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Titico Achou um Anzol

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Flávio Paiva

Titico

achou

um

anzol

Valber Benevides

ilustrações


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© 2007 Flávio Paiva

ilustrações Valber Benevides

© Direitos de publicação

CORTEZ EDITORA

Rua Bartira, 317 – Perdizes

05009-000 – São Paulo – SP

Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290

cortez@cortezeditora.com.br

www.cortezeditora.com.br

Direção

José Xavier Cortez

Editor

Amir Piedade

Preparação

Ricardo K. C. Mendes

Revisão

Oneide M. M. Espinosa

Roksyvan Paiva

Edição de Arte

Mauricio Rindeika Seolin

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Paiva, Flávio

Titico achou um anzol / Flávio Paiva; Valber Benevides,

ilustrador – São Paulo: Cortez, 2007.

ISBN 978-85-249-1280-1

1. Literatura infanto-juvenil — I. Benevides, Valber II. Título.

07-2336 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Literatura infantil 028.5

2. Literatura infanto-juvenil 028.5

Impresso no Brasil — maio de 2007


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Aos meus amigos de infância.


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O furo no dedo

A Mamãe Preá escuta um "ai" não muito longe de

casa. Levanta a orelha e continua ouvindo o mesmo "ai"

repetidas vezes. Pelo gemido, desconfia logo que só pode ser

coisa do Titico. E é.

– O que houve, meu querido? – pergunta ao ver o

filho com a mãozinha sangrando.

– Mamãe, ai, olhe só, ai, o que eu, ai, encontrei, ai,

na areia, ai, do riacho seco, ai! – diz, eufórico com a descoberta.

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Titico tinha achado um anzol e estava com um dos

dedinhos preso na farpa, aquela pontinha onde os pescadores

colocam a isca. Está tão agitado com a novidade que

nem percebe o tanto de "ai" que solta baixinho enquanto

fala.

– Acho, ai, que com esse gancho, ai, vamos poder

escapar, ai, quando cairmos em algum fojo, ai, ai, ai.

Com muito jeito, e ao mesmo tempo que fica atenta

às palavras do filho, a Mamãe Preá consegue retirar

o anzol e fazer o curativo com folha de malva, para ci -

ca trizar logo, logo.

Os fojos dos quais Titico falava são armadilhas colocadas

pelos humanos nas veredas por onde os preás costumam

pas sar aos bandos. Da ninhada de qua tro filhotes da

Ma mãe Preá, só o Titico havia escapado do alçapão. Ele é

um roedorzinho forte, inteligente e muito ágil. É também

fo finho, manhoso e bonitinho. Mamou muito quando era

bebê. É muito saudável e está sempre metido em aventuras

de descobertas. Come brotos, folhas, capim de baixio, raízes

e adora feijão na vagem, como todo preá.

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– É mesmo um anzol que estou vendo em nossa

casa? – indaga o Papai Preá ao chegar com algumas verduras

que tinha conseguido na horta que fica perto do

cacimbão.

– Acho que é, papai. Tem até uma linha bem fortona.

Agora, se a gente cair em alguma armadilha, é só lançar o

gancho na borda e fugir pela linha! – diz Titico.

– É o meu pequeno e querido sonhador! – exclama

satisfeito o Papai Preá, passando a mão levemente na

cabeça do filho. – E o que foi isso no seu dedo, meu filho?

– pergunta segurando com carinho a mão de Titico.

– Ah, furou um pouquinho, mas já está tudo bem.

Papai, para que servem os anzóis?

– Para pegar peixes.

– Eu nunca vi um peixe... – comenta o preazinho.

– É que desde que você nasceu o açude está se co. E em

açude seco não há peixes... eles precisam de água para

viver. Mas o compadre João-de-barro me disse que este ano

vamos ter um bom in verno. Muita chuva. Então, você vai

poder ver muitos peixes!

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– Papai, se o açude está seco, de onde vêm os peixes

quando ele enche? Será que há uma hospedaria para as

férias dos peixes nas nuvens? – mostra-se inquieto Titico.

– Você não perde por esperar, meu filho, na hora

você saberá – instiga o Papai Preá.

Não muito distante dali, o João-de-barro, guiado pelo

instinto, dá os últimos retoques na sua bela casa, colocando

a portinha de entrada virada para o poente. Faz sempre

isso nas estações chuvosas a fim de evitar que seu ninho

seja inundado com a água da chuva que vem da nascente.

