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Cara, o que você está fazendo? Pare. Volte.
Mando meu cérebro calar a boca e continuo avançando.
A menos de um metro, seu corpo entra em alerta vermelho total. Agora basta
um tropeço no cadarço para dar fim à sua vida. Parece que uma rajada de vento
forte pode jogá-lo naquela eternidade azul bipartida. As pernas tremem. As
mãos. A voz, caso você precisar lembrar a si mesmo em alto e bom som de que
não está a ponto de cair para a morte.
A distância de um metro é o limite absoluto da maioria das pessoas. É
próximo o suficiente para se inclinar para a frente e ver a base, mas ainda longe o
bastante para sentir que você não corre nenhum risco real de se matar. Ficar tão
perto da borda de um penhasco, mesmo um tão lindo e fascinante como o do
Cabo da Boa Esperança, causa uma sensação de vertigem e de que você vai
regurgitar qualquer refeição recente.
É isso? Isso é tudo que existe? Já sei tudo que vou saber?
Dou outro micropasso, e mais outro. Agora são sessenta centímetros.
Minha perna treme quando apoia o peso do corpo. Eu me arrasto para a
frente. Contra o ímã. Contra minha mente. Contra meus instintos de
sobrevivência.
Faltam trinta centímetros. Agora olho diretamente para a face do penhasco.
Sinto uma vontade repentina de chorar. Meu corpo instintivamente se encolhe,
protegendo-se de algo imaginário e inexplicável. O vento é mais forte do que
nunca. Os pensamentos são cruzados de direita no meio da cara.
A trinta centímetros, você se sente flutuar. Se não olhar para baixo, parece que
faz parte do céu. A essa altura, você espera cair.
Fico ali agachado por um momento, recuperando o fôlego, organizando meus
pensamentos. Eu me forço a olhar para a água batendo nas pedras lá embaixo.
Então olho outra vez para a direita, para as formiguinhas andando, tirando fotos,
correndo para ônibus turísticos, pensando na chance improvável de que alguém
me veja. Esse desejo por atenção é completamente irracional, mas tudo o que
estou passando também é. É impossível que alguém me veja aqui em cima, é
claro. E, mesmo que não fosse, aquelas pessoas distantes não poderiam dizer
nem fazer nada.