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ORGANIZADORES<br />
João Paulo Borges Bichão<br />
Laís Locatelli<br />
Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />
––
ORGANIZADORES<br />
João Paulo Borges Bichão<br />
Laís Locatelli<br />
Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />
ANAIS DO I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS:<br />
NOVAS POLÍTICAS DE CIDADANIA E DE DESENVOLVIMENTO<br />
SUSTENTÁVEL<br />
Lamego<br />
São Luís<br />
Portugal<br />
2019
CRÉDITOS / CREDITS<br />
<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />
Câmara Municipal <strong>de</strong> Lamego/PT<br />
En<strong>de</strong>reço: Avenida Padre Alfre<strong>do</strong> Pinto Teixeira, 5100-150 – Lamego/Portugal<br />
geral@cm-lamego.pt<br />
Editor: Município Lamego/PT<br />
ISBN: 978-972-99089-9-6<br />
[Título: <strong>Anais</strong> <strong>do</strong> I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: Novas Políticas <strong>de</strong> Cidadania<br />
e Desenvolvimento Sustentável]; [Autor: Vários]; [Co-autor (es):]; [Suporte: Eletrónico];<br />
[Formato: nd]<br />
Coor<strong>de</strong>nação Editorial:<br />
João Paulo Borges Bichão<br />
Laís Locatelli<br />
Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />
Da<strong>do</strong>s da Publicação<br />
Título<br />
ANAIS DO I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: NOVAS<br />
POLÍTICAS DE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL<br />
Autor Vários<br />
João Paulo Borges Bichão, Laís Locatelli e Maria da Glória Costa Gonçalves<br />
Organiza<strong>do</strong>res<br />
<strong>de</strong> Sousa Aquino<br />
Tipo <strong>de</strong><br />
suporte<br />
Eletrónico<br />
Edição 1.ª Edição<br />
To<strong>do</strong>s os direitos reserva<strong>do</strong>s ao editor e a coor<strong>de</strong>nação editorial da obra. Nenhuma parte da obra<br />
po<strong>de</strong>rá ser reproduzida sem o consentimento expresso <strong>do</strong>s organiza<strong>do</strong>res ou da coor<strong>de</strong>nação<br />
editorial. Os organiza<strong>do</strong>res e/ou os coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res não são responsáveis pelas opiniões,<br />
comentários ou manifestações representadas nos respectivos artigos.<br />
© João Paulo Borges Bichão<br />
© Laís Locatelli<br />
© Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />
© Os autores, pelos textos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s
Copyright<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO<br />
Profa. Dra. Nair Portela Silva Coutinho<br />
Reitora<br />
Prof. Dr. Fernan<strong>do</strong> Carvalho Silva<br />
Vice-Reitor<br />
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO<br />
Prof. Dr. Sanatiel <strong>de</strong> Jesus Pereira<br />
Diretor<br />
CONSELHO EDITORIAL<br />
Prof. Dr. Esnel José Fagun<strong>de</strong>s<br />
Profa. Dra. Inez Maria Leite da Silva<br />
Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha<br />
Profa. Dra. Andréa Dias Neves Lago<br />
Profa. Dra. Francisca das Chagas Silva Lima<br />
Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire<br />
Prof. Me. Cristiano Leonar<strong>do</strong> <strong>de</strong> Alan Kar<strong>de</strong>c Capovilla Luz<br />
Prof. Dr. Jar<strong>de</strong>l Oliveira Santos<br />
Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi<br />
Revisão<br />
Maurício José Morais Costa<br />
Sansão Hortegal Neto<br />
Projeto Gráfico<br />
Sansão Hortegal Neto<br />
Da<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> Catalogação na Publicação (CIP)<br />
<strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável (1.:2019: Lamego, Portugal).<br />
<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: novas políticas <strong>de</strong> cidadania<br />
e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável / Organiza<strong>do</strong>res: João Paulo Borges Bichão, Laís<br />
Locatelli, Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino. — São Luís: EDUFMA,<br />
2019.<br />
382 p.<br />
ISBN 978-85-7862-909-0<br />
1. <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> – Encontro científico. 2. Cidadania - Políticas. 3.<br />
Desenvolvimento sustentável. I. Bichão, João Paulo Borges. II. Locatelli, Laís. III.<br />
Aquino, Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa.<br />
CDD 341.483 001<br />
CDU 342.7:001.32<br />
Elaborada pela bibliotecária por Marcia Cristina da Cruz Pereira - CRB13 / 418
