Inteligencia-emocional-Daniel-Goleman

10.04.2020 Views

freqüentemente, é anacrônica — sobretudo no fluido mundosocial em que nós, humanos, vivemos. Como repositório dememória emocional, a amígdala examina a experiência,comparando o que está acontecendo agora com o queaconteceu no passado. Seu método de comparação éassociativo: quando um elemento-chave de uma situaçãopresente é semelhante àquele do passado, pode-se dizer que se“casam” — motivo pelo qual esse circuito é falho: age antes dehaver uma plena confirmação. Ordena-nos freneticamente quereajamos ao presente com meios registrados muito tempo atrás,com pensamentos, emoções e reações aprendidos em respostaa acontecimentos talvez apenas vagamente semelhantes, masainda assim o bastante para alarmar a amígdala.Eis por que uma ex-enfermeira do Exército, traumatizadapelo incessante fluxo de ferimentos horríveis de que cuidou naguerra, é acometida de repente por um misto de pavor,repugnância e pânico — uma repetição de sua reação nocampo de batalha, provocada mais uma vez, anos depois, pelomau cheiro quando abre a porta de um armário e descobre queseu filho pequeno enfiou ali uma fralda suja. Basta que poucoselementos esparsos da situação pareçam semelhantes a algumperigo do passado para que a amígdala dispare seu alerta deemergência. O problema é que, junto com as lembrançasemocionalmente carregadas que têm o poder de provocar essareação de crise, podem vir do mesmo modo formas obsoletasde respondê-la.À imprecisão do cérebro emocional nesses momentosacrescenta-se o fato de que muitas lembranças emocionais fortesdatam dos primeiros anos de vida, na relação entre a criança eaqueles que cuidam dela. Isso se aplica sobretudo aosacontecimentos traumáticos, como surras ou total abandono.Durante esse primeiro período de vida, outras estruturascerebrais, em particular o hipocampo, que é crucial para aslembranças narrativas, e o neocórtex, sede do pensamentoracional, ainda não se desenvolveram inteiramente. Namemória, a amígdala e o hipocampo trabalham juntos; cada umarmazena e conserva sua informação de forma independente.Enquanto o hipocampo retém a informação, a amígdaladetermina se ela tem valência emocional. Mas a amígdala, queamadurece muito rápido no cérebro infantil, está, no nascimento,muito mais próxima da forma completa.LeDoux recorre ao papel da amígdala na infância paraconfirmar o que há muito tempo é doutrina básica nopensamento psicanalítico: que as interações ocorridas nosprimeiros anos de vida estabelecem um conjunto de liçõeselementares, baseadas na sintonia e perturbações dos contatos

entre a criança e os que cuidam dela.9 Essas lições emocionaissão tão poderosas e, no entanto, tão difíceis de entender doprivilegiado ponto de vista da vida adulta porque, acreditaLeDoux, estão armazenadas na amígdala como planos brutos,sem palavras, para a vida emocional. Como essas primeiraslembranças emocionais se estabelecem numa época anterioràquela em que as crianças podem verbalizar sua experiência,quando essas lembranças são disparadas na vida posterior nãohá um conjunto adequado de pensamentos articulados sobre aresposta que se apodera de nós. Um dos motivos pelos quaisficamos tão aturdidos com nossas explosões emocionais,portanto, é que elas muitas vezes remontam a um tempo inicialem nossas vidas, quando tudo era desconcertante e ainda nãotínhamos palavras para compreender os fatos. Temos ossentimentos caóticos, mas não as palavras para as lembrançasque os formaram.QUANDO AS EMOÇÕES SÃO “RÁPIDAS E MALFEITAS”Eram mais ou menos três da manhã quando um imenso objetovarou com um estrondo o teto, lá num canto do meu quarto,despejando coisas que estavam no sótão. Num segundo, saltei dacama e saí correndo do quarto, com medo de que todo o tetodesabasse. Depois, percebendo que estava a salvo, voltei paraespiar cautelosamente o que causara aquele estrago todo — edescobri simplesmente que o som que julgara ser do tetodesabando fora na verdade a queda de uma pilha de caixas queminha mulher, na véspera, amontoara no canto. Nada caíra dosótão: não havia sótão. O teto estava intacto, assim como eu.Ter pulado da cama, meio sonolento, poderia ter evitado queeu me ferisse, se fosse o caso de o teto estar caindo — esse fatoilustra o poder que a amígdala tem de nos impelir à ação nasemergências, momentos vitais que ocorrem antes de o neocórtexter tempo de registrar plenamente o que de fato estáacontecendo. A rota de emergência do olho ou ouvido ao tálamoe à amígdala é crucial: poupa tempo numa emergência, quandose impõe uma reação instantânea. Mas esse circuito do tálamo àamígdala transmite apenas uma pequena parte das mensagenssensoriais, com a maioria tomando o caminho principal até oneocórtex.Assim, o que se registra na amígdala nessa via expressa é,na melhor das hipóteses, um sinal informe, suficiente apenaspara uma advertência. Como observa LeDoux, “não é necessárioque saibamos exatamente o que uma coisa é para que saibamosque ela pode ser perigosa”.10A rota direta tem uma enorme vantagem em tempo

