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14 de Março de 1958
Era um daqueles casos em que uma pessoa
atravessa outra e passa a ser ela, deixando para trás de si
apenas uma sombra, um estro fantasmagórico. Ofélia
Toledo foi abalada por tal frémito - fulminante, visceral -
e Joel Crespo ganiu à condição de despojado predador.
Às vezes, processos destes trazem precedente
ou deixam sequela. Na vertente experiência, ambos os
fenómenos se repercutiriam. Joel era um desenlace brutal
de sua mãe esfomeada, a loba Silvina. Ofélia definhara um
corrimento romântico com o crepuscular actor Ulisses
Galhardo.
No âmbito das cerimónias que emularam o
trágico defunto, o Major Joel Crespo foi até ao Teatro Vaz
de Moraes, no Parque Mayer, atraído por «A Revolução de
Abril», a velha fita de Arthur Lopes de Barros. Aí, a vaga
Ofélia Toledo exuberou em palco durante a homenagem,
ofuscando mesmo a embaraçada filha do protagonista –
Pulquéria Galhardo, um esfregão lacrimoso ao lado do
noivo Inocêncio Pernate.
Sentado numa das primeiras filas da Plateia,
Joel ficou varado. Nada mais via ou ouvira e, concluída a
sessão, ainda no foyer, colou-se à div’amante de Galhardo
com assanhada ansiedade. Ora, ela nunca se mostrou capaz
de resistir a uma farda, quanto mais solene...
Não houve uma transferência sexual, ou sua
mistificação. Só que uma neutra sobreposição de máscaras,
masculina e feminina, distorceu as matrizes essenciais de
Joel e Ofélia. Desabrida, funesto.
Foi uma orgia depravada que estarreceu tudo e
todos, até frequentadores e engajadores habituais num lagar
sórdido de sangue e gozo como a Pensão Alegria, lá para as
bandas de Almirante Reis. Quem testemunhou, prestes ao
atolar-se a escandaleira entre a moral pública e um muro
de silêncio, falou num cio ancestral em que se entrechocam
vícios e virtudes.
Requintes e rituais. Ela castrava-o, ele a vibrála.
E assim mesmo se desnudaram, perante os ocultos deste
mundo...
Sobreveio a separação. Mortificada,
açougueiro. A mulher repercutiu-se num horror telúrico.
O sujeito transformou-se numa fera insaciável.
Joel Crespo seria espoliado dos seus galões
patentes por denúncia do irmão mais novo, Geraldes,
entrando na Polícia Política, com um zelo grotesco que o
tornou mesmo ameaçado de sanções disciplinares. Ofélia
Toledo consumiu-se desprezada em sua forma física e, no
caos íntimo, desejou tudo e todos, acabando por
desaparecer de vez num rasto de perfume barato.
Antes, Ofélia aderiu à diáspora lésbica. De sua
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