Inteligencia-emocional-Daniel-Goleman

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15.01.2020 Views

freqüentemente, é anacrônica — sobretudo no fluido mundosocial em que nós, humanos, vivemos. Como repositório dememória emocional, a amígdala examina a experiência,comparando o que está acontecendo agora com o queaconteceu no passado. Seu método de comparação éassociativo: quando um elemento-chave de uma situaçãopresente é semelhante àquele do passado, pode-se dizer que se“casam” — motivo pelo qual esse circuito é falho: age antes dehaver uma plena confirmação. Ordena-nos freneticamente quereajamos ao presente com meios registrados muito tempo atrás,com pensamentos, emoções e reações aprendidos em respostaa acontecimentos talvez apenas vagamente semelhantes, masainda assim o bastante para alarmar a amígdala.Eis por que uma ex-enfermeira do Exército, traumatizadapelo incessante fluxo de ferimentos horríveis de que cuidou naguerra, é acometida de repente por um misto de pavor,repugnância e pânico — uma repetição de sua reação nocampo de batalha, provocada mais uma vez, anos depois, pelomau cheiro quando abre a porta de um armário e descobre queseu filho pequeno enfiou ali uma fralda suja. Basta que poucoselementos esparsos da situação pareçam semelhantes a algumperigo do passado para que a amígdala dispare seu alerta deemergência. O problema é que, junto com as lembrançasemocionalmente carregadas que têm o poder de provocar essareação de crise, podem vir do mesmo modo formas obsoletasde respondê-la.À imprecisão do cérebro emocional nesses momentosacrescenta-se o fato de que muitas lembranças emocionais fortesdatam dos primeiros anos de vida, na relação entre a criança eaqueles que cuidam dela. Isso se aplica sobretudo aosacontecimentos traumáticos, como surras ou total abandono.Durante esse primeiro período de vida, outras estruturascerebrais, em particular o hipocampo, que é crucial para aslembranças narrativas, e o neocórtex, sede do pensamentoracional, ainda não se desenvolveram inteiramente. Namemória, a amígdala e o hipocampo trabalham juntos; cada umarmazena e conserva sua informação de forma independente.Enquanto o hipocampo retém a informação, a amígdaladetermina se ela tem valência emocional. Mas a amígdala, queamadurece muito rápido no cérebro infantil, está, no nascimento,muito mais próxima da forma completa.LeDoux recorre ao papel da amígdala na infância paraconfirmar o que há muito tempo é doutrina básica nopensamento psicanalítico: que as interações ocorridas nosprimeiros anos de vida estabelecem um conjunto de liçõeselementares, baseadas na sintonia e perturbações dos contatos

entre a criança e os que cuidam dela.9 Essas lições emocionaissão tão poderosas e, no entanto, tão difíceis de entender doprivilegiado ponto de vista da vida adulta porque, acreditaLeDoux, estão armazenadas na amígdala como planos brutos,sem palavras, para a vida emocional. Como essas primeiraslembranças emocionais se estabelecem numa época anterioràquela em que as crianças podem verbalizar sua experiência,quando essas lembranças são disparadas na vida posterior nãohá um conjunto adequado de pensamentos articulados sobre aresposta que se apodera de nós. Um dos motivos pelos quaisficamos tão aturdidos com nossas explosões emocionais,portanto, é que elas muitas vezes remontam a um tempo inicialem nossas vidas, quando tudo era desconcertante e ainda nãotínhamos palavras para compreender os fatos. Temos ossentimentos caóticos, mas não as palavras para as lembrançasque os formaram.QUANDO AS EMOÇÕES SÃO “RÁPIDAS E MALFEITAS”Eram mais ou menos três da manhã quando um imenso objetovarou com um estrondo o teto, lá num canto do meu quarto,despejando coisas que estavam no sótão. Num segundo, saltei dacama e saí correndo do quarto, com medo de que todo o tetodesabasse. Depois, percebendo que estava a salvo, voltei paraespiar cautelosamente o que causara aquele estrago todo — edescobri simplesmente que o som que julgara ser do tetodesabando fora na verdade a queda de uma pilha de caixas queminha mulher, na véspera, amontoara no canto. Nada caíra dosótão: não havia sótão. O teto estava intacto, assim como eu.Ter pulado da cama, meio sonolento, poderia ter evitado queeu me ferisse, se fosse o caso de o teto estar caindo — esse fatoilustra o poder que a amígdala tem de nos impelir à ação nasemergências, momentos vitais que ocorrem antes de o neocórtexter tempo de registrar plenamente o que de fato estáacontecendo. A rota de emergência do olho ou ouvido ao tálamoe à amígdala é crucial: poupa tempo numa emergência, quandose impõe uma reação instantânea. Mas esse circuito do tálamo àamígdala transmite apenas uma pequena parte das mensagenssensoriais, com a maioria tomando o caminho principal até oneocórtex.Assim, o que se registra na amígdala nessa via expressa é,na melhor das hipóteses, um sinal informe, suficiente apenaspara uma advertência. Como observa LeDoux, “não é necessárioque saibamos exatamente o que uma coisa é para que saibamosque ela pode ser perigosa”.10A rota direta tem uma enorme vantagem em tempo

