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Publicação Mensal Vol. XXII - Nº <strong>260</strong> Novembro de 2019<br />
Jesus Cristo, Rei<br />
gladífero e vencedor
José Luis Filpo Cabana (CC3.0)<br />
Mieusement (CC3.0)<br />
São Saturnino - Catedral<br />
de Santa Maria de<br />
Pamplona, Espanha<br />
Presença que emudecia os ídolos<br />
São Saturnino possuía uma ação de presença pela qual o simples fato de passar diante dos<br />
ídolos, através dos quais os demônios falavam, fazia com que os espíritos maus fugissem e<br />
os falsos deuses emudecessem. Porque em face do varão de Deus o demônio se acovarda e foge<br />
realmente, e os ídolos não falam mais. Peçamos a Nossa Senhora, por intermédio deste Santo,<br />
que nos consiga a abreviação destes dias terríveis nos quais vivemos, para que possamos ter a<br />
alegria de ver os demônios fugirem envergonhados diante dos olhos de Deus.<br />
(Extraído de conferência de 28/11/1968)
Sumário<br />
Publicação Mensal Vol. XXII - Nº <strong>260</strong> Novembro de 2019<br />
Vol. XXII - Nº <strong>260</strong> Novembro de 2019<br />
Jesus Cristo, Rei<br />
gladífero e vencedor<br />
Na capa, Cristo Rei,<br />
Igreja Nossa Senhora<br />
da Glória, Juiz de Fora.<br />
Foto: Luis Samuel<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
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02404-060 S. Paulo - SP<br />
E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />
Impressão e acabamento:<br />
Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />
Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />
02911-000 - São Paulo - SP<br />
Tel: (11) 3932-1955<br />
Editorial<br />
4 Guerreiro justíssimo, defensor<br />
de uma causa santíssima<br />
Piedade pliniana<br />
5 Inteira e filial confiança<br />
em Nossa Senhora<br />
Dona Lucilia<br />
6 Fé, objetividade e resignação<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
11 O ideal de Cavalaria,<br />
plenitude do espírito católico - II<br />
De Maria nunquam satis<br />
18 Simbolismo da Medalha Milagrosa<br />
Reflexões teológicas<br />
22 Carregar a cruz com<br />
dignidade suprema<br />
Calendário dos Santos<br />
24 Santos de Novembro<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum............... R$ 200,00<br />
Colaborador........... R$ 300,00<br />
Propulsor.............. R$ 500,00<br />
Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />
Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editoraretornarei@gmail.com<br />
Hagiografia<br />
26 Invencibilidade de quem<br />
se abre para a graça<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
31 Igreja perfeita e alegria do<br />
mundo inteiro<br />
Última página<br />
36 Sacrário de Nosso Senhor<br />
3
Editorial<br />
Guerreiro justíssimo, defensor<br />
de uma causa santíssima<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei, tanto em virtude do poder espiritual quanto do temporal. A<br />
coroa que Ele usa simboliza a plenitude de seu poder. Não o domínio necessariamente limitado<br />
de um monarca terreno, mas o poder ilimitado de Deus.<br />
Isto significa que a mais alta figura da organização humana não é um rei ou qualquer outro chefe<br />
de Estado, nem um papa, mas é Cristo Rei.<br />
A doutrina da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é própria a despertar uma profunda adoração<br />
a Ele, inclusive no referente ao poder temporal, considerado como mero instrumento do Homem-<br />
-Deus, Senhor de todas as coisas e dominando tudo: Rex regum et Dominus dominantium.<br />
Esta concepção de que o cetro global do poder encontra-se nas mãos divinas de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo eleva tanto a ideia sobre a sociedade temporal, que daí decorre a noção de sacralidade.<br />
Por outro lado, Nosso Senhor, enquanto presente na Sagrada Eucaristia, tem um título de peculiar<br />
presença entre os homens e, portanto, também na História, na qual Ele é especialmente atuante<br />
a partir do Santíssimo Sacramento. Porque Jesus na Eucaristia é, por assim dizer, Nosso Senhor que<br />
desce do Céu à Terra e, como Homem-Deus, continua ao lado dos homens a luta que Ele começou<br />
por ocasião da Encarnação do Verbo.<br />
Assim, seria preciso acrescentar a Nosso Senhor, ao lado de Sacerdote, Pontífice e Rei, o título de<br />
Guerreiro no exercício da realeza. Atributo que não se confunde com a realeza, mas lhe é inerente.<br />
Cristo Gladífero e Cristo Eucarístico estão, pois, na mesma linha, intervindo dentro da História, mas<br />
morando entre os homens.<br />
Enquanto Eucarístico, Ele é o Bom Pastor; enquanto Gladífero, seria mais o Deus do Apocalipse, que<br />
nos apresenta Nosso Senhor Jesus Cristo como um cavaleiro que avança terrível, montado num cavalo<br />
branco com uma espada na boca, para batalhar 1 . Portanto, o símbolo do cavaleiro mais do que armado.<br />
Nós, como cavaleiros católicos, devemos querer imitar o Divino Mestre, que tem bondades inimagináveis,<br />
mas também severidades terríveis. Este é o verdadeiro cavaleiro: bondoso, misericordioso,<br />
paciente, mas que em certo momento recebe um sinal de Deus, por onde acaba a hora da misericórdia<br />
e começa a da justiça. Com este olhar devemos considerar aqueles que nos atacam e nos perseguem,<br />
perseguindo a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.<br />
Se a Sagrada Escritura apresenta Jesus Cristo assim, é porque Ele tem também este aspecto, enquanto<br />
paradigma do cavaleiro. Nessas condições, Ele deve ser admirado e amado por nós como um<br />
guerreiro justíssimo, defensor de uma causa santíssima que é a Causa d’Ele, pois Ele é a própria Inocência<br />
e Justiça, que investe indignado contra aqueles que recusam a sua misericórdia e insistem em<br />
destruir a obra d’Ele. Visto deste ângulo, o Apocalipse é a narração das intervenções divinas na História,<br />
ou seja, Cristo Rei intervindo na História e vencendo.<br />
Como corolário disso, temos a realeza de Maria Santíssima. Porque todo o poder d’Ele sobre os<br />
homens passa antes por Nossa Senhora. Ela é, por assim dizer, a Rainha-Mãe regente da Terra. 2<br />
1) Cf. Ap 1, 16; 6, 2.<br />
2) Cf. Conferências de 2/9/1982, 10/9/1989 e 30/4/1993.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Inteira e filial confiança<br />
em Nossa Senhora<br />
Nossa Senhora Rainha<br />
Igreja de Santo Alberto, o<br />
Grande, Pensilvânia, EUA<br />
Pedimos-vos, ó Mãe, que do alto do Céu desçam sobre nós, vossos filhos, as<br />
bênçãos maternais nascidas de vosso inesgotável afeto.<br />
Como os discípulos de Emaús rogaram ao Divino Redentor, nós Vos pedimos<br />
que essas bênçãos “permaneçam conosco”, “porque se faz noite” sobre o mundo.<br />
A cada instante, a cada angústia, a cada necessidade, ajudem-nos elas a manter a<br />
mais inteira e filial confiança em Vós.<br />
5
Dona Lucilia<br />
Fé, objetividade<br />
e resignação<br />
Dona Lucilia possuía uma grande seriedade de alma que se refletia<br />
até mesmo no trato com as crianças. Ao contar-lhes histórias, colocava<br />
sempre uma nota de seriedade, explicando o sentido moral e religioso<br />
daquela narração. Ainda quando a história não fosse religiosa, ela<br />
fazia uma crítica com muita paz, serenidade e objetividade, indicando<br />
como deveria ser aquele conto dentro de um contexto religioso.<br />
Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Apresença de minha mãe dava<br />
sempre a impressão de<br />
uma tranquilidade cheia de<br />
doçura, de afabilidade que tornava<br />
essa presença muitíssimo atraente.<br />
Isso faz com que, ainda hoje, quando<br />
entro em casa, eu tenha a sensação<br />
de que o ambiente todo está embalsamado<br />
por aquela tranquilidade.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no cemitério<br />
da Consolação em 1981<br />
6
Carinho com um<br />
fundo de seriedade<br />
Nota-se também esse ambiente de<br />
paz e tranquilidade nas pessoas que visitam<br />
a sepultura dela. Habitualmente,<br />
vou ao cemitério uma vez por semana,<br />
mas em horas variadas. Às vezes<br />
vou mais do que uma vez por semana.<br />
Não lembro que tenha acontecido<br />
eu encontrar o túmulo sem ninguém<br />
presente junto a ele. Nos dias<br />
em que há muito tempo livre – sábados,<br />
domingos, feriados nacionais –<br />
enche-se de pessoas ao seu redor.<br />
Chama-me a atenção ver muitas<br />
pessoas rezarem, mas outras quietas,<br />
num estado de alma como quem está<br />
sorvendo aquela tranquilidade, abeberando-se<br />
dela no intuito de que algum<br />
tanto dessa serenidade seja colocado<br />
em sua alma. Assim, noto uma<br />
analogia ou uma identidade entre<br />
os efeitos que as pessoas sentem hoje,<br />
junto à sepultura dela, e os experimentados<br />
outrora por quem frequentava<br />
nossa casa quando ela estava viva.<br />
Essa identidade me comove.<br />
Qual era o fundo dessa tranquilidade,<br />
dessa serenidade, dessa paz de Dona<br />
Lucilia? Antes de tudo, era uma<br />
grande seriedade de alma que se refletia<br />
até mesmo no trato com as crianças.<br />
Ela era muitíssimo carinhosa com minha<br />
irmã e comigo. Mas o carinho dela<br />
tinha sempre um fundo de seriedade.<br />
Mamãe contava, por exemplo, histórias<br />
como a do Gato de Botas. Embora<br />
ela só tivesse dois filhos, na família<br />
éramos muitas crianças, pois<br />
havia muitos parentes, e formávamos<br />
uma roda enorme em torno dela,<br />
e todas as crianças sorviam as narrações<br />
com muito gosto.<br />
Entretanto, apesar de fazer descrições<br />
inteiramente adaptadas para<br />
crianças, ela colocava sempre uma<br />
nota de seriedade, quer dizer, explicava<br />
no mais fundo o sentido moral<br />
e religioso daquela narração. Ainda<br />
quando a história não fosse religiosa,<br />
7
Dona Lucilia<br />
Flávio Lourenço<br />
Conforme conta o médico que a assistiu<br />
em seus últimos minutos, eram<br />
por volta das dez horas da manhã<br />
quando ela, percebendo ter chegado<br />
o momento de passar para a eternidade,<br />
fez um Nome do Padre muito<br />
grande e tranquilo e expirou. Era o<br />
fim próprio à vida que ela levara. Na<br />
serenidade, ela entregou sua alma a<br />
Deus com toda a doçura e suavidade.<br />
Era, por assim dizer, a essência<br />
do estado psicológico e moral dela.<br />
Se quisermos gozar dessa paz, faremos<br />
muito bem se tivermos muita<br />
devoção ao Sagrado Coração de Jesus,<br />
lermos alguma coisa sobre essa<br />
devoção, a respeito de Santa Margarida<br />
Maria Alacoque, a quem o Sagrado<br />
Coração de Jesus Se manifestou,<br />
e tudo quanto Ele disse de Si<br />
mesmo a essa Santa, e que é uma escola<br />
de resignação para os homens.<br />
Numa de suas aparições à Santa<br />
Margarida Maria, Ele mostrou seu<br />
Coração e afirmou: “Este é o Coração<br />
que amou tanto os homens e foi<br />
Gabriel K.<br />
Aparição do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida<br />
Maria Alacoque - Igreja de Santa Eulália, França<br />
ela fazia uma crítica com muita paz,<br />
serenidade e objetividade, indicando<br />
como deveria ser aquele conto dentro<br />