Comissão Organiza<strong>do</strong>ra / Organization Chairs<br />
Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />
Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />
Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />
Comissão Científica / Scientific Committee<br />
Professora Doutora Alicia Muñoz Ramírez (USAL/ES)<br />
Professor Doutor Cassius Guimarães Chai (UFMA/BR)<br />
Professora Doutora Carmela Dell' Isola (FDSBC/BR)<br />
Professor Doutor Dilnei Giseli Lorenzi (UFS/BR)<br />
Professor Doutor João Nuno Calvão da Silva (UC/PT)<br />
Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />
Professor Doutor José Luis Caramelo Gomes (UPT/PT)<br />
Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />
Professora Doutora Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas (UFMS/BR)<br />
Professor Doutor Luciano <strong>de</strong> Oliveira Souza Tourinho (UESB/ FASAVIC/FAINOR /BR)<br />
Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />
Professora Doutora Maria Manuela Dias Marques Magalhães Silva (UPT/PT)<br />
Professora Doutora María <strong>de</strong> la Paz Pan<strong>do</strong> Ballesteros (USAL/ES)<br />
Professor Doutor Miguel Ângelo Splen<strong>do</strong>re Maciel (URCAMP/RS/BR)<br />
Professora Doutora Patrícia Jerónimo (UMinho/PT)<br />
Professor Doutor Pedro Garri<strong>do</strong> Rodriguez (USAL/ES)<br />
Professora Doutora Sara Margarida Moreno Pires (UA/PT)<br />
Comissão Editorial / Editorial Chairs<br />
Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />
Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />
Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />
Assessoria Especial<br />
Professora Doutora Kátia Regina Marques Moura (UFMA/BR)
Homenagem especial à<br />
María Esther Martínez Quinteiro<br />
Maria Fernanda Rollo<br />
Nair Portela Silva Coutinho
SUMÁRIO<br />
PREFÁCIO ....................................................................................................... 11<br />
A FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO EM DIREITOS HUMANOS E<br />
GÊNERO .......................................................................................................... 13<br />
POUGY, Lilia Guimarães<br />
PODER MUNICIPAL E RELAÇÕES DE GÊNERO: ação política das<br />
verea<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque/MA .......................................................... 25<br />
FERREIRA, Maria Mary<br />
VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES E O CENTRO DE REFERÊNCIA DA<br />
MARÉ: o <strong>de</strong>safio da política pública numa favela carioca .......................... 38<br />
AUGUSTO, Cristiane Brandão<br />
MARQUES, Maria Celeste Simões<br />
A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR – O CASO DA<br />
ESTGL ............................................................................................................. 49<br />
GUEDES, Anabela Fernan<strong>de</strong>s<br />
MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />
ANTUNES, Sandra Maria<br />
A VISITA ÍNTIMA SOB A ÓTICA DA SAÚDE COMO DIREITO HUMANO E<br />
FUNDAMENTAL .............................................................................................. 61<br />
CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />
O DIREITO (FUNDAMENTAL) À SAÚDE TUTELADO PELA ATUAÇAO DA<br />
ONU ................................................................................................................. 73<br />
MORAES, Graziela<br />
SAÚDE PÚBLICA, MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO BÁSICO NO EMBATE<br />
ENTRE MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL: uma análise <strong>do</strong><br />
recurso especial Nº 1.366.337/RS ................................................................. 84<br />
FARIA, Roberta Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
BARING, Dayane <strong>de</strong> Paula<br />
MAGALHÃES DE ANDRADE, Laura<br />
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO PROCESSO DE<br />
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ..................................................................... 95<br />
TEODORO, Rita <strong>de</strong> Kassia <strong>de</strong> França<br />
FREITAS, Gilberto Passos <strong>de</strong><br />
A RECEPÇÃO E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS<br />
TRATADOS INTERNACIONAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA .......... 125<br />
DI DOMENICO, Jackson<br />
A TUTELA DA LIBERDADE RELIGIOSA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL<br />
EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS .......................................................... 136<br />
FAGUNDES, André
JUSTIÇA RESTAURATIVA NO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A<br />
MULHER: análise da experiência luso-brasileira ...................................... 147<br />
JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so<br />
FERREIRA, Amanda Passos<br />
PAIXÃO, Hilza Maria Feitosa<br />
A ALIENAÇÃO PARENTAL E O NOVO REGIME JURÍDICO NO CONTEXTO<br />
DAS RELAÇÕES FAMILIARES .................................................................... 155<br />
SOEIRO DE CARVALHO, Ana Branca<br />
BONITO, Álvaro<br />
GOMES, Jacinto<br />
SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO: os direitos e o acesso à justiça 175<br />
TORRES, Maria Adriana<br />
TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS E OS RISCOS A DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />
NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA ........................................................... 186<br />
BARBOSA, Gabriel Henrique Vieira<br />
SOUZA, Marcia Cristina Xavier <strong>de</strong><br />
UMA NOVA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO DE ACESSO À<br />
JUSTICA, ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E CIDADANIA ............. 198<br />
MONTEIRO, Susana Isabel da Cunha Sardinha<br />
CEBOLA, Cátia Sofia Marques<br />
A COLABORAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE COMBATE EFICAZ À<br />
CORRUPÇÃO ................................................................................................ 210<br />
BRITTO, Nara Pinheiro Reis Ayres <strong>de</strong><br />
RODRIGUES, Natuzza Pereira<br />
CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />
LINCHAMENTOS NO MARANHÃO, POLÍTICA CRIMINAL E INVISIBILIDADE<br />
DO FENÔMENO: uma análise sobre a mitigação <strong>do</strong>s direitos humanos<br />
fundamentais no esta<strong>do</strong> brasileiro pós-1988 ............................................. 222<br />
MACEDO, Marcos Vinícius Boaes<br />
JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong><br />
AGENDA 2030 PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A TEORIA<br />
DA EQUIDADE INTERGERACIONAL: estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí<br />
....................................................................................................................... 233<br />
GALVÃO, Débora Gomes<br />
EL NUEVO MARCO DE ORDENACIÓN DEL ESPACIO MARÍTIMO ESPAÑOL<br />
....................................................................................................................... 245<br />
FUENTES I GASÓ, Josep Ramon<br />
ENERGIA RENOVÁVEL DE BAIXO IMPACTO COMO UM DIREITO HUMANO:<br />
um olhar sobre a dignida<strong>de</strong> humana e interação com a natureza ........... 257<br />
ALMEIDA, Rainara Ver<strong>de</strong> Serra
PARQUE NACIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES: da conservação<br />
ambiental à exclusão social ........................................................................ 272<br />
FERREIRA, Maria Clara Correa<br />
ALMEIDA, Igor Martins Coelho<br />
SUMAK KAWSAY: as contribuições <strong>do</strong> Novo Constitucionalismo Latinoamericano<br />
no combate as mudanças climáticas ...................................... 284<br />
LEMOS, Walter Gustavo da Silva<br />
DIREITO À TERRA COMO DIREITO HUMANO: suporte à dignida<strong>de</strong> por um<br />
direito mais <strong>de</strong>mocrático ............................................................................. 295<br />
MATURANA, Edgar<br />
DIREITOS HUMANOS NO GOVERNO LOCAL: Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da Prefeitura<br />
<strong>de</strong> São Paulo (Brasil) ................................................................................... 306<br />
SUANO, Bethânia<br />
A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DAS PESSOAS<br />
COM DEFICIÊNCIA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A INCLUSÃO EM<br />
DESTINOS TURÍSTICOS .............................................................................. 313<br />
FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão<br />
SARAIVA, Luiziane Silva<br />
SANTOS, Saulo Ribeiro <strong>do</strong>s<br />
EFEITOS PRÁTICOS DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 182 DA OIT NO<br />
BRASIL E EM PORTUGAL ........................................................................... 324<br />