entre a criança e os que cuidam dela.9 Essas lições emocionais

são tão poderosas e, no entanto, tão difíceis de entender do

privilegiado ponto de vista da vida adulta porque, acredita

LeDoux, estão armazenadas na amígdala como planos brutos,

sem palavras, para a vida emocional. Como essas primeiras

lembranças emocionais se estabelecem numa época anterior

àquela em que as crianças podem verbalizar sua experiência,

quando essas lembranças são disparadas na vida posterior não

há um conjunto adequado de pensamentos articulados sobre a

resposta que se apodera de nós. Um dos motivos pelos quais

ficamos tão aturdidos com nossas explosões emocionais,

portanto, é que elas muitas vezes remontam a um tempo inicial

em nossas vidas, quando tudo era desconcertante e ainda não

tínhamos palavras para compreender os fatos. Temos os

sentimentos caóticos, mas não as palavras para as lembranças

que os formaram.

QUANDO AS EMOÇÕES SÃO “RÁPIDAS E MALFEITAS”

Eram mais ou menos três da manhã quando um imenso objeto

varou com um estrondo o teto, lá num canto do meu quarto,

despejando coisas que estavam no sótão. Num segundo, saltei da

cama e saí correndo do quarto, com medo de que todo o teto

desabasse. Depois, percebendo que estava a salvo, voltei para

espiar cautelosamente o que causara aquele estrago todo — e

descobri simplesmente que o som que julgara ser do teto

desabando fora na verdade a queda de uma pilha de caixas que

minha mulher, na véspera, amontoara no canto. Nada caíra do

sótão: não havia sótão. O teto estava intacto, assim como eu.

Ter pulado da cama, meio sonolento, poderia ter evitado que

eu me ferisse, se fosse o caso de o teto estar caindo — esse fato

ilustra o poder que a amígdala tem de nos impelir à ação nas

emergências, momentos vitais que ocorrem antes de o neocórtex

ter tempo de registrar plenamente o que de fato está

acontecendo. A rota de emergência do olho ou ouvido ao tálamo

e à amígdala é crucial: poupa tempo numa emergência, quando

se impõe uma reação instantânea. Mas esse circuito do tálamo à

amígdala transmite apenas uma pequena parte das mensagens

sensoriais, com a maioria tomando o caminho principal até o

neocórtex.

Assim, o que se registra na amígdala nessa via expressa é,

na melhor das hipóteses, um sinal informe, suficiente apenas

para uma advertência. Como observa LeDoux, “não é necessário

que saibamos exatamente o que uma coisa é para que saibamos

que ela pode ser perigosa”.10

A rota direta tem uma enorme vantagem em tempo

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