de um contexto religioso. Aliás, a objetividade<br />
era uma das características<br />
do espírito dela. Ela queria ver todas<br />
as coisas como eram, sem se iludir sobre<br />
os lados bons, nem sobre os ruins.<br />
De outro lado, precisamente por<br />
causa dessa serenidade e objetividade,<br />
ela demonstrava uma grande resignação.<br />
Dona Lucilia era muito devota<br />
do Sagrado Coração de Jesus e<br />
de Nossa Senhora, e nessas devoções<br />
hauria uma conformidade com todos<br />
os aborrecimentos que a vida traz.<br />
Com efeito, a vida trouxe-lhe des-<br />
gostos enormes, a respeito<br />
dos quais não é o momento<br />
de tratar, mas ela sofreu<br />
muito, inclusive do ponto<br />
de vista da saúde, pois foi<br />
sempre bastante doente.<br />
Resignação haurida<br />
na devoção ao<br />
Sagrado Coração<br />
de Jesus<br />
Tudo isso ela recebia<br />
com tal serenidade que<br />
esta se verificou até no<br />
momento de sua morte.<br />
Santíssimo Cristo da Expiração<br />
Sevilha, Espanha<br />
8
tão pouco amado por eles.” Mas Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo fez essa lamentação<br />
com resignação divina da<br />
qual nos deu exemplo até na hora de<br />
morrer na Cruz, quando Ele disse:<br />
“Meu pai, em vossas mãos entrego o<br />
meu espírito” (Lc 23, 46). E expirou!<br />
Essa resignação haurida na devoção<br />
ao Sagrado Coração de Jesus<br />
traz consigo uma doçura extraordinária.<br />
Ainda mais quando é acompanhada<br />
pela devoção a Nossa Senhora,<br />
que seguiu todos os passos da<br />
vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, o nascer da Igreja,<br />
e que era Ela mesma a Rainha da<br />
paz, da serenidade, da tranquilidade,<br />
mesmo nas situações mais dolorosas.<br />
Por exemplo, quando os Apóstolos<br />
abandonaram o Divino Mestre, em<br />
certo momento eles começaram a voltar.<br />
São João Evangelista foi o primeiro.<br />
Depois que Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo foi sepultado, Ela dirigiu-Se para<br />
o Cenáculo e os Apóstolos foram, aos<br />
poucos, reunindo-se junto a Ela. Nós<br />
podemos imaginar toda a bondade e a<br />
doçura d’Ela recebendo-os, perdoando-os,<br />
estimulando-os, e sendo a Rainha<br />
da paz, mas também da resignação.<br />
O homem moderno não é resignado.<br />
Quando quer algo, deseja aquilo<br />
ferozmente; um emprego, um passeio,<br />
um automóvel, enfim, seja o que for,<br />
ele quer de tal maneira que, se não obtiver<br />
aquilo, fica dilacerado na sua alma.<br />
A alma católica não é assim. Ela<br />
deseja, mas se não puder receber, se<br />
Deus dispôs que as coisas sejam de outra<br />
maneira, aceita na paz e continua<br />
a viver tranquilamente. Eu creio que<br />
com essas disposições nós podemos<br />
obter verdadeiramente a paz de alma.<br />
ocasião da visita de alguém da família,<br />
ou por uma criada que viesse pedir instruções<br />
a respeito da direção da casa.<br />
O resto do tempo ela passava em oração,<br />
recitando serenamente um eterno<br />
rosarinho, uma ladainha ao Sagrado<br />
Coração de Jesus, alguma outra prece<br />
assim. Chegada a hora do almoço, ela<br />
se levantava e tomava a refeição com<br />
meu pai, comigo e mais alguma pessoa<br />
da família que aparecesse. Quando todos<br />
saíamos, ela ficava em casa, ia para<br />
a sala de visitas onde se encontra uma<br />
imagem do Sagrado Coração de Jesus,<br />
e retomava a oração. Depois ia cuidar<br />
dos seus deveres de dona de casa, dos<br />
quais, aliás, ela cuidava muito diligentemente.<br />
À noite, terminado o jantar,<br />
mamãe conversava com o meu pai, comigo<br />
e com quem houvesse em casa. A<br />
certa altura nos retirávamos e ela voltava<br />
a rezar ao Sagrado Coração de Je-<br />
Flávio Lourenço<br />
Rezava até às três horas<br />
da madrugada<br />
Dona Lucilia rezava muito. Como<br />
eu disse, ela era doente, e por essa razão,<br />
embora acordasse cedo, permanecia<br />
grande parte da manhã recostada,<br />
rezando. Só interrompia a oração por<br />
Pentecostes - Catedral de Santa María la Real, Pamplona, Espanha<br />
9
Dona Lucilia<br />
Luis C.R. Abreu<br />
Encontro do Menino Jesus entre os doutores - Santuário<br />
do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo, Brasil<br />
sus. Por vezes ela levava a oração até às<br />
duas, três horas da madrugada. Meu<br />
pai se levantava e a chamava para ir<br />
dormir; e ela com muita doçura fazia<br />
um sinal indicando que já iria, mas ainda<br />
demorava um pouco. Essa era a fonte<br />
dessa resignação doce, dessa tranquilidade<br />
em circunstâncias cruéis em que<br />
a vi sofrer.<br />
No tocante à educação dos filhos,<br />
minha irmã e eu passamos por todos<br />
os perigos espirituais pelos quais se<br />
passa na vida moderna. No que me<br />
diz respeito, eu notava que ela rezava<br />
muito, pois tinha grande medo de que<br />
eu me perdesse, porque no meu tempo<br />
era muito mais difícil um homem<br />
perseverar na Fé do que uma mulher.<br />
Essas orações por minha perseverança<br />
ela as fazia, por exemplo, no<br />
fim da Missa. Há um altar na Igreja do<br />
Coração de Jesus, onde existe um grupo<br />
de esculturas representando Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo discutindo com<br />
os doutores no Templo, com Nossa Senhora<br />
e São José que chegam para encontrá-Lo.<br />
Ela rezava muito lá; não<br />
me dizia, mas eu percebia que orava<br />
para eu ter bons argumentos, boa formação<br />
para resistir aos argumentos<br />
errados que quisessem me dar, e ela<br />
pedia ao Menino Jesus um pouquinho<br />
da Sabedoria infinita de que Ele deu<br />
provas naquela ocasião, para resistir<br />
aos inimigos da Fé.<br />
Muito vigilante<br />
Ela era uma mãe muito vigilante,<br />
mas de um modo curioso. Depois que<br />
me tornei adulto e dei provas de minha<br />
fidelidade, ela<br />
possuía muita confiança<br />
em mim,<br />
mas muita! Entretanto,<br />
ao mesmo<br />
tempo tinha uma<br />
vigilância da qual<br />
um sintoma interessante<br />
é este:<br />
Houve uma ocasião<br />
em que tive de<br />
fazer uma viagem<br />
à Europa. No dia<br />
de meu retorno,<br />
já tendo calculado<br />
a hora em que eu<br />
deveria chegar, ela<br />
ficou esperando<br />
sentada no hall de<br />
entrada, em frente<br />
à porta do apartamento,<br />
toda arranjada,<br />
tendo deixado<br />
preparada uma<br />
mesa com doces e outras guloseimas<br />
para eu comer. Quando<br />
entrei, fui depressa beijá-<br />
-la. Depois das primeiras carícias,<br />
ela se afastou um pouco<br />
de mim e me olhou com toda<br />
a atenção. Não percebi o que<br />
ela estava fazendo, olhei para<br />
ela e deixei-a olhar, sorrindo.<br />
Ela teve esse comentário:<br />
“Graças a Deus você é o mesmo,<br />
não mudou em nada!”<br />
Quer dizer, a viagem à Europa,<br />
os prazeres do turismo,<br />
etc., podem marcar desfavoravelmente<br />
a alma de uma<br />
pessoa. A grande preocupação<br />
dela não era saber se eu<br />
estava com a fisionomia saudável,<br />
e sim se a alma estava<br />
saudável. Ela me fitou com um olhar<br />
muito tranquilo, afetuoso, mas que<br />
ia até o fundo de minha alma.<br />
Nisto consistia a seriedade dela, cuja<br />
fonte estava no Sagrado Coração de Jesus:<br />
Fé, objetividade e resignação. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
7/8/1990)<br />
Hall de entrada do apartamento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
10
Alvesgaspar (CC3.0)<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
O ideal de<br />
Pedro K.<br />
Cavalaria,<br />
plenitude do espírito católico - II<br />
O que diferencia o cavaleiro das outras vocações existentes<br />
na Igreja? Missionários dos bons tempos se expunham<br />
à morte pelo contágio de doenças ou se arriscavam a<br />
serem comidos pelos selvagens. São pessoas admiráveis,<br />
dentre as quais muitas morreram mártires e foram<br />
canonizadas. Entretanto, o cavaleiro representa a Deus<br />
a um título especial ao lutar por Ele e pela Santa Igreja,<br />
caminhando com entusiasmo de encontro à morte.<br />
Há também outra beleza que<br />
devemos considerar: a da<br />
luta. Morrer é belo. Os mártires,<br />
as vítimas da Revolução Francesa<br />
morreram. Oferecer-se, portanto,<br />
como vítima é lindo! Um doente<br />
na cama pode oferecer-se; Santa Teresinha<br />
do Menino Jesus ofereceu-<br />
-se como vítima expiatória. Contudo,<br />
lutar tem uma beleza especial.<br />
Dois modos pelos quais<br />
Deus associa o homem<br />
à sua obra criadora<br />
Deus associa o homem à sua obra<br />
criadora de dois modos: um é pela<br />
paternidade espiritual ou física.<br />
O que é paternidade física todos sabem,<br />
não é necessário explicar. A pa-<br />
ternidade espiritual se dá quando se<br />
gera alguém para a vida eterna; uma<br />
pessoa traz outra pelo apostolado<br />
para ela pertencer a Nossa Senhora<br />
e assim preparar-se para o Céu.<br />
Há, entretanto, outro modo pelo<br />
qual Deus nos associa à sua obra<br />
criadora. Cabe a Deus tirar a vida de<br />
alguém. Porém, quem legitimamente<br />
mata outrem que, segundo o pla-<br />
11
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Flávio Lourenço<br />
Martírio de São Maurício e Legião Tebana<br />
Abadia de São Maurício, Ebermunster, França<br />
Samuel Holanda<br />
Martírio de Santa Bárbara<br />
Museu Metropolitano de<br />
Arte, Nova Iorque, EUA<br />
no de Deus, deve ser morto, exerce<br />
uma prerrogativa divina.<br />
Por exemplo, um homem é um assassino<br />
e deve ser morto num ato de<br />
legítima defesa ou porque a lei mandou<br />
que fosse executado. O Estado<br />
tem o direito de mandar matar, nas<br />
ocasiões em que é justo, bem como<br />
qualquer pessoa possui o direito de<br />
matar na sua própria defesa ou de terceiros.<br />
Assim, tem-se o direito de matar<br />
na defesa da Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana, nos casos em<br />
que a Moral católica permite 1 . Portanto,<br />
quando se combate em nome da ira<br />
de Deus e movido por uma cólera inspirada<br />
pela graça, há uma beleza especial<br />
no exercício dessa justiça. Então, o<br />
cavaleiro que vai à guerra não só disposto<br />
a morrer, mas a matar para que<br />
a vida espiritual, sobrenatural se espalhe<br />
sobre a Terra, também representa<br />
a Deus a um título especial, e exerce<br />
uma missão divina.<br />
Compreende-se por que os nossos<br />
antepassados julgavam uma tal maravilha<br />
um cavaleiro entrar, por exemplo,<br />
num lugar onde havia cinquenta<br />
maometanos e, com várias espadagadas,<br />
decapitar a todos. Por que era<br />
uma beleza? Porque os maometanos<br />
estavam atacando terras católicas ou<br />
impedindo a pregação do Evangelho.<br />
Há certos trovões que se propagam<br />
por várias séries de explosões<br />
até uma plenitude final. O trovão<br />
é lindo porque dá a impressão<br />
de uma divina vontade de arrasar o<br />
que não deve existir, e que vai derrubando<br />
obstáculo por obstáculo até<br />
destruir tudo. É uma sinfonia! Para<br />
mim, mais bonito do que o trovão, só<br />
