You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Só ouço o vento.
É isso?
Meu corpo estremece, o medo se torna euforia e ofuscação. Eu me concentro
e esvazio a mente, em uma espécie de meditação. Nada nos deixa presentes e
conscientes como estar a poucos centímetros da morte. Eu me endireito, olho
para a frente outra vez e me pego sorrindo. Lembro a mim mesmo que morrer
não é um problema.
* * *
Essa interação intencional e até exuberante com a própria mortalidade tem raízes
antigas. Os estoicos da Grécia e da Roma antigas imploravam às pessoas que
tivessem a morte sempre em mente, de forma a apreciar a vida e permanecer
humildes diante das adversidades. Em várias formas de budismo, a prática da
meditação é ensinada como um meio de se preparar para a morte em vida.
Dissolver o ego em um grande nada — alcançar o estado iluminado do nirvana
— é visto como um teste para a passagem ao outro lado. Até Mark Twain, aquele
maluco cabeludo que chegou e foi embora no Cometa Halley, disse: “O medo da
morte vem do medo da vida. Um homem que vive plenamente está preparado
para morrer a qualquer momento.”
* * *
De volta ao penhasco, eu me abaixo e me inclino para trás. Coloco as mãos no
chão atrás de mim e me sento lentamente. Depois passo uma perna pela borda
do penhasco. Há uma pequena protuberância na lateral. Apoio o pé nela. Então
passo o outro pé pela borda e o apoio na mesma pedra. Fico ali sentado por um
tempo, apoiado nas palmas das mãos, o vento bagunçando o meu cabelo. Agora
a ansiedade é suportável, desde que eu permaneça focado no horizonte.
Então me endireito e olho o precipício de novo. O medo dispara pela minha
coluna, eletrizando braços e pernas e fazendo meu cérebro focar nas coordenadas