de todas<br />

as graças, ou seja, todas as súplicas dirigidas a Deus<br />

passam por Ela, de tal maneira que os pedidos de todos<br />

os Santos do Céu, feitos em união com Maria, são atendidos,<br />

mas se Ela não pedisse com eles não seriam ouvidos.<br />

Entretanto Ela pedindo sozinha é atendida. Assim,<br />

todas as graças concedidas por Deus nos chegam por<br />

meio d’Ela. Por vontade divina, a Santíssima Virgem é o<br />

canal por onde todas as preces sobem a Deus e todas as<br />

graças descem para os homens. Logo, o amor de Deus é<br />

Ela que nos obtém.<br />

O amor natural e o sobrenatural a Deus<br />

Em princípio, poderíamos considerar o amor a Deus<br />

em duas linhas: o natural e o sobrenatural. O amor natural<br />

a Deus seria o praticado por alguém que não conhecesse<br />

senão a religião natural. Há certas verdades a respeito<br />

de Deus que os homens conhecem simplesmente<br />

pela razão, não porque estejam na Escritura e, portanto,<br />

tenham sido reveladas, nem por constarem da Tradição,<br />

mas por serem dedutíveis pela razão humana. Por exemplo:<br />

há um só Deus supremo, criador de todas as coisas,<br />

infinitamente perfeito, misericordioso, justo, que ama<br />

os homens e os chama para uma vida eterna depois desta<br />

existência. Essas verdades o homem conhece simplesmente<br />

por sua razão e, de si, justificam o amor a Deus.<br />

O Paraíso - Museu Condé, Chantilly, França<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Mas para nós,<br />