Titico não se conforma em ter de esperar pela chuva

para obter uma resposta tão importante. Convida seus dois

melhores amigos, o Tatupeba e a Casaca-de-couro, para

brincar de pescaria no leito seco do açude da Barra Velha,

que é bem próximo da sua casa. O Tatupeba é um animal

conhecido como grande cavador de buracos e a Casacade-couro,

um pássaro que faz ninhos de garranchos no

alto das árvores.

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A pescaria

No faz-de-conta, eles sobem num velho tronco de

árvore caída como se fosse um barco.

– Ei, Tatupeba, olha só o que eu apanhei com o meu

anzol! – Titico levanta os braços como se tivesse fisgado

algo.

– Que peixe é esse? – pergunta o Tatupeba, demonstrando

admiração.

– É um peixe-galho – responde o preazinho, colocando

o pequeno ramo seco ao lado do tronco transformado

em barco pela imaginação.

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– Ei, vocês, vejam o que está preso no meu anzol! –

grita a Casaca-de-couro.

– Que peixe é esse? – pergunta Titico.

– É um peixe-pedra – diz a Casaca-de-couro, puxando

o pequeno seixo arredondado para perto de si.

– Você vê algum peixe nadando nas nuvens, Casaca?

– pergunta o preazinho, apontando para o céu.

– Daqui de cima do mastro não consigo ver nada por

enquanto – responde a Casaca-de-couro.

– Então vamos investigar por baixo do fundo do açu -

de – diz o Tatupeba, e põe-se a cavar, cavar, cavar.

Só pára quando escuta um sussurro saído de dentro

da lama seca:

– Ei, meu chapa, se você continuar assim, vai acabar

comigo!

O Tatupeba fica mudo. Não consegue mexer-se de

tan to espanto.

– E aí, Tatupeba, alguma novidade por baixo do

fundo do açude? – grita Titico.

O Tatupeba consegue, enfim, se mover e sai do buraco

devagarinho, de-va-ga-ri-nho, até retornar à superfície.

– Titico, Titico, acho que descobri de onde vêm os pei -

xes. Eles estão todos escondidos dentro da lama – revela

assustado o Tatupeba.

– Como você pode ter certeza do que está dizendo?

– Um deles falou comigo!

– Pois tome este balde com água, volte ao buraco e

convide uns peixinhos para virem brincar conosco – sugere

o preazinho.

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– Só se você for comigo, Titico – desafia o Tatupeba.

– Está bem. Casaca-de-couro, cuide do nosso barco,

que eu vou entrar no buraco com o Tatupeba para encontrar

com os peixinhos – avisa Titico.

– Como eu já cavei o buraco, agora você vai na frente

– alega o Tatupeba.

– Vou, sim, mas quando chegarmos bem pertinho do

lugar onde estão os peixes você me avisa para eu não me

assustar – pede o preazinho.

E os dois seguem buraco adentro, conversando sem

parar.

– Vocês podem fazer um pouquinho de silêncio? Pre -

ciso ficar concentrado no meu sono profundo! – reclama

uma voz desconhecida no meio da escuridão do túnel.

– Calma, peixinho, pode aparecer. Não tenha medo,

que não vamos lhe fazer mal – conforta Titico.

– É, trouxemos até um balde com água para você saltar

dentro e sair dessa lama para brincar com a gente lá

no barco – tenta convencer o Tatupeba.

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– Mas eu não sou um peixe. E não posso falar muito

enquanto estiver aqui – explica a voz meio abafada.

– Não?! – exclamam os dois amigos a um só tempo.

– Não, eu não sou um peixe nem posso sair daqui

enquanto não chover – lamenta a voz misteriosa.

– Mas o meu Papai Preá falou que está para chover –

diz o preazinho.

– O quê? – pergunta a voz, quase se animando.

– O meu Papai Preá disse que está para chover – re -

pete Titico.

– Mesmo assim, eu não posso ir brincar com vocês.

É muito arriscado para mim sair com um sol quente desses

e não ter água para me molhar – declara a voz, de

maneira comedida.

O preazinho joga um pouco da água do balde para

amolecer a lama e o Tatupeba vai cavoucando com muito

jeito.