o órgão. São as duas supremas belezas<br />
em matéria de sons. Sou um entusiasta<br />
da trovoada. Qualquer trovãozinho<br />
que eu ouça, acompanho<br />
Santa Teresinha do Menino Jesus<br />
com gosto sua harmonia cheia de estampidos.<br />
Esta é a alma do guerreiro quando<br />
ele, movido por uma cólera santa,<br />
mata um, outro e, ao fim do dia, matou<br />
muitos. Ele está como uma trovoada<br />
que descarregou toda a sua eletricidade,<br />
e repousa plácido depois porque<br />
a sua ira santa foi preenchida. É<br />
o repouso de um guerreiro depois de<br />
ter combatido, ter raspado pela morte,<br />
na véspera de outra batalha onde ele<br />
poderá morrer. Ele está continuamen-<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
12
te com esta familiaridade com a morte<br />
que faz a beleza da vida do guerreiro,<br />
porque é a familiaridade com Deus.<br />
Então, o que diferencia o cavaleiro<br />
das outras vocações que há na Igreja?<br />
Tomem, por exemplo, padres, freiras<br />
dos bons tempos que se expunham à<br />
morte com contágio de doenças; outros<br />
que, fazendo as missões, se arriscavam<br />
a serem comidos pelos selvagens.<br />
Todas essas pessoas são admiráveis,<br />
dentre as quais muitas morrem<br />
mártires e são canonizadas. Que o<br />
sangue delas se levante e peça ao Céu<br />
perdão e graças para nós.<br />
Desponsório com o risco,<br />
o esforço e a morte<br />
Entretanto, o cavaleiro não é o que<br />
se resigna à morte, mas aquele que caminha<br />
de encontro a ela com entusiasmo;<br />
não se resigna com o perigo, mas<br />
tem fome dele; não se resigna à luta,<br />
anseia por ela. Esse é o cavaleiro,<br />
aquele que, na hora do risco e da batalha,<br />
como que sente a ebriedade santa<br />
do contato com Deus e se lança.<br />
Em certo sentido, o cavaleiro pode<br />
ser considerado o artista da luta,<br />
pois gosta da pugna bela, nobre, elevada.<br />
Por isso ele se orna para o combate,<br />
segue belas regras para lutar e morre<br />
sentindo ter feito uma obra de arte.<br />
Na canção de gesta, Roland, morrendo,<br />
sabe que no horror de sua morte está<br />
realizando algo que despertará uma<br />
página de literatura para todos os tempos.<br />
E, antes de ele morrer, aparece<br />
São Miguel Arcanjo a quem o cavaleiro<br />
moribundo estende a sua luva em sinal<br />
de vassalagem, porque São Miguel é o<br />
chefe do que eles chamavam a Cavalaria<br />
Celeste, composta pelos Anjos que<br />
expulsaram os demônios, lançando-os<br />
no Inferno. Roland se sente um com os<br />
espíritos celestes, seus irmãos. Ele é, na<br />
Terra, o grande exterminador e ordenador,<br />
como foi São Miguel Arcanjo no<br />
Céu. Esta alegria, este entusiasmo, esta<br />
espécie de senso artístico da luta, do<br />
risco e da morte caracteriza o verdadeiro<br />
cavaleiro.<br />
Compreende-se, então, porque o<br />
cavaleiro era alçado, habitualmente,<br />
à condição de nobre, pois é incomparavelmente<br />
mais elevado e digno<br />
quem possui esse espírito do que<br />
quem se entrega a outras atividades<br />
lícitas, necessárias, mas que não<br />
têm esse contato com o Divino, como,<br />
por exemplo, o comércio. Vender<br />
cebolas ou tamancos é uma coisa<br />
indispensável para a boa ordenação<br />
do mundo; fabricar vassouras ou<br />
esparadrapos é muito bom, sobretudo,<br />
pode ser muito lucrativo, não<br />
contesto. Mas contabilizar grandes<br />
lucros, embora seja bom e honesto,<br />
não é o mais alto modo de se unir<br />
a Deus. Essa espécie de desponsório<br />
com o risco, com o esforço extre-<br />
Luis Samuel<br />
13
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
IABI (CC3.0)<br />
mo e com a morte é o que mais une a<br />
Deus. Isto é a Cavalaria.<br />
Se ultrajado pelo inimigo, o<br />
cavaleiro mantém a cabeça<br />
alta, revida e continua a luta<br />
Em nossa época, a luta não se dá só<br />
nem principalmente no campo físico. O<br />
principal da guerra não é o esforço material,<br />
mas o intelectual. Atualmente se<br />
conquistam mais povos pela guerra psicológica<br />
do que pela guerra militar. As<br />
maiores conquistas que o comunismo<br />
fez não foram pelas armas, mas pela velhacaria.<br />
Por exemplo, como o comunismo<br />
se introduziu em toda a Euro-<br />
Comecei esta luta em condições<br />
muito desfavoráveis, porque só<br />
vim a compreender que ela era bela<br />
mais tarde. Era menino e percebi<br />
que, nos ambientes dos outros meninos,<br />
o que eu tinha de qualidade<br />
era objeto de sarcasmos, e que bastava<br />
assumir certos defeitos que seria<br />
causa de admiração. Mas resolvi<br />
seguir a mim mesmo, fiel às qualidapa<br />
Oriental? Foi mediante concessões<br />
vergonhosas de Roosevelt, no Tratado<br />
de Yalta. Como o comunismo conseguiu<br />
conquistar a China e depois o Vietnã?<br />
Foram concessões que Marshall<br />
fez aos comunistas chineses, entregando<br />
a China numa bandeja. Como o comunismo<br />
vai se difundindo pelo mundo?<br />
Através da conquista das almas por<br />
meio do processo revolucionário descrito<br />
em meu livro Revolução e Contra-<br />
-Revolução.<br />
Contra essas formas de conquistas<br />
psicológicas, ou há uma conquista também<br />
psicológica ou não adianta nada.<br />
Então, nós somos contra o comunismo<br />
que brande ideias, como eram os cru-<br />
zados contra os maometanos que brandiam<br />
sabres. Os maometanos não usavam<br />
sabres e lanças? Nossos antepassados<br />
também. O comunismo usa ideias,<br />
nós usamos ideias. Ele faz a Revolução,<br />
nós fazemos a Contra-Revolução.<br />
Digo agora uma palavra sobre o risco.<br />
Há uma coisa que é para o homem<br />
como a morte, e às vezes ele enfrenta<br />
a morte para evitar isso: é o descrédito<br />
no meio dos seus. Deixar de ser<br />
considerado, benquisto, admirado, ser<br />
odiado, perseguido, desprezado exige<br />
muitas vezes mais coragem do que a<br />
luta armada. Quando há uma guerra,<br />
muitos vão para frente combater de<br />
medo que, se recuarem, na retaguarda<br />
riam deles e digam que são covardes.<br />
Isso quer dizer que o sujeito enfrenta<br />
a bomba por medo do riso. Portanto,<br />
em última análise, a risada dá mais<br />
medo ao homem do que a bomba.<br />
De nós é exigida esta coragem, bela<br />
como a de quem enfrenta a morte. Se<br />
o homem tem mais medo do ridículo<br />
do que da morte, enfrentando o ridículo<br />
ele faz uma imolação a Deus mais<br />
preciosa do que entregando a vida. Estar,<br />
portanto, continuamente raspando-se<br />
no ridículo, não se incomodando<br />
com a opinião dos outros, isto é ser<br />
cavaleiro. Quando o homem faz isto e<br />
compreende que se une a Deus extraordinariamente<br />
por esta forma, e tem<br />
o gosto de ser vilipendiado, ultrajado,<br />
de manter a cabeça alta, de revidar e<br />
de lutar, ele é um perfeito cavaleiro.<br />
Roland na Batalha de Roncesvalles<br />
Nosso Senhor não recuou<br />
um instante, mas caminhou<br />
para a frente continuamente<br />
14
U.S. National Archives (CC3.0)<br />
Churchill, Roosevelt e Stalin durante a conferência de Yalta<br />
des que eu tinha; não compreendia a<br />
beleza que havia nisto. Até me lembro<br />
de ter pensado o seguinte: “Todo<br />
mundo acha isto feio, quem sabe se<br />
é mesmo. Nesse caso, faço uma coisa<br />
feia, mas enfrento todo mundo e<br />
vou para a frente, porque ser de outra<br />
maneira eu não quero.”<br />
No praticar uma coisa que talvez<br />
fosse feia por amor a um ideal, eu<br />
o fazia do modo mais belo possível.<br />
Eu me lembro de que pensava com<br />
meus botões: “Mas que coisa horrível<br />
ser desconsiderado assim! Veja<br />
tal menino de boca porca, de maus<br />
costumes que empolga a aula dizendo<br />
palavrões, e como eu faço um papel<br />
apagado, mole, bobo, com a minha<br />
perpétua observância da pureza,<br />
das boas maneiras, da distinção.”<br />
Mas eu refletia: “A pureza, as<br />
boas maneiras, a distinção valem isto;<br />
assim eu quero ser, ainda que me<br />
rachem.” Eu era, assim, uma espécie<br />
de bichinho se agarrando à tábua<br />
de salvação a todo custo. Ainda<br />
não percebia que essa tábua de salvação<br />
tinha um nome, era a Cruz de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo. Quando<br />
mais tarde percebi, fiquei maravilhado,<br />
mas o passo estava dado, eu tinha<br />
entrado na luta.<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo nos é<br />
apresentado sempre enquanto padecendo,<br />
suando Sangue no Horto das<br />
Oliveiras, caminhando para a morte<br />
com uma tristeza enorme; e assim<br />
deve ser, porque devemos ter consciência,<br />
tomar na devida conta os sofrimentos<br />
infinitos que Ele padeceu<br />
por nós.<br />
Mas, de fato, há outro aspecto da<br />
atitude de alma de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo durante a Paixão, que é<br />
o seguinte: Ele não recuou um momento,<br />
caminhou<br />
para a frente continuamente.<br />
Mesmo<br />
quando caiu<br />
sob o peso da Cruz,<br />
foi para levantar de<br />
novo e poder chegar<br />
até o alto do<br />
Calvário; não teve<br />
uma hesitação.<br />
Eu tenho a impressão<br />
de que se<br />
devêssemos olhar,<br />
numa Via Sacra, as<br />
pegadas sangrentas<br />
de Nosso Senhor<br />
no chão, um dos<br />
aspectos por onde<br />
Ele poderia ser visto<br />
era cambaleante,<br />
fazendo um zigue-zague,<br />
quase<br />
caindo ao peso da<br />
Cruz, mas não largando.<br />
Outro seria,<br />
pelo contrário,<br />
em linha reta:<br />
“Eu vou para a frente porque quero!”<br />
Uma vontade serena, majestosa,<br />
mas inteiramente inquebrantável,<br />
até quando encontrou Nossa Senhora<br />
e viu tudo quanto Ela estava sofrendo<br />
pela resolução d’Ele de morrer.<br />
Por fim, no alto da Cruz, aquela<br />
palavra de energia suprema: “Consummatum<br />
est”: foi feito tudo o que<br />
era preciso fazer.<br />
Quando foram prendê-Lo, no<br />
Horto das Oliveiras, Ele perguntou:<br />
— A quem buscais?<br />
— A Jesus Nazareno – responderam<br />
os algozes.<br />
— Sou Eu – afirmou Jesus. E todos<br />
caíram no chão.<br />
Seu poder e sua majestade eram<br />
tais que Nosso Senhor dissera pouco<br />
antes a São Pedro que, se quisesse,<br />
mandava vir legiões de Anjos para libertá-Lo<br />
(cf. Mt 26, 53), mas Ele não<br />
queria. Portanto, tudo aquilo o Divino<br />
Redentor estava sofrendo porque<br />
Ele queria. Eis o Cavaleiro!<br />
Jesus com a Cruz às costas<br />
Catedral de Astorga, Espanha<br />
Helio G.K.<br />
15
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
to, que é superexcelso e não comparável<br />
com nada – foi o de Santo Inácio<br />
de Antioquia. Ancião, carregado<br />
de ferros, entrou na arena e, diante<br />
dos leões que rugiam, ele disse:<br />
“Leões, vinde a mim! Triturai-me como<br />
se tritura o trigo para ser como a<br />
Hóstia de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Eu serei triturado e serei um com<br />
Ele.” Os leões vieram e ele foi estraçalhado<br />
e morreu. Isto, para mim, é a<br />