que fomos batizados<br />

e temos a Fé e<br />

toda a vida da graça<br />

a qual a Igreja oferece,<br />

não há apenas<br />

esse amor natural a<br />

Deus. Existe também<br />

o amor sobrenatural,<br />

fruto específico<br />

de um conhecimento<br />

sobrenatural<br />

de Deus. Quer<br />

dizer, o que nós conhecemos<br />

de Deus<br />

pela Revelação e<br />

pela graça é incomparavelmente<br />

mais<br />

do que a nossa simples<br />

razão poderia<br />

alcançar. A Santíssima<br />

Trindade, por<br />

exemplo, nós não<br />

conhecemos pela<br />

nossa razão, mas por nos ter sido revelada. E assim uma<br />

caudal enorme de verdades de Fé fundamentais que nós<br />

só conhecemos porque Deus revelou.<br />

Ensina-nos a Igreja que esse ato pelo qual a razão humana<br />

adere ao que foi revelado é um ato sobrenatural,<br />

ou seja, sem uma graça concedida por Deus para isso, o<br />

homem é incapaz de crer. Embora o ato de Fé seja conforme<br />

à razão e justificado por ela, o simples raciocínio<br />

não basta para que o homem o pratique. Ele precisa de<br />

um auxílio especial o qual já é, nesta Terra, o começo da<br />

visão beatífica, uma semente do que faremos quando, no<br />

Céu, contemplarmos Deus face a face.<br />

Este ato de conhecimento sobrenatural traz como<br />

consequência o amor de Deus, que é sobrenatural<br />

também. Um amor que só pode ser obtido, portanto,<br />

por meio de uma graça. E este amor que vem, portanto,<br />

de Deus para nós a fim de O amarmos, é preciso<br />

que antes Ele nos tenha amado e nos tenha dado a<br />

graça de amá-Lo. O primeiro passo é d’Ele para conosco<br />

e não nosso para com Ele. E este amor sobrenatural<br />

nos vem da graça; sem a graça nós absolutamente<br />

não o obteríamos.<br />

É Nossa Senhora que pede para nós a Fé e a graça do<br />

amor. E sem a graça nós não teríamos nem a Fé, nem o<br />

amor sobrenatural.<br />

Ela é a Medianeira que nos obtém do Criador este<br />

amor sobrenatural a Ele. O católico não pode salvar-se<br />

sem um amor sobrenatural de Deus.<br />

21


De Maria nunquam satis<br />

J.P.Ramos<br />

Capela do Santíssimo na Igreja<br />

da Consolação, em destaque<br />

Nossa Senhora do Divino Amor<br />

Verdadeira alma<br />

do apostolado<br />

Não basta dizer que Maria<br />

Santíssima, por sua intercessão,<br />

nos obtém este amor. Ela é<br />

um reservatório, uma tocha ardente<br />

deste amor e o comunica<br />

aos outros. Ela, que ama mais<br />

a Deus do que todas as criaturas<br />

juntas O amam, transmite o amor<br />

para as criaturas. Mais ou menos<br />

como uma tocha a qual se acende no<br />

Sol, que é Deus, e depois passa o fogo<br />

a todas as outras criaturas. Ela é um reservatório,<br />

um mar, um oceano imenso de<br />

amor e o transmite aos outros.<br />

Assim, em última análise, para todos os problemas<br />

de nossa vida interior temos que pedir, antes de tudo, o<br />

amor de Deus. Precisamos agradecer o amor de Deus que<br />

nós recebemos e pedir mais. E não podemos fazer a Nossa<br />

Senhora uma súplica mais agradável do que pedir-Lhe isso.<br />

Se o tivermos praticaremos todas as outras virtudes. Se não<br />

o possuirmos não praticaremos nenhuma virtude.<br />

A repercussão disso no apostolado é enorme. Porque<br />

o apostolado é um ato pelo qual uma pessoa comunica a<br />

outra o conhecimento de Deus, através da Fé, e o amor<br />

J.P.Ramos<br />

de Deus, por meio do bom conselho.<br />

Meu ato de apostolado só<br />

pode ser fecundo se uma ação<br />

sobrenatural da graça ajudá-<br />

-lo. Senão, é inteiramente incapaz<br />

de fazer qualquer coisa<br />

boa. Recordem-se da comparação:<br />

a graça seria algo de<br />

mais ou menos parecido com a<br />

energia elétrica que passa pelo<br />

tungstênio.<br />

Então, Nossa Senhora é a verdadeira<br />

alma de meu apostolado.<br />

Porque é por meio d’Ela que obtenho<br />

as graças para ele frutificar.<br />

O princípio fundamental do livro de<br />

Dom Chautard, Alma de todo apostolado, está<br />

representado nesta invocação: “Nossa Senhora<br />

do Amor Divino”. Quer dizer, a Santíssima Virgem enquanto<br />

dando ao apóstolo o amor de Deus e o ajudando<br />

a transmiti-lo para as outras pessoas. Nossa Senhora é a<br />

condição fundamental de minha vida espiritual e da fecundidade<br />

de meu apostolado.<br />

Aquela famosa figura oriental de Maria Santíssima,<br />

que está rezando e tem dentro de Si o Menino Jesus<br />

com um pergaminho, ensinando, poderia se chamar<br />

perfeitamente Nossa Senhora do Amor de Deus. En-<br />

22


quanto Ela reza, na pessoa d’Ela o Divino Infante ensina.<br />

Então, também é Ela enquanto ora que obtém para<br />

todo mundo o amor de Deus, ou seja, o Menino Jesus<br />

fala a todas as almas, em Nossa Senhora, dando-nos<br />

o amor de Deus. Portanto, para quem quer cultivar a fecundidade<br />

no apostolado – o apostolado individual, por<br />

exemplo – é absolutamente fundamental uma compenetração<br />

da importância de Nossa Senhora neste sentido.<br />

O Reino de Maria será o<br />

Reino do Espírito Santo<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em novembro de 1985<br />

Na capela do Santíssimo Sacramento da Igreja da<br />

Consolação, em São Paulo, sobre uma coluna à direita de<br />

quem olha para o altar, há uma imagem de Nossa Senhora<br />

do Divino Amor, lavrada em madeira, em cujo Coração<br />

está a figura do Espírito<br />

Santo.<br />

Certa ocasião, rezando<br />

diante dessa imagem,<br />

vinha-me ao espírito esta<br />

consideração: Como seria<br />

a alma de Nossa Senhora<br />

enquanto inundada pelo<br />

Divino Paráclito? Se eu<br />

pudesse penetrar na santíssima<br />

alma d’Ela, como<br />

se entra numa catedral, o<br />

que veria?<br />

É próprio do Espírito<br />

Santo comunicar a graça<br />

divina, um dom criado<br />

de caráter espiritual e, ao<br />

mesmo tempo, uma participação<br />

na vida de Deus; a<br />

graça nos transmite a própria<br />

vida divina. Compreende-se,<br />

assim, a relação<br />

possante existente entre a<br />

graça e o Espírito Santo.<br />

Maria Santíssima é nossa<br />

Mãe, mas também a<br />

Esposa do Divino Espírito<br />

Santo, que n’Ela gerou<br />

misteriosamente o Menino<br />

Jesus, tornando-Se,<br />

por esta razão, medianeira<br />

universal e omnipotente<br />

junto a Ele. Assim, sendo<br />

a Mãe da Divina Graça<br />

e Esposa do Divino Espírito<br />

Santo, Ela pede por nós as graças e é atendida. De<br />

maneira que Ela é o canal do Divino Espírito Santo junto<br />

a nós.<br />

Por ser cheia de graça, Ela transborda das graças do Espírito<br />

Santo, e nunca ninguém teve a graça que Ela possui.<br />

E é da exuberância de suas graças que Ela nos comunica a<br />

graça. Então, tudo quanto Dom Chautard afirma a respeito<br />

do apóstolo, que deve ser um reservatório de graças de<br />

cuja exuberância todos se abeberam, diz-se de Nossa Senhora<br />

de um modo superexcelente, maravilhoso.<br />

Por causa disso também, o Reino de Maria será o Reino<br />

do Divino Espírito Santo. São Luís Grignion de Montfort<br />

deixou isso claro no Tratado da Verdadeira Devoção<br />

à Santíssima Virgem: houve o Reino de Deus Padre e o de<br />

Deus Filho, depois virá o Reino do Divino Espírito Santo,<br />

que terminará num dilúvio de fogo de amor e de justiça.<br />

Esses três reinos sucessivamente devem marcar as<br />

três grandes eras da História.<br />

Portanto, assim como<br />

acreditamos que vem<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

o Reino de Maria, devemos<br />

crer na vinda do Reino<br />

do Divino Espírito<br />

Santo.<br />

Simetricamente com isso,<br />

Nossa Senhora obterá<br />

– é uma conjectura minha<br />

– que o Divino Espírito<br />

Santo instaure um foco<br />

pujantíssimo d’Ele, que<br />

floresça com todos os seus<br />

dons na Terra, então desinfestada<br />

e purificada da<br />

presença imunda dos demônios.<br />

Vamos ficar pasmos com<br />

duas coisas que são novas<br />

para nós: a fraqueza do mal<br />

e a força do bem. Hoje em<br />

dia nós vivemos consternados<br />

com a fraqueza do bem<br />

e a força do mal. Porém, virada<br />

essa página da História,<br />

teremos o gáudio de<br />

constatar a força do bem e<br />

a fraqueza do mal. Isso levará<br />

nossas almas a não sei<br />

que estado de alegria. v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 25/10/1971 e<br />