PEPE MACHADO, Felipe<br />
LA CONSTRUCCIÓN DEL DERECHO SOCIAL DE ACCESO A LOS<br />
SERVICIOS SOCIALES ................................................................................ 333<br />
FERNÁNDEZ, Maria Victòria Forns i<br />
OS OBJETIVOS DO MILÉNIO – OS RESULTADOS DE 2015 E PROSPETIVA<br />
PARA 2030 .................................................................................................... 344<br />
MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />
ANTUNES, Sandra Maria<br />
GUEDES, Anabela<br />
A UTILIZAÇÃO RETÓRICA DO TERMO “CRISE DE MIGRAÇÃO”: uma<br />
análise das realida<strong>de</strong>s francesa e brasileira .............................................. 357<br />
DUTRA FERNÁNDEZ, Thaís<br />
ALBUQUERQUE AZEVEDO GOMES, Janaína<br />
A VENEZUELA NO MERCOSUL: a<strong>de</strong>são, suspensão e migração ........... 371<br />
OLIVEIRA FILHA, Manuelita Hermes Rosa
PREFÁCIO<br />
No ano <strong>de</strong> 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) firmou um<br />
acor<strong>do</strong> intergovernamental (Resolução A/RES /70/1, da Assembleia Geral das<br />
Nações Unidas) que envolveu o estabelecimento <strong>de</strong> compromisso entre os seus<br />
193 Esta<strong>do</strong>s membros e a socieda<strong>de</strong> civil para a elaboração <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong><br />
ação, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Agenda 2030, que contém o conjunto <strong>de</strong> 17 (<strong>de</strong>zessete)<br />
objetivos globais para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável.<br />
Tratam-se <strong>de</strong> objetivos que envolvem um planejamento amplo e<br />
inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, contemplan<strong>do</strong>, cada um <strong>de</strong>les, metas específicas a serem<br />
alcançadas e que envolvem questões <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social, político e<br />
econômico, além <strong>de</strong> abrangerem questões como a fome, o aquecimento global,<br />
a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, a urbanização <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e locais, a saú<strong>de</strong>, educação, a<br />
água, o saneamento, a energia e a justiça social.<br />
A busca da sustentabilida<strong>de</strong>, e sua intrínseca e consequente qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vida, tem si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong>safios aos gestores públicos em geral, bem<br />
como aos estudiosos <strong>do</strong> tema que buscam soluções multi e interdisciplinares aos<br />
problemas urbanos, o acesso ao saneamento básico, enfim, aos serviços<br />
essenciais que <strong>de</strong>notam um planejamento urbano a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> à função<br />
socioambiental das cida<strong>de</strong>s, no intuito <strong>de</strong> garantir uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />
<strong>do</strong> ser humano.<br />
O I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas<br />
<strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, teve o objetivo <strong>de</strong> realizar uma<br />
reflexão e <strong>de</strong>spertar novos <strong>de</strong>bates sobre as 17 metas <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável listadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Tais metas<br />
compõe a agenda <strong>de</strong> ação até 2030 e visam acabar com a pobreza, promover a<br />
prosperida<strong>de</strong> e o bem-estar <strong>do</strong>s povos, proteger o meio ambiente e combater as<br />
alterações climáticas.<br />
A transnacionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> permitiu que temas<br />
fundamentais para o futuro <strong>do</strong> planeta pu<strong>de</strong>ssem ser discuti<strong>do</strong>s em um evento<br />
acadêmico internacional, fomentan<strong>do</strong> novas construções <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento científico a partir <strong>de</strong> uma perspectiva multidisciplinar.<br />
11
O I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas<br />
<strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável se <strong>de</strong>stinou a professores,<br />
pesquisa<strong>do</strong>res, estudantes, bem como a to<strong>do</strong>s os membros da socieda<strong>de</strong><br />