última palavra, o auge da beleza!<br />
Prisão de Nosso Senhor - Museu de São Marcos, Veneza<br />
O mais belo de todos<br />
os martírios<br />
Terminada esta exposição, poderia<br />
surgir a pergunta: “Tudo isso é<br />
bonito, mas como me portar quando<br />
chegarem para mim o risco e a morte?<br />
Não posso fazer uma espécie de<br />
injeção de tudo quanto ouvi e meter<br />
dentro de mim para sair um herói.<br />
O que vou fazer para ser fiel a<br />
essas ideias?”<br />
Aqui vem a doutrina da verdadeira<br />
vida espiritual. Se eu, no meu ideal,<br />
sinto-me chamado para isso, mas<br />
na realidade não tenho forças, devo<br />
pedi-las para estar à altura do meu<br />
ideal. Para isto temos a oração, os<br />
Sacramentos, a meditação que nos<br />
elevam até esse ponto. Pode ser que<br />
alguns cheguem entusiasmados à<br />
hora do sacrifício, outros com medo,<br />
mas vencendo o próprio medo e<br />
compreendendo a beleza de vencê-<br />
-lo para lutar.<br />
Cito um personagem que foi, sem<br />
dúvida, muito corajoso, mas não era<br />
nem de longe um cavaleiro. Basta dizer<br />
que era um protestante. Protestantismo<br />
e Cavalaria são coisas que<br />
se excluem, pois esta é um predicado<br />
exclusivo da Religião Católica.<br />
Do nosso lado há Cavalaria, do lado<br />
deles há assassinatos. Todas essas luzes<br />
são da Igreja Católica e de mais<br />
nada no mundo. Mas, enfim, o Rei<br />
da França, Henrique IV, entrou numa<br />
batalha com muito medo e sentia<br />
até seu esqueleto tremer. Então<br />
de espada na mão ele gritou: “Treme<br />
velha carcaça...”, mas ele não queria<br />
ceder e lutou durante a batalha<br />
inteira. Quiçá na hora do medo tenhamos<br />
que dizer “treme velha carcaça”,<br />
mas nós vamos para a frente.<br />
É preciso confiar em que a graça nos<br />
ajude nesse momento.<br />
O martírio mais belo que conheço<br />
– depois de Nosso Senhor Jesus Cris-<br />
Cavaleiros conscientes de<br />
todo o esplendor que o<br />
martírio trazia consigo<br />
Entretanto, havia duas espécies<br />
de mártires. Estive no Coliseu, em<br />
Roma, onde me mostraram o lugar<br />
do cárcere no qual ficavam os católicos<br />
a noite inteira, perto de outro<br />
compartimento onde estavam as feras<br />
rugindo. Os cristãos sabiam que,<br />
quando amanhecesse, tinham raiado<br />
para eles as últimas horas, e seriam<br />
levados para a arena onde aquelas<br />
feras iam devorá-los.<br />
Imaginem, às três horas da manhã,<br />
solidão no Coliseu, aquele mármore<br />
muito branco, resplandecente,<br />
de uma alvura que para quem vai<br />
morrer tem quase o aspecto de um<br />
esqueleto ressequido, sobre o qual<br />
o trágico luar derramava uma tênue<br />
luminosidade; a sós, numa gaiola,<br />
os futuros mártires se preparam pa-<br />
Martírio de Santo Inácio de Antioquia - Biblioteca do Vaticano<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
16
a morrer e têm pânico de apostatar<br />
na hora, porque era só fazer um sinal<br />
nesse sentido para serem salvos.<br />
De repente, uma hiena uiva e a<br />
pessoa pensa: ela está com fome de<br />
mim, esse bicho amanhã vai devorar<br />
as minhas entranhas. Quando chega<br />
a manhãzinha, as feras vão acordando<br />
e uivando mais. O circo vai se<br />
enchendo de gente, muitos passam<br />
perto dos católicos, cospem neles,<br />
atiram pedras, dão risadas dizendo:<br />
“Vocês vão morrer mesmo...”<br />
A certa hora, o Sol já está todo levantado<br />
e entram os barulhos familiares<br />
da cidade de Roma: os vendedores<br />
que oferecem suas mercadorias, carros<br />
que passam, é a vidinha de todos<br />
os dias que está ao alcance deles. É só<br />
dizer “eu quero apostatar” para terem<br />
tudo aquilo que eles estão prestes a<br />
deixar para entrar na arena e morrer.<br />
Alguns soluçavam de medo, iam<br />
para a arena tremendo. Jogavam-<br />
-se e as feras caíam em cima deles.<br />
Eram heróis tanto quanto Santo Inácio<br />
de Antioquia, talvez merecendo<br />
menos admiração.<br />
Eram cavaleiros verdadeiramente,<br />
porque sentiam a beleza do seu<br />
ato e queriam consumá-lo, conscientes<br />
de todo o esplendor que o martírio<br />
trazia consigo. Evidentemente,<br />
para isto é preciso receber uma graça<br />
especial. Sem essa graça a pessoa<br />
não enfrenta. Mas é preciso pedi-la<br />
desde já. Por isso, em todas as Ave-<br />
-Marias há esse pedido final: “Rogai<br />
por nós, pecadores, agora e na hora<br />
de nossa morte. Amém”. Quem vai<br />
ter coragem nessa hora? Sem uma<br />
graça especial não se tem.<br />
Papel extraordinário da<br />
virtude da confiança<br />
Há graças especiais de luta e de<br />
morte também, mas peçamos essa<br />
graça, tenhamos a intenção de dar à<br />
nossa vida e à nossa morte esse sentido<br />
de beleza, e nós obteremos. Porque<br />
quem pede alcança.<br />
Conto-lhes um fato extremamente<br />
gracioso. Havia uma jovem romana<br />
que foi condenada à morte por ser<br />
cristã. Mas ela tinha especial pavor de<br />
não sei de que bicho – digamos que<br />
fosse hiena –, tinha pânico. Então, ela<br />
disse a Deus o seguinte: “Eu consinto<br />
em ser morta, mas fazei com que<br />
não seja por uma hiena.” Os outros<br />
cristãos, católicos, que estavam assistindo<br />
ao martírio nos bancos do Coliseu,<br />
viram entrarem também hienas<br />
no circo, mas nenhuma delas atacou a<br />
jovem, que foi morta por um tigre ou<br />
um leão. Quer dizer, foi uma condescendência<br />
da Providência.<br />
Termino com um caso para verem<br />
como esse conceito de luta e de martírio<br />
é complexo. São João Evangelista<br />
não foi mártir. Levado para ser<br />
morto num caldeirão de azeite em<br />
ebulição – uma morte tremenda! –,<br />
entrou no caldeirão e saiu do outro<br />
lado ileso, e por vontade de Deus o<br />
deixaram ir para casa.<br />
Imaginemos que São João tenha<br />
ido para o caldeirão com algo da graça<br />
que dizia dentro dele: “Tu não vais<br />
morrer.” E ele pensasse: “Mas não tenho<br />
coragem de morrer agora.” E a<br />
O Coliseu, Roma, Itália<br />
graça responderia dentro da alma dele:<br />
“Tu não tens coragem porque não<br />
chegou a hora de morrer. Tu deves ter<br />
confiança de que não morrerás.” Então,<br />
ele mete o pé dentro do caldeirão,<br />
depois o corpo inteiro, certo de que<br />
não será queimado. Contra o paradoxo,<br />
atravessa o caldeirão, apoia-se do<br />
outro lado e sai.<br />
Manter esta confiança dentro do<br />
caldeirão não é uma força de alma<br />
talvez maior do que a do martírio?<br />
Em nossa vida a virtude da confiança<br />
tem um papel extraordinário. Muitas<br />
vezes nós estamos como que derrotados<br />
e liquidados e temos que fazer<br />
como São João: confiar que sairemos<br />
do outro lado do caldeirão sem<br />
nos acontecer nada. Este é um outro<br />
lado do heroísmo e de coragem terrível.<br />
Às vezes, confiar é mais duro do<br />
que se entregar. Mas não temos o direito<br />
de ceder, e é preciso confiar. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
3/8/1974)<br />
1) Cf. Suma Teológica, II-II q. 40, a. 1; q.<br />
64 a. 2-3. Catecismo da Igreja Católica,<br />
n. 2264-2265.<br />
Gabriel K.<br />
17
De Maria nunquam satis<br />
Simbolismo<br />
da Medalha<br />
Milagrosa<br />
Numa face da medalha, a Santíssima<br />
Virgem pousa os pés sobre o mundo<br />
e calca uma serpente, exprimindo<br />
assim a sua realeza, lembrada em<br />
Fátima e afirmada como uma vitória<br />
sobre a Revolução: “Por fim o meu<br />
Imaculado Coração triunfará”. A<br />
Revolução será derrotada, e na<br />
Contra-Revolução teremos a vitória<br />
do Coração Imaculado de Maria.<br />
Greg O’Beirne and Donna Barber<br />
C<br />
omemora-se a 27 de novembro<br />
a festa da Bem-aventurada<br />
Virgem Maria da Medalha Milagrosa,<br />
dia em que, no ano de 1830,<br />
Nossa Senhora apareceu a Santa Catarina<br />
Labouré, em Paris, e revelou-<br />
-lhe o desenho da medalha milagrosa.<br />
Nossa Senhora calca aos pés<br />
o mundo e uma serpente<br />
Quando esta revelação foi divulgada,<br />
verificou-se que a Medalha Milagrosa<br />
era ocasião para um número<br />
enorme de graças de conversão,<br />
18
das mais extraordinárias. Com o que<br />
se patenteou ou se documentou mais<br />
uma vez que esta devoção era muito<br />
desejada por Maria Santíssima. Por<br />
causa disso, estabeleceu-se o excelente<br />
costume de colocar no ponto de entroncamento<br />
das contas do Rosário a<br />
Medalha Milagrosa; de fato seu culto<br />
é cercado de toda espécie de graças.<br />
Essa devoção preparou as almas<br />
muito poderosamente para a definição<br />
de um dos mais importantes<br />
dogmas de Nossa Senhora: a Imaculada<br />
Conceição. Vale a pena, portanto,<br />
fazermos uma análise da medalha<br />
e de tudo quanto ela simboliza<br />
para compreendermos o que a Providência<br />
Divina teve em vista quando<br />
favoreceu com tantas graças essa<br />
devoção que a própria Mãe de Deus<br />
revelou a Santa Catarina Labouré.<br />
Vemos numa face da medalha a<br />
Santíssima Virgem pousando os pés<br />
sobre o mundo, na afirmação de sua<br />
realeza sobre toda a Terra. É exatamente<br />
essa a doutrina da realeza de<br />
Nossa Senhora, lembrada em Fátima<br />
e afirmada como uma vitória sobre a<br />
Revolução: o comunismo espalhará os<br />
seus erros por toda parte, o Papa terá<br />
muito que sofrer, a Igreja será perseguida,<br />
“por fim o meu Imaculado Coração<br />
triunfará”. Quer dizer, a Revolução<br />
será derrotada, e na Contra-Revolução<br />
nós teremos, então, a vitória<br />
do Coração Imaculado de Maria.<br />
Nossa Senhora aparece calcando<br />
aos pés não só o mundo, mas também<br />
uma serpente, o que é inteiramente<br />
coerente com o resto, porque nesse<br />
mesmo lado da medalha está escrito:<br />
“Ó Maria concebida sem pecado,<br />
rogai por nós que recorremos a vós!”<br />
É, portanto, a Imaculada Conceição,<br />
mas com um atributo que não<br />
se encontra nas imagens dessa invocação<br />
como tal: Nossa Senhora está<br />
com as mãos abertas em sinal de<br />
aquiescência, de atendimento, e delas<br />
partem fachos luminosos imensos.<br />
São as graças e os favores que<br />
por suas mãos – pela ação, por meio<br />
d’Ela – descem sobre o mundo.<br />
Visão grandiosa da vitória<br />
de Maria Santíssima<br />
Temos, assim, algo que faz pensar<br />
na verdade de Fé da mediação universal<br />
de Maria. As graças passam<br />
pelas mãos de Nossa Senhora – elas<br />
são as distribuidoras dos dons divinos<br />
– e numa quantidade enorme se<br />
precipitam sobre a Terra.<br />
Segundo diversas revelações, a vitória<br />
sobre a Revolução dar-se-á no<br />
momento culminante dos castigos<br />
descritos de vários modos. Ana Catarina<br />
Emmerich, por exemplo, em<br />
uma de suas descrições narra a vitória<br />
de Nossa Senhora no Vaticano. Ela<br />
vê Maria Santíssima entrando na Praça<br />
de São Pedro – dado muito curioso,<br />
porque dá a ideia de que Ela não<br />
estava presente no Vaticano –, ele-<br />
Daniel A.<br />
19
De Maria nunquam satis<br />