26/11/1985)<br />

23


Flávio Lourenço<br />

C<br />

alendário<br />

São Ricardo Pampuri<br />

1. São José Operário.<br />

São Ricardo Pampuri, religioso<br />

(†1930). Após ter exercido generosamente<br />

a medicina na vida secular, ingressou<br />

na Ordem Hospitalar de São<br />

João de Deus. Dois anos depois adormeceu<br />

piedosamente no Senhor em<br />

Milão, Itália.<br />

2. Santo Atanásio, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†373). Ver página 2.<br />

Santa Vilborada, virgem e mártir<br />

(†926). Viveu recolhida numa pequena<br />

cela junto à Igreja de São Magno,<br />

em São Galo, Suíça, onde levou vida<br />

de oração e sacrifícios. Foi martirizada<br />

pelos invasores húngaros.<br />

3. IV Domingo da Páscoa.<br />

São Filipe e São Tiago Menor,<br />

Apóstolos.<br />

Beata Maria Leônia Paradis, virgem<br />

(†1912). Fundadora da Congregação<br />

das Irmãzinhas da Sagrada Família,<br />

em Sherbrooke, Canadá.<br />

4. São Silvano de Gaza, bispo, e<br />

companheiros, mártires (†c. 304). Por<br />

ordem do Imperador Maximino Daia,<br />

foi condenado a trabalhos forçados e<br />

dos Santos – ––––––<br />

decapitado nas minas de Feno, Palestina,<br />

com mais trinta e nove cristãos.<br />

5. Beato Gregório Frackowiak, mártir<br />

(†1943). Religioso da Sociedade do<br />

Verbo Divino, preso e decapitado em<br />

<strong>Dr</strong>esden, Alemanha.<br />

6. Beata Maria Catarina Troiani,<br />

virgem (†1887). Religiosa franciscana<br />

nascida na Itália, que fundou no Cairo,<br />

Egito, as Irmãs Franciscanas Missionárias.<br />

7. Santo Agostinho Roscelli, presbítero<br />

(†1902). Fundou em Gênova,<br />

Itália, a Congregação das Irmãs da<br />

Imaculada Conceição da Bem-Aventurada<br />

Virgem Maria.<br />

8. São Viro, missionário (†c. 700).<br />

Juntamente com os companheiros<br />

Plechelmo e Odgero, desenvolveu, segundo<br />

a tradição, um grande trabalho<br />

apostólico para evangelizar a região<br />

de Roermond, Holanda.<br />

9. Beata Maria Teresa de Jesus,<br />

virgem (†1879). Fundou com insigne<br />

previdência a Congregação das Pobres<br />

Irmãs Escolásticas de Nossa Senhora,<br />

em Munique, Alemanha.<br />

10. V Domingo da Páscoa.<br />

Beato Henrique Rebuschini, presbítero<br />

(†1938). Sacerdote da Ordem<br />

dos Clérigos Regulares Ministros dos<br />

Enfermos, que prestou serviço aos<br />

doentes em hospitais de Verona e<br />

Cremona, Itália.<br />

11. São Francisco de Jerônimo,<br />

presbítero (†1716).<br />

12. São Nereu e Santo Aquiles,<br />

mártires (†s. III).<br />

São Pancrácio, mártir (†s. IV).<br />

São Modoaldo, bispo (†c. 647). Na<br />

Diocese de Tréveris, Alemanha, construiu<br />

e favoreceu igrejas e mosteiros,<br />

instituiu várias comunidades de virgens,<br />

e foi sepultado junto de sua irmã<br />

Severa.<br />

Gabriel K.<br />

13. Nossa Senhora de Fátima.<br />

Santa Inês de Poitiers, abadessa<br />

(†588). Consagrada pela bênção de<br />

São Germano de Paris, governou com<br />

espírito de caridade o mosteiro de<br />

Santa Cruz de Poitiers, França.<br />

14. São Matias, Apóstolo.<br />

Beato Gil de Vouzela, presbítero<br />

(†1265). De nobre família portuguesa,<br />

após exercer a medicina em Paris,<br />

ingressou na Ordem Dominicana, falecendo<br />

em Santarém, Portugal.<br />

15. São Retício, bispo (†s. IV). Governou<br />

a diocese de Autun, França,<br />

sobressaindo-se por seus dons de pregador<br />

e sua sabedoria.<br />

16. São Possídio, bispo (†d. 437).<br />

Discípulo e amigo de Santo Agostinho,<br />

assistiu à sua morte e escreveu sua bio-<br />

Santo Urbano I<br />

24


––––––––––––––––––– * Maio * ––––<br />

Flávio Lourenço<br />

disciplina eclesiástica, favoreceu os estudos<br />

dos clérigos, dignificou o culto divino<br />

e promoveu a paz entre os povos.<br />

22. Santa Rita de Cássia, religiosa<br />

(†c. 1457).<br />

Beata Maria Domingas Brun Barbantini,<br />

religiosa (†1868). Após ficar<br />

viúva fundou a Congregação das Irmãs<br />

Ministras dos Enfermos de São<br />

Camilo, em Lucca, Itália.<br />

Daniel Dias<br />

São Possídio<br />

grafia. Foi Bispo de Calama, Argélia, e<br />

combateu a heresia donatista.<br />

17. VI Domingo da Páscoa.<br />

São Pedro Liu Wenyuan, mártir<br />

(†1834). Catequista estrangulado em<br />

Guiyang, China, por causa de sua fé<br />

em Cristo.<br />

18. São João I, Papa e mártir (†526).<br />

Beato Estanislau Kubski, presbítero<br />

e mártir (†1942). No tempo da<br />

guerra, morreu intoxicado nas câmaras<br />

de gás, no campo de concentração<br />

de Dachau, Alemanha.<br />

19. Santo Urbano I, Papa (†230).<br />

Governou fielmente durante oito<br />

anos a Igreja, após o martírio de São<br />

Calisto.<br />

20. São Bernardino de Sena, presbítero<br />

(†1444).<br />

Beata Maria Crescência Pérez, virgem<br />

(†1932). Religiosa da Congregação<br />

das Filhas de Maria Santíssima do<br />

Horto, na Argentina. Por problemas<br />

de saúde, foi transferida para Vallenar,<br />

Chile, onde faleceu aos 35 anos.<br />

21. São Cristóvão Magalhães, presbítero,<br />

e companheiros, mártires (†1927).<br />

Santo Hemming, bispo (†1366). Na<br />

Diocese de Abo, Finlândia, renovou a<br />

23. Beatos José Kurzawa e Vicente<br />

Matuszewski, presbíteros e mártires<br />

(†1940). Durante a ocupação da Polônia,<br />

foram mortos a tiros, na cidade<br />

de Witowo.<br />

24. Ascensão do Senhor.<br />

Nossa Senhora Auxiliadora.<br />

Beato João de Prado, presbítero e<br />

mártir (†1631). Franciscano espanhol<br />

enviado para o norte da África a fim de<br />

prestar auxílio espiritual aos cristãos reduzidos<br />

à escravidão. Tendo sido preso,<br />

confessou vigorosamente sua Fé perante<br />

o tirano Mulay al-Walid e foi por ele<br />

condenado a morrer na fogueira.<br />

25. São Gregório VII, Papa (†1085).<br />

Ver página 26.<br />

São Beda, o Venerável, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†735).<br />