interessa<strong>do</strong>s na temática <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, tão urgente e necessária para<br />
o futuro <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que tanto a responsabilida<strong>de</strong> coletiva como a<br />
individual <strong>de</strong> se fazer um mun<strong>do</strong> melhor, impulsionan<strong>do</strong> a consolidação das 17<br />
metas da ONU para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e eliminan<strong>do</strong> as violações<br />
<strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, conduzem a uma socieda<strong>de</strong> mais justa e solidária.<br />
O I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas<br />
<strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável <strong>de</strong>correu no Teatro Ribeiro<br />
Conceição, localiza<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lamego/Portugal – uma cida<strong>de</strong> com um<br />
patrimônio e cultura com séculos <strong>de</strong> história, entre os dias 16 a 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
2019.<br />
O projeto inicial <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sse <strong>Congresso</strong> surgiu através <strong>de</strong><br />
inúmeros diálogos, em que os i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>res tinham como premissa fazer o bem<br />
para a humanida<strong>de</strong>. A finalida<strong>de</strong> foi <strong>de</strong> contribuir com propostas efetivas para as<br />
novas políticas <strong>de</strong> cidadania e o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, visan<strong>do</strong> produzir<br />
conhecimento e trocar informações.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, impõem-se um agra<strong>de</strong>cimento aos palestrantes e<br />
participantes e, em especial, aos congressistas que apresentaram seus<br />
trabalhos e estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investigação nos Grupos <strong>de</strong> Trabalho <strong>do</strong> I CONGRESSO<br />
GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, os quais participaram com entusiasmo nesta<br />
primeira edição, enriquecen<strong>do</strong> com os seus múltiplos saberes o <strong>de</strong>bate sobre as<br />
novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, fortalecen<strong>do</strong> a<br />
re<strong>de</strong> jurídico-científica em torno da temática <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
As nossas i<strong>de</strong>ias não morrem.<br />
As nossa i<strong>de</strong>ias germinam.<br />
Esse é o nosso lega<strong>do</strong> para o planeta.<br />
Esse é o nosso lega<strong>do</strong> para a humanida<strong>de</strong>.<br />
Esse é o nosso lega<strong>do</strong> para as futuras gerações.<br />
João Paulo Bichão (PT) │Laís Locatelli (ES) │Maria da Glória C. Gonçalves <strong>de</strong> S. Aquino (BR)<br />
12
A FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO EM DIREITOS HUMANOS<br />
E GÊNERO<br />
POUGY, Lilia Guimarães<br />
Doutora em Ciências Sociais<br />
Professora Titular da Escola <strong>de</strong> Serviço Social da UFRJ<br />
lilpougy@ufrj.br<br />
RESUMO<br />
Este trabalho tem a intenção examinar um conjunto particular <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>senvolvidas em <strong>do</strong>is equipamentos da área <strong>de</strong> políticas para as mulheres, os<br />
Centro <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Mulheres da Maré Carminha Rosa e o Centro <strong>de</strong><br />
Referência para Mulheres Suely Souza <strong>de</strong> Almeida, vincula<strong>do</strong>s ao Núcleo <strong>de</strong><br />
Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong><br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, qual seja, a proposta <strong>de</strong> supervisão externa da equipe técnica,<br />
<strong>de</strong>senvolvida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. A formação contínua <strong>do</strong>s profissionais no exercício <strong>de</strong><br />
sua ativida<strong>de</strong> laboral, possível <strong>de</strong> ser realizada numa instituição pública, gratuita<br />
e laica, tem como motiva<strong>do</strong>ra a convicção sobre a indissociabilida<strong>de</strong> das<br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino, pesquisa e extensão, como também da dimensão<br />
assistencial, que envolve o <strong>de</strong>senvolvimento da proposta que visa à cidadania<br />
feminina, à formação profissional e à formação <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>ras/es. Tem como<br />