J.P.Ramos<br />
les que, tendo em vista esse conjunto<br />
de fatos, de símbolos, de atributos,<br />
de noções, se dirijam confiantes a Ela,<br />
pedindo as graças de que precisam.<br />
O verso da medalha não é menos<br />
simbólico. Ele contém os elementos de<br />
várias devoções conjugados: as doze estrelas<br />
lembram aquelas com que a Santíssima<br />
Virgem é representada coroada<br />
no Apocalipse; no centro vemos o<br />
“M”, primeira letra do nome de Nossa<br />
Senhora, sobre o qual está uma cruz.<br />
Isso recorda muito tudo quanto ensina<br />
São Luís Grignion de Montfort, no<br />
“Tratado da verdadeira devoção” e na<br />
“Carta Circular aos amigos da Cruz”; e,<br />
por fim, abaixo do “M”, as duas grandes<br />
devoções que constituem, no fundo,<br />
uma só: ao Sagrado Coração de Jesus<br />
e ao Imaculado Coração de Maria.<br />
Graças concedidas para a<br />
luta contra a Revolução<br />
Aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré - Basílica<br />
de Nossa Senhora de Nazaré, Belém do Pará, Brasil<br />
vando-se até o alto da cúpula de onde<br />
Ela estende a sua ação sobre o mundo<br />
inteiro e o cobre com seu manto;<br />
e, então, a Revolução cessou.<br />
Nessa face da medalha temos, assim,<br />
uma série de conceitos que se<br />
conjugam para dar uma visão grandiosa<br />
da vitória de Maria no mundo. Essas<br />
graças descem para a conversão<br />
dos pecadores, dos hereges, mas também<br />
o castigo dos irredutíveis para a<br />
proteção daqueles que se mantiveram<br />
fiéis até o fim, e os auxílios para que<br />
se mantenham na fidelidade. Tudo isso<br />
sai das mãos de Nossa Senhora como<br />
de um manancial. Ela está afável,<br />
risonha, acolhedora para todos aque-<br />
São graças concedidas nos tempos<br />
modernos para a luta contra a Revolução:<br />
o dogma da Imaculada Conceição,<br />
que deveria ser definido algumas<br />
dezenas de anos depois da<br />
aparição da Medalha Milagrosa; as<br />
devoções ao Sagrado Coração de Jesus<br />
e ao Imaculado Coração de Maria,<br />
nascidas das revelações de Paray-le-Monial<br />
e dadas para evitar<br />
a Revolução na França; a obra de<br />
São Luís Maria Grignion de Montfort,<br />
também suscitada para impedir<br />
aquela Revolução.<br />
De maneira que esses símbolos<br />
todos se conjugam como uma espécie<br />
de compêndio dos temas ou dos<br />
pontos mais sensíveis para a piedade<br />
católica, que lembram mais aos católicos<br />
o objeto natural de suas inclinações,<br />
de sua confiança.<br />
Temos aí a razão pela qual essa<br />
medalha foi objeto de tantas graças.<br />
Lembrem-se que ela não foi composta<br />
por ninguém. Toda a sua constituição,<br />
todos os elementos que nela<br />
se encontram foram indicados por<br />
Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.<br />
De maneira tal que isso tem<br />
um sentido muito profundo, é uma<br />
espécie de sumário das devoções que<br />
nós mais devemos considerar. Por<br />
essa razão precisamos amar muito<br />
essa medalha, vendo nela como que<br />
um programa para nós; e usá-la, tê-<br />
-la sempre conosco.<br />
Outra devoção esplêndida que os<br />
católicos sempre tiveram, desde a<br />
Idade Média para cá, foi o Rosário.<br />
Colocar essa medalha no Rosário é<br />
uma ideia felicíssima, muito harmoniosa,<br />
lógica, razoável, e constitui<br />
um todo de objeto de piedade que<br />
nos deve falar muito à alma e despertar<br />
a nossa devoção.<br />
20
Escudo contra todas as<br />
tentações do demônio<br />
Vamos pedir a Nossa Senhora o favor<br />
de, pelas graças da Medalha Milagrosa,<br />
apressar o dia de sua vitória.<br />
E também de nos ajudar a sermos fiéis<br />
durante todas as tormentas que se<br />
aproximam. Porque devemos nos lembrar<br />
bem disto: a perseverança é uma<br />
graça inestimável. Do que adianta<br />
uma pessoa ter Fé, virtudes, se depois<br />
vai cair no pecado? Essa perseverança<br />
não é fruto de nossas qualidades pessoais,<br />
mas da graça que se trata de pedir<br />
humildemente, de implorar com insistência,<br />
e à qual é necessário corresponder.<br />
Portanto, precisamos pedir as graças<br />
que nos assegurem a perseverança.<br />
Há, hoje em dia, tantas almas tentadas<br />
levadas pelo o demônio para os<br />
rumos mais execráveis! Talvez nem todo<br />
mundo tenha a ideia de qual é a<br />
ação, a força do demônio na época em<br />
que nós estamos. Um Santo, cujo nome<br />
não me lembro, afirmou serem tão<br />
numerosos os demônios que pairam<br />
pelos ares para a perdição das almas<br />
que, se pudessem ser vistos, obscureceriam<br />
até o Sol, pois formariam uma<br />
espécie de capa em torno da Terra.<br />
Esses são os demônios, os quais,<br />
segundo Ana Catarina Emmerich,<br />
atuam sobre as almas não diretamente<br />
para levá-las ao pecado, mas<br />
para criar um clima que torna depois<br />
a tentação dos outros demônios quase<br />
irresistível, avassaladora. Se o mal<br />
em nossos dias tem tanta possibilidade<br />
de progressão é porque ele encontra<br />
em toda parte o clima psicológico<br />
preparado.<br />
A meu ver, muitas vezes por dia o<br />
demônio tenta as pessoas. Nem sempre<br />
serão tentações sensíveis, é evidente.<br />
Mas é uma ação quase imperceptível.<br />
Há também demônios que<br />
fazem assaltos violentos; estes, porém,<br />
não são os mais perigosos.<br />
Então nós devemos compreender<br />
que essa medalha, com todos os seus<br />
símbolos e recomendada por Nossa<br />
Senhora, é um dos penhores da aliança<br />
d’Ela conosco. É um dos meios,<br />
uma espécie de escudo que Ela nos<br />
dá para a luta contra todas as tentações<br />
do demônio.<br />
A invocação de Nossa Senhora<br />
das Graças ou da Medalha Milagrosa,<br />
por tudo quanto ela contém e, sobretudo,<br />
pela Imaculada Conceição<br />
que está esmagando a cabeça do demônio,<br />
é particularmente eficiente<br />
nessa luta contra o poder das trevas,<br />
que tanto e tanto nós devemos conduzir<br />
nos dias de hoje.<br />
Eis uma razão a mais para nos<br />
aferrarmos a esses símbolos, a essa<br />
medalha, ao escapulário do Carmo,<br />
ao Rosário. Devemos ter sempre conosco<br />
esses objetos de piedade, como<br />
meio de luta contra o demônio.<br />
Essa é uma consideração que me parece<br />
particularmente importante nos<br />
dias em que vivemos. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
27/11/1964)<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1983<br />
21
Reflexões teológicas<br />
Gabriel K.<br />
Jesus na Via Sacra<br />
Igreja de Santa Maria<br />
Novella, Florença, Itália<br />
Carregar a cruz com<br />
dignidade suprema<br />
Nós, católicos, podemos ser humilhados, espezinhados,<br />
calcados aos pés, mas sabemos que raiará o dia<br />
do Reino de Maria, e que os homens do futuro<br />
invejarão as humilhações pelas quais passamos.<br />
Um tema muito bonito é Nosso<br />
Senhor na tríplice qualidade<br />
de Rei, Pontífice e Profeta.<br />
Rei, Sacerdote e Profeta<br />
Rei é aquele que está no alto de<br />
uma certa ordem e a governa, a ordem<br />
lhe obedece. Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, como Homem-Deus, é<br />
Rei de toda a humanidade e de to-<br />
da a Criação. Como tal é Ele quem<br />
manda na História dos homens.<br />
Ele quis dar aos homens a faculdade<br />
de fazerem o bem e o mal, o<br />
poder de agirem contra ou a favor<br />
do Direito. De maneira que, quando<br />
os homens fazem o mal, eles vão<br />
contra a vontade divina, mas Deus<br />
quis que eles tivessem essa faculdade,<br />
para depois exercer a Justiça<br />
sobre eles.<br />
Então, Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
é Rei até quando os homens se<br />
revoltam contra Ele, porque foi Ele<br />
quem os dotou dessa liberdade. No<br />
fundo, no zigue-zague de toda a<br />
História, Ele faz acontecer o que<br />
Ele quer. Assim como Nosso Senhor<br />
é o Rei da História, é também<br />
Rei de todo o universo, do curso<br />
dos astros, de tudo quanto se passa<br />
na natureza.<br />
22
Jesus Cristo é Sacerdote<br />
porque oferece a Deus toda<br />
a Criação no auge da<br />
qual Ele está, mas, sobretudo,<br />
porque é o Redentor<br />
do gênero humano.<br />
Ele é Vítima e Sacerdote,<br />
pois Se ofereceu a Si<br />
próprio para expiar por<br />
toda a humanidade. Ele<br />
é, pois, Sumo Sacerdote,<br />
o Pontífice que possui<br />
um pontificado universal.<br />
Os outros pontífices, o clero,<br />
são pontífices por participação<br />
d’Ele. O Pontífice é Ele.<br />
Ele é o Profeta porque predisse<br />
o que faria e realizou sua profecia.<br />
Os outros profetas previram coisas<br />
que outros se incumbiram de cumprir,<br />
eles não cumpriram. Jesus previu<br />
e fez. Portanto é profeta numa<br />
plenitude especialíssima do termo.<br />
Gabriel K.<br />
Os homens do futuro<br />
invejarão as humilhações<br />
pelas quais passamos<br />
A cada passo da sua Paixão, com a<br />
majestade infinita d’Ele, ao mesmo<br />
tempo em que estava sendo escarnecido,<br />
humilhado, sentindo todas as dores<br />
morais e físicas da situação em que Se<br />
encontrava, tendo ciência de que seria<br />
morto, sabia também que aquilo tudo<br />
seria objeto de uma glória como nunca<br />
ninguém teve; uma glória rainha e<br />
mestra de todas as outras glórias.<br />
Então, enquanto estava com a coroa<br />
de espinhos, com a túnica, o manto<br />
e o cetro de irrisão e, portanto, no<br />
auge do desprezo e do abandono da<br />
parte de todo o mundo, Nosso Senhor<br />
sabia que um dia viria onde o poder<br />
d’Ele seria tão grande que os maiores<br />
reis da Terra se desvaneceriam diante<br />
da ideia de poder pôr no respectivo<br />
cetro um fragmentozinho daquela<br />
cana que servia de cetro de irrisão.<br />
Se não se tivesse perdido aquela cana,<br />
ter-se-iam construído catedrais para<br />
guardar fragmentos dela.<br />
Cristo Juiz - Catedral<br />
de Orvieto, Itália<br />
Aquela túnica de bobo tinha diversos<br />
significados místicos, teológicos,<br />
sobre os quais os maiores espíritos<br />
haveriam de escrever enlevados, certos<br />
de não chegarem até o fundo do<br />
tema. E aquela coroa de espinhos haveria<br />
de ser de tal maneira venerada<br />
que o maior rei da Cristandade, no<br />
seu tempo, São Luís IX, haveria de<br />
construir uma Sainte-Chapelle para<br />
abrigar um dos espinhos dessa coroa.<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
conhecia tudo isso e, do fundo<br />
de sua dor e de sua humilhação,<br />
carregava a majestade<br />
da vitória que haveria<br />
de vir.<br />
Mutatis mutandis,<br />
com todos nós, católicos,<br />
é assim também.<br />
Podemos ser humilhados,<br />
espezinhados, calcados<br />
aos pés, mas sabemos<br />
que raiará o dia do<br />
Reino de Maria, e que os<br />
homens do futuro invejarão<br />
as humilhações pelas quais passamos.<br />
Quando as pessoas se lembrarem<br />
de um jovem casto, atravessando<br />
essas cidades impuras, pregando<br />
o nome de Nossa Senhora,<br />
cortando essas poluições, se ajoelharão<br />
ao pensar nisso.<br />
