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Orion 5

Sci-Fi Fantasy web-zine

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como verdadeiros segredos de Estado. O ritual da manhã. Eu não estou

cá. Fico longe da agitação humana. Prefiro ser o solitário que se encosta à

parede – o que passa despercebido, o vago, o vento. Encontro dois colegas;

acenam-me, não ficam: já me conhecem bem de mais para tanto. Respondo

por educação. Eis o máximo de contacto social a que me permito neste

meio. Recordo o meu pai e como ele adorava tanta energia, como era

sociável e entrava no jogo animado, qual golfinho na água. Ele, que se

queixava tanto das caras apáticas e tristes, escondidas nas suas misérias

privadas, sedentas de outros sítios. A boa disposição não custa nada,

comentava, e o mundo até fica um pouco melhor. Que saudades dos seus

gestos largos, da sua forma de agir. Pai, nunca quis dizer-lhe, há sempre

aqueles que, como eu, têm mau acordar.

«EUROPA CHEGOU AO FIM!!»

Ela não entrou na carruagem, a rapariga do bloco cinquenta e dois. Pelo

sétimo dia consecutivo. Talvez esteja doente, volto a convencer-me, não

querendo pensar na gravidade de uma doença de sete dias. Talvez tenha

tido sete doenças, uma por dia. Como se fosse credível. Aconteceu

finalmente: foi promovida. Acabaram-se as deslocações diárias no comboio

comunal, o dormir à noite no bairro, a angústia de pertencer à classe

sustentadora mas ter já um pé de fora, ao encontro do patamar acima. Deu

finalmente a passada e assim saiu da minha existência. As viagens no

comboio vão ficar mais tristes, e não será o ar perfumado e limpo que exala

dos ventiladores, não será a música alegre, não será o ambiente espaçoso e

colorido das carruagens capazes de trazer de volta o conforto das nossas

conversas. Seguirás agora no comboio próprio ao teu novo estatuto, aquele

dos painéis repletos com notícias financeiras, no mundo de costas viradas

às costas dos outros. A notícia sensacionalista da manhã, que até aqui atrai

os olhares e invade conversas (ainda bem que estavam distantes, os painéis

da carruagem), não ocupará a tua mente, agora. Não creio que nesse

comboio se jogue às cartas, nem que os ritmos fáceis da música popular

adornem o ambiente sonoro. A que bairro pertencerás agora?

«EUROPA CHEGOU AO FIM!»

A notícia percorre os ecrãs do Instituto, o que me espanta. Julguei mal?

Existirá algum conteúdo relevante por detrás do sensacionalismo? Pensei

que alguma figura mediática tivesse prognosticado um período de

terramotos para a Europa, ou que se afundaria em dilúvios inclementes,

ou outro qualquer cataclismo como os que se anunciam todos os anos,

provocando a esperada onda alarmista na imprensa comunal – mas se as

agências que servem o Instituto também a noticiam, é porque se trata de

algo sério… uma perturbação na economia, talvez um desequilíbrio

abrupto da taxa cambial, um sacudir das taxas de juro, um embargo à

exportação, uma guerra. Os fios da marioneta europeia têm etiquetas a

identificá-los. O colega do gabinete do canto aborda-me com os olhos a

brilhar: «Já sabes da novidade?», a que respondo, «Mais ou menos, ainda

não tive tempo de...», mas ele prossegue, excitado, «É verdadeiramente

formidável, não é, estas coisas que acontecem sem termos qualquer dito

na matéria, afinal não somos nada, meros grãos de poeira no universo, o

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