– Croac, croac, croac – pula coaxando o novo amigui -

nho.

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– Então quer dizer que você é um sapo? Quem coaxa

é sapo, não é? – pergunta ansioso Titico.

– Então quer dizer que os sapos nascem na lama? –

pergunta quase aflito o Tatupeba.

– Sou um sapo, sim, mas não nasci na lama – responde

o Sapinho, espreguiçando-se e despertando do seu

longo sono dentro daquele torrão endurecido por fora e

úmido por dentro.

– Oba, agora vamos poder brincar também com um

amigo sapo! – comemora Titico, sempre afeito a relacionar-se

com bichinhos diferentes.

– Se os sapos não nascem na lama, o que você está

fazendo nesse fim de mundo subterrâneo e lamacento? –

pergunta o Tatupeba.

– Nós, sapos, nascemos de ovinhos. No começo, somos

girinos pretinhos e temos um rabinho para nadar. Depois,

a cauda desaparece e surgem as nossas pernas para que

possamos andar na terra – esclarece o Sapinho.

– Sim, mas e o que você estava fazendo no fundo do

açude? – pergunta Titico.

– Nós, anfíbios, levamos a vida meio na terra, meio

na água. Por isso, nos períodos de estiagem, quando os

açudes secam e até os mosquitos que comemos somem,

procuramos ficar paradinhos, paradinhos, no meio da

lama, sem gastar nossas energias – conta o Sapinho.

– O meu Papai Preá disse que quando chover ele vai

me levar para descobrir de onde vêm os peixes do açude

– vangloria-se Titico.

– E eu vou também – afirma o Tatupeba.

– Vocês vão para onde? – pergunta a Casaca-de-couro,

morta de curiosidade, com o ouvido na boca do buraco.

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– Eles vão para um lugar especial – responde o Sa -

pinho.

– Ei, de onde vocês tiraram esse sapo desengonçado?

– pergunta a Casaca-de-couro, apontando para ele com

desdém.

– Menos, Casaca, menos – interfere Titico, pedindo

que a amiga seja menos exagerada.

– Olhem só! As nuvens já estão carregadas! – avisa a

Casaca-de-couro.

– Vamos lá para casa esperar a chuvarada? – convida

Titico. – Para descobrirmos de onde vêm os peixes do

açude!

– Sinto muito, amigos, mas vou esperar a chuva por

aqui mesmo – desculpa-se o Sapinho. – Boa brincadeira

para vocês – completa. Ele sabe de onde vêm os peixes do

açude, mas não diz nada para não estragar a surpresa

que o Papai Preá quer fazer ao filho.

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Dito e feito. Foi uma noitada de muita chuva. Os

riachos nunca tinham botado tanta água. O açude ama -

nhece sangrando, despejando água pelo sangradouro.

Ao longo de toda a noite, os três amigos não pregaram

olho nem um momento. Estavam no anseio de acompa -

nhar o Papai Preá na descoberta de onde vêm os peixes

do açude. O sol raiou e eles seguiram pela margem do

riacho rumo ao sangradouro da barragem. Ainda nem

tinham chegado e já dava para ver os peixes nadando na

linha da água e contra a correnteza. Eles não acreditavam

no que viam.

Titico corre na frente de todo mundo e, ao chegar à

parte mais elevada de um barranco, vê os peixes dando

saltos e mais saltos surpreendentes para ultrapassar a

barreira de pedra e cal do sangradouro do açude. Fica com

vontade de chorar diante de tanta beleza.

– Papai, papai, eu não sei nem como olhar o que está

acontecendo! – diz o preazinho, muito agitado.

– Eu não disse que você não perderia por esperar? –

comenta feliz o Papai Preá.

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O Tatupeba e a Casaca-de-couro não sabem se olham

para as acrobacias dos peixes ou para o Titico, abraçado

com o Papai Preá numa manifestação de muita emoção.

O Papai Preá explica que os peixes costumam subir

pelos riachos e rios nadando contra a corrente. Fazem isso

para preservar a espécie.

– Sempre que um açude sangra, os peixes que estão

nas represas mais abaixo procuram povoar os reservatórios

localizados mais acima, para garantir a continuidade

da vida. – ensina o Papai Preá. – Os humanos também co -

locam alevinos, que são os filhotes de peixes, nos açudes

para depois pescá-los como alimento.

