Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O príncipe só não contava que fosse tão parecido com o pai: ele também tinha
ideias grandiosas. Assim, decidiu não só fugir como também abrir mão da
nobreza, da família e de todas as posses para viver nas ruas, dormindo na
imundície como um animal. Nas ruas, ele passaria fome, sofreria e mendigaria
por comida pelo resto da vida.
Na noite seguinte, o príncipe saiu escondido de novo, desta vez para nunca
mais voltar. Durante anos ele viveu como mendigo, um refugo descartado e
esquecido da sociedade, o cocô de cachorro grudado no sapato da hierarquia
social. E, como planejado, o príncipe sofreu muito. Enfrentou doenças, fome,
dor, solidão e fraqueza. Ficou à beira da morte, muitas vezes sobrevivendo o dia
inteiro com uma única noz.
Alguns anos se passaram. E mais outros. Até que… nada aconteceu. O
príncipe percebeu que aquela vida de provações não era aquilo tudo que
prometia. Não levava a sua desejada iluminação. Não revelava nenhum mistério
mais profundo a respeito do mundo ou do propósito da vida.
Em outras palavras, o príncipe percebeu o que todo mundo meio que já sabia:
sofrer é uma merda, e não necessariamente se traduz em algo significativo. Seja
na riqueza ou na pobreza, não existe valor no sofrimento quando não há um
propósito. Daí foi um pulo para o príncipe chegar à conclusão de que sua ideia
tão grandiosa, assim como a do pai, era uma bela bosta, e de que ele deveria fazer
outra coisa da vida.
Muito confuso, o príncipe se limpou e, encontrando uma grande árvore perto
do rio, decidiu se sentar à sombra e só se levantar quando tivesse outra grande
ideia.
Reza a lenda que o príncipe confuso ficou debaixo da árvore por quarenta e
nove dias. Não vamos entrar na questão da viabilidade biológica de ficar sentado
no mesmo lugar por quarenta e nove dias; digamos que durante esse período o
príncipe foi tocado por diversas verdades muito profundas.
Uma delas foi a seguinte: a vida em si já é uma forma de sofrimento. Os ricos
sofrem por serem ricos. Os pobres sofrem por serem pobres. Pessoas sem família
sofrem por não terem família. Pessoas com família sofrem por causa da família.
Pessoas que buscam os prazeres mundanos sofrem por causa dos prazeres