Santa Maria Madalena de Pazzi,<br />

virgem (†1607).<br />

Beato Gerardo Mecatti, eremita<br />

(†c. 1245). Seguindo o exemplo de<br />

São Francisco, distribuiu seus bens<br />

aos pobres e retirou-se à solidão em<br />

Villamagna, Itália.<br />

26. São Filipe Néri, presbítero<br />

(†1595).<br />

27. Santo Agostinho de Cantuária,<br />

bispo (†604/605).<br />

Santo Eutrópio, bispo (†c. 475).<br />

Após ficar viúvo, decidiu se entregar<br />

totalmente a Deus. Foi ordenado diácono<br />

e mais tarde eleito Bispo de<br />

Orange, França.<br />

Santo Aquiles<br />

28. São Germano, bispo (†576).<br />

Era abade do Mosteiro Beneditino<br />

de São Sinforiano, em Autun, França,<br />

quando foi chamado para a sede episcopal<br />

de Paris. Cuidou das almas com<br />

grande zelo apostólico.<br />

29. Beata Gerardesca, viúva<br />

(†c. 1269). Passou a vida numa cela<br />

junto ao Mosteiro Camaldulense<br />

de São Sabino, em Pisa, Itália, consagrando-se<br />

ao louvor de Deus.<br />

30. São Fernando III, rei (†1252).<br />

Rei de Castela e Leão, usou sua sabedoria<br />

para administrar seu reino. Foi<br />

grande promotor das artes e das ciências<br />

e zeloso propagador da Fé.<br />

31. Domingo de Pentecostes.<br />

Visitação de Nossa Senhora.<br />

São Noé Mawaggali, mártir<br />

(†1886). Morto pelos emissários do<br />

rei, de quem era fâmulo, enquanto<br />

ministrava uma aula de catecismo em<br />

Mityana, Uganda.<br />

25


Hagiografia<br />

O Papa que<br />

GFreihalter (CC3.0)<br />

travou uma<br />

batalha<br />

decisiva<br />

São Gregório VII travou uma<br />

batalha decisiva, depois da<br />

qual não houve mais luta séria<br />

entre o papado e o império, ou<br />

qualquer monarquia, a respeito do<br />

princípio contra o qual Henrique<br />

IV se levantou. Posteriormente<br />

houve escaramuças, mas<br />

fundamentalmente a batalha<br />

estava ganha por esse Santo.<br />

São Gregório VII - Igreja de São<br />

Mateus, Morlaix, França<br />

São Gregório VII teve um importante<br />

papel contrarrevolucionário<br />

ao reivindicar a prioridade<br />

das coisas espirituais sobre as temporais,<br />

do papado sobre o império, ao<br />

impor, com palavras magníficas, o castigo<br />

necessário ao Imperador rebelde<br />

que, assim contido, teve reprimida na<br />

sua pessoa, durante séculos, a marcha<br />

da Revolução a qual, como serpente<br />

que saía de sua toca, tentava começar a<br />

caminhar na História, quando o cajado<br />

firme desse pastor lhe quebrou a cerviz.<br />

Vibrou contra Henrique<br />

IV a punição mais alta,<br />

profunda e intransigente<br />

Tudo isso constituiu a glória desse<br />

Santo o qual pôde dizer que morria<br />

no exílio porque tinha amado a justiça<br />

e odiado a iniquidade, cumprindo<br />

desta forma inteiramente o seu dever<br />

de pastor, e dando o magnífico<br />

testemunho de si mesmo.<br />

Mas há um aspecto da vida de São<br />

Gregório VII o qual, embora reluza<br />

com todo o brilho e seja notado por<br />

todo mundo, não vi ninguém que comentasse.<br />

Que aspecto é esse?<br />

26


Jan van Bijlert (CC3.0)<br />

Imperador Henrique IV - Museu<br />

Central, Utrecht, Países Baixos<br />

Ele travou uma batalha decisiva<br />

depois da qual não houve mais luta<br />

séria entre o papado e o império,<br />

ou qualquer monarquia, a respeito<br />

do princípio contra o qual ele se levantou.<br />

Sobre aplicações colaterais<br />

ou transgressões desse princípio, punidas<br />

justamente pela Igreja, ainda<br />

houve escaramuças, mas fundamentalmente<br />

a batalha estava ganha por<br />

esse Santo. Portanto, o golpe desferido<br />

por ele foi certeiro, atingindo o<br />

ponto que deveria.<br />

Em segundo lugar, São Gregório<br />

VII teve que enfrentar o maior potentado<br />

da Terra, e não tentou ladear<br />

a questão. Ele não procurou mandar<br />

emissários incumbidos de deformar<br />

o problema, atenuando-o com<br />

meias palavras e por meio de inadequadas<br />

contemporizações.<br />

“O Imperador se levantou e sustentou<br />

tal coisa? Eu, Gregório, sucessor<br />

de São Pedro, declaro que esta<br />

coisa é falsa, e digo a ti, ó Imperador:<br />

Tu és o maior potentado civil<br />

da Terra, tu te encontras no meu caminho<br />

como o homem mais poderoso<br />

que a mim poderia se opor. Está<br />

bem, eu travo esta batalha contigo!<br />

Entesto o meu poder contra o teu,<br />

e vamos ver qual é o poder que vale<br />

mais. Eu te deponho e excomungo,<br />

escorraço-te da Igreja Católica.<br />

Mais ainda: amaldiçoo-te, declaro<br />

que tens parte com satanás e pertences<br />

à grei maldita que Deus expulsa<br />

da sua presença. Vai, sai!”<br />

Quer dizer, contra esse potentado<br />

ele vibra a punição mais alta, profunda<br />

e intransigente que se poderia<br />

imaginar. Não tem medo de nada. E<br />

se tiver que acontecer qualquer coisa,<br />

aconteça. “Eu estou aqui para a<br />

glória de Deus, para a vida ou para a<br />

morte desta minha pobre existência<br />

terrena. Mas lutarei até o fim.”<br />

Um fato sem precedentes<br />

na História<br />

O Imperador vai a Canossa. De lá<br />

para cá, “ir a Canossa” ficou uma expressão<br />

consagrada na literatura de<br />

bom quilate. Diz-se que vai a Canossa<br />

a pessoa que, em linguagem corrente,<br />

vulgar, banal de hoje em dia, entrega<br />

os pontos, não tem mais resistência a<br />

fazer e se declara derrotada.<br />

Canossa é uma comuna italiana,<br />

próxima a Toscana – Norte da Itália<br />

–, onde a Condessa Matilde, fervorosa<br />

devota do papado, possuía<br />

um castelo no qual abrigara o Santo<br />

Pontífice contra quem o furor do<br />

Imperador Henrique IV estava por<br />

se desatar.<br />