– E para isso usam os anzóis? – pergunta Titico.

– Isso mesmo, meu filho.

– Eu trouxe o meu anzol, mas não é para pescar

peixe, não. É para brincar de jogar o gancho nos galhos e

me balançar.

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O Papai Preá

some na correnteza

Titico roda o braço como se fosse lançar o anzol em

direção a uma árvore, mas escorrega numa pedra solta e

cai dentro do sangradouro do açude.

A correnteza é muito forte e, mesmo os preás sabendo

nadar por instinto, ele ainda não descobrira que conseguia

nadar. Morrendo de medo, grita:

– Papai, socorro!

O Papai Preá salta dentro da água e quase pega a mão

do filho, mas uma pedra pontuda separa-os no curso das

águas. O Tatupeba e a Casaca-de-couro en tram em desespero

e saem descendo, um pela margem e o outro voando

sobre o riacho, tentando não perder de vista o amigo Titico

e o Papai Preá, os dois sendo arrastados com muita força

pelas águas.

A linha do anzol está amarrada ao braço do preazi -

nho e a ponta do anzol fica presa a uma touceira de ga -

lhos secos amontoada nas pedras. Com muito esforço, ele

consegue escapar da agitação das águas.

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– Papai, papai! – pôs-se a gritar em vão, tentando en -

xergar o pai.

O Tatupeba chega para ajudar Titico e avisa que, para

tentar encontrar o Papai Preá, a Casaca-de-couro está voando

tão baixo que chega a tocar de leve as asas nas águas

correntes.

– Isso não pode ficar assim! – diz o preazinho em de -

sespero.

Joga o anzol num galho de árvore caído bem no meio

do leito do sangradouro e se lança na água novamente,

pendurado na linha de náilon.

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– Não faça uma coisa dessas, Titico, você vai se afogar!

– implora o Tatupeba.

– Não tenho outra coisa a fazer – exclama o preazi -

nho, cheio de bravura.

– Ei, o que está acontecendo aqui? Esse açude parece

que está cheio de preás – grita mal-humorado um peixe

bem grandão que quase atropela Titico.

– O que você disse, senhor peixe? – pergunta o preazinho,

inquieto.

– Foi o que você ouviu mesmo, seu roedor de meiatigela.

Acabei de passar por um preá e agora encontro

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você. E tire essa linha da minha frente que não tenho

tempo a perder – ordena o Peixão.

– Isso não é só uma linha, senhor escamado, é um

anzol – adverte Titico.

– Um anzol? E o que você está fazendo com um

anzol, ó merenda de carcará? – pergunta o Peixão em tom

provocante.

– Eu vou pescar você e o entregar para um humano

comê-lo todinho se você não me ajudar a encontrar o meu

pai, que desceu correnteza abaixo – ameaça o preazinho.

– Está bem, está bem! Se é assim, vamos logo com

isso, que as águas estão baixando e se eu demorar muito

não vou conseguir entrar no açude a tempo. E a minha

família já está toda indo para lá – alega o Peixão.

Titico sobe nas costas do Peixão e eles descem a toda

velocidade pela correnteza. Passam pelo Tatupeba e são

vistos pela Casaca-de-couro, que acompanha os dois. A

água do sangradouro alcança o leito do riacho. Está muito

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barrenta e, por alguns instantes, Titico começa a achar

que nunca mais vai encontrar o Papai Preá.

De repente, escuta um "croac, croac, croac". É o Sa -

pinho acenando para eles. O Peixão não entende nada, olha

para Titico e só vê o anzol balançando na proximidade da

sua boca. Obedece então ao sinal do preazinho para ir até

onde está o amigo sapo.

– Ei, meu chapa, não tenho certeza ainda, mas acho

que é o seu Papai Preá que foi jogado pelas águas detrás

daquele cipoal de mofumbo – aponta o Sapinho.

– É ele mesmo, e ainda está respirando – adianta a

Casaca-de-couro, ofegante.

– Vamos, Peixão, rápido!

Chegam ao local e vêem o Papai Preá de barriga para

o ar. Titico corre e coloca o ouvido no peito do pai.

– Sim, está vivo.

