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valores falham, nós também falhamos, em termos psicológicos. O que Becker
diz, em resumo, é que o medo impulsiona as pessoas a se importarem demais,
porque se importar com alguma coisa é a única forma de se distrair da
realidade implacável da morte. E estar pouco se fodendo para tudo é alcançar
um estado quase espiritual de aceitação da efemeridade da própria existência.
Nessa condição é muito menos provável ser dominado por várias formas de
arrogância.
Mais tarde, em seu leito de morte, Becker teve uma percepção
surpreendente: os projetos de imortalidade das pessoas eram o problema, não
a solução; em vez de tentar impor, muitas vezes à força, seu eu conceitual ao
mundo, as pessoas deveriam questionar esse eu e se sentir mais à vontade com
a realidade da morte. Becker chamou isso de “o antídoto amargo”, e tentou ele
mesmo aceitá-lo enquanto contemplava o próprio fim. Embora a morte seja
ruim, ela é inevitável. Então, não devemos evitar essa verdade, e sim aceitá-la
da melhor forma que pudermos. Porque, quando nos sentimos confortáveis
com o fato de que vamos morrer — o terror essencial e a ansiedade subjacente
que motivam todas as ambições frívolas da vida —, podemos escolher nossos
valores mais livremente, sem as restrições causadas por uma busca ilógica pela
imortalidade, ficando assim liberados de perigosas visões dogmáticas.
O lado bom da morte
Avanço de pedra em pedra, subindo com passos firmes, com os músculos das
pernas tensos e doloridos. Naquele estado de quase transe derivado de um
esforço físico lento e repetitivo, vou chegando ao topo. O céu parece grande e
profundo. Estou sozinho agora. Meus amigos estão muito abaixo de mim,
tirando fotos do mar.
Finalmente, ultrapasso uma rocha e a vista se abre. Dá para ver até o
horizonte infinito. É como se eu estivesse na borda da terra, onde a água encosta
no céu, azul sobre azul. O vento sopra forte em minha pele. Eu olho para cima. É
claro. É lindo.
Estou no Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, antes considerado a ponta