Esse Imperador, em pleno inverno,<br />

toma trenós e, percorrendo os desertos<br />

gélidos da Suíça, particularmente<br />

inóspitos nessa época, vai a Canossa e<br />

pede perdão, porque não tinha outro<br />

remédio. Nos últimos dias em que ele<br />

permaneceu no poder, até os criados<br />

fugiam de sua casa, de maneira a não<br />

ter sequer quem lhe prestasse os serviços<br />

domésticos. Não é só dizer que<br />

não possuía apoio político, ele não tinha<br />

quem lhe preparasse o banho! Por<br />

quê? Porque era o homem maldito sobre<br />

o qual caíra a excomunhão do representante<br />

de Cristo na Terra, do sucessor<br />

de São Pedro. Por isso ninguém<br />

queria nada com ele.<br />

Henrique IV atravessa as vastidões<br />

perigosas da Suíça durante o<br />

inverno, e naquele tempo a qualquer<br />

momento podia acontecer que<br />

caísse por um abismo abaixo, ficando<br />

sepultado na neve. Com a exco-<br />

Paolo da Reggio (CC3.0)<br />

Ruínas do Castelo de<br />

Canossa, Itália<br />

27


Hagiografia<br />

IABI (CC3.0)<br />

munhão, na neve ficaria o seu corpo<br />

e no fogo sua alma para todo o sempre,<br />

se não houvesse um arrependimento<br />

perfeito.<br />

Enfim, ele se apresenta e pede<br />

perdão. Fato sem precedentes na<br />

História: um imperador humilhado a<br />

este ponto, por uma mera palavra de<br />

um papa. É o mais alto potentado da<br />

Terra contra quem o Sumo Pontífice<br />

pronuncia uma fórmula, e ele cai no<br />

chão. Era o caso de dizer: “Sed tantum<br />

dic verbum – dizei uma só palavra,<br />

e a Igreja será salva deste inimigo.”<br />

São Gregório VII disse a palavra,<br />

e a Igreja ficou libertada.<br />

“Excomungado aqui<br />

não entra!”<br />

No castelo da Condessa Matilde,<br />

o Papa é informado que o Imperador<br />

estava ali. Alguém mais fraco<br />

– não só um homem que não fosse<br />

santo, mas mesmo um santo não assistido<br />

por uma graça especialíssima<br />

– talvez tivesse pensado em acolher<br />

o penitente de imediato. Mas estava<br />

ali o varão cuja vocação era dar o<br />

exemplo do que é o gládio da Igreja,<br />

e fazer amar de modo todo especial<br />

essa integridade de alma pela qual a<br />

Igreja não cede. São Gregório VII<br />

manda fechar as portas do castelo:<br />

— Excomungado aqui não entra!<br />

— Mas o que ele pode fazer, pois<br />

está do lado de fora das muralhas,<br />

ajoelhado no gelo e pedindo perdão.<br />

— Que fique!<br />

Nesse gesto tão duro e admirável<br />

nota-se a mão maternal da Igreja.<br />

Ele poderia ter dito: “Que vá embora!”<br />

Entretanto, disse: “Fique!” Na<br />

ponta do gesto floresce uma vaga esperança<br />

de perdão. Mas antes a penitência,<br />

a humilhação. Durante três<br />

dias e três noites, o soberano deposto<br />

sofreu essa humilhação.<br />

A História nos conta que só depois<br />

disso São Gregório VII admitiu<br />

Henrique IV e, tendo este pedido<br />

perdão com toda a humildade, o<br />

Papa o perdoou, reconciliou-o e permitiu<br />

que fosse embora. Estava quebrado<br />

o cetro que satanás levantara<br />

contra o papado. São Gregório VII<br />

tinha obtido uma grande vitória.<br />

Que a maldita Revolução<br />

gnóstica e igualitária<br />

seja punida!<br />

Henrique IV penitente em Canossa<br />

Qual é a lição que tiramos disso?<br />

A de ser rijo, firme, ir ao fundo, até<br />

o fim dos princípios, às últimas consequências,<br />

enfrentar qualquer adversário<br />

de viseira erguida e de gládio<br />

em punho, não se contentar com<br />

meios termos, com palavras vazias,<br />

nem com esperanças vãs, mas, ao pé<br />

da letra, exigir que se quebre o poder<br />

que se levantou e se anule o risco<br />

que se constituiu; só então ter misericórdia.<br />

Porque a misericórdia é admirável<br />

enquanto chama para o arrependimento<br />

o pecador e o perdoa. Ela<br />

não seria admirável e não seria verdadeira<br />

misericórdia se fosse a paz<br />

com o pecador que não se arrepende.<br />

É preciso que o pecador se arrependa<br />

sinceramente e peça perdão.<br />

Depois disso ele deixou de ser empedernido.<br />

Então é a vez da misericórdia;<br />

antes não.<br />

Mesmo depois de pedir o perdão<br />

ainda há a penitência a cumprir. É o<br />

que nos ensina esse entrecruzamento<br />

maravilhoso de justiça e de misericórdia<br />

que é o Purgatório. Almas de<br />

pessoas que faleceram piedosamente<br />

em Jesus Cristo, morreram rezando,<br />

pediram perdão de seus pecados<br />

e comparecem diante de Deus. Entretanto,<br />

em número incontável, são<br />

mandadas para o Purgatório. Por<br />

quê? Porque é preciso expiar, pagar<br />

de algum modo o mal feito. E a alma<br />

que se arrepende tem vontade de reparar<br />

esse mal praticado.<br />

Assim, em nossa luta devemos considerar<br />

os desígnios da Providência:<br />

desejar, com toda a nossa alma, que<br />

o adversário da verdadeira Igreja Católica<br />

Apostólica Romana em nossos<br />

dias seja punido: a maldita Revolução<br />

gnóstica e igualitária. Mas seja<br />

punida ainda mais do que o Imperador<br />

Henrique IV foi, porque ela ousou<br />

coisa pior: tentou penetrar no próprio<br />

Santuário e transformá-lo num reduto<br />

da Revolução. Ela desbastou a Terra<br />

inteira, e é preciso que o castigo seja<br />

proporcional. A Revolução, enquanto<br />

tal, tem que desaparecer!<br />

Eis a lição do grande São Gregório<br />

VII. Em última análise, levar o<br />

bem, a verdade, a beleza e a fidelidade<br />

à Igreja até as suas últimas consequências.<br />

28


Sailko (CC3.0)<br />

tantas coisas, de tantos ambientes,<br />

de tantas circunstâncias; nós somos<br />

os exilados! Mas que belo exílio esse<br />

no qual um tão pulcro sentimento<br />

