Chicos 58 - 22.09.2019
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<strong>Chicos</strong><br />
O poeta romeno Paul Celan (1920-1970),<br />
judeu de expressão alemã e sobrevivente do<br />
Holocausto, ao falar do motivo de sua escrita:<br />
“No meio de tantas perdas, uma coisa<br />
permaneceu acessível, próxima e salva – a<br />
língua. Sim, apesar de tudo, ela, a língua,<br />
permaneceu a salvo. (...) nesses anos e nos<br />
seguintes tentei escrever poemas nesta língua:<br />
para falar, para me orientar, para saber<br />
onde me encontrava e aonde isso me iria levar,<br />
para fazer o meu projeto de realidade. ”<br />
Celan é um dos poetas mais importantes do<br />
pós-guerra alemão.<br />
“A rosa de Hiroshima” de Vinícius de Moraes<br />
é, para nós, das poucas se não única expressão<br />
poética feita sobre a bomba atômica.<br />
Fala-se muito no Brasil da literatura de Auschwitz.<br />
Mas e a produção japonesa pós<br />
Hiroshima?<br />
Kurihara Sadako (1913-2005), poetisa<br />
hibakusha (vítima da bomba atômica) nascida<br />
em Hiroshima e sobrevivente da bomba,<br />
produziu sua poesia a partir da traumática<br />
morte instantânea de milhares de seres humanos<br />
e sobreviventes com sequelas hereditárias<br />
provocadas pela exposição à radioatividade.<br />
Nas palavras de Kurihara Sadako, em<br />
artigo de 1985, “A poesia e a prosa da bomba<br />
atômica começaram a ser escritas por<br />
anônimos que experimentaram, em primeiro<br />
lugar, a impossibilidade da fala, e só podiam<br />
permanecer emudecidos em meio àquela<br />
morte em massa; foram escritas porque eles,<br />
seres humanos, não poderiam não falar disso”<br />
No Japão, Kurihara Sadako surge como uma<br />
das vozes poéticas mais expressivas da literatura<br />
pós-bomba. Dedicou sua vida à memória<br />
do dia 6 de agosto. Sua poesia não é somente<br />
literatura da bomba atômica, é também<br />
poesia do pacifismo. Sadako foi não<br />
somente escritora como também incentivadora<br />
da literatura de Hiroshima, o que o fazia<br />
por meio de edições de antologias poéticas<br />
relativas ao tema, como por exemplo O<br />
Rio da Corrente em Chamas no Japão<br />
(1960).<br />
Além de poetisa, Sadako foi ensaísta, ativista<br />
e líder do movimento antinuclear. Tinha fortes<br />
convicções políticas, o que a levou a protestar<br />
contra ações do governo japonês durante<br />
a Segunda Guerra, contra o tratado de<br />
segurança entre Japão e Estados Unidos<br />
(1960), além de fazer parte de um grupo de<br />
mulheres que se manifestavam publicamente<br />
contra os testes nucleares em todo o mundo.<br />
– Ela escreveu cerca de 400 poemas e 100<br />
ensaios sobre a experiência de Hiroshima<br />
Seu livro de poemas de maior repercussão,<br />
Ovos Negros (em japonês, Kuroi tamago, de<br />
1946), lançado imediatamente após a bomba<br />
de Hiroshima, teve poemas censurados, pelo<br />
órgão censor da Ocupação Americana no Japão.<br />
O poema “Respeito pela humanidade” clarifica<br />
a imagem dos “ovos negros” do título,<br />
quando a poetisa protesta contra a política<br />
demográfica estipulada em 1941 pelo Ministério<br />
do Bem-Estar Social para o período da<br />
guerra, que proibia o aborto e a contracepção:<br />
No pós-guerra, com a escassez de moradias<br />
e de alimentos, o ministério suspendeu a<br />
proibição do aborto. Esse controle populacional,<br />
baseado nas ideias nazistas de eugenia, é<br />
alvo de ataque no poema. A sistematização<br />
da vida e da morte – os que são enviados<br />
para a morte nos campos de batalha, e os<br />
que são convocados a procriar – é denunciada<br />
como desrespeito à humanidade.<br />
As mulheres são convocadas a não terem filhos<br />
até que se extinga o militarismo, pois a<br />
maternidade não deve estar vinculada à política,<br />
pois, afinal de contas, ter filhos não deve<br />
ser comparável às galinhas que precisam<br />
botar mais ovos.<br />
A metáfora “ovos negros” se assemelha à<br />
imagem de “leite negro” do poema “Fuga da<br />
morte” de Paul Celan: “Leite negro da<br />
madrugada / bebemo-lo ao entardecer / be-<br />
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