Nesse instante chega o Tatupeba e ajuda a virá-lo de

lado para que jogue fora a água que engoliu. O Papai Preá

dá umas tossidas e volta a si. Todos suspiram aliviados!

– Obrigado, pessoal – agradece Titico. – E você, Sa -

pinho, muito obrigado, amigão, por ter ajudado a achar o

meu pai.

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– E a mim, não vai agradecer, não, é? – reclama o

Peixão.

– Obrigado a você também, Peixão – diz o preazinho,

com alegria.

– Então quer dizer que já posso ir embora, que você

não vai mais me pescar e me entregar para os humanos

me comerem frito? – pergunta zangado o Peixão.

– Claro que pode ir, Peixão. E mais uma vez muito

obrigado – responde amigavelmente o preazinho, ao mes -

mo tempo que auxilia o Papai Preá a erguer-se.

O Tatupeba, a Casaca-de-couro e o Sapinho ajudam

Titico a carregar o Papai Preá para o pé da moita de xiquexique

onde eles moram. A Mamãe Preá não está em casa.

Ela chega pouco tempo depois. Com a demora do marido e

do filho, ela havia rumado para o açude na tentativa de

saber o que tinha acontecido. Fica feliz ao descobrir que

está tudo bem, mas lamenta não ter podido ajudar um

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pobre peixe que encontrara no caminho do riacho chorando

por ter-se separado da família.

– As águas do sangradouro baixaram e ele já não con -

seguiu entrar no açude – conta, entristecida.

– Deve ser o Peixão! – exclama Titico.

– Como você sabe que é um peixão, meu filho? – pergunta

a Mamãe Preá.

– Foi ele que me ajudou a socorrer o Papai. Pessoal,

precisamos fazer alguma coisa para o Peixão chegar ao

açude e voltar para a sua família!

– Eu tenho uma idéia – adianta a Casaca-de-couro. –

Posso falar com umas aves minhas amigas e a gente leva

o Peixão voando até o açude. Tem a Garça, o Martim-pescador,

a Jaçanã, a Lavadeira... Elas devem estar todas ali

pela beira d'água!

– Acho que a Lavadeira e a Jaçanã tudo bem, mas eu

deixaria a Garça e o Martim-pescador de fora. Eles se alimentam

de peixe e vai que no meio do vôo eles não agüentam

e resolvem comer o nosso amigo Peixão – reflete o

preazinho.

– Concordo com Titico – diz a Mamãe Preá.

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O resgate do Peixão

O Papai Preá, já recuperado, toma conhecimento da

história toda e propõe que Titico ceda a linha de náilon do

anzol para fazer uma pequena rede que facilite o transporte

do Peixão. No primeiro instante, o preazinho não

gosta muito da idéia. Olha para um, olha para outro e

finalmente retira o laço do anzol e passa a linha para o

Papai Preá fazer a teia. E todos vão ao encontro do Peixão.

– O que vocês querem? Deixem-me em paz – resmunga

o Peixão ao perceber aquela sombra estranha

aproximando-se da poça d'água que tinha transformado

em refúgio.

– Calma, Peixão, nós viemos aqui para levar você ao

encontro da sua família – tenta convencer Titico.

– Sou o preá que você ajudou a salvar da enchente

do riacho quando o açude estava sangrando – lembra o

Papai Preá.

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– Ora bolas, mas eu só fiz aquilo porque o seu filho

passou um anzol na minha cara, dizendo que se eu não

obedecesse ele iria me pescar e dar para os humanos me

comerem frito – brada o Peixão em sua dor.

– Não importa como aconteceu, o certo é que você foi

muito corajoso e sem você eu não teria encontrado o Pa -

pai Preá – fala com firmeza Titico.

A Casaca-de-couro, que é a mais resistente das aves

investidas na aventura de salvar o Peixão, segura a pe -

quena rede com o bico de um lado e a Jaçanã, juntamente

com a Lavadeira, seguram do outro.

O Sapinho leva um balde com água nas costas para,

de vez em quando, o Peixão dar um mergulho e não

morrer. O Papai Preá, a Mamãe Preá e Titico pegam o

Peixão nos braços e o colocam dentro da rede de náilon.

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– Todos prontos? – pergunta Titico.

– Sim! – respondem todos em coro.

– 1, 2, 3 e... voar! – comanda Titico.