Portanto, na nossa situação devemos<br />
carregar com dignidade suprema,<br />
como Nosso Senhor carregou, os emblemas<br />
da irrisão, da humilhação e do<br />
ódio que caem em cima de nós. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
26/11/1982)<br />
Flagelação de Jesus - Museu da Cartuxa de Douai, França<br />
Ludovico Carracci (CC3.0)<br />
23
C<br />
alendário<br />
1. São Nuno de Santa Maria, religioso<br />
(†1431). Condestável do Reino<br />
de Portugal. Após vencer muitas batalhas,<br />
abandonou o mundo e ingressou<br />
na Ordem dos Carmelitas.<br />
2. Comemoração dos Fiéis Defuntos.<br />
São Malaquias, bispo (†1148). Renovou<br />
a vida de sua Igreja na diocese<br />
de Down e Connor, na Irlanda. Faleceu<br />
no mosteiro de Claraval, em presença<br />
de São Bernardo.<br />
dos Santos – ––––––<br />
4. São Carlos Borromeu, bispo<br />
(†1584).<br />
Beata Francisca de Amboise, religiosa<br />
(†1485). Duquesa da Bretanha, que<br />
após ficar viúva, fundou em Vannes o<br />
primeiro Carmelo feminino da França.<br />
5. São Donino, mártir (†307). Jovem<br />
médico, condenado na perseguição<br />
de Diocleciano a trabalhar nas<br />
minas da Mísmiya, na Cesareia da Palestina,<br />
e depois queimado vivo por<br />
permanecer cristão.<br />
Samuel Holanda<br />
Gabriel K.<br />
3. Solenidade de Todos os Santos<br />
São Martinho de Porres, religioso<br />
(†1639).<br />
São Pedro Francisco Néron, presbítero<br />
e mártir (†1860). Religioso da Sociedade<br />
das Missões Estrangeiras de<br />
Paris, que depois de preso numa estreita<br />
gaiola e cruelmente golpeado,<br />
foi decapitado em Tonquim, Vietnã.<br />
São Roque González<br />
6. São Winoco, abade (†c. 716).<br />
Discípulo de São Bertino, no mosteiro<br />
de Sithieu. Mais tarde construiu o<br />
mosteiro de Wormhout, na França.<br />
7. Beato Vicente Grossi, presbítero<br />
(†1917). Fundador do Instituto das Filhas<br />
do Oratório, em Cremona, Itália.<br />
8. São Godofredo, bispo (†1115).<br />
Educado desde os cinco anos na vida<br />
monástica, foi abade beneditino e<br />
Bispo de Amiens, França.<br />
9. Dedicação da Basílica São João<br />
de Latrão<br />
Santo Ursino, bispo (†s. III). Primeiro<br />
Bispo de Bourges, França.<br />
Transformou em igreja uma casa doada<br />
pelo senador Leocádio.<br />
10. XXXII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Leão Magno, Papa e Doutor<br />
da Igreja (†461).<br />
Santo André Avelino, sacerdote<br />
(†1608). Religioso da Congregação<br />
dos Cônegos Regulares (Teatinos).<br />
Fez o voto de cada dia progredir na<br />
virtude. Morreu em Nápoles, Itália.<br />
11. São Martinho de Tours, bispo<br />
(†397).<br />
Beata Vicenta Maria, virgem<br />
(†1855). Juntamente com o Beato Carlos<br />
Steeb, fundou o Instituto das Irmãs<br />
da Misericórdia de Verona, Itália, para<br />
socorrer os aflitos, pobres e enfermos.<br />
Santo Ursino<br />
12. São Josafá, bispo e mártir (†1623).<br />
Santo Emiliano, presbítero (†574).<br />
Após muitos anos de vida eremítica<br />
e algum tempo de ministério clerical,<br />
abraçou a vida monástica, em San<br />
Millán de la Cogolla, Espanha.<br />
13. Santa Maxelendes, virgem e mártir<br />
(†670). Segundo a tradição, foi morta<br />
ao fio da espada de seu pretendente,<br />
em Cambrai, França, por ter escolhido<br />
a Cristo como esposo e recusado aquele<br />
ao qual foi prometida por seus pais.<br />
14. Beata Maria Teresa de Jesus,<br />
virgem (†1889). Religiosa carmelita e<br />
fundadora do Instituto das Irmãs de<br />
Nossa Senhora do Carmo, em Montevarchi,<br />
Itália.<br />
15. Santo Alberto Magno, bispo e<br />
Doutor da Igreja (†1280).<br />
São Desidério, bispo (†655). Construiu<br />
muitas igrejas, mosteiros e edifícios<br />
de utilidade pública na sua diocese<br />
de Cahors, França, não descuidando,<br />
entretanto, de tornar as almas um<br />
verdadeiro templo de Cristo.<br />
16. Santa Margarida da Escócia,<br />
rainha (†1093).<br />
Santa Gertrudes, virgem (†1302).<br />
24
–––––––––––––– * Novembro * ––––<br />
Flávio Lourenço<br />
17. XXXIII Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
Santa Isabel da Hungria, religiosa<br />
(†1231).<br />
São Gregório Taumaturgo, bispo<br />
(†c. 270).<br />
18. Dedicação das Basílicas de São<br />
Pedro e São Paulo, Apóstolos.<br />
São Romão, mártir (†303). Diácono<br />
da Cesareia, que ao ver os cristãos<br />
da Antioquia, Turquia, se aproximarem<br />
dos ídolos, os exortavam a perseverar<br />
na Fé Católica. Por isso foi torturado<br />
e estrangulado.<br />
São Columbano<br />
19. Santos Roque González, Afonso<br />
Rodríguez e João del Castillo, presbíteros<br />
e mártires (†1628).<br />
Santa Matilde, virgem (†c. 1298).<br />
Mulher de insigne doutrina e humildade,<br />
iluminada pelo dom da contemplação<br />
mística, foi mestra de Santa<br />
Gertrudes no Mosteiro de Helfta,<br />
Alemanha.<br />
20. São Bernardo, bispo (†1022).<br />
Em sua diocese de Hildesheim, Saxônia,<br />
defendeu os fiéis das incursões<br />
inimigas, restaurou a disciplina<br />
do clero e fomentou a vida monástica.<br />
Ver página 26.<br />
21. Apresentação de Nossa Senhora.<br />
Santo Agápio, mártir (†306). Após<br />
ser preso e submetido a suplícios na<br />
Cesareia Marítima, foi lançado no Mediterrâneo,<br />
com pedras atadas aos pés.<br />
22. Santa Cecília, virgem e mártir<br />
(†s. inc.).<br />
São Pedro Esqueda Ramírez, presbítero<br />
e mártir (†1927). Sacerdote<br />
preso e fuzilado em Teocaltitlan, durante<br />
a perseguição mexicana.<br />
23. São Clemente I, Papa e mártir<br />
(†s. I).<br />
São Columbano, abade (†615).<br />
Beata Henriqueta Alfiéri, virgem<br />
(†1951). Religiosa das Irmãs da Caridade<br />
de Santa Joana Antida Thouret,<br />
exerceu seu apostolado junto aos encarcerados,<br />
em Milão, Itália.<br />
24. Solenidade de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, Rei do Universo.<br />
Santo André Dung-Lac, presbítero, e<br />
companheiros, mártires (†1625-1886).<br />
São Porciano, abade (†d. 532).<br />
Sendo jovem escravo, procurou refúgio<br />
num mosteiro da atual Clermont-<br />
-Ferrand, França, no qual se fez monge<br />
e chegou a ser abade.<br />
25. Santa Catarina de Alexandria,<br />
virgem e mártir (†s. inc.).<br />
São Márculo, bispo (†347). Segundo<br />
a tradição, morreu mártir no tempo do<br />
imperador Constante, na Numídia, Argélia,<br />
sendo lançado de um rochedo.<br />
26. São Sirício, Papa (†399). Santo<br />
Ambrósio o louva como verdadeiro<br />
mestre porque tomou sobre si a<br />
responsabilidade de todos os Bispos,<br />
os instruiu com os ensinamentos dos<br />
Santos Padres e os confirmou com<br />
sua autoridade apostólica.<br />
27. Beato Bernardino de Fossa, presbítero<br />
(†1503). Religioso franciscano,<br />
propagou a Fé Católica em muitas regiões<br />
da Itália. Foi Superior Provincial nos<br />
Abruzos, na Dalmácia e Bósnia.<br />
28. Santo André Tran Van Trong,<br />
mártir (†1835). Por se recusar a pisar<br />
na Cruz, foi preso e após inúmeras<br />
torturas, foi degolado em Kham<br />
Duong, Vietnã.<br />
29. São Saturnino, bispo e mártir<br />
(†s. III). Enviado para a evangelização<br />
das Gálias, fundou a diocese de<br />
Toulouse. Ver página 2.<br />
Beata Maria Madalena da Encarnação,<br />
virgem (†1824). Fundadora<br />
do Instituto das Irmãs da Adoração<br />
Perpétua do Santíssimo Sacramento.<br />
Morreu em Roma.<br />
30. Santo André, Apóstolo.<br />
Beato Luís Roque Gientyngier,<br />
presbítero e mártir (†1941). No tempo<br />
da ocupação militar na Polônia durante<br />
a guerra, foi vítima de crimes cometidos<br />
pelos inimigos da Igreja, martirizado<br />
perto de Munique, Alemanha.<br />
Santo André Avelino<br />
Luis C.R. Abreu<br />
25
Hagiografia<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Invencibilidade de quem<br />
se abre para a graça<br />
São Bernardo, Bispo de Hildesheim, era<br />
descendente de bárbaros, mas modelouse<br />
de tal modo pelo espírito da Santa<br />
Igreja que realizou maravilhas espirituais<br />
e materiais em sua diocese. Para uma<br />
alma aberta à ação da graça absolutamente<br />
nada é impossível! E nada é tão forte como<br />
o enlevo, a veneração e a ternura, forças<br />
espirituais incomparavelmente mais fortes<br />
do que todas as potências materiais.<br />
V<br />
amos considerar alguns dados<br />
biográficos sobre São Bernardo,<br />
bispo, tirados da obra Vida<br />
dos Santos, do Padre Rohr bacher 1 .<br />
Realizador de<br />
inúmeros benefícios<br />
São Bernardo foi Bispo de Hildesheim,<br />
no Sacro Império, no século<br />
X. Sendo muito dotado em relação<br />
às artes, cultivou-as com cuidado enquanto<br />
bispo.<br />
Reuniu uma grande biblioteca,<br />
composta tanto de obras eclesiásticas<br />
quanto filosóficas. Incrementava<br />
o aperfeiçoamento da pintura,<br />
do mosaico, da serralharia, da<br />
ourivesaria, recolhendo cuidadosamente<br />
os trabalhos curiosos que os<br />
estrangeiros enviavam ao rei. E mandando<br />
jovens de bom comportamento<br />
serem educados para exercitá-los nessas<br />
artes.<br />
Embora muito dedicado às funções<br />
eclesiásticas, não se cansava de<br />
prestar serviços ao rei e ao Estado. E<br />
tão bem se saía, que chegava a despertar<br />
a inveja de outros fidalgos.<br />
Havia muito tempo que Saxe permanecia<br />
bastante exposto às incursões<br />
de piratas e de bárbaros. O san-<br />
Manuela Gößnitzer (CC3.0)<br />
26<br />
São Bernardo - Museu de<br />
História da Arte, Viena, Áustria
to bispo muitas vezes os repelira, ora<br />
com suas tropas, ora com auxílio de<br />
outras. Mas os assaltantes eram senhores<br />
das duas margens do Elba, e<br />
da navegação do mesmo rio. De maneira<br />
que se espalhavam por todo o<br />
território do Saxe e quase chegavam a<br />
Hildesheim. Para detê-los São Bernardo<br />
mandou construir duas fortalezas<br />
em dois pontos de sua diocese, guarnecendo-as.<br />
Não obstante a despesa<br />
acarretada por essa obra, enriqueceu<br />
sua diocese com a aquisição de várias<br />
terras, cultivou-as e guarneceu-as com<br />
belos edifícios.<br />
Quanto à catedral, decorou-lhe as<br />
paredes de painéis com maravilhosas<br />
pinturas. Mandou fazer para as procissões<br />
nos grandes dias santos um livro<br />
com os Evangelhos trabalhado<br />
com ouro e pedras preciosas, incensórios<br />
dos mais altos preços, grande número<br />
de cálices, sendo um de cristal,<br />
um de ouro puro, com peso de vinte<br />
libras, uma coroa de ouro e prata de<br />
prodigioso tamanho, suspensa no centro<br />
da igreja, sem contar uma infinidade<br />
de outros objetos do mesmo gênero.<br />
Rodeou de muralhas e torres o claustro<br />
da catedral, de maneira que servissem<br />
ao mesmo tempo de adorno e defesa.<br />
Nada havia no Saxe que lhe pudesse<br />
ser comparado.<br />
Um homem “pedra filosofal”<br />
Rio Elba<br />
A Santa Igreja é como a pedra filosofal<br />
de que falavam os medievais.<br />
Segundo uma lenda da Idade Média,<br />
havia uma pedra que tinha o condão<br />
de transformar em ouro tudo aquilo<br />
