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SOMARMOS DE SOMENOS
Entre si, partilhavam sangues e sustos, suspiros e sorrisos. Nunca
se olhariam como outro, antes nele viam o mais que lhes faltava.
Cada um era ausente, quando o parceiro não aparecia. E, afinal,
sem sentirem presente a companhia, ocupavam o espaço das suas
invioláveis solidões. Gémeos idênticos, cuja existência convergia
qual alternativa em evasão.
Porém, sobre Alma & Elmo pendia a singularidade do paradoxo
ancestral. Origem e matriz. Estigma e desvio. Pai a quem
roubaram uma filha, pastora de estrelas, em noite de luar minaz.
Mãe que rejeitou ao filho, um predador de sonhos, a paz no caos
familiar. Com os modos e as tragédias, os medos e as quimeras que
fundam mitos, fundem lendas.
À distância minguante que os apartava, entre si contraíam sílabas e
símbolos. Raros sinónimos, pois, que assim contrastassem…
Agreste. Avessa. Candidamente selvagem. Minimamente épico.
Imune. Furtiva. O refúgio inibido. O exílio suspenso. Armadura.
Amadora. Pele e osso, a magia e a rebeldia de se compensarem no
desassossego transfigurador.
Alma tendia à alucinação. O tímido Elmo julgava-se temido. A
insubmissa inibia-se a definhar. O irmão ampliava, tenso, o
quanto lhe faltava. E nesse jogo lúdico, bélico, de abordagens,
coincidências, fruíam o sobressalto intrusivo, o amplexo imparcial
do bem-querer, no mal-estar. Qual auge umbilical – ei-los
fraternos, na abominável sexualidade.
José de Matos-Cruz
As Crónicas do Livro Livre
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