Inteligencia-emocional-Daniel-Goleman

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instinto de sobrevivência dos pais. Do ponto de vista do intelecto,não há dúvida de que o auto-sacrifício desses pais foi irracional.Sob a ótica do coração, entretanto, essa era a única atitude a sertomada.Quando investigam por que a evolução da espécie humanadeu à emoção um papel tão essencial em nosso psiquismo, ossociobiólogos verificam que, em momentos decisivos, ocorreuuma ascendência do coração sobre a razão. São as nossasemoções, dizem esses pesquisadores, que nos orientam quandodiante de um impasse e quando temos de tomar providênciasimportantes demais para que sejam deixadas a cargounicamente do intelecto — em situações de perigo, naexperimentação da dor causada por uma perda, na necessidadede não perder a perspectiva apesar dos percalços, na ligaçãocom um companheiro, na formação de uma família. Cada tipode emoção que vivenciamos nos predispõe para uma açãoimediata; cada uma sinaliza para uma direção que, nosrecorrentes desafios enfrentados pelo ser humano ao longo davida,4 provou ser a mais acertada. À medida que, ao longo daevolução humana, situações desse tipo foram se repetindo, aimportância do repertório emocional utilizado para garantir asobrevivência da nossa espécie foi atestada pelo fato de esserepertório ter ficado gravado no sistema nervoso humano comoinclinações inatas e automáticas do coração.Uma visão da natureza humana que ignore o poder dasemoções é lamentavelmente míope. A própria denominaçãoHomo sapiens, a espécie pensante, é enganosa à luz do quehoje a ciência diz acerca do lugar que as emoções ocupam emnossas vidas. Como sabemos por experiência própria, quando setrata de moldar nossas decisões e ações, a emoção pesa tanto— e às vezes muito mais — quanto a razão. Fomos longedemais quando enfatizamos o valor e a importância dopuramente racional — do que mede o QI — na vida humana.Para o bem ou para o mal, quando são as emoções quedominam, o intelecto não pode nos conduzir a lugar nenhum.QUANDO AS PAIXÕES DOMINAM A RAZÃOFoi uma tragédia de erros. Matilda Crabtree, 14 anos, apenasqueria dar um susto no pai: saltou de dentro do armário e gritou“Buu!”, no momento em que os pais voltavam, à uma damanhã, de uma visita a amigos.Mas Bobby Crabtree e sua mulher achavam que Matildaestava em casa de amigas naquela noite. Quando, ao entrar em

casa, ouviu ruídos, Crabtree pegou sua pistola calibre .357 e foiao quarto da filha verificar o que estava acontecendo. Quandoela pulou do armário, ele atirou, atingindo-a no pescoço. MatildaCrabtree morreu 12 horas depois.5Uma das coisas que adquirimos no processo da evoluçãohumana foi o medo que nos mobiliza para proteger nossafamília contra o perigo; foi esse impulso que levou Crabtree apegar a arma e a vasculhar a casa em busca de um supostointruso. O medo levou-o a atirar antes de verificar perfeitamenteno que atirava, e mesmo antes de reconhecer que aquela vozera a de sua filha. Reações automáticas desse tipo — supõem osbiólogos — ficaram gravadas em nosso sistema nervoso porque,durante um longo e crucial período da pré-história humana,eram decisivas para a sobrevivência ou a morte. O que há demais importante a respeito dessas reações é que foram elas quedesempenharam a principal tarefa da evolução: deixar umaprogênie que passasse adiante essas mesmas predisposiçõesgenéticas — uma triste ironia, se considerarmos a tragédiaocorrida na família Crabtree.Mas, embora nossas emoções tenham sido sábios guias nolongo percurso evolucionário, as novas realidades com que acivilização tem se defrontado surgiram com uma rapidezimpossível de ser acompanhada pela lenta marcha da evolução.Na verdade, as primeiras leis e proclamações sobre ética — oCódigo de Hamurabi, os Dez Mandamentos dos Hebreus, osÉditos do Imperador Ashoka — podem ser interpretadas comotentativas de conter, subjugar e domesticar as emoções. ComoFreud observou em O Mal-estar na Civilização, o aparelhosocial tem tentado impor normas para conter o excessoemocional que emerge, como ondas, de dentro de cada um denós.Apesar dessas pressões sociais, as paixões muitas vezessolapam a razão. Essa faceta da natureza humana tem origemna arquitetura básica do nosso cérebro. Em termos do planobiológico dos circuitos neurais básicos da emoção, aqueles comos quais nascemos são os que melhor funcionaram para asúltimas 50 mil gerações humanas, mas não para as últimas 500— e, certamente, não para as últimas cinco. As lentas ecautelosas forças da evolução que moldaram nossas emoçõestêm cumprido sua tarefa ao longo de 1 milhão de anos. Osúltimos 10 mil anos — apesar de terem assistido ao rápidosurgimento da civilização humana e à explosão demográfica de5 milhões para 5 bilhões de habitantes sobre a Terra — quasenada imprimiram de novo em nossos gabaritos biológicos para avida emocional.Para o melhor ou o pior, a forma como avaliamos situações

