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RCIA - ED. 175 - FEVEREIRO 2020pdf

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ARTIGO

Law and Economics

Ubiratan Reis

Moros e os impactos econômicos

de uma decisão trabalhista

Moros, deus do Destino e da Sorte, na mitologia grega, personificava

(ou personifica) o poder de prever o futuro reservado

a todos, o que aqui poderíamos resumir no vernáculo: inevitabilidade.

Segundo consta, Moros teria transferido parte de seus

poderes de presságio para três flechas de Eros (deus grego do

Amor), assim, disparando uma só flecha poder-se-ia retornar

no tempo e corrigir os “erros” do passado, mas, se disparadas

juntas, retornaria ao início de tudo (chamado de Caos).

Moros tem destaque por subordinar a todos, inclusive os

demais deuses, diante de sua capacidade de antever o destino

de cada um deles, daí, relativamente como na primavera,

florescem inúmeras questões filosóficas e pragmáticas, sendo

relevante para esta reflexão: o que faríamos se pudéssemos

prever os reflexos e impactos econômicos de uma decisão judicial

que poderá servir de paradigma para outros casos iguais?

Neste início de 2020, noticiou-se uma decisão de que a

Justiça do Trabalho teria concedido estabilidade a um funcionário,

dependente químico, determinando sua imediata

integração na empresa. Não faltaram, é verdade, post favoráveis

e contrários à decisão, fato que determinava, no mínimo,

uma leitura do acórdão prolatado pelos Magistrados da 17ª

Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região TRT02

– São Paulo1.

No caso específico desta decisão, analisou-se a dispensa

de um funcionário, portador de síndrome da dependência ou

transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de

cocaína e álcool, que laborava como assistente administrativo,

analista de administração de vendas e assistente de caixa, de

uma das maiores empresas de tabaco do Brasil.

O TRT02 declarou a nulidade da dispensa do funcionário,

determinou sua reintegração na mesma função exercida,

condenou a empresa ao pagamento de verbas trabalhistas e

indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00

(vinte mil reais), resultando em uma condenação estimada em

cerca de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

O Tribunal fundamentou a decisão no sentido de que,

naquele caso, haveria de preservar o princípio da dignidade

pessoa (trabalho em tratamento médico), por se tratar de

doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde,

fazendo prevalecer o entendimento adotado pela Súmula

nº 443, do Tribunal Superior do Trabalho que apresenta o

seguinte entendimento: “Presume-se discriminatória a despedida

de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença

grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o

empregado tem direito à reintegração no emprego”

Sem discutir o aspecto social da decisão, uma vez ser

indiscutível o dever de tutela do dependente químico, mas

debruçando sob o escopo desta coluna, mister analisar alguns

aspectos econômicos abordados no acórdão, que poderão surtir

efeitos nos casos semelhantes vindouros, já que em tese,

todos os funcionários em iguais situações deverão ser tratados

igualmente, eis, então, os pontos destacados aqui: a função

exercida pelo funcionário reclamante, a capacidade econômica

da empresa reclamada e a existência de estabilidade do

dependente químico.

O funcionário exercia uma função administrativa, que em

geral, não apresenta risco à vida e à saúde de terceiros. Mas,

convido à reflexão se o desfecho do caso seria o mesmo se

fosse outra a função ou a profissão. Se fosse um torneiro

mecânico, sim ou não? Funcionário da linha de produção de

uma cervejaria, sim ou não? Motorista de uma revenda de peça

ou motorista de transporte escolar? O TRT02 teria determinado

a reintegração se o funcionário em questão fosse agente educacional

infantil ou se fosse um profissional da área da saúde

(enfermeiro)? Eis uma reflexão proposta, a depender da profissão,

caberia ponderação e limite ao princípio da dignidade

humana?

Mas quem está legitimado a responder, o Legislativo (por

lei) ou o Judiciário (em cada caso por sentença)?

Segunda reflexão. No acórdão constou que: “A demandada

não pode se preocupar apenas com seus fins lucrativos, mormente

sendo a segunda maior empresa de tabaco do país, com

cerca de 3.000 empregados”. Se no caso específico ponderouse

o poder econômico da empresa, como ficaria no caso de um

funcionário de uma micro e/ou pequena empresa? Não se aplicaria

a tutela da dignidade da pessoa humana, na medida que

a empresa não suportaria ônus financeiro de R$ 100.000,00?

Dois funcionários, dependentes químicos, dispensados sem

justa causa, um de uma multinacional e ou outro do mercadinho

do bairro, o primeiro estaria protegido pela reintegração e

ou outro não. Qual o critério a ser utilizado?

O terceiro ponto aqui abordado é que, se juridicamente

não se trata de estabilidade, na prática, o reconhecimento de

dispensa discriminatória e determinação de reintegração configura

uma estabilidade de fato do dependente químico. Todavia,

relacionando com porte ou tamanho da empresa, como ficaria

no caso de não haver vaga disponível, a reintegração ensejaria

a demissão de outro funcionário (não dependente químico).

Este funcionário deveria ser demitido, ainda que tenha melhor

performance e precise do emprego para sustento próprio e

da família? O fato é que, não são todas as empresas que têm

3.000 funcionários, na verdade, as micro e pequenas empresas

são as que empregam pessoas e não possuem condições

de “reintegrar” um funcionário sem prejuízo de outro.

Se tivéssemos o poder de Moros, o destino e a sorte das

relações de empregos não seriam impactados negativamente

como pode ocorrer com uma decisão judicial. Deveríamos, ao

menos, refletir com profundidade a abrangência e os efeitos

de um acórdão, ainda mais quando se verifica os riscos a concorrência,

pois, obviamente, uma reintegração determinada

a uma empresa de 5 funcionários, com mesmo parâmetro,

seria extremamente danosa, sem falar que uma condenação

de R$ 100.000,00 consubstanciaria na decretação velada de

falência.

Será que, caso tenhamos as 3 flechas de Eros, dispararíamos

uma, retornando ao passado para corrigir uma ou outra

decisão judicial ou dispararíamos, de volta ao Caos, o início

de tudo?

Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico e escreve para a

Revista Comércio, Indústria e Agronegócio (ubreis@gmail.com)

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