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A QUEDA DE EUROPALuís Filipe Silva«EUROPA CHEGOU AO FIM!»As parangonas incendeiam subitamente os quiosques públicos deinformação do bairro, latindo como cães vadios, vestidas com letrasgrotescas e disformes da cor do sangue, pois talvez assim despertem ostranseuntes do torpor do consumo. Junta-se logo gente. Acorrem as idosasque atravessam, espavoridas, as ruas de chinelos nos pés e meias grossas delã, saídas das cozinhas, ainda de avental ou touca, faces coradas pelo susto.Adiantam-se conhecidos e estranhos, a especular intrigas internacionaiscom a segurança de especialistas, enquanto aguardam pela reportagem,desconfiados das notícias das terras de além. Aparecem os satisfeitosacompanhados dos insatisfeitos, espalhando opiniões emprestadas, pessoasque vestem com simplicidade e falam com maior simplicidade ainda,pessoas que, na sua vida humilde, fazem amizades verdadeiras e intensas,para depois as desfazerem com uma maior paixão. Noutros tempos, estasgentes seriam «o povo»; agora, chamam-lhes nomes mais requintados.«EUROPA CHEGOU AO FIM!»Passo pelos formigueiros de curiosos em torno dos quiosques que espetamas orelhas para entender o locutor. Acotovelam-se e empurram-se comobezerros que procuram as tetas da mãe, e eu passo por eles indiferente, semsentir a mesma fome, obrigando-me ao ritual diário de apanhar otransporte e ir trabalhar, o que, nos dias que correm, pode considerar-seum luxo. Inunda-me a tristeza de todas as manhãs: uma sensação semnome do que não sou e que no fundo não quero: tornar-me eles. Não soucomo eles. Não lhes pertenço, embora more naquele mesmo bloco efrequente as mesmas cantinas estatais do quarteirão. Não falo a mesmalinguagem, não sinto os mesmos desejos, não estou limitado peloshorizontes que os cercam. Vejo um mundo diferente; mas também nãosou capaz de partilhar esse mundo que não lhes interessa, ali fechados nosbairros comunais em que nasceram, nas pequenas freguesias da GrandeEuropa Unida que os torna dependentes dos vistos de trabalho eautorizações de viagem, contentes com vitórias mundanas e sabedoriabanal. Pensei em ajudá-los mas eles não me aceitam: o homem afoga-seno oceano sem pedir ajuda, vai ao fundo contente por ter existido.«EUROPA CHEGOU AO FIM!»Olho para o título e apetece-me gritar Só perceberam agora?. Já cheguei àgare de transbordo. São outros, os rostos. Seguem atentos. Encosto-me àparede, inventariando os cabelos arrumados, as roupas compostas, oorgulho. E, no entanto, vazios, iguais aos do bairro. Parecem bonecosligados à electricidade, cumprimentando-se sem parar com os tiques dastribos assalariadas, entre palmadas nas costas e a partilha dos mais recentesmexericos do escritório, desconfiados da dança de cadeiras que se sussurram17