SUDAN ARCHIVESUM NOVO CORPO NEGRO34SOUNDSTATION
SUDAN ARCHIVES é BRITNEY DENISE PARKS, vocalista, violinista,produtora que há um par de anos acusou nos radaresmais sensíveis graças a algumas indicações soltas dadasatravés da conceituada Stones Throw de PEANUT BUTTERWOLF. Agora é nessa mesma editora que se estreia comAthena, belíssimo disco entre a folk, a soul e o hip hop que aanuncia como um sério valor a ter em conta para o futuro.Diz-se que não devemos julgar um livro pela capa, mas serádifícil ignorar a capa do teu disco [Athena]: o corpo negroenquanto beleza clássica; é algo muito poderoso. Qual é aideia subjacente?SA: É como dizes: o que é beleza clássica?No meu mundo, parece ser algomuito específico, está projectado parauma beleza branca, como o que surgeem revistas e programas televisivos. Adiversidade parece ser pobre em formasde beleza. Algo que abordo no Athenaé o colorismo, ser uma mulher negrade pele escura, por experiência. Já medisseram coisas estranhíssimas: “MeuDeus, és tão bonita para uma mulhernegra!” ou “és mesmo gira para uma raparigade pele escura!” Isso é de doidos.A tua editora descreve-te como uma violinista, uma cantora,compositora e produtora —o que quero saber é se dividesesses papéis de acordo com uma hierarquia específicaou se, sendo tudo parte da mesma persona artística,não dás mais importância a um do que o outro.SA: Quero dizer que me vejo como violinistaem primeiro lugar, mas tambémcomo desenhadora de paisagens sonoras.Ainda não sou mestre, mas aquiloem que sou é a saber exactamenteo que quero. Antigamente, nunca sabiao que queria para a minha música.Agora, sei precisamente como queroa minha produção, que instrumentosdesejo. Usei o violino como base dessemundo: sinto que construo mundosatravés de sons.É uma boa imagem. O violino é um instrumento que estáligado à experiência negra na América, mas não necessariamentenos últimos tempos. O que te fez pegar nesseinstrumento?SA: Foi quando eu era muito nova, aver pessoas tocar fiddle music [músicade violino]. A minha mãe disse-meque, com oito anos de idade, quandovi pessoas a tocar fiddle music e músicairlandesa de jig [jig music], e quandovi isso, implorei-lhe por um violino. Foiassim que tudo começou. Tocava muitona igreja e isso deu-me confiança,porque aprendi a tocar só de ouvir. Issofez-me criar as minhas próprias melodiase canções.Conseguiste colaborar com a WILMA ARCHER e o PAUL WHITE.Como chegaste até estes dois produtores?SA: Tinha a mente muito aberta. Quandoas pessoas chegavam de Londres, estavasimplesmente aberta para as conhecer.O ARCHER e o WHITE são multi-instrumentistas:tocam bateria, guitarra,tudo. Poder colaborar com pessoas assimé muito fixe, ambos têm uma musicalidaderobusta e uma abordagemelectrónica experimental. Fazer músicanão exige esforço, percebes?A tua ligação à Stones Throw foi algo surpreendente. Comoconheceste o PEANUT BUTTER WOLF? Achas que te enquadrasno plantel?SA: Conheci-o através do M AT T H E WDAVID, que é A&R. Tornou-se conhecidocom um projecto de beatmaking. Estavaum pouco nervosa para lhe mostrar aminha música. Quando finalmente o fiz,a ideia era lançá‐la na Leaving Records,mas o CHRIS e o MAT THEW pensaramque a Stones Throw seria uma opçãomelhor para mim. Conheci-o no estúdioporque estava a mostrar música aoCHRIS, ele entrou com cão, a não dizermuito e bazou. Lembrei-me posteriormentedele.Imagino que também possamos ler a capa do álbum comometáfora para como expões as tuas emoções nas letras.Fala-me um pouco dos temas deste novo disco.SA: Estou a cantar temas como a dualidade:o que é certo e errado, bome malévolo, lidar com esses lados. Etalvez confrontação, ter de lidar comeles e não fugir. Antigamente, eu falavade forma mais suave, mas para fazeruma deusa, tens de ser austera eagressiva, confrontar os teus problemas.Sinto que o colorismo é um problemamundial hoje; não há culturasque valorizem a pele escura, e pareceque todas valorizam o quão menos escuroés. As pessoas advertem sobrepoderes ficar demasiado bronzeado —coisas que te fazem crer que, para seresbonito, tens de ter uma pele maisclara: falo disto porque, apesar de nãopassar por essas coisas, senti que nãotinha representação.texto por Rui Miguel Abreu35SOUNDSTATION