A Sutil Arte de Ligar o F_da-se - Mark Manson

03.02.2020 Views

emergência no trem da responsabilidade e saltar logo que ele para. Algumascoisas são simplesmente dolorosas demais para assumir.Mas pense comigo: a gravidade do evento não altera a realidade dos fatos. Porexemplo, se você for assaltado, é claro que não é culpa sua. Ninguém jamaisescolheria passar por isso. Porém, assim como na hipótese do bebê deixado à suaporta, você passa a ser responsável por uma situação de vida ou morte. Vocêrevida? Entra em pânico? Fica paralisado? Avisa à polícia? Tenta esquecer e fingirque nunca aconteceu? Todas essas possibilidades de reações são escolhas quevocê é responsável por fazer ou rejeitar. Você não escolheu o assalto, mas mesmoassim lhe cabe gerir o impacto emocional e psicológico da experiência (e tomaras devidas providências legais).Em 2008, o Talibã assumiu o controle do Vale do Swat, uma parte remota donordeste do Paquistão, onde logo implementaram seu extremismo muçulmano.Chega de televisão. Chega de filmes. Chega de mulheres saindo de casa semacompanhante. Chega de meninas na escola.Em 2009, uma paquistanesa de onze anos chamada Malala Yousafzaicomeçou a se manifestar contra a proibição de estudar. Ela continuou afrequentar a escola local, arriscando tanto a própria vida quanto a do pai, alémde participar de conferências em cidades próximas. “Como o Talibã se atreve atirar meu direito à educação?”, escreveu ela em uma publicação on-line.Em 2012, aos catorze anos, Malala levou um tiro no rosto quando voltava daescola. Um soldado talibã mascarado entrou no ônibus armado com um rifle eperguntou: “Quem é Malala? Digam ou atiro em todo mundo.” Malala seidentificou (uma escolha incrível por si só), e o homem atirou na cabeça dela nafrente de todos os passageiros.Malala entrou em coma e quase morreu. O Talibã afirmou publicamente que,se sobrevivesse, seria morta, junto com o pai.A menina sobreviveu. Hoje autora de um best-seller, Malala ainda fala sobre aviolência e a opressão contra mulheres em países muçulmanos. Em 2014,recebeu o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços. Parece que o tiro no rosto sólhe deu uma audiência maior e mais coragem que antes. Teria sido fácil paraMalala se acomodar e dizer: “Não posso fazer nada”, ou “Não tenho escolha”.

Isso, ironicamente, também teria sido uma escolha. Mas ela optou pelo oposto.Alguns anos atrás, escrevi algumas das ideias que conto neste capítulo no meublog, e um homem deixou um comentário. Ele disse que eu era vazio esuperficial, acrescentando que eu não tinha real compreensão dos problemas davida ou da responsabilidade humana. Disse que tinha perdido um filho haviapouco, num acidente de carro. E me acusou de não saber o que era a verdadeirador, me rotulando de idiota por sugerir que ele era responsável pela dor deperder um filho.Estava na cara que aquele homem tinha passado por uma dor muito maior doque a maioria das pessoas enfrenta na vida. Ele não escolheu a morte do filho,não tinha culpa por tal desgraça. A responsabilidade de lidar com a perda lhe foiimposta, embora fosse clara e compreensivelmente indesejável. E apesar de tudoisso ele era, sim, responsável pelas próprias emoções, crenças e ações. A reaçãoque apresentou diante da morte do filho foi uma escolha dele. As dores, de todosos tipos, são inevitáveis, mas podemos escolher o que elas significam para nós.Alegar que não tinha escolha e que só queria o filho de volta é, por si só, umaescolha: uma entre as muitas formas possíveis de lidar com esse tipo de dor.É claro que eu não disse nada disso a ele. Estava ocupado demais ficandohorrorizado e pensando que talvez eu realmente não tivesse autoridade nemconhecimento para tal discurso. É um dos riscos desse tipo de trabalho. Umproblema que eu escolhi, e um que era minha responsabilidade resolver.No início, eu me senti muito mal. Depois de alguns minutos, comecei a ficarzangado. As objeções dele tinham pouco a ver com o que eu estava dizendo, metranquilizei. Além do mais, como assim? Não é porque não perdi um filho que eutambém não tenha sofrido muito nessa vida.Então, usei meu próprio conselho: escolhi qual seria meu problema. Eu podiaficar bravo com aquele homem e discutir com ele, tentar comparar a dor delecom as minhas, mas isso só nos tornaria idiotas e insensíveis. Ou podia escolherum problema melhor: praticar a paciência, ser mais compreensivo com meusleitores e ter aquele homem em mente sempre que escrevesse sobre dor e traumaa partir de então. E foi o que tentei fazer.Respondi apenas que sentia muito pela perda dele. O que mais eu podia dizer?

emergência no trem da responsabilidade e saltar logo que ele para. Algumas

coisas são simplesmente dolorosas demais para assumir.

Mas pense comigo: a gravidade do evento não altera a realidade dos fatos. Por

exemplo, se você for assaltado, é claro que não é culpa sua. Ninguém jamais

escolheria passar por isso. Porém, assim como na hipótese do bebê deixado à sua

porta, você passa a ser responsável por uma situação de vida ou morte. Você

revida? Entra em pânico? Fica paralisado? Avisa à polícia? Tenta esquecer e fingir

que nunca aconteceu? Todas essas possibilidades de reações são escolhas que

você é responsável por fazer ou rejeitar. Você não escolheu o assalto, mas mesmo

assim lhe cabe gerir o impacto emocional e psicológico da experiência (e tomar

as devidas providências legais).

Em 2008, o Talibã assumiu o controle do Vale do Swat, uma parte remota do

nordeste do Paquistão, onde logo implementaram seu extremismo muçulmano.

Chega de televisão. Chega de filmes. Chega de mulheres saindo de casa sem

acompanhante. Chega de meninas na escola.

Em 2009, uma paquistanesa de onze anos chamada Malala Yousafzai

começou a se manifestar contra a proibição de estudar. Ela continuou a

frequentar a escola local, arriscando tanto a própria vida quanto a do pai, além

de participar de conferências em cidades próximas. “Como o Talibã se atreve a

tirar meu direito à educação?”, escreveu ela em uma publicação on-line.

Em 2012, aos catorze anos, Malala levou um tiro no rosto quando voltava da

escola. Um soldado talibã mascarado entrou no ônibus armado com um rifle e

perguntou: “Quem é Malala? Digam ou atiro em todo mundo.” Malala se

identificou (uma escolha incrível por si só), e o homem atirou na cabeça dela na

frente de todos os passageiros.

Malala entrou em coma e quase morreu. O Talibã afirmou publicamente que,

se sobrevivesse, seria morta, junto com o pai.

A menina sobreviveu. Hoje autora de um best-seller, Malala ainda fala sobre a

violência e a opressão contra mulheres em países muçulmanos. Em 2014,

recebeu o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços. Parece que o tiro no rosto só

lhe deu uma audiência maior e mais coragem que antes. Teria sido fácil para

Malala se acomodar e dizer: “Não posso fazer nada”, ou “Não tenho escolha”.

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