em que ela tocava. Então, os alquimistas<br />
procuravam encontrar o segredo<br />
do fabrico da pedra filosofal,<br />
pois assim ficariam prodigiosamente<br />
ricos.<br />
Pois bem, a Igreja Católica é a verdadeira<br />
pedra filosofal. Tudo aquilo<br />
em que ela toca e que se abre à sua<br />
influência se transforma em ouro, fica<br />
esplêndido.<br />
Quem seria São Bernardo? Este<br />
homem viveu no século X. Ora, esse<br />
era um século ainda pouco distante<br />
do fim das invasões e, portanto, tinha<br />
muito de barbárie. Eram os descendentes<br />
desses bárbaros que governavam<br />
a Europa. Vemos toda a<br />
influência da Igreja na alma de um<br />
semibárbaro, de alguém que se abre<br />
para ela e imediatamente começa a<br />
fazer tudo quanto há de maior e de<br />
melhor, realizando toda espécie de<br />
benefícios, e se põe a civilizar.<br />
Tudo quanto ele faz é grandioso<br />
do ponto de vista temporal, que visa<br />
servir ao espiritual, destinado a colocar<br />
o temporal em ordem ao espiritual.<br />
Nisso São Bernardo age como<br />
um grande príncipe, um grande senhor,<br />
ele que era um grande dignatário<br />
eclesiástico.<br />
Em primeiro lugar, notamos o<br />
amor dele à cultura. Mandou transcrever<br />
livros numa época ainda muito<br />
longe de Gutenberg e da tipografia,<br />
de maneira que era preciso copiar<br />
manualmente cada livro, trabalho<br />
executado por aqueles famosos<br />
copistas que transcreviam obras<br />
enormes. Assim, reuniu ele uma<br />
grande biblioteca, composta tanto<br />
de obras eclesiásticas como filosóficas.<br />
Portanto, é um Santo que não<br />
vai promover apenas uma alfabetização<br />
comum, mas prepara alta cultura.<br />
São livros de Teologia e Filosofia<br />
com os quais ele organiza uma grande<br />
biblioteca.<br />
De outro lado, ele era um artista<br />
e incrementava, com o bafejo e segundo<br />
o espírito da Igreja para a formação<br />
das almas, o aperfeiçoamento<br />
da pintura, dos mosaicos, das serralharias,<br />
da ourivesaria. Esses serralheiros<br />
não só tornavam seguras as<br />
casas, protegendo a ordem, mas suas<br />
obras constituíam adornos para as<br />
portas e davam decoro à vida.<br />
As joias, os mosaicos, esse descendente<br />
de bárbaros amava e produzia<br />
tudo isso. Quão menos bárbaro<br />
era ele do que esses eclesiásticos<br />
miserabilistas de nossos dias, que<br />
querem esvaziar de todas as obras de<br />
arte os santuários e reduzir a igreja a<br />
um local de onde as artes fugiram espavoridas!<br />
Talento e sabedoria imbuídos<br />
do espírito da Igreja<br />
Depois a ficha continua, dizendo<br />
que São Bernardo recolheu cuidadosamente<br />
os trabalhos curiosos que os<br />
estrangeiros enviavam ao rei. É uma<br />
praxe natural de todos os tempos os<br />
Chr95 (CC3.0)<br />
27
Hagiografia<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Friedrichsen (CC3.0)<br />
Capa e detalhe interior do Evangeliário de São Bernardo<br />
Museu da Catedral de Hildesheim, Alemanha<br />
chefes de Estado trocarem presentes<br />
ao visitarem outros países. Esses presentes<br />
ficavam acumulados nos palácios<br />
reais e muitos não tinham uso.<br />
São Bernardo mandou recolhê-los<br />
e organizá-los. Assim, talvez um dos<br />
mais antigos museus do mundo tenha<br />
sido esse homem quem mandou fazer.<br />
Tudo sob o espírito, o bafejo da Igreja.<br />
Ademais, mandou educar jovens de<br />
bom comportamento para exercitá-los<br />
nessas artes. Ele organizou, portanto,<br />
uma escola de artistas. Obra magnífica<br />
a partir da qual saíram iniciativas como<br />
essas, multiplicadas por homens desse<br />
espírito, mais ou menos pela Europa<br />
inteira, dando origem às inumeráveis<br />
obras de arte cheias de espírito católico<br />
que a Idade Média conheceu.<br />
O Rio Elba era uma avenida para a<br />
penetração dos bárbaros que com frequência<br />
chegavam até a sua diocese.<br />
Então ele, que dispunha de tropas –<br />
porque os bispos naquele tempo eram<br />
por vezes senhores feudais e podiam<br />
dispor de tropas –, mandou organizar<br />
torres e fortificações tão bonitas que<br />
eram, ao mesmo tempo,<br />
o adorno da paisagem.<br />
Também nisso nota-se o<br />
descortino, o talento desse<br />
homem; mas uma forma<br />
de talento própria à sabedoria,<br />
e uma forma de sabedoria própria a<br />
quem tem o espírito católico.<br />
Quanto à catedral, esse Santo, canonizado<br />
pela Igreja, inaugurou um<br />
verdadeiro luxo eclesiástico. Com<br />
certeza, havia muita gente pobre na<br />
diocese dele. Entretanto, para incutir<br />
respeito ao Santo Evangelho nas<br />
procissões solenes dos grandes dias,<br />
mandou elaborar um livro dos Evangelhos<br />
trabalhado com ouro e pedras<br />
preciosas. E, mais ainda, para dar<br />
glória a Deus, incensórios dos mais<br />
altos preços, grande número de cálices<br />
preciosos para a celebração da<br />
Missa. Além disso, continua a ficha:<br />
...uma coroa de ouro e prata de prodigioso<br />
tamanho, suspensa no centro<br />
da igreja...<br />
Com certeza para afirmar a realeza<br />
de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.<br />
...sem contar uma infinidade de<br />
objetos do mesmo gênero.<br />
Ele foi um verdadeiro organizador<br />
do luxo eclesiástico e civil. Padroeiro<br />
do luxo santo, nobre, do luxo<br />
que simboliza a virtude e toda espécie<br />
de valores morais e, portanto,<br />
conduz as almas a Deus.<br />
Devemos ter em relação<br />
à Igreja amor, veneração<br />
e ternura sem medida<br />
Nada havia no Saxe que lhe pudesse<br />
ser comparado.<br />
Há na Sagrada Escritura uma frase<br />
que diz: “Em toda a Terra não foi<br />
encontrado alguém semelhante a ele”<br />
(cf. Eclo 44, 20). Isto se pode afirmar<br />
de cada Santo, porque em toda a Terra<br />
não foi encontrado um que fosse semelhante<br />
a ele. E aqui nós temos um<br />
Santo assim. Em toda a região que ele<br />
conheceu, São Bernardo era a flor, o<br />
adorno, a torre, a glória, a sabedoria, a<br />
orientação, a doutrina. Por quê?<br />
Unicamente por isto: porque nele,<br />
criatura miserável, pecadora, concebida<br />
no pecado original e, como tal,<br />
sujeita a toda espécie de degradações<br />
morais, potencialmente um infame<br />
pelo simples fato de ter nascido – pois<br />
esta é a condição dos homens concebidos<br />
no pecado original e que se fecham<br />
à graça divina –, nele, entretanto,<br />
pousou esse dom sobrenatural,<br />
admirável, único, do qual nasce todo<br />
28
em, e que confere aos homens toda<br />
espécie de fortaleza: a graça de Deus.<br />
A essa graça ele se abriu e, a partir do<br />
momento em que ele se abriu para<br />
ela, dele nasceu todo gênero de maravilhas.<br />
Ora, a sede, o veículo, a Esposa<br />
verdadeira e única do Autor dessa<br />
graça, Nosso Senhor Jesus Cristo, é a<br />
Santa Igreja Católica Apostólica Romana<br />
da qual não pretendemos ser<br />
senão uma célula, um pequeno membro<br />
vivo, uma emanação, uma centelha,<br />
um elemento integrante; e cada<br />
um de nós coloca toda a sua ufania<br />
apenas neste ponto: ser um homem<br />
católico na força do termo e mais nada.<br />
Podem dizer o que quiserem, caluniar<br />
como entenderem, até matar,<br />
se desse homem se pode afirmar que<br />
ele foi um varão católico, nele o espírito<br />
da Igreja viveu, dele se disse tudo<br />
quanto de bom, de grande e de admirável<br />
se pode afirmar de um homem.<br />
É assim que nós devemos entender<br />
e amar a Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana. Diz-se que<br />
Deus é admirável em seus Santos. A<br />
Igreja, que é o espelho de Deus e a<br />
Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
Homem-Deus, a mais bela criatura<br />
de todo o universo, a Igreja Católica<br />
Apostólica Romana é admirável<br />
nos seus Santos. É neles que<br />
compreendemos a Igreja. Olhando<br />
para aqueles que são conformes a<br />
Igreja entendemos como ela é.<br />
Então compreendemos<br />
que<br />
devemos aplicar<br />
ao amor, à veneração<br />
e à ternura<br />
que temos para<br />
com a Santa Igreja<br />
aquelas palavras<br />
de São Francisco<br />
de Sales: “A<br />
medida de amar<br />
a Deus consiste<br />
em amá-Lo sem<br />
medida.” A medida<br />
de amar a Santa<br />
Igreja Católica<br />
Apostólica Romana,<br />
nossa mãe,<br />
consiste em amá-<br />
-la sem medida.<br />
A medida da veneração<br />
e da ternura<br />
que devemos<br />
ter à Santa Igreja Católica consiste<br />
em ter em relação a ela uma ternura<br />
e uma veneração sem medida.<br />
Fidelidade à Igreja<br />
Que este Santo tão glorioso, Bernardo,<br />
reze por nós e nos obtenha<br />
Thangmar (CC3.0)<br />
Tilman2007 (CC3.0)<br />
Lenkerbruch (CC3.0)<br />
Aspectos da Catedral de Santa<br />
Maria, Hildesheim, Alemanha<br />
29
Hagiografia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
pelo menos a raiz dessa forma de<br />
amor para com a Igreja que é a coisa<br />
mais forte que há no universo. Fala-se<br />
hoje em dia em forças materiais<br />
enormes, organizadas, encadeadas<br />
e desencadeadas pelo homem.<br />
Nada disso é forte como o enlevo, a<br />
veneração e a ternura, forças espirituais<br />
incomparavelmente mais fortes<br />
do que todas as potências materiais.<br />
Que Nossa Senhora implante<br />
em nossas almas essa disposição,<br />
essa veneração e ternura pela Santa<br />
Igreja Católica Apostólica Romana.<br />
Santa Igreja Católica… como não<br />
soltar um “ai” depois de dizer isto?<br />
Como não olhar para as ruínas que<br />
fumegam, para os corpos que enchem<br />
as ruas, para o sangue que se<br />
verte de todos os lados, para os corvos<br />
que se abatem sobre os cadáveres,<br />
para os tremores de terra que<br />
abalam aquilo que os incêndios ainda<br />
não consumiram? Como não ter<br />
um gemido pensando nisso?<br />
A Santa Igreja Católica: Jerusalém<br />
celeste, cidade perfeita, com<br />
muralhas de brilhantes e pérolas,<br />
vias cobertas de safiras e esmeraldas,<br />
torres revestidas de rubis, e as ruas<br />
calçadas de ouro e prata. A Igreja,<br />
minha mãe, onde está ela?<br />
Essa pergunta causa uma dor que<br />
constringe o coração e o coroa de espinhos<br />
em toda a sua superfície. Entretanto,<br />
além de despertar esta dor,<br />
suscita uma alegria: Nosso Senhor<br />
disse que o Reino de Deus está dentro<br />
de nós (cf. Lc 17, 21). O Reino<br />
de Deus é a Igreja Católica, nós somos<br />
os filhos da Igreja, fiéis a ela. Isso<br />
se manifesta na nossa fidelidade<br />
à Doutrina que ela ensina e que não<br />
foi inventada por nós, aos Sacramentos<br />
por ela administrados, à Tradição<br />
gloriosa de dois mil anos que nos<br />
vem em documentos inconcussos e<br />
nos explicam como é verdadeiramente<br />
a Igreja, e aos quais nos conformamos.<br />
Nossas ideias não são um capricho,<br />
nossa orientação<br />
não é um ato de preferência<br />
arbitrária e pessoal,<br />
somos os escravos<br />
da Igreja Católica, que<br />
a seguimos no que ela<br />
quer, no que ela ensina<br />
