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Chicos 58 - 22.09.2019

Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil. Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com

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<strong>Chicos</strong><br />

O leitor depara-se com uma escrita versátil e<br />

vertiginosa, nada ortodoxa, em que os diversos<br />

gêneros se alternam nos planos do romance,<br />

criando uma obra de inusitada arquitetura e<br />

plasticidade verbal e visual dadas as inserções<br />

gráficas, partituras musicais, grafismos e evocações<br />

imagéticas e outras sutilezas estilísticas<br />

de sua oficina.<br />

Se não é fácil definir a matriz dominante<br />

nesse trabalho com essa pluralidade de enfoques,<br />

por conta da ampliação do espectro estrutural<br />

do romance (aqui pontuado em clave<br />

poética na sua configuração espacial), no fundo<br />

há um chacoalhar ou uma desconstrução do<br />

próprio gênero - vai da prosa à música; da pintura<br />

ao teatro - também não é difícil perceber<br />

que tais elementos nascem de uma íntima relação<br />

do autor com o universo dos signos. Evidentes<br />

a sua articulação e manejo de uma sintaxe<br />

variada e sua familiaridade com a cultura<br />

clássica, principalmente com as mitologias greco-romanas,<br />

pois autor e obra parecem viver<br />

em plena conexão epifânica, numa linguagem<br />

que culmina no êxtase da palavra, esta se cosangrando<br />

como personagem intrínseca.<br />

“Identidades” lê-se como uma sequência<br />

de palimpsestos, percebe-se que o autor vai<br />

retirando de suas camadas criativas a pátina do<br />

tempo e isso traduz-se num mosaico de sensações<br />

e experimentações ao longo do texto, como<br />

numa procura obsessiva por essa(s) identidades(s)<br />

submersas, escondidas nos múltiplos<br />

eus dos protagonistas, Camila/Margarida, ou<br />

próprio Mefistófeles nelas redivivo. Essa linha<br />

de argumentação de que se utiliza o autor para<br />

fazer a transcriação desses mitos é fruto de um<br />

estreito convívio com uma miríade de personagens<br />

e nelas é que se inquire no palco de seu<br />

íntimo teatro de representações: “Suposto Mefistófeles<br />

pergunta-se Quem eu sou? Quem eu<br />

sou? Quem eu sou? O carro sai. Apagam-se as<br />

luzes – mas desta vez o palco não desaparece<br />

na escuridão porque fulgura o globo luminoso.<br />

Com a função de sugerir que a cena (a memória)<br />

desenrola-se fora de São Paulo. Na metade<br />

do poema Passados 3. Paris, Camila deixará<br />

seu esconderijo para juntar-se magoada?, enciumada?,<br />

a Suposto Mefistófeles; observando<br />

o jovem casal.”<br />

A passagem estética (ou também ética)<br />

por essas vivências de um passado cultural e<br />

ancestral da História da literatura e da humanidade<br />

vai construindo um caleidoscópio de registros<br />

e referencialidades, sobretudo funcionando<br />

como metáfora da vida e da sociedade<br />

contemporâneas, quando as crises identitárias<br />

estão na ordem do dia.<br />

Em “Identidades” o mito de Fausto e Mefistófeles<br />

ganha dimensão numa releitura atulizada<br />

diante dessas questões emergentes de gênero e<br />

num protagonismo associado aos nossos dilemas,<br />

instabilidades e distopias tão acentuados<br />

e prenhes na vida social, política, econômica e<br />

afetiva, seja nas instâncias pessoais, seja no<br />

paradoxal universo coletivo.<br />

Em cada página temos simbolizado um<br />

mundo abrupto, com suas assimetrias e descontinuidades,<br />

com seus fenômenos de dissonância<br />

e caos; e isso é preferencialmente uma<br />

tática da própria linguagem de Munhoz, ao<br />

ricochetear o desconforto da civilização e os<br />

atalhos da modernidade. Isso pode ser aferido<br />

no embalo de sua escrita, nos movimentos e<br />

sinuosidades que o texto sugere, levando o leitor<br />

a uma espécie de transe, tanto que de uma<br />

linha para outra pode mudar de idioma, de<br />

voz, de ritmo, de encadeamento frasal (por<br />

exemplo versos escritos ao contrário, notas de<br />

rodapé que se insinuam como o próprio capítulo),<br />

numa alternância de palcos, notas, cenas,<br />

cenários, fotografias e miragens.<br />

Os totens culturais, intelectuais e literários<br />

do autor vão emergindo numa intensa<br />

simbiose artística: Borges, Goethe, Antonioni,<br />

Van Gogh, Boticelli, Dostoiévski, Blake, Miles<br />

Davis, Hermeto Pascoal, Pollock, Faulkner,<br />

Milton Nascimento etc). Autoprojeções que se<br />

escalonam para reverberar a inquietação que<br />

marca a essência do livro, construído como se<br />

fosse um puzzle temático, dado o caráter multifacético,<br />

polifônico e polissêmico que projeta,<br />

transitando entre São Paulo, Macau, Berlim,<br />

Paris e outros recortes geográficos e psicológi-<br />

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