Chicos 58 - 22.09.2019
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<strong>Chicos</strong><br />
a Deus. Na casa de Ivo e Pedrão, eles eram<br />
os vizinhos mais próximos de Glorinha, não<br />
era diferente. A mãe, como as mães de seus<br />
amigos em suas catequeses, construía a fé<br />
no medo. E aí a moça era sempre citada ora<br />
como a maior pecadora do beira-linha, ora<br />
como a materialização do chifrudo encarnado.<br />
Apesar do medo, a molecada insistia na<br />
festiva cata de amoras para chupá-las trepados<br />
no muro da amante do doutor.<br />
Ivo, pirralho em que já surgia uma penugem<br />
pelo corpo, ainda conserva uma certa inocência,<br />
adorava catar amoras no quintal da<br />
vizinha, além do quintal ele estava, sempre<br />
que podia, enfiado na casa. Glorinha sempre<br />
atenciosa e sorridente. Generosa, oferecia<br />
uma farta mesa de biscoitos e alguns pedaços<br />
de bolo, coisa rara na casa de todos. Ela<br />
não tinha filhos e dava a atenção que nenhum<br />
deles tinha de seus pais. Delicada, ensinava-os<br />
a se portar na mesa, lavar as amoras<br />
e as mãos antes de comê-las. Até que,<br />
por volta das duas horas da tarde, educadamente<br />
convidava todos a sair. – Meninos,<br />
agora é hora de voltarem para casa, suas<br />
mães devem estar preocupadas com vocês e<br />
eu tenho que receber uma visita. Ivo estranhava<br />
aquilo tudo. Como uma pessoa tão<br />
chique, boa e bonita podia ser a encarnação<br />
do diabo. Aquilo roía a cabeça do moleque.<br />
Numa tarde de domingo, sol quente, ruas<br />
vazias, só se escutava os rádios ligados<br />
transmitindo algum jogo de futebol lá do Rio<br />
de Janeiro. Quem não estava interessado no<br />
jogo, tirava uma soneca depois de um pesado<br />
almoço de domingo. Outros, provavelmente<br />
estariam lá no campo do Flamenguinho<br />
ou no Manu assistindo ao estiloso goleiro<br />
da mãe do Japonês em ação. Solitário,<br />
Ivo catava amoras trepado no muro da casa<br />
de Glorinha. De lá vinha uma música, ... por<br />
isso esta força... estranha no ar... Ao puxar<br />
um galho, vê Glorinha completamente nua,<br />
através da janela aberta, secando seus longos<br />
cabelos. Nunca vira uma mulher nua, a excitação<br />
é imediata, sente algo até ali inimaginável,<br />
as reações do corpo estão fora de<br />
controle. Nervoso, sem entender aquela força<br />
estranha que sacudia seu corpo, não desgruda<br />
os olhos da mulher, nem consegue<br />
mais ouvir a voz do Roberto Carlos. De repente,<br />
explode o gozo.<br />
Recomposto, faz a volta ao redor do muro<br />
até chegar à cerca de arame farpado por onde<br />
sempre entrava no quintal da casa. A porta<br />
da cozinha, como sempre, encontra-se<br />
aberta, isto, só, quando o visitante não está.<br />
– Glória? Ô Glória, é o Ivo. E a voz vem lá<br />
de dentro, – Um instantinho, tô indo. É só<br />
acabar de me aprontar. Ivo senta no degrau<br />
da porta, ainda não tomou tino do que aconteceu<br />
com ele. Tenta entender aquele terremoto<br />
que lhe sacudiu, lembra da primeira<br />
vez que o peruzinho ficou retesado, outra<br />
ocasião um tantinho, quase uma gota, de um<br />
liquido feito óleo, mas agora veio tudo junto,<br />
muito doido. – Mas foi gostoso. – Uê<br />
Ivo, o que foi gostoso? Ele se assusta, – Ô<br />
Glória! Fica de pé e explode pela cara uma<br />
vermelhidão que arde como o sol do meio<br />
dia. Glorinha sorri, . – Te assustei né? Ela o<br />
abraça, a cabeça fervilhante entre os peitos<br />
sente a alfazema queimar as narinas. Ele<br />
pressente que a mesma força estranha vai<br />
incendiá-lo novamente. Ele se desvencilha<br />
dos braços dela, sai a galope, passa pela cerca<br />
e só para de correr no pontilhão. Entra no<br />
vão da estrutura metálica e vai até o pilar de<br />
pedras rejuntadas por cimento, onde em sua<br />
base correm as águas do Meia Pataca. Lá de<br />
cima fica olhando as águas em redemoinhos<br />
onde as margens se alargam, e em seguida<br />
se estreitam fazendo uma curva à esquerda<br />
para não trombar com o morro da pitangueira.<br />
Aquele movimento tranquilo das águas o<br />
acalma. Lembra das conversas do Pedrão<br />
com a molecada sobre sexo e mulheres, recheadas<br />
de machismos e um contarvantagem<br />
sem fim. Um tempão por ali, deulhe<br />
uma certeza. – Agora sou homem.<br />
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