freqüentemente, é anacrônica — sobretudo no fluido mundo

social em que nós, humanos, vivemos. Como repositório de

memória emocional, a amígdala examina a experiência,

comparando o que está acontecendo agora com o que

aconteceu no passado. Seu método de comparação é

associativo: quando um elemento-chave de uma situação

presente é semelhante àquele do passado, pode-se dizer que se

“casam” — motivo pelo qual esse circuito é falho: age antes de

haver uma plena confirmação. Ordena-nos freneticamente que

reajamos ao presente com meios registrados muito tempo atrás,

com pensamentos, emoções e reações aprendidos em resposta

a acontecimentos talvez apenas vagamente semelhantes, mas

ainda assim o bastante para alarmar a amígdala.

Eis por que uma ex-enfermeira do Exército, traumatizada

pelo incessante fluxo de ferimentos horríveis de que cuidou na

guerra, é acometida de repente por um misto de pavor,

repugnância e pânico — uma repetição de sua reação no

campo de batalha, provocada mais uma vez, anos depois, pelo

mau cheiro quando abre a porta de um armário e descobre que

seu filho pequeno enfiou ali uma fralda suja. Basta que poucos

elementos esparsos da situação pareçam semelhantes a algum

perigo do passado para que a amígdala dispare seu alerta de

emergência. O problema é que, junto com as lembranças

emocionalmente carregadas que têm o poder de provocar essa

reação de crise, podem vir do mesmo modo formas obsoletas

de respondê-la.

À imprecisão do cérebro emocional nesses momentos

acrescenta-se o fato de que muitas lembranças emocionais fortes

datam dos primeiros anos de vida, na relação entre a criança e

aqueles que cuidam dela. Isso se aplica sobretudo aos

acontecimentos traumáticos, como surras ou total abandono.

Durante esse primeiro período de vida, outras estruturas

cerebrais, em particular o hipocampo, que é crucial para as

lembranças narrativas, e o neocórtex, sede do pensamento

racional, ainda não se desenvolveram inteiramente. Na

memória, a amígdala e o hipocampo trabalham juntos; cada um

armazena e conserva sua informação de forma independente.

Enquanto o hipocampo retém a informação, a amígdala

determina se ela tem valência emocional. Mas a amígdala, que

amadurece muito rápido no cérebro infantil, está, no nascimento,

muito mais próxima da forma completa.

LeDoux recorre ao papel da amígdala na infância para

confirmar o que há muito tempo é doutrina básica no

pensamento psicanalítico: que as interações ocorridas nos

primeiros anos de vida estabelecem um conjunto de lições

elementares, baseadas na sintonia e perturbações dos contatos

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