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A MARGEM DA MIRAGEM
Estendeu o braço sobre a areia, até que cravou a espada.
E, assim, nasceu a árvore de sangue. Aí, transfigurou-se a mão
da natureza. E, então, a sorte do guerreiro ficaria marejada
para sempre. As lágrimas que fecundavam a aridez do deserto.
A ávida magia de semear prodígios entre o espanto e o destino.
Germinando a negação de outros desaires.
João Teodósio abolia a vanglória fatal e triunfal, o
fascínio pelo auge da agonia. E, todavia, o acompanhante de
Sebastião à tragédia de Alcácer-Kibir oscilara, em si, com o
espírito inclinado à premonição. O Condestável Lusitano
embargado no conflito íntimo dos usos obtusos, subjugado ao
delírio da luta absoluta… Ânimo, ou a rendição espectral?
Varado. Virado. Penhascos profundos, para quem só
veria de cima. Abismos alcantilados, quando se estivesse em
baixo. Sustendo o alcance da utopia. Sublimando o reverso da
ousadia. Apenas brumas e logros. Os lugares mais próximos
tornavam-se distantes. Os extremos ignotos faziam-se
familiares. Um voo de silêncio, solidão, para lá pairar.
Alguém, porém… Fugir? Fingir? O Condestável
Lusitano, em mansidão telúrica. Contraindo a extensão da
catástrofe. João Teodósio, no vórtice espúrio. Envolvendo a
imensidão da redondeza. O homem exposto à sua dimensão
ambígua, essencial. Fantasma. Paradoxo. Entre o sobressalto e
a transcendência. Ainda, antes do fim. Divagar.
José de Matos-Cruz
As Crónicas do Livro Livre
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