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Política Fiscal<br />
14<br />
dos princípios que é colocado<br />
em causa de forma imediata é o<br />
princípio da igualdade. No limite,<br />
e se levarmos as revindicações<br />
grupais ao ponto extremo, o grupo<br />
pretensamente contribuidor<br />
nunca acederá em contribuir<br />
para o grupo subsidiado. Ora, se<br />
a função pública de garantia da<br />
igualdade for colocada em causa,<br />
então já pouco restará para<br />
o Estado, já que os pilares da<br />
justiça e da segurança ruirão catastroficamente.<br />
Infelizmente, esta criação não<br />
virtuosa de grupos é igualmente<br />
promovida pela recente política<br />
fiscal. O sistema tributário português<br />
encontra-se em mutação.<br />
Todos os anos aparecem novos<br />
tributos, com diferentes configurações,<br />
abrangendo realidades<br />
múltiplas, na maior parte das vezes<br />
sem qualquer conexão com<br />
os impostos “normais”. Este modelo<br />
tributário decorre:<br />
a) Das próprias limitações genéticas<br />
do sistema fiscal tradicional<br />
face à nova realidade global:<br />
- que se encontra esgotado em<br />
termos de possibilidade de progressão<br />
das taxas de tributação<br />
(por isso aparecem tributos com<br />
denominações diferenciadas<br />
mas que constituem efetivamente<br />
agravamentos de impostos<br />
tradicionais – v.g. derrama estadual<br />
no caso do IRC; sobretaxa<br />
do IRS; AIMI em sede de tributação<br />
imobiliária);<br />
- que tenta criar fluxos de receita<br />
estáveis criando tipos tributários<br />
anómalos, sucessivamente agravados<br />
(v.g. tributação autónoma;<br />
limites à dedutibilidade dos encargos<br />
de financiamento; limites<br />
ao reporte de prejuízos, etc.);<br />
- que tenta contornar as limitações<br />
dos modelos de conexão<br />
do direito fiscal internacional,<br />
tentando manter o poder de tributar<br />
no país de destino em atividades<br />
incorpóreas (v.g. impostos<br />
sobre as plataformas digitais;<br />
“taxas turísticas”);<br />
- pela sucessivamente crescente<br />
função reguladora do Estado,<br />
que deixando de atuar ao nível<br />
do fornecimento direto das utilidades,<br />
impõe obrigações de<br />
“serviço público” adicionais sem<br />
a necessária fundamentação<br />
económico-financeira (v.g., o caso<br />
da tarifa social da energia, ou de<br />
todas as limitações à progressão<br />
tarifária no sector dos transportes<br />
e afins), ou pela criação de<br />
impostos regulatórios putativamente<br />
perequativos, mas que<br />
disfarçam pretensões eminentemente<br />
tributárias (a perequação<br />
tarifária não fundamentada);<br />
b) De estratégias comportamentais<br />
legitimadoras de pretensões<br />
tributárias maximizadas<br />
- pela utilização da vertente “sinalagmática”<br />
para a legitimação<br />
de tributações agressivas utilizando<br />
abusivamente o modelo<br />
de contribuição ou taxa (v.g. vários<br />
tributos ambientais, a “taxa<br />
da proteção civil”, etc.);<br />
- pelo abuso da qualificação “extraordinária”<br />
para a justificação<br />
de imposição de sobrecargas<br />
supostamente temporárias, mas<br />
que tendem fatalmente para a<br />
permanência, cristalizando-se<br />
ao longo do tempo (v.g. todas as<br />
denominadas “Contribuições Extraordinárias”),<br />
tendendo o Tribunal<br />
Constitucional a “desmantelar”<br />
os cortes extraordinários de<br />
despesa (por exemplo, os cortes<br />
aos vencimentos dos funcionários<br />
públicos) e a aceitar a manutenção<br />
dos tributos (v..g. CESE);<br />
- pela incapacidade do Ministério<br />
das Finanças na gestão<br />
impositiva de uma política fiscal<br />
racional. Os ministérios setoriais<br />
tomaram a imposição fiscal positiva<br />
como elemento essencial da<br />
política setorial, deixando pouco<br />
espaço para o estabelecimento<br />
de limitações a iniciativas mais<br />
criativas (o que não acontecia no<br />
caso do modelo anterior, onde<br />
os ministérios setoriais propunham<br />
benefícios fiscais que<br />
eram controlados pelo efeito em<br />
sede de despesa fiscal pelo Ministério<br />
das Finanças)<br />
- pela descentralização crescente<br />
de competências para entidades<br />
menores, que não sendo<br />
acompanhadas de “envelopes financeiros”<br />
suficientes, legitima a<br />
sucessiva criação de novas taxas<br />
municipais.<br />
c) De orientações políticas limitadoras<br />
de reações de “resistência<br />
fiscal” por via da criação de grupos-alvo<br />
de tributação acrescida:<br />
- pela utilização de anátemas<br />
tradicionais de tributação do<br />
pecado (por exemplo tabaco, bebidas<br />
alcoólicas, e mais recentemente<br />
a tributação das bebidas<br />
açucaradas), que, se abusada,<br />
destrói o próprio princípio de arrecadação<br />
de receita fiscal;<br />
- pela criação de ambientes agressivos<br />
contra setores em concreto,<br />
aproveitando estereótipos socialmente<br />
instalados para a justificação<br />
de uma sobrecarga tributária.<br />
Esta “sectorização” tributária baseada<br />
em argumentos tais como<br />
os “lucros excessivos” (v.g. CESE,<br />
Contribuição Extraordinária sobre<br />
a Indústria Farmacêutica,<br />
Taxa de Segurança Alimentar+),<br />
ou “especulação imobiliária” (v.g.<br />
AIMI), ou a diabolização de produções,<br />
como o eucalipto (a nova<br />
taxa sobre recursos florestais do<br />
OE/2019) criando uma luta interna<br />
nos setores (por exemplo, na<br />
CESE, elétricas vs. petrolíferas vs.<br />
renováveis; Contribuição Farmacêutica<br />
(hospitalar vs. ambulatório,<br />
medicamentos patenteados<br />
vs. genéricos);<br />
- pela privatização excessiva<br />
de uma função pública, pri-