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preservar o aspecto com vestimentas várias que,
precariamente, o indiferenciavam entre a
contemporaneidade. Aliás, o que era Damião de Magalhães
senão um viajante paradoxal, uma testemunha
incongruente? A humildade. Com a firmeza de quem, no
horizonte em brumas, sublimou e perverteu um risco
visionário. Por conseguinte, deveria confinar-se. Encerrado
numa caixa tumular - estanques cada um dos lados cardeais,
o quinto infinito e o sexto, por onde entrara, tornado
inexistente como a sua condição essencial - não haveria
mais pontos de orientação que o relacionassem,
convertendo-se apenas numa efeméride onírica,
referenciada com a identidade pátria e a demanda da
liberdade. E no entanto, o fantasmagórico Damião de
Magalhães atravessara já Cascais, espantado e escorraçado
com os sinais dos tempos, prosseguindo um erradio litoral
para as bandas de Lisboa. Estava, afinal, com o sol em
ocaso, nesse cúmulo telúrico que lhe havia sido familiar,
Belém, onde e quando se tornava ilíquida a fusão de marés,
entre Tejo e Atlântico. Ali, Damião de Magalhães foi então
surpreendido por uma populaça que, aos morras e vivas,
se acotovelava entre a língua das águas e uma edificação
monumental. O efémero e o eterno. Do morro
descampado, em transe, que um dia ele conhecera,
mantinha-se apenas uma porção de ervas e árvores, posta
à qual aquela turba humana pudesse restituir um frémito
providencial. Inquieto, extrovertido, Damião de Magalhães
ia-se teimando de que apenas lhe prezaria um qualquer
refúgio solitário. Agora, que recobrava em razão, de onde
ousara por megalomania. Sem glória, encoberto, ante o
dissoluto e o ouropel. Onde o céu levantara a névoa,
dissipar-se-ia o seu fascínio. Quando o escorbuto não o
vitimara, torturavam-no já os escrúpulos. Fiel aos desígnios
íntimos, fora traído pelos caprichos do Império. E ele, que
presenciara o passado a soçobrar, pressentia antecipar-se
uma ruína. Que instigaria, pois, aquela gente variegada?
Raça ruim? Por que fatalidade lhe escorreriam lágrimas pelo
coração, ferindo-se afinal numa revolução sem sangue
derramado? Herança extinta ou heresia funesta. Eis o arrojo
visceral, a quimera catártica, que um premonitório Damião
de Magalhães vislumbraria, reinvestido em tal derradeiro
crepúsculo sobre o cais místico da Ibéria. Futuro. Arcaica
a missa de resgate, ou além da missão apologética. Um
futuro espúrio de rituais, em que a pura rotina se
inspirasse... Como num mistério, com os olhos bem
abertos imagina o que vê. Como num enigma, vê o que
imagina com os olhos bem fechados.
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