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LISBOA
CIDADE
SAUDADE
texto por António Mourinha Barradas
Apaixonei-me pela cidade onde
nasci através dos olhos dos outros.
Não dos meus, que mal se abriram
fui embora. Dos outros, que
transportam as 7 colinas no olhar.
Altos e baixos de amores jurados
em paredes várias. Barrigadas
de tristeza postas de parte em
cada café ao virar da esquina.
Conversas trocadas entre janelas
para ninguém ficar de fora. Dos
outros, que não a dão a ninguém,
mas deixaram-me agarrá-la aos
poucos, com passinhos de bebé,
que lutavam com a ansiedade de
a palmilhar toda, para não haver
monumento que ficasse de fora.
São as pontes a unir um Cristo, que
não é rei, mas dispõe da melhor
vista do mundo, a um Deus, que
a existir, tocou Lisboa com a mão
toda. Dos suspiros, recheados de
história solta em cada pedra da
calçada portuguesa, até à saudade,
que nasceu aqui. Sem tabuleta para
a celebrar, apenas os traços de um
retrato carregado de sofrimento
e terminado com esperança. Da
Boa, que não se deixa dobrar.
Saudade, sem mais nem porquê,
exposta nos olhos de fundo azul
a misturarem-se com o Tejo.
Miradouros que trocam os rios e
cortam a respiração. Ali não se mira
o Douro, é o Tejo. Outrora palco de
epopeias e ninfas; hoje, psicólogo
de gerações perdidas. Naquele
horizonte coberto de sonhos aos
magodes, desejamos não ir embora.
Aos poucos, fui cheirando a
memória nas ruas apertadas,
sentindo os trajectos feitos sobre
carris gastos e desaguando na
costa que acalma o mar. O meu
mar, tormentoso e revolto.
Nos dias que voam – já nenhum corre
-, aprendi a ver Lisboa como me
ensinaram. Despojada de presunção,
sem medo da novidade e com a luz
que abre sorrisos por cada cara
que passa. Por mais desconhecido
que caminhe, Lisboa há-de ter
sempre o meu mundo a seus pés.
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