fraterno, uma tão bela conformidade<br />

de todos os espíritos e de todos<br />

os desígnios, no mesmo amor à mesma<br />

causa, nos reúnem.<br />

O glorioso São Gregório VII, que<br />

morreu no exílio, dê força e ânimo a<br />

quem deve viver e, mais tarde, morrer<br />

no exílio. Como também àqueles<br />

destinados a ter suas vidas ceifadas<br />

durante os castigos profetizados em<br />

Fátima, para que morram com bravura.<br />

E os chamados a viver no Reino<br />

de Maria, vivam igualmente com<br />

coragem nessa ideia: o exílio acabou,<br />

mas se ainda hoje eu devesse me exilar,<br />

repetiria o meu passo e me exilaria<br />

novamente. Não tenho apego<br />

nem ao prêmio da minha vitória. Eis<br />

o nosso pedido a esse grande Santo,<br />

no dia em que se comemora a sua<br />

festa.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

25/5/1985)<br />

São Gregório VII concedendo o perdão a Henrique IV<br />

Sala Régia, Palácio Apostólico do Vaticano<br />

Devemos nos preparar para<br />

a grande luta que nos espera<br />

Esse Pontífice não viveu no tempo<br />

de Carlos Magno, em cujo gládio<br />

estavam inscritas as palavras:<br />

“Defensor dos Dez Mandamentos”.<br />

Que coisa maravilhosa! Entretanto,<br />

São Gregório VII foi o Carlos Magno<br />

da Igreja Católica. A glória carolíngia,<br />

de proporções mais angélicas<br />

do que humanas, a Igreja a viveu<br />

nos dias de São Gregório VII<br />

magnificamente.<br />

Nós, que queremos a glória da<br />

Santa Igreja porque desejamos a glória<br />

de Deus, devemos pedir a São<br />

Gregório VII que faça voltar à Terra<br />

esses dias de glória. Por meio dele,<br />

voltemo-nos para Nossa Senhora<br />

e peçamos a Ela, cuja<br />

intercessão é onipotente,<br />

que abrevie os dias tremendos<br />

nos quais estamos; faça<br />

com que atravessemos corajosamente<br />

todos os obstáculos<br />

que temos diante de nós<br />

e sejamos capazes da grande<br />

luta que nos espera.<br />

São Gregório VII disse:<br />

“Eu odiei a iniquidade e<br />

amei a justiça, por isso morro<br />

no exílio.” Nós devemos<br />

afirmar: “Odiamos a iniquidade<br />

e amamos a justiça, por<br />

isso vivemos no exílio.” A<br />

nossa vida é um longo exílio,<br />

tivemos que nos exilar de<br />

Carlos Magno - Estação<br />

Ferrovioária Metz, França<br />

Fab5669 (CC3.0)<br />

29


Luzes da Civilização Cristã<br />

Mario S.<br />

Flor e glória da<br />

Cristandade - I<br />

Flávio Lourenço<br />

Cavaleiro<br />

templário<br />

Ponferrada,<br />

Espanha<br />

Todo o brilho que<br />

circunda a palavra<br />

“cavaleiro” se refere<br />

a uma das noções<br />

fundamentais da<br />

Civilização Cristã.<br />

Embora pareça existir<br />

uma incompatibilidade<br />

completa entre o católico<br />

e a guerra, o exemplo dos<br />

Anjos nos ensina que a<br />

força exercida por amor a<br />

Deus torna-se sagrada.<br />

Não há uma data específica para indicar o<br />

fim da Cavalaria, de maneira a se poder dizer:<br />

“Ela terminou em tal ocasião”, mas é certo<br />

que, assim como os grandes crepúsculos não têm momento<br />

adequado para se afirmar que se fez noite, também<br />

o “pôr do sol” da Cavalaria não se sabe bem quando<br />

se consumou.<br />

Palavra que dignifica o homem a quem se refere<br />

Entretanto, lá pelo século XVII já não se podia propriamente<br />

falar nesta instituição. Havia Ordens que já<br />

não tinham quase nada da Cavalaria antiga. Possuíam<br />

meras recordações, era um título, mas a Cavalaria propriamente<br />

dita tinha desaparecido.<br />

Mais de trezentos anos depois, eu encontro jovens<br />

que, ao serem chamados de “cavaleiros”, sentem-se dignificados,<br />

mesmo sem conhecer tudo quanto a palavra<br />

“cavaleiro” significa.<br />

Quando se quer elogiar alguém que teve um procedimento<br />

bonito, nobre, abnegado, corajoso, diz-se: “Tu<br />

procedeste como um cavalheiro!” Havendo entre dois<br />

homens educados uma altercação que se encerra de um<br />

modo distinto e elegante, afirma-se: “Terminou como<br />

uma contenda de cavalheiros!” Por outro lado, ao quei-<br />

30


xar-se contra quem lhe faltou com o respeito, uma senhora<br />

poderá usar esta fórmula: “O senhor não foi um<br />

cavalheiro!”<br />

Cavaleiro – de onde deriva o termo “cavalheiro” – é,<br />

portanto, uma palavra que circula por toda parte, mas<br />

cujo sentido quase ninguém sabe definir com exatidão.<br />

O termo sugere a ideia de alguém que monta a cavalo.<br />

Entretanto, quando vemos, por exemplo, alguns soldados<br />

da Polícia Militar a cavalo fazendo a ronda do bairro,<br />

embora seja uma tarefa digna, honesta, própria a<br />

despertar a simpatia, podemos dizer que são cavaleiros?<br />

Eles poderão fazer parte de uma força de cavalaria da<br />

Polícia Militar, mas a Cavalaria é uma outra coisa.<br />

O que vem a ser o cavaleiro? O que ficou colado nesta<br />

palavra de modo que, mesmo sem saber defini-la, todos<br />

reconhecem nela um certo brilho, uma certa luz que dignifica<br />

o homem a quem se refere? Vale a pena examinarmos<br />

isto para compreendermos uma das noções fundamentais<br />

da Civilização Cristã, mais ou menos tão perdida<br />

na mente do homem contemporâneo como desaparecida<br />

está a própria ideia de Civilização Cristã.<br />

Há restos, aromas da Civilização Cristã no mundo de<br />

hoje, como num jarro de onde foi retirada uma rosa que<br />

ali esteve durante algum tempo: tira-se a flor, fica o perfume.<br />

Assim também, da Civilização Cristã no mundo de<br />

hoje há um resto de perfume, mas a rosa não está mais<br />

presente.<br />

O tipo mais perfeito do cavaleiro é o cruzado<br />

Ora, uma das palavras nas quais se sente o perfume<br />

