A Sutil Arte de Ligar o F_da-se - Mark Manson

03.02.2020 Views

Levei doze horas para me permitir chorar. Estava no carro, voltando para casaem Austin na manhã seguinte. Telefonei para meu pai e disse que ainda estavaperto de Dallas e que ia faltar ao trabalho. (Eu estava trabalhando para elenaquele verão.)— Por quê? — perguntou ele. — O que aconteceu? Está tudo bem?E foi aí que começou: o choro. Urros, gritos e muco escorrendo. Parei o carrono acostamento, agarrei o celular e chorei como um menininho chora no colo dopai.Entrei em depressão profunda naquele verão. Eu achava que já estiveradeprimido antes, mas aquele era um nível completamente novo de falta designificado — uma tristeza tão profunda que causava dor física. As pessoasvinham me visitar na esperança de animar a situação, mas eu simplesmenteficava lá sentado e as ouvia, dizendo e fazendo todas as coisas certas. Agradeciapor tudo, dizendo que tinha sido muito legal da parte delas terem vindo, fingiaum sorriso, mentia e dizia que estava melhorando, mas por dentro não sentianada.Durante alguns meses, eu sonhei com Josh. Nesses sonhos, eu e ele tínhamoslongas conversas sobre a vida e a morte, e também sobre coisas aleatórias inúteis.Até aquele ponto da minha vida, eu tinha sido um típico garoto maconheiro declasse média: preguiçoso, irresponsável, socialmente ansioso e profundamenteinseguro. Josh, em vários sentidos, era alguém que eu admirava. Era mais velho,mais confiante, mais experiente e mais tolerante e aberto para o mundo ao seuredor. Em um dos meus últimos sonhos com ele, nós estávamos em uma Jacuzzi(eu sei, estranho), e falei algo do tipo: “Sinto muito por você ter morrido.” Eleriu. Não me lembro exatamente quais foram as palavras, mas ele falou algocomo: “Por que você se importa por eu ter morrido se ainda tem tanto medo deviver?” Acordei chorando.Eu estava sentado no sofá da minha mãe naquele verão, olhando para o nada,contemplando o interminável e incompreensível vazio onde antes ficava aamizade com Josh, quando tive a chocante percepção de que, se não haviamotivo para fazer qualquer coisa, também não havia motivo para não fazer.Percebi que em face da inevitabilidade da morte não existe motivo algum para

ceder ao medo, ao constrangimento ou à vergonha, já que tudo isso não passa deum monte de nadas. Ao passar a maior parte da minha curta vida evitando o queera doloroso e desconfortável, eu tinha essencialmente evitado estar vivo.Naquele verão, larguei a maconha, os cigarros e os videogames. Deixei paratrás as fantasias idiotas de ser um astro do rock, abandonei a escola de música eme candidatei a algumas universidades. Comecei a malhar e emagreci muito. Fiznovos amigos. Comecei a namorar. Pela primeira vez na vida eu estudava para asaulas, notando, surpreso, que conseguia tirar boas notas se me esforçasse. Noverão seguinte, me desafiei a ler cinquenta livros de não ficção em cinquentadias, e consegui. No ano seguinte, pedi transferência para uma excelenteuniversidade do outro lado do país, onde me destaquei pela primeira vez, tantoacadêmica quanto socialmente.A morte de Josh marca o ponto antes/depois mais claro que consigoidentificar na minha vida. Antes dessa perda eu era inibido, não tinha ambição,estava sempre obcecado e controlado pelo que imaginava que o mundo pensavade mim. Depois da tragédia, me tornei uma nova pessoa: responsável, curioso,trabalhador. Eu ainda tinha minhas inseguranças e trazia comigo bagagememocional — como todos —, mas passei a ligar para algo mais importante do queas minhas inseguranças e meu passado. E isso fez toda a diferença. Por maisestranho que pareça, foi a morte de outra pessoa que me deu permissão parafinalmente viver. E talvez o pior momento da minha vida também tenha sido omais transformador.A morte assusta. É por isso que evitamos pensar nela, falar dela, às vezes atéreconhecê-la, mesmo quando acontece com alguém próximo.Só que, de uma maneira bizarra e invertida, a morte é a luz pela qual a sombrade todo o significado da vida é mensurada. Sem a morte, nada teria importância,todas as experiências seriam arbitrárias, todas as medidas e valores seriamreduzidos a zero num instante.Algo além de nósErnest Becker era um acadêmico marginalizado. Em 1960, obteve seu Ph.D. em

ceder ao medo, ao constrangimento ou à vergonha, já que tudo isso não passa de

um monte de nadas. Ao passar a maior parte da minha curta vida evitando o que

era doloroso e desconfortável, eu tinha essencialmente evitado estar vivo.

Naquele verão, larguei a maconha, os cigarros e os videogames. Deixei para

trás as fantasias idiotas de ser um astro do rock, abandonei a escola de música e

me candidatei a algumas universidades. Comecei a malhar e emagreci muito. Fiz

novos amigos. Comecei a namorar. Pela primeira vez na vida eu estudava para as

aulas, notando, surpreso, que conseguia tirar boas notas se me esforçasse. No

verão seguinte, me desafiei a ler cinquenta livros de não ficção em cinquenta

dias, e consegui. No ano seguinte, pedi transferência para uma excelente

universidade do outro lado do país, onde me destaquei pela primeira vez, tanto

acadêmica quanto socialmente.

A morte de Josh marca o ponto antes/depois mais claro que consigo

identificar na minha vida. Antes dessa perda eu era inibido, não tinha ambição,

estava sempre obcecado e controlado pelo que imaginava que o mundo pensava

de mim. Depois da tragédia, me tornei uma nova pessoa: responsável, curioso,

trabalhador. Eu ainda tinha minhas inseguranças e trazia comigo bagagem

emocional — como todos —, mas passei a ligar para algo mais importante do que

as minhas inseguranças e meu passado. E isso fez toda a diferença. Por mais

estranho que pareça, foi a morte de outra pessoa que me deu permissão para

finalmente viver. E talvez o pior momento da minha vida também tenha sido o

mais transformador.

A morte assusta. É por isso que evitamos pensar nela, falar dela, às vezes até

reconhecê-la, mesmo quando acontece com alguém próximo.

Só que, de uma maneira bizarra e invertida, a morte é a luz pela qual a sombra

de todo o significado da vida é mensurada. Sem a morte, nada teria importância,

todas as experiências seriam arbitrárias, todas as medidas e valores seriam

reduzidos a zero num instante.

Algo além de nós

Ernest Becker era um acadêmico marginalizado. Em 1960, obteve seu Ph.D. em

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