A Sutil Arte de Ligar o F_da-se - Mark Manson

03.02.2020 Views

Quando nossa mente processa as experiências, a prioridade é interpretá-las deforma que sejam coerentes com acontecimentos anteriores, assim comosentimentos e crenças já conhecidos, mas com frequência passamos por situaçõessem correlação entre passado e presente. Em tais ocasiões, o que se passa nomomento se perde diante de tudo que tomamos como verdadeiro e razoável arespeito do passado. Em nome da coerência, nossa mente pode inventarlembranças. Ao relacionar as experiências presentes com aquele passadorelembrado, conseguimos manter o significado que já estabelecemos.Como já notamos antes, a história de Meredith não é única. Muito pelocontrário: nos anos 1980 e começo dos anos 1990, centenas de pessoas inocentesforam acusadas injustamente de violência sexual sob circunstâncias parecidas.Muitas foram presas por isso.Para aqueles insatisfeitos com a vida, essas explicações sugestivas, combinadascom a mídia sensacionalista — havia uma epidemia real de abusos sexuais eviolência ritualística se desenrolando, e qualquer pessoa podia ser vítima —,davam ao inconsciente um incentivo para exagerar ligeiramente as lembranças.Esse mecanismo fundamentaria o sofrimento do indivíduo, colocando-o nopapel de vítima e isentando-o da responsabilidade. A terapia de memóriasreprimidas agia como um meio de extrair esses desejos inconscientes e moldá-losna forma de lembranças aparentemente tangíveis.Esse processo, e o estado de espírito resultante, se tornou tão comum queganhou nome: síndrome da falsa memória, e gerou mudanças nos tribunais.Milhares de terapeutas que utilizavam esse método foram processados eperderam a licença de trabalho. A terapia da memória reprimida foi substituídapor métodos mais comprovados. Pesquisas recentes só reforçam a dolorosa liçãodaquela época: nossas crenças são maleáveis e nossa memória é bem poucoconfiável.Clichês desagradáveis como “confiar em si mesmo” e “seguir seu coração”estão por toda parte. Talvez o melhor seja confiar menos em si mesmo. Afinal, senosso coração e nossa mente são tão falhos, precisamos questionar ainda maisnossas intenções e motivações. Se está todo mundo errado o tempo todo, nãoseriam o ceticismo e a rigorosa objeção a nossas crenças e suposições o único

caminho lógico para o amadurecimento?Sei que a ideia pode parecer assustadora e autodestrutiva, mas na verdade é ocontrário: não só é mais segura como é libertadora.Os perigos da certeza absolutaErin está sentada diante de mim à mesa do restaurante japonês e tenta explicarpor que não acredita na morte. Já estamos aqui há quase três horas. Ela comeuexatamente quatro rolinhos de pepino e bebeu, sozinha, uma garrafa inteira desaquê (já está na metade da segunda, na verdade). São quatro horas da tarde deuma terça-feira.Eu não a convidei. Ela me caçou pela internet e pegou um avião para vir meencontrar.De novo.Não é a primeira vez. Erin está convencida de que pode evitar a morte, mastambém de que precisa da minha ajuda para isso. Só que não estamos falando deajuda profissional. Se ela precisasse apenas do aconselhamento de um relaçõespúblicasou algo assim, tudo bem. Não, é mais do que isso: Erin precisa de mimcomo namorado. Por quê? Depois de três horas de perguntas e uma garrafa emeia de saquê, ainda não sei dizer.Aliás, minha noiva está aqui com a gente no restaurante. Erin achouimportante que ela fosse incluída na discussão, pois queria dizer que está“disposta a me dividir” e que minha namorada (agora esposa) “não precisava sesentir ameaçada”.Conheci Erin num seminário de autoajuda, em 2008. Ela parecia legal. Meiomística, meio New Age, havia cursado direito numa faculdade da Ivy League eera inegavelmente inteligente. Ela ria das minhas piadas e me achava fofo —então, sendo eu quem sou, é claro que transamos.Um mês depois, ela me convidou para atravessar o país e morarmos juntos.Isso me assustou um pouco. Tentei terminar, mas ela reagiu ameaçando se matarse eu me recusasse a ficar com ela. Ok, dessa vez me assustei muito.Imediatamente a bloqueei no e-mail e em todos os meus meios de comunicação.

caminho lógico para o amadurecimento?

Sei que a ideia pode parecer assustadora e autodestrutiva, mas na verdade é o

contrário: não só é mais segura como é libertadora.

Os perigos da certeza absoluta

Erin está sentada diante de mim à mesa do restaurante japonês e tenta explicar

por que não acredita na morte. Já estamos aqui há quase três horas. Ela comeu

exatamente quatro rolinhos de pepino e bebeu, sozinha, uma garrafa inteira de

saquê (já está na metade da segunda, na verdade). São quatro horas da tarde de

uma terça-feira.

Eu não a convidei. Ela me caçou pela internet e pegou um avião para vir me

encontrar.

De novo.

Não é a primeira vez. Erin está convencida de que pode evitar a morte, mas

também de que precisa da minha ajuda para isso. Só que não estamos falando de

ajuda profissional. Se ela precisasse apenas do aconselhamento de um relaçõespúblicas

ou algo assim, tudo bem. Não, é mais do que isso: Erin precisa de mim

como namorado. Por quê? Depois de três horas de perguntas e uma garrafa e

meia de saquê, ainda não sei dizer.

Aliás, minha noiva está aqui com a gente no restaurante. Erin achou

importante que ela fosse incluída na discussão, pois queria dizer que está

“disposta a me dividir” e que minha namorada (agora esposa) “não precisava se

sentir ameaçada”.

Conheci Erin num seminário de autoajuda, em 2008. Ela parecia legal. Meio

mística, meio New Age, havia cursado direito numa faculdade da Ivy League e

era inegavelmente inteligente. Ela ria das minhas piadas e me achava fofo —

então, sendo eu quem sou, é claro que transamos.

Um mês depois, ela me convidou para atravessar o país e morarmos juntos.

Isso me assustou um pouco. Tentei terminar, mas ela reagiu ameaçando se matar

se eu me recusasse a ficar com ela. Ok, dessa vez me assustei muito.

Imediatamente a bloqueei no e-mail e em todos os meus meios de comunicação.

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