da Civilização Cristã é “cavaleiro”. Ele é uma flor e uma<br />

glória da Cristandade. A tal ponto que o termo “cavaleiro”<br />

tem um nexo histórico e doutrinário muito merecido<br />

com a ideia de Cruzada. Quando se diz “fulano é um<br />

cruzado de tal ideal, ou de tal causa”, dá-se a entender<br />

que é um homem abnegado, heroico, corajoso, dedicado,<br />

que não conhece obstáculo, enfim, um grande homem.<br />

Os cruzados não só são cavaleiros, mas o tipo mais<br />

perfeito do cavaleiro é o cruzado. Que aroma misterioso<br />

e delicioso impregna essas palavras de maneira a resistir<br />

até à poluição deste fim de era histórica em que estamos<br />

vivendo!<br />

Devemos considerar que, ao falar de cavaleiro, referimo-nos<br />

a alguém que realizou a mais alta perfeição de<br />

um certo tipo de qualidades humanas. Um santo não é<br />

necessariamente um cavaleiro, mas um cavaleiro que leve<br />

as suas qualidades até o extremo torna-se santo. Mais<br />

ainda: um santo, colocado nas condições em que lutaram<br />

os cavaleiros, também ficaria um cavaleiro.<br />

O santo é o homem que atingiu a sua perfeição, que foi<br />

chamado por Deus a um alto grau de virtude e correspondeu<br />

inteiramente, ou de modo exímio, a esse chamado.<br />

O cavaleiro, por sua vez, corresponde a uma forma<br />

de perfeição de que deve ser capaz todo homem coloca-<br />

Marc Baronnet (CC3.0)<br />

Os cruzados agradecem aos Céus por<br />

sua vitória na tomada de Jerusalém<br />

Palácio de Versailles, França<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

do nas condições de lutar. O verdadeiro católico, impelido<br />

pelas circunstâncias a combater, torna-se cavaleiro.<br />

Logo, o cavaleiro é o católico em luta. É uma forma de<br />

excelência e de perfeição que se nota no católico quando<br />

as condições da vida, do embate entre o bem e o mal, o<br />

colocam no caso de batalhar. Aí estará o católico emitindo<br />

um particular brilho de sua alma. Esse brilho é o espírito<br />

da Cavalaria.<br />

WGA (CC3.0)<br />

<strong>Dr</strong>alon (CC3.0)<br />

Entre os anjos reinava uma<br />

harmonia perfeitíssima<br />

Para termos uma ideia exata da Cavalaria, reportemo-nos<br />

ao que poderíamos chamar a primeira manhã da<br />

Criação. Deus criou os anjos, puros espíritos; os homens,<br />

compostos de espírito e matéria, tendo um corpo perecível<br />

no qual estão presentes as naturezas animal, vegetal<br />

e mineral; os animais, os vegetais e os minerais. Esse é<br />

o quadro geral da Criação que, tomada no seu todo, teve<br />

a sua primeira manhã no momento<br />

em que Deus criou os anjos.<br />

Podemos imaginar a criação<br />

dos anjos simultânea, de maneira<br />

a todos, desde o primeiro instante<br />

de existência, começarem a<br />

brilhar, conhecer, adorar a Deus<br />

e a cantar as glórias d’Ele.<br />

Também imediatamente<br />

passam a se conhecerem uns<br />

aos outros e se relacionarem<br />

de um modo harmônico, em<br />

coros que cantam a glória de<br />

seu Criador. Entre eles reina<br />

uma harmonia perfeitíssima<br />

porque estão<br />

todos voltados para<br />

Deus.<br />

Essa harmonia<br />

tem o esplendor<br />

da paz, que Santo<br />

Agostinho definiu tão<br />

magnificamente como<br />

sendo a tranquilidade<br />

da ordem. Portanto,<br />

não é a qualquer tranquilidade<br />

que se pode<br />

chamar de paz, mas àquela<br />

que resulta da ordem.<br />

Há formas de desordem<br />

que dão a impressão de paz.<br />

Num charco, por exemplo,<br />

com água estagnada, no<br />

Adoração dos Anjos - Capela dos<br />

Reis Magos, Florença, Itália<br />

qual nada acontece, nada se move, há uma tranquilidade,<br />

mas não oriunda da ordem. Há qualquer coisa de propício<br />

à podridão, à degenerescência, à degradação, que prenuncia<br />

a desordem. Isso não é paz.<br />

Entre os anjos, pelo contrário, por estarem todos ordenados<br />

em função da vontade e da glória divinas, havia a permuta<br />

harmoniosa de bons ofícios para juntos adorarem a Deus.<br />

Quem introduzisse no Céu qualquer semente de desordem,<br />

um espírito mau que tentasse provocar uma intriga<br />

entre dois anjos, instigando o amor-próprio de um<br />

contra outro para produzir uma encrenca ali dentro, nós<br />

o chamaríamos de bandido! Porque ia perturbar a tranquilidade<br />

da ordem, o esplendor do Reino de Deus sobre<br />

todas aquelas criaturas.<br />

Com maior razão ainda, se um puro espírito sacasse<br />

uma espada – para usar uma linguagem metafórica, pois<br />

32<br />

Godofredo de Bouillon - Igreja<br />

da Corte, Innsbruck, Áustria


WGA (CC3.0)<br />

um anjo não tem corpo – e começasse a agredir o outro,<br />

nós o consideraríamos demônio. Por que ele vai atingir e<br />

ferir o outro, pô-lo em desordem e provocar efervescência<br />

de ódio? Colocar o tumulto, as incertezas e as angústias<br />

das guerras onde deveria haver apenas a segurança<br />

esplêndida e diáfana de um futuro que nada perturbaria?<br />

Quem fizesse isso praticaria uma ação muito má. Nela<br />

nós podemos ver o que há de substancialmente mau<br />

na violência, a qual, de si, considerada sem as circunstâncias<br />

que a expliquem, é um ato feio que macula com<br />

a sua própria feiura quem o pratica. O violento fica hediondo.<br />

Não há pior ultraje contra alguém do que dizer:<br />

“Tem cara de assassino.” É uma coisa horrorosa…<br />

Dir-se-ia, pois, existir uma incompatibilidade completa<br />

entre o católico e a guerra, porque ele é membro do<br />

Corpo Místico de Cristo; nele está presente, pela graça,<br />

a própria vida de Deus, é um templo do Espírito Santo,<br />

foi remido pelo Sangue infinitamente precioso de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, tendo por Co-Redentora Nossa<br />