A Casaca-de-couro, a Jaçanã e a Lavadeira batem

asas a um só tempo e levantam vôo.

No caminho fazem umas duas ou três paradas. O

Peixão tenta desistir.

– Não vamos conseguir. Estou exausto. Agradeço o

esforço de vocês, mas não vai dar.

– E você pensa que nós também não estamos cansados?

Pois não vamos desistir, não senhor! – reage Titico.

– Podemos até fazer uma parada mais longa, mas ficar

pelo meio do caminho, nem pensar!

O Peixão é colocado dentro do balde para descansar.

O Papai Preá, a Mamãe Preá, a Casaca-de-couro, a

Jaçanã, a Lavadeira e Titico procuram uma sombra fresca

para também sossegar um pouco.

– A água está fria, Peixão? – pergunta o Sapinho,

com o olho comprido.

– Está, mas o balde é muito pequeno e só cabe um

aqui dentro, que sou eu. Pode sair daqui com esse olho

pidão – desconversa o Peixão, mexendo as barbatanas

com sacrifício dentro do balde.

– Está bem, pois eu vou procurar um lugar arejado

para mim – diz o Sapinho, que de tão fatigado quase

já não agüenta dar os pulinhos que os sapos sempre

dão.

– Ei, Sapinho! Pode vir, que a gente dá um jeito de

dividir o espaço do balde para dois – volta atrás o Peixão,

com um certo remorso.

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O tempo passa.

– Vamos nessa? – convoca a todos o preazinho Titico.

Ao aproximarem-se do balde, só vêem os pingos d'água

no ar, para cima e para baixo. O Peixão e o Sapinho estão

na maior brincadeira e nem percebem a chegada dos amigos.

Tomam um susto e o balde vira, derramando toda a

água. O Peixão sai aos saltos, sujando-se todo de terra e

gritando que vai morrer.

– Rápido, vamos pegar o Peixão com a rede e voar

para o açude, senão ele vai morrer mesmo – agiliza Titico.

O Peixão não consegue controlar os saltos e dá uma

trabalheira danada. O Papai Preá segura o Peixão pela cabeça

e a Mamãe Preá segura-o pelo rabo, enquanto os amigos

de asa dão um jeito de passar a rede por debaixo dele.

Por cima dos garranchos, o Carcará observa com pa -

ciência toda a movimentação. Se acontecer de morrer algum

bicho naquela travessia desajeitada, ele está pronto para

comer o corpo do finado. Uma das funções do Carcará é

não deixar que os restos de bichos mortos contaminem a

natureza.

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Finalmente, eles chegam ao pé da parede do açude.

E cadê a força para dar a volta por cima? Todos estão

esgotados. A Casaca-de-couro ainda demonstra um

pouco de energia, mas a Jaçanã e a Lavadeira estão de

bico aberto. Titico tem a idéia de desmanchar a rede e

fazer uma só linha novamente. Amarra a linha no anzol.

O Peixão, que suspira beirando a morte, já nem tem medo

de segurar o gancho do anzol com os dentes.

– Cuidado para não deixar a farpa fisgar você, hein,

Peixão! – adverte Titico.

– Pode deixar, mas vamos logo com isso – responde

ele, entre dentes.

Todos se unem para puxar a linha por cima da

parede do açude, como se estivessem brincando de

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cabo-de-guerra. Quando chegam à beira d'água, o Peixão

sente a brisa fresca, solta o anzol e salta contorcendo-se

para chegar à água. Tibungo! O Sapinho também en con tra

forças para dar uns três pulinhos e cair na água. Tibungo!

A fraqueza parece tomar conta dos preás e das aves,

que se deitam desfalecidos na parede do açude.

Titico percebe que o Carcará está de olho na situação.

Olha para os pais e para os amigos e não consegue

ter uma idéia de como reanimá-los.

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O banho no açude

–Ei, amigos! – ecoa uma gritaria que vem da

água. – Obrigado por salvarem o nosso papai!

São muitos peixinhos saltitantes a gritar.

– Venham! Queremos abraçar vocês – insistem os

peixinhos, cheios de felicidade.

Aquela alegria e aquela gratidão animada faz Titico

lembrar que preá também sabe nadar. E recorda que os

pássaros também se costumam banhar para refrescar-se.

Percebe que estavam tão exaustos que se esqueceram de

tudo isso.

