Inteligencia-emocional-Daniel-Goleman

10.04.2020 Views

conhecia praticamente nada acerca dos mecanismos daemoção. Ainda hoje, ao imaginar a possibilidade de ospassageiros daquele ônibus terem propagado pela cidade aquelevírus de bem-estar, constato que aquele motorista era umaespécie de pacificador urbano, uma espécie de mago que tinhao poder de transmutar a soturna irritabilidade que fervilhava nospassageiros de seu ônibus, de amolecer e abrir corações.Em gritante contraste, algumas matérias de jornal daquelasemana:• Numa escola local, um garoto de 9 anos causa umadevastação, derramando tinta nas carteiras, computadorese impressoras, vandalizando um carro no estacionamentoda escola. Motivo: alguns colegas de classe o haviamchamado de “bebê”, e ele quis impressioná-los.• Oito jovens saem feridos porque um encontrão involuntário,numa multidão de adolescentes diante de um clube de rap,em Manhattan, leva a uma troca de empurrões que sótermina quando um dos garotos começa a atirar, com umapistola automática calibre 38, contra a multidão. A notíciaobserva que, nos últimos anos, tiroteios por motivos fúteis,mas encarados como atos de desrespeito, se tornaramcada vez mais comuns em todo o país.• No assassinato de crianças de menos de 12 anos, diz umanotícia, 57% dos assassinos são seus próprios pais oupadrastos. Em quase metade dos casos, esses pais alegamque estavam “apenas tentando disciplinar o filho”. Essassurras fatais foram provocadas por “infrações” do tipo acriança ficar na frente da TV, chorar ou sujar fraldas.• Um jovem alemão é julgado pelo assassinato de cincomulheres e meninas turcas, por um incêndio que provocouenquanto elas dormiam. Membro de um grupo neonazista,ele diz que não consegue ficar num emprego, que bebe eatribui o seu azar aos estrangeiros. Numa voz poucoaudível, argumenta: “Não paro de lamentar tudo o quefizemos, e me sinto infinitamente envergonhado.”O noticiário cotidiano nos chega carregado desse tipo dealerta sobre a desintegração da civilidade e da segurança, umaonda de impulso mesquinho que corre desenfreada. Mas o fato éque esses eventos apenas refletem, em maior escala, umarrepiante desenfreio de emoções em nossas próprias vidas enas das pessoas que nos cercam. Ninguém está a salvo dessaerrática maré de descontrole e de posterior arrependimento —ela invade nossas vidas de um jeito ou de outro.

A última década tem presenciado um constante bombardeiode notícias desse gênero, que retratam o aumento de inépciaemocional, desespero e inquietação na família, nas comunidadese em nossas vidas em coletividade. Esses anos têm escrito acrônica de uma raiva e desespero crescentes, seja na calmasolidão das crianças trancadas com a TV que lhes serve debabá, no sofrimento das crianças abandonadas, esquecidas oumaltratadas, ou na desagradável intimidade da violênciaconjugal. O alastramento desse mal-estar pode ser visto atravésde estatísticas que demonstram um aumento mundial dos casosde depressão e nos indicadores de uma repentina onda deagressão — adolescentes que vão armados para a escola,infrações de trânsito na estrada que terminam em tiros, exempregadosdescontentes que massacram antigos colegas detrabalho. Abuso emocional, drive-by shooting[1] e tensão póstraumáticaentraram no léxico do americano comum na últimadécada, e o slogan do momento passou do cordial “Tenha umbom dia” para o petulante “Faça o meu dia valer a pena”.Este livro é um guia que se destina a procurar sentido no quenão tem sentido. Na qualidade de psicólogo e, na última década,de jornalista do The New York Times, venho acompanhando oprogresso dos estudos científicos sobre a irracionalidade. Dessaperspectiva, observei duas tendências opostas: uma, que retrataa crescente calamidade na vida emocional partilhada pelosindivíduos, e outra, que oferece soluções auspiciosas para esseproblema.Por que Este Exame agora?A última década, apesar de todas as coisas ruins que nosofereceu, por outro lado assistiu a uma explosão inédita deestudos científicos sobre a emoção. O que mais impressiona éque agora podemos ver o cérebro em funcionamento, graças àsnovas tecnologias que permitem a obtenção de imagens desseórgão. Elas tornaram visível, pela primeira vez na históriahumana, o que sempre foi um grande mistério: como atua essaintricada quantidade de células enquanto pensamos e sentimos,imaginamos e sonhamos. Essa inundação de dadosneurobiológicos permite que entendamos, hoje mais do quenunca, como os centros nervosos nos levam à raiva ou àslágrimas e como partes mais primitivas do cérebro, que nosincitam a fazer a guerra e o amor, são canalizadas para omelhor ou o pior. Essa luz sem precedentes sobre osmecanismos das emoções e suas deficiências põe em focoalguns novos remédios para nossa crise emocional coletiva.Tive de esperar que a pesquisa científica ficasse

conhecia praticamente nada acerca dos mecanismos da

emoção. Ainda hoje, ao imaginar a possibilidade de os

passageiros daquele ônibus terem propagado pela cidade aquele

vírus de bem-estar, constato que aquele motorista era uma

espécie de pacificador urbano, uma espécie de mago que tinha

o poder de transmutar a soturna irritabilidade que fervilhava nos

passageiros de seu ônibus, de amolecer e abrir corações.

Em gritante contraste, algumas matérias de jornal daquela

semana:

• Numa escola local, um garoto de 9 anos causa uma

devastação, derramando tinta nas carteiras, computadores

e impressoras, vandalizando um carro no estacionamento

da escola. Motivo: alguns colegas de classe o haviam

chamado de “bebê”, e ele quis impressioná-los.

• Oito jovens saem feridos porque um encontrão involuntário,

numa multidão de adolescentes diante de um clube de rap,

em Manhattan, leva a uma troca de empurrões que só

termina quando um dos garotos começa a atirar, com uma

pistola automática calibre 38, contra a multidão. A notícia

observa que, nos últimos anos, tiroteios por motivos fúteis,

mas encarados como atos de desrespeito, se tornaram

cada vez mais comuns em todo o país.

• No assassinato de crianças de menos de 12 anos, diz uma

notícia, 57% dos assassinos são seus próprios pais ou

padrastos. Em quase metade dos casos, esses pais alegam

que estavam “apenas tentando disciplinar o filho”. Essas

surras fatais foram provocadas por “infrações” do tipo a

criança ficar na frente da TV, chorar ou sujar fraldas.

• Um jovem alemão é julgado pelo assassinato de cinco

mulheres e meninas turcas, por um incêndio que provocou

enquanto elas dormiam. Membro de um grupo neonazista,

ele diz que não consegue ficar num emprego, que bebe e

atribui o seu azar aos estrangeiros. Numa voz pouco

audível, argumenta: “Não paro de lamentar tudo o que

fizemos, e me sinto infinitamente envergonhado.”

O noticiário cotidiano nos chega carregado desse tipo de

alerta sobre a desintegração da civilidade e da segurança, uma

onda de impulso mesquinho que corre desenfreada. Mas o fato é

que esses eventos apenas refletem, em maior escala, um

arrepiante desenfreio de emoções em nossas próprias vidas e

nas das pessoas que nos cercam. Ninguém está a salvo dessa

errática maré de descontrole e de posterior arrependimento —

ela invade nossas vidas de um jeito ou de outro.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!