Senhora, com suas lágrimas indizivelmente preciosas. O<br />

católico é um filho da ordem, da tranquilidade, é a sede<br />

da paz!<br />

Como podemos imaginar um homem nessas condições<br />

que prepara para si uma arma com a intenção de<br />

verter o sangue alheio e, quando a arma está pronta,<br />

procura a quem matar? Ele deseja tanto matar que até<br />

expõe a sua vida para esse efeito, porque tem ódio, quer<br />

ver sangue derramado e gente morta pela destra dele.<br />

Esse é um católico, um templo do Espírito Santo, um<br />

membro d’Aquele que diz: “Aprendei de Mim que sou<br />

manso e humilde de coração…”?! O contraste não é o<br />

mais abrupto possível?<br />

Um prélio magno travou-se nos Céus<br />

Entretanto, quando Lúcifer se levantou contra Deus e<br />

arrastou com sua revolta uma terça parte<br />

dos espíritos celestes, provocando<br />

uma Revolução no Céu contra o Criador,<br />

houve um Anjo que soube<br />

se erguer e bradar: “Quis ut<br />

Deus? – Quem como Deus?”<br />

Foi São Miguel Arcanjo que,<br />

com esse brado, conclamou à<br />

luta dois terços<br />

dos espíritos<br />

celestes, realizando<br />

o que<br />

diz a Escritura:<br />

“Prœlium magnum<br />

factum est in cœlis.”<br />

Na mansão da<br />

paz e da tranquilidade<br />

se fez uma grande guerra,<br />

um prélio magno travou-se nos<br />

Céus e São Miguel com os seus<br />

Anjos jogaram no Inferno a Lúcifer<br />

e seus sequazes. Portanto,<br />

o resultado dessa batalha foi<br />

lançar os vencidos na mansão<br />

da desgraça incessante, total<br />

e inexpiável, sabendo que eles<br />

iriam ter esses tormentos por<br />

toda a eternidade. Os anjos de<br />

paz, que antes se amaram, cindiram-se<br />

e os dois terços capitaneados<br />

por São Miguel – eles, os<br />

pacíficos, os filhos da Luz – quiseram<br />

arrojar na mansão eterna<br />

das trevas e da morte satanás<br />

e seus anjos.<br />

Flávio Lourenço<br />

O Bom Pastor - Catedral de Nossa Senhora<br />

da Assunção, Montauban, França<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Gustave Doré (CC3.0)<br />

zes se tornaram execráveis e hediondos.<br />

Segunda: aqueles anjos que eram de paz,<br />

de cordura, se transmudaram nos maiores<br />

guerreiros que se possa imaginar. Terceira:<br />

a mansão da paz se transformou num terrível<br />

campo de batalha.<br />

A força exercida contra os maus<br />

por amor a Deus se torna sagrada<br />

Entrada dos cruzados em Constantinopla<br />

Usando sempre uma linguagem metafórica, imaginemos<br />

a cena. São Miguel se levanta indignado, esplendoroso,<br />

e brada com uma voz de trombeta que cobre, de<br />

ponta a ponta, as vastidões celestes: “Quis ut Deus?” De<br />

um lado, muitos Anjos se entusiasmam e aderem a ele,<br />

constituindo as gloriosas hostes celestes. Mas, do outro<br />

lado – onde talvez houvesse antes um esplendor maior,<br />

pois os partidários eram capitaneados pelo mais perfeito<br />

dos entes angélicos, aquele que trazia consigo a luz,<br />

outrora a alegria do reino celeste, espelhando a Deus para<br />

os outros anjos – encontra-se Lúcifer, medonho, rubro<br />

de ódio e de cólera. Todas as paixões indignas se manifestam<br />

nele; está cheio de inveja e de todos os outros<br />

pecados capitais, na medida em que esses podem estar<br />

em um anjo. O espírito revoltado encontra-se agora borbulhando<br />

de ódio contra aquele Deus a Quem ele olhava<br />

com amor.<br />

A luz das hostes de São Miguel avança e a batalha começa!<br />

Como terá sido esse embate? Como podem puros<br />

espíritos, que não têm corpo, combater entre si?<br />

O fato concreto é que houve três transformações a<br />

partir da revolta de Lúcifer. Primeira: ele e seus sequa-<br />

A partir desse momento, a violência nos<br />

aparece sob outra cor. Se é verdade que,<br />

considerada na simplicidade de sua figura<br />

primeira, ela é hedionda, quando a vemos<br />

ter origem na oposição a um anjo que se<br />

tornou péssimo ao se revoltar, tentando ele<br />

mesmo a violência contra o Criador, declarando<br />

“non serviam – não servirei a Deus”,<br />

então o uso da violência passa a ter uma<br />

beleza especial.<br />

Deus é supremo e absoluto, todos os direitos<br />

valem na medida em que O servem.<br />

A partir do momento em que esses anjos<br />

se revoltaram contra Ele, opondo-se a todo<br />

o direito, toda a ordem e toda a lei, perderam<br />

o direito de estar no Céu, e o único<br />

lugar proporcionado para eles era o Inferno.<br />

Resultado: tornava-se necessário enxotá-los<br />

para lá. A guerra surge, assim, como<br />

um santo e glorioso dever.<br />

O emprego da força, que pareceria tão contrário à<br />

convivência entre os espíritos celestes, passa a ter um esplendor<br />

peculiar: é o amor a Deus enquanto recusando o<br />

mal e derrubando no Inferno quem é contra Ele.<br />

Como nada pode tornar o espírito humano tão apreciável<br />

e venerável quanto o amor de Deus, assim também<br />

a força exercida por amor a Ele, chegando inclusive<br />

à agressão, quando esta é destinada à defesa da glória<br />

divina, se torna sagrada e resplandece com um brilho<br />

especial.<br />

Daí vem a noção do homem completo. Se lhe foi dada<br />

a ocasião de atacar o mal e não o fez, ele pode não ter desenvolvido<br />

a sua força de alma como era necessário. Assim,<br />

entre dois homens muito virtuosos, um dos quais<br />

pouco lutou na vida, enquanto o outro, de ponta a ponta<br />

de sua existência, foi um guerreiro, qual aquele cuja personalidade<br />

podemos apreciar melhor? Evidentemente a<br />

daquele que, além de ter sido tudo o que o outro foi, ainda<br />

combateu.<br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de 26/5/1984)<br />

34


Samuel Holanda<br />

São Miguel Arcanjo vencendo<br />

o demônio - Museu do<br />

Prado, Madri, Espanha<br />

35


Flávio Lourenço<br />

M<br />

A<br />

A Virgem com o Menino - Museu Lázaro Galdiano, Madri, Espanha<br />

A Virgem que traz consigo a Santíssima Trindade<br />

aria Santíssima é o templo da Santíssima Trindade: traz consigo o Divino Paráclito; como Mãe do Ver-<br />

bo encarnado, porta consigo Nosso Senhor Jesus Cristo; Filha do Pai Eterno, tem consigo a Deus Pai.<br />

Peçamos, pois, a Nossa Senhora que faça germinar em nós o amor à Santíssima Trindade. E que<br />

Ela, a Virgem das virgens, inocentíssima, mas pela qual passaram todas as graças de arrependimento que en-<br />

cheram e encherão até o fim do mundo a face da Terra, nos conceda um perfeito espírito de contrição.<br />

(Extraído de conferência de 21/12/1968)

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