FKA TWIGSO NOVO TESTAMENTO32SOUNDSTATION
O regresso de FKA TWIGS aos discos com MAGDALENE elevaa artista à estratosfera. Os domínios multimédia das suascanções a que nos habituou continuam, mas desta veza voz assume o verdadeiro eixo da sua existência. Comose a sua voz interior ganhasse corpo e assumisse o controlodo corpo. Após quatro anos, FKA TWIGS revela umamulher quebrada pela sua separação com o ator ROBERTPAT TINSON e com os seus problemas de saúde. Mas revelaao mesmo tempo, que ao invés de debilitada regressa luminosae poderosa.O recurso a inúmeras formas que a tecnologia oferece e asdiferentes expressões de arte são exponenciadas com umaabordagem muito mais intíma, sobretudo na composiçãoescrita das canções. O feminino da sua existência é exploradoaté à medula. MAGDALENE não sendo uma ode à figuracristã propriamente dita, toma-a como referência contrapondo-acom a complexidade humana que a artista viveu.A expressão artística encontra pontos em comum com aislandesa BJÖRK, na sua exposição, através da expressividadevisual, mas também pelo recurso ao seu universo interiorcomo matéria prima para os seus discos. As emoçõesestão à flor da pele. As feridas ainda estão abertas.A sua voz purga a sua dor mais intíma.Os arranjos musicais deambulam entre o orgânico e o sintéticodas matrizes eletrónicas. O recurso ao piano, às flautase aos coros, juntamente com o exercício vocal mais musculado,fazem das suas canções um processo de expiação eao mesmo tempo cria um forte elo com os ouvintes, comotão bem o fazem os temas “Home with you” e “Fallen Alien”.A abertura do disco “Thousand eyes” introduz a poderosa versatilidadeda sua voz, que cativa e que nos prende de almae coração, como um abraço apertado peito a peito, o qualnão se quer largar. “Mirrored Heart” vai mais longe, como sefosse possível, e a simbiose perfeita entre o ouvinte e aartista é finalmente completada.A emotividade é dissecada até à sua pura essência em“Daybed” e “Cellophone”, o single de apresentação do disco,criando a ilusão de que não existe nada mais no universodo que as suas palavras. A busca pela compreensão do seudesamor torna-se na nossa busca, na nossa partilha. Urgea vontade de ouvir e compreender o que a artista canta.Urge a necessidade de mergulhar nas suas emoções.A melancolia e a tristeza de “Sad Day” chega a ser enternecedor.O tempo e o espaço são ditados pela história quenos conta. Sem aviso prévio, estamos dentro dela, somosinseparáveis dela. Será que a estamos a vivê-la ou a revivê-la?É tão estranho que chega a ser assustador a nossaidentificação com aquelas palavras. As suas palavras ouas nossas palavras?A escolha da figura de Maria Madalena surge, como a artistacomentou numa entrevista, por se tratar de uma mulherdotada de uma extraordinária complexidade. Questionou‐seporque seria ela conhecida apenas pela sua profissão deprostituta se possuía habilidades de curadeira? O mote servetambém para a artista questionar a sua própria sexualidadee mediatismo enquanto artista. Qual Maria Madalena,sentira-se absorvida pelo estrelato do namorado, ofuscadae vitima de cyberbullying pelos fans de PAT TINSON. O sentidoda sua existência e o resgate da sua essência vemostão bem retratado, evidentemente, em “Mary Magdalene”.O seu segundo disco marca uma evolução extraordináriaenquanto artista. A artista avant-garde arquiteta verdadeiraspérolas musicais como NICOLAS JAAR, ARCA e SKRILLEX.No sentido em que cruza os elementos analógicos com ostecnológicos. A narrativa que atravessa o disco conta históriasvindas de si ou de emoções comuns a toda a gente.No entanto, perspetiva a importância do papel da mulher,sobretudo extraindo a misoginia das relações e atribuindoao feminino o seu verdadeiro poder, celebrando a sua singularidadee beleza interior.texto por Carlos Alberto OliveiraSOUNDSTATION