e sempre ensinou e<br />
que aí está, apesar de<br />
toda a fuligem das épocas,<br />
para nos dar a entender<br />
como devemos<br />
ser. Nós conseguimos<br />
ser como somos por<br />
sermos filhos dela, porque<br />
sua graça tocou em<br />
nós.<br />
Se nos abrirmos<br />
à ação da graça,<br />
venceremos a<br />
Revolução<br />
Se nos abrirmos a<br />
essa graça, como São<br />
Bernardo se abriu, faremos<br />
maravilhas. E não haverá nada<br />
que consiga impedir que nós vençamos<br />
a Revolução. Porque nós vemos,<br />
pelo exemplo dele e de tantos<br />
outros Santos, que para uma alma<br />
aberta à ação da graça absolutamente<br />
nada é impossível.<br />
O Hino das Congregações Marianas<br />
cantava: “De mil soldados não teme<br />
a espada quem pugna à sombra<br />
da Imaculada.” A espada poderá parecer<br />
uma arma bem anacrônica. Pois<br />
bem, de mil bombas atômicas, ainda<br />
que todo o universo se desagregasse<br />
em explosões atômicas, a alma<br />
que se abre à influência de Nossa Senhora<br />
na Igreja não temeria, porque,<br />
se fosse esse o desígnio da Santíssima<br />
Virgem, depois dessas explosões seguiria<br />
o Reino de Maria num universo<br />
renovado. Porque o que Nossa Senhora<br />
quer, isso se faz irrecorrível e<br />
invencivelmente. É o desígnio d’Ela<br />
que manda em tudo. E nós devemos<br />
ter mil vezes mais medo de despertar<br />
uma expressão de tristeza na face augusta<br />
de Maria, do que da cólera de<br />
todos os ímpios e na explosão de todas<br />
as bombas atômicas.<br />
Para isso, temos que abrir as nossas<br />
almas para a graça de Deus. Peçamos,<br />
então, à Santíssima Virgem que Ela<br />
condescenda em ser cada vez mais a<br />
nossa aliada, pois assim faremos tudo.<br />
Que Maria Santíssima nos dê<br />
aquela abertura de alma que sem<br />
Ela não teríamos. Aquela generosidade<br />
da qual Ela é a fonte, para que<br />
possamos dizer-Lhe, ligeiramente<br />
adaptado, aquilo que foi dito por Ela<br />
ao Anjo quando este Lhe anunciou a<br />
missão: “Eis aqui os escravos de Maria,<br />
faça-se em nós segundo a vontade<br />
d’Ela.”<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
25/10/1967)<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante um discurso em 1967<br />
1) Cf. ROHRBACHER, René François.<br />
Vidas dos Santos. São Paulo: Editora das<br />
Américas, 1959. Vol. XIX. p. 33-37.<br />
30
Luzes da Civilização Cristã<br />
Flávio Lourenço<br />
São Luís IX aos pés da Santíssima<br />
Virgem - Catedral de Senlis, França<br />
Igreja perfeita e alegria<br />
do mundo inteiro<br />
Feita de cristal, a Sainte-Chapelle é o auge da beleza, da proporção,<br />
da união, da unção régia e da gravidade divina. A Catedral de<br />
Notre-Dame, entretanto, é o monumento que melhor exprime<br />
o espírito francês no seu equilíbrio perfeito. Outrora quiseram<br />
demoli-la: eis o sintoma da decadência extrema da sociedade.<br />
ASainte-Chapelle, capela mandada construir por<br />
São Luís IX para abrigar um dos espinhos da<br />
coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo, está encastoada<br />
no Palais de Justice do tempo de São Luís – o qual<br />
foi destruído quase completamente – e exprime, a meu<br />
ver, o apogeu do sorriso francês.<br />
Capela feita de cristal<br />
É uma capela a respeito da qual posso dizer que não<br />
conheço coisa mais piedosa do que ela. É admirável. Exprime<br />
a alma de quem reza como se deve rezar, focali-<br />
zando seu espírito em Deus e procurando falar com Ele<br />
com a confiança filial, a veneração sem nome, a adoração<br />
excelsa.<br />
É uma capela feita de cristal! Ela tem umas colunas<br />
esguias que se levantam até ao teto, separando um vitral<br />
de outro. Mas entre vitral e vitral só há essas colunas<br />
muito delgadas, muito finas.<br />
Essa obra-prima se manifesta quando os vitrais estão<br />
bem iluminados em dias de sol. Ali não se espelha só a<br />
alma que está rezando, mas há algo que nos fala de Deus<br />
enquanto atendendo a nossa oração. De maneira que te-<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Sebastião C.<br />
Gabriel K.<br />
Pedro Morais<br />
mos a impressão de estarmos falando e que nossa voz<br />
encontra naqueles cristais uma certa receptividade, como<br />
se a voz batesse numa concha de bronze ou de cristal<br />
e de lá voasse, saindo depurada e mais bela, para cima.<br />
Tem-se a impressão de que do alto vem a resposta, ao<br />
mesmo tempo divina, infinita, grandiosa, mas maternalmente<br />
tocada não sei de que modo, meio miúda para estar<br />
na pequena proporção do homem, que não tem medo<br />
que Deus tonitrue com ele. Pode-se dizer que o fiel reza<br />
sorrindo e que Deus sorri quando fala com ele. É um<br />
encontro de dois sorrisos, flores de seriedade, de meditação,<br />
de Fé, de graça que se encontram e se fundem num<br />
certo ponto do ar. Esse é o verdadeiro encontro da alma<br />
com Deus quando reza olhando para aqueles cristais.<br />
Isso é o auge da beleza, da proporção, da união, mas<br />
não basta o sorriso, por mais que ele seja excelente, piedoso.<br />
Não é uma atitude que abranja o conjunto de nossas<br />
relações com Deus, nem das expressões do universo<br />
criado por Ele.<br />
Unção régia, gravidade divina,<br />
seriedade majestosa<br />
Deus criou coisas lindas que produzem muitas vezes<br />
sorriso. Quem vê um beija-flor passando de flor em flor<br />
32
e sugando o mel não pode deixar de sorrir. Mas se ele<br />
pensa que está quite com Deus a propósito do beija-flor<br />
porque sorriu enternecido, não compreendeu. O sorriso<br />
é uma das fases do pensamento humano, mas de fato este<br />
voa mais alto, é mais sério, mais profundo. O sorriso é<br />
um dos aspectos panorâmicos do nosso itinerário para o<br />
Absoluto, mas não é a razão do nosso olhar para a coisa.<br />
Por esse motivo, a própria Sainte-Chapelle tem uma<br />
unção régia, uma gravidade divina, uma seriedade majestosa<br />
e composta, dentro da qual o sorriso é um aspecto.<br />
Por mais que se glorifique esse aspecto, ele não deixa<br />
de ser colateral que não pode ser transformado no principal.<br />
Pelo contrário, é uma espécie de momento em que<br />
Deus faz o homem descansar um pouco. Não é descansar<br />
d’Ele, mas é mostrar n’Ele e nas suas criaturas aspectos<br />
feitos para aliviar o homem neste vale de lágrimas.<br />
Por exemplo, os esquilos. A conduta deles, como parecem<br />
compreender as brincadeiras que fazemos e quase<br />
brincar conosco! Vê-se que esse animalzinho foi feito<br />
por Deus para que uma alma se deleitasse, sorrisse,<br />
mas depois subisse ainda mais alto e pensasse: “Como<br />
Deus é grande. Entretanto, na grandeza d’Ele cabe tanta<br />
bondade que, ao dar aos homens todas essas magnificências,<br />
ainda deixou uma ‘caixa de bombons’ para os<br />
homens se deliciarem. Essa ‘caixa de bombons’ é o con-<br />
Leandro W. Daniel A.<br />
Gabriel K.<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Há um monumento que exprima o espírito francês no<br />
seu equilíbrio, na sua plenitude, onde o sorriso está presente<br />
como elemento colateral, mas não é a nota dominante?<br />
Esse monumento – a meu ver, perfeito – é a Catedral<br />
de Notre-Dame de Paris, a propósito da qual me lembro<br />
das palavras da Escritura sobre Jerusalém, chamando-<br />
-a de cidade perfeita, a alegria do mundo inteiro (cf. Lm<br />
2, 15). Parece-me que Notre-Dame é a igreja perfeita e a<br />
alegria do mundo inteiro.<br />
Ela sorri? É evidente. Ela é séria? É evidente. Ela é<br />
heroica? É evidente. Ela é materna? É evidente. Ela é<br />
mimosa? É evidente. Ela é imponente? É evidente. Não<br />
há o que ela não tenha de um modo discretamente evidente.<br />
Há certos monumentos que a mim me desagradam porque<br />
têm um ar de quem diz: “Olhe, aqui estou eu!” Tem-se<br />
a vontade de responder: “E eu com isso?” A Catedral de<br />
Notre-Dame não é assim, ela está presente em Paris como<br />
uma mãe visitando o seu filho. Enquanto está ali, é a rainha<br />
da casa, para ela se voltam as atenções, é o centro de<br />
todos os carinhos, de todas as venerações, de todos os respeitos,<br />
mas não tira o lugar a ninguém, não empurra ninguém<br />
com os cotovelos, não olha ninguém de cima para<br />
baixo; ela apenas diz: “Eu sou a mãe.” Essa nota materna<br />
que deve ter feito pulsar o coração de tantos Cruzados define<br />
bem a igreja de Notre-Dame.<br />
Eu venero e quero tanto essa igreja que na orla dos<br />
castigos previstos em Fátima, se Nossa Senhora me permitir,<br />
pedirei a Ela: “Minha Mãe, castigai quem e como<br />
quiserdes. Não castigueis a Igreja de Notre-Dame, porque<br />
ela é uma das melhores expressões de Vós mesma<br />
nesta terra de pecado.”<br />
Gabriel K.<br />
junto de coisas encantadoras da Criação, das quais o homem<br />
pode usar de vez em quando.”<br />
Uma das melhores expressões<br />
de Nossa Senhora<br />
Samuel Holanda<br />
Termômetro da extrema<br />
decadência da sociedade<br />
Nas vésperas da Revolução, a França chegara a tal decadência<br />
que o Conselho de Estado, sob a presidência do<br />
Rei, tinha assinado uma resolução para demolir a Catedral<br />
de Notre-Dame como igreja antiquada, não correspondendo<br />
mais aos anseios estéticos dos tempos novos,<br />
para ser construído em seu lugar um templo grego inspirado<br />
nos templos da antiguidade pagã.<br />
Por aí vemos, num lance só, a que extremos chegara a<br />
decadência daquela sociedade. Os homens eram tão revolucionários<br />
que os nobres, cujas cabeças a Revolução<br />
cortou, queriam derrubar a Catedral de Notre-Dame,<br />
essa igreja medieval que todos os povos da Terra querem<br />
contemplar quando vão a Paris, símbolo perfeito da<br />
Contra-Revolução, para substituir por um templo que<br />
representava perfeitamente a Revolução daquele tempo.<br />
Seria a implantação dos restos do paganismo – derrubado,<br />
escangalhado, rejeitado, pisado aos pés pelos séculos<br />
– que deveria ser restaurado em Paris. Compreende-se a<br />
desordem, o caos e a decadência da França que isso representava.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 31/10/1994)<br />
J.P. Castro<br />
34
J.P. Castro<br />
J.P. Castro<br />
Pedro Morais<br />
35
A Virgem e o Menino - Museu de<br />
São Marcos, Florença, Itália<br />
Rodrigo Q.<br />
Sacrário de Nosso Senhor<br />
Nossa Senhora é o sacrário onde está Nosso Senhor Jesus Cristo e o santuário de dentro do qual todas<br />
as graças se difundem para o gênero humano. Devemos rezar a Jesus enquanto vivendo em<br />
Maria porque Ele quer ser invocado dentro do seu templo, que é a Santíssima Virgem. Peçamos<br />
que Ele viva em nós como vive n’Ela.<br />
Jesus Cristo viver em nós significa termos o espírito da santidade d’Ele, que é o espírito da Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana. Portanto, o espírito contrarrevolucionário, expressão mais característica do espírito<br />
da Santa Igreja. Eis o que devemos pedir a Jesus, por meio de Nossa Senhora, enquanto vivendo n’Ela.<br />
(Extraído de conferência de 23/5/1966)