– Todos para o açude! Vamos fazer uma grande festa

com os peixinhos! – convoca Titico e mergulha na água.

Quando retorna à superfície, vê que o Papai Preá e

a Mamãe Preá também já saltaram no açude. A Casacade-couro

bate com as asas na água e refresca-se nos

respingos. A Jaçanã desliza o corpo na lâmina da água

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em vôo rasante, como costuma fazer, e a Lavadeira, com

suas perninhas muito finas, corre que corre catando os

insetos descobertos na terra pelas pequenas ondas de

água doce que quebram na parede do açude.

O Peixão chega para agradecer, mas não perde a

pose de resmungão:

– E vocês, que não são da água, tomem cuidado para

não pegarem um resfriado com tanto banho – alerta com

um raro sorriso na sua tradicional cara de rabugento.

Todos caem na gargalhada. Titico afasta-se sem se

deixar notar. Pega o anzol e coloca dentro de um buraco.

Põe uma pedra em cima. Olha para o céu de fim de tarde

e vê o Carcará indo embora. Observa os amigos se divertindo.

Sente o seu pequenino coração disparar de felicidade.

Apressa-se para entrar na brincadeira do banho que

jamais vai esquecer.

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Flávio Paiva, o autor, e Valber Benevides, o ilustrador, nasceram no interior

do Ceará em cidades que começam com a mesma letra. Flávio nasceu em

Independência e Valber, em Itapipoca.

Ambos migraram para Fortaleza, onde moram, compartilham sonhos e rea -

lizações, numa relação de amizade que vem desde os anos 1980. Trabalharam

juntos no Segundo Caderno (hoje Vida & Arte) do jornal O Povo, quando Valber

ilustrava textos de Flávio. Por um tempo, eles fizeram uma tirinha de histórias

em quadrinhos diária chamada Naftalinas.

Por ocasião da passagem dos 280 anos de Fortaleza, o livro Fortaleza – de

dunas andantes a cidade banhada de sol, de Flávio Paiva, com aquarelas de

Valber Benevides (Cortez Editora), foi escolhido pela Prefeitura de Fortaleza para

ser a edição comemorativa do aniversário da cidade, sendo presenteado a cada

uma das mais de 200 mil crianças da rede pública municipal de ensino da

capital cearense.

Todos os elementos da fauna e da flora retratados no livro Titico achou um

anzol fizeram parte das brincadeiras de Flávio e Valber na infância. O açude da

Barra Velha, onde se passa a história, é bem pertinho da casa onde moram os

pais de Flávio Paiva, em Independência. Mas poderia muito bem ser em

Itapipoca ou em qualquer cenário do sertão do Nordeste brasileiro.

Foto: Raiza Benevides

Flávio Paiva

É jornalista, colunista do jornal Diá -

rio do Nordeste e autor de livros so bre

temas de cultura, cidadania e in fân cia,

dentre os quais os livros-CD Flor de

Ma ravilha e Benedito Ba cu rau – o pássaro

que não nasceu de um ovo (Cortez

Editora), com cantigas e histórias que

pas saram a ser amadas por muitas

crian ças em todo o Bra sil. Além de pre -

miações nos campos do jornalismo e

da música, recebeu a Co menda do Dia

da Cultura e da Ciên cia (Prefeitura de

Fortaleza), a Me dalha Capistrano de

Abreu (Prefei tura de Ma ranguape) e o

título de Cidadão de Fortaleza (Câ ma -

ra Municipal de For taleza).

www.flaviopaiva.com.br

Valber Benevides

É desenhista, pintor, escultor, char -

gista e caricaturista e já ganhou mui -

tos prêmios, a exemplo dos de pin tu ra

do Salão de Abril (Fortaleza), escultura

no Salão de Humor do Piauí e

Salão Carioca de Humor, e charge na

Bienal Internacional de HQ (Rio de Ja -

neiro). Tornou-se referência no Ceará

pelos painéis de caricatura feitos em

grandes dimensões nos bares de For -

taleza. É autor também do mural de

cientistas da Seara da Ciência e da es -

cultura do reitor Martins Filho, fun da -

dor da Universidade Federal do Ceará,

realizados por ocasião do cinqüente -

nário de fundação da UFC.

www.valber.benevides.nom.br

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