casa, ouviu ruídos, Crabtree pegou sua pistola calibre .357 e foi

ao quarto da filha verificar o que estava acontecendo. Quando

ela pulou do armário, ele atirou, atingindo-a no pescoço. Matilda

Crabtree morreu 12 horas depois.5

Uma das coisas que adquirimos no processo da evolução

humana foi o medo que nos mobiliza para proteger nossa

família contra o perigo; foi esse impulso que levou Crabtree a

pegar a arma e a vasculhar a casa em busca de um suposto

intruso. O medo levou-o a atirar antes de verificar perfeitamente

no que atirava, e mesmo antes de reconhecer que aquela voz

era a de sua filha. Reações automáticas desse tipo — supõem os

biólogos — ficaram gravadas em nosso sistema nervoso porque,

durante um longo e crucial período da pré-história humana,

eram decisivas para a sobrevivência ou a morte. O que há de

mais importante a respeito dessas reações é que foram elas que

desempenharam a principal tarefa da evolução: deixar uma

progênie que passasse adiante essas mesmas predisposições

genéticas — uma triste ironia, se considerarmos a tragédia

ocorrida na família Crabtree.

Mas, embora nossas emoções tenham sido sábios guias no

longo percurso evolucionário, as novas realidades com que a

civilização tem se defrontado surgiram com uma rapidez

impossível de ser acompanhada pela lenta marcha da evolução.

Na verdade, as primeiras leis e proclamações sobre ética — o

Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos dos Hebreus, os

Éditos do Imperador Ashoka — podem ser interpretadas como

tentativas de conter, subjugar e domesticar as emoções. Como

Freud observou em O Mal-estar na Civilização, o aparelho

social tem tentado impor normas para conter o excesso

emocional que emerge, como ondas, de dentro de cada um de

nós.

Apesar dessas pressões sociais, as paixões muitas vezes

solapam a razão. Essa faceta da natureza humana tem origem

na arquitetura básica do nosso cérebro. Em termos do plano

biológico dos circuitos neurais básicos da emoção, aqueles com

os quais nascemos são os que melhor funcionaram para as

últimas 50 mil gerações humanas, mas não para as últimas 500

— e, certamente, não para as últimas cinco. As lentas e

cautelosas forças da evolução que moldaram nossas emoções

têm cumprido sua tarefa ao longo de 1 milhão de anos. Os

últimos 10 mil anos — apesar de terem assistido ao rápido

surgimento da civilização humana e à explosão demográfica de

5 milhões para 5 bilhões de habitantes sobre a Terra — quase

nada imprimiram de novo em nossos gabaritos biológicos para a

vida emocional.

Para o melhor ou o pior, a forma como avaliamos situações

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