Inteligencia-emocional-Daniel-Goleman
conhecia praticamente nada acerca dos mecanismos daemoção. Ainda hoje, ao imaginar a possibilidade de ospassageiros daquele ônibus terem propagado pela cidade aquelevírus de bem-estar, constato que aquele motorista era umaespécie de pacificador urbano, uma espécie de mago que tinhao poder de transmutar a soturna irritabilidade que fervilhava nospassageiros de seu ônibus, de amolecer e abrir corações.Em gritante contraste, algumas matérias de jornal daquelasemana:• Numa escola local, um garoto de 9 anos causa umadevastação, derramando tinta nas carteiras, computadorese impressoras, vandalizando um carro no estacionamentoda escola. Motivo: alguns colegas de classe o haviamchamado de “bebê”, e ele quis impressioná-los.• Oito jovens saem feridos porque um encontrão involuntário,numa multidão de adolescentes diante de um clube de rap,em Manhattan, leva a uma troca de empurrões que sótermina quando um dos garotos começa a atirar, com umapistola automática calibre 38, contra a multidão. A notíciaobserva que, nos últimos anos, tiroteios por motivos fúteis,mas encarados como atos de desrespeito, se tornaramcada vez mais comuns em todo o país.• No assassinato de crianças de menos de 12 anos, diz umanotícia, 57% dos assassinos são seus próprios pais oupadrastos. Em quase metade dos casos, esses pais alegamque estavam “apenas tentando disciplinar o filho”. Essassurras fatais foram provocadas por “infrações” do tipo acriança ficar na frente da TV, chorar ou sujar fraldas.• Um jovem alemão é julgado pelo assassinato de cincomulheres e meninas turcas, por um incêndio que provocouenquanto elas dormiam. Membro de um grupo neonazista,ele diz que não consegue ficar num emprego, que bebe eatribui o seu azar aos estrangeiros. Numa voz poucoaudível, argumenta: “Não paro de lamentar tudo o quefizemos, e me sinto infinitamente envergonhado.”O noticiário cotidiano nos chega carregado desse tipo dealerta sobre a desintegração da civilidade e da segurança, umaonda de impulso mesquinho que corre desenfreada. Mas o fato éque esses eventos apenas refletem, em maior escala, umarrepiante desenfreio de emoções em nossas próprias vidas enas das pessoas que nos cercam. Ninguém está a salvo dessaerrática maré de descontrole e de posterior arrependimento —ela invade nossas vidas de um jeito ou de outro.
A última década tem presenciado um constante bombardeiode notícias desse gênero, que retratam o aumento de inépciaemocional, desespero e inquietação na família, nas comunidadese em nossas vidas em coletividade. Esses anos têm escrito acrônica de uma raiva e desespero crescentes, seja na calmasolidão das crianças trancadas com a TV que lhes serve debabá, no sofrimento das crianças abandonadas, esquecidas oumaltratadas, ou na desagradável intimidade da violênciaconjugal. O alastramento desse mal-estar pode ser visto atravésde estatísticas que demonstram um aumento mundial dos casosde depressão e nos indicadores de uma repentina onda deagressão — adolescentes que vão armados para a escola,infrações de trânsito na estrada que terminam em tiros, exempregadosdescontentes que massacram antigos colegas detrabalho. Abuso emocional, drive-by shooting[1] e tensão póstraumáticaentraram no léxico do americano comum na últimadécada, e o slogan do momento passou do cordial “Tenha umbom dia” para o petulante “Faça o meu dia valer a pena”.Este livro é um guia que se destina a procurar sentido no quenão tem sentido. Na qualidade de psicólogo e, na última década,de jornalista do The New York Times, venho acompanhando oprogresso dos estudos científicos sobre a irracionalidade. Dessaperspectiva, observei duas tendências opostas: uma, que retrataa crescente calamidade na vida emocional partilhada pelosindivíduos, e outra, que oferece soluções auspiciosas para esseproblema.Por que Este Exame agora?A última década, apesar de todas as coisas ruins que nosofereceu, por outro lado assistiu a uma explosão inédita deestudos científicos sobre a emoção. O que mais impressiona éque agora podemos ver o cérebro em funcionamento, graças àsnovas tecnologias que permitem a obtenção de imagens desseórgão. Elas tornaram visível, pela primeira vez na históriahumana, o que sempre foi um grande mistério: como atua essaintricada quantidade de células enquanto pensamos e sentimos,imaginamos e sonhamos. Essa inundação de dadosneurobiológicos permite que entendamos, hoje mais do quenunca, como os centros nervosos nos levam à raiva ou àslágrimas e como partes mais primitivas do cérebro, que nosincitam a fazer a guerra e o amor, são canalizadas para omelhor ou o pior. Essa luz sem precedentes sobre osmecanismos das emoções e suas deficiências põe em focoalguns novos remédios para nossa crise emocional coletiva.Tive de esperar que a pesquisa científica ficasse
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conhecia praticamente nada acerca dos mecanismos da
emoção. Ainda hoje, ao imaginar a possibilidade de os
passageiros daquele ônibus terem propagado pela cidade aquele
vírus de bem-estar, constato que aquele motorista era uma
espécie de pacificador urbano, uma espécie de mago que tinha
o poder de transmutar a soturna irritabilidade que fervilhava nos
passageiros de seu ônibus, de amolecer e abrir corações.
Em gritante contraste, algumas matérias de jornal daquela
semana:
• Numa escola local, um garoto de 9 anos causa uma
devastação, derramando tinta nas carteiras, computadores
e impressoras, vandalizando um carro no estacionamento
da escola. Motivo: alguns colegas de classe o haviam
chamado de “bebê”, e ele quis impressioná-los.
• Oito jovens saem feridos porque um encontrão involuntário,
numa multidão de adolescentes diante de um clube de rap,
em Manhattan, leva a uma troca de empurrões que só
termina quando um dos garotos começa a atirar, com uma
pistola automática calibre 38, contra a multidão. A notícia
observa que, nos últimos anos, tiroteios por motivos fúteis,
mas encarados como atos de desrespeito, se tornaram
cada vez mais comuns em todo o país.
• No assassinato de crianças de menos de 12 anos, diz uma
notícia, 57% dos assassinos são seus próprios pais ou
padrastos. Em quase metade dos casos, esses pais alegam
que estavam “apenas tentando disciplinar o filho”. Essas
surras fatais foram provocadas por “infrações” do tipo a
criança ficar na frente da TV, chorar ou sujar fraldas.
• Um jovem alemão é julgado pelo assassinato de cinco
mulheres e meninas turcas, por um incêndio que provocou
enquanto elas dormiam. Membro de um grupo neonazista,
ele diz que não consegue ficar num emprego, que bebe e
atribui o seu azar aos estrangeiros. Numa voz pouco
audível, argumenta: “Não paro de lamentar tudo o que
fizemos, e me sinto infinitamente envergonhado.”
O noticiário cotidiano nos chega carregado desse tipo de
alerta sobre a desintegração da civilidade e da segurança, uma
onda de impulso mesquinho que corre desenfreada. Mas o fato é
que esses eventos apenas refletem, em maior escala, um
arrepiante desenfreio de emoções em nossas próprias vidas e
nas das pessoas que nos cercam. Ninguém está a salvo dessa
errática maré de descontrole e de posterior arrependimento —
ela invade nossas vidas de um jeito ou de outro.