fundamento, a<strong>de</strong>mais, um projeto teórico político potente que po<strong>de</strong><br />
instrumentalizar a ação dirigida ao público feminino por meio da experimentação<br />
<strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> atenção integral às mulheres em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong><br />
social. A supervisão externa como campo <strong>de</strong> formação contínua é construída no<br />
processo dialógico e sistemático, com periodicida<strong>de</strong> semanal, que combina<br />
sessões <strong>de</strong> análise das situações cotidianas, estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> caso e verticalização<br />
<strong>de</strong> temas através <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>. Dos objetivos <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong>s serviços,<br />
<strong>de</strong>staco <strong>do</strong>is para dialogar com metas cinco e quatro <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável. “Aten<strong>de</strong>r e oferecer acompanhamento psicossocial e jurídico,<br />
orientação e informação à mulher vítima <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica, investin<strong>do</strong> no<br />
enfrentamento das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero e no fortalecimento da sua<br />
cidadania” e “formular, implantar e avaliar um novo padrão <strong>de</strong> Centro <strong>de</strong><br />
Referência para Mulheres no Brasil, com enfoque transdisciplinar, alian<strong>do</strong> a<br />
13
extensão à pesquisa e ao ensino, visan<strong>do</strong> à superação <strong>do</strong> quadro <strong>de</strong> violência<br />
<strong>de</strong> gênero e à formação da consciência crítica das usuárias, em uma perspectiva<br />
emancipatória”.<br />
Palavras-chave: Formação contínua. Cidadania feminina. Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />
ABSTRACT<br />
This work intends to examine a particular set of activities <strong>de</strong>veloped in two<br />
equipments of the area of politics for the women, the Center of Reference of<br />
Women of the Carmine Pink Ti<strong>de</strong> and the Reference Center for Women Suely<br />
Souza <strong>de</strong> Almeida, linked to the Nucleus of Studies of Public Policies in Human<br />
Rights of the Fe<strong>de</strong>ral University of Rio <strong>de</strong> Janeiro, that is, the proposal of external<br />
supervision of the technical team, <strong>de</strong>veloped since 2005. The continuous training<br />
of professionals in the exercise of their work activity, possible to be performed in<br />
a public institution, free and secular, is motivated by the conviction about the<br />
inseparability of teaching, research and extension activities, as well as the<br />
assistance dimension, which involves the <strong>de</strong>velopment of the proposal for female<br />
citizenship, vocational training and the training of researchers. It is based, in<br />
addition, a powerful political theoretical project that can instrumentalize the action<br />
directed to the female public through the experimentation of metho<strong>do</strong>logies of<br />
integral attention to women in situations of social vulnerability. External<br />
supervision as a field of continuous training is built in the dialogical and<br />
systematic process, with weekly frequency, which combines sessions of analysis<br />
of everyday situations, case studies and verticalization of themes through study<br />
group. From the service <strong>de</strong>sign goals, I highlight two to dialogue with goals five<br />
and four of sustainable <strong>de</strong>velopment. "To provi<strong>de</strong> and provi<strong>de</strong> psychosocial and<br />
legal follow-up, guidance and information to women victims of <strong>do</strong>mestic violence,<br />
investing in addressing gen<strong>de</strong>r inequalities and strengthening their citizenship"<br />
and "formulating, implementing and evaluating a new Reference Center for<br />
Women in the Brazil, with a transdisciplinary approach, combining the extension<br />
to research and teaching, aiming at overcoming the gen<strong>de</strong>r violence framework<br />
and the formation of critical awareness of users, in an emancipatory perspective.<br />
Keywords: Continuous formation. Female citizenship. Gen<strong>de</strong>r equality.<br />
14
INTRODUÇÃO<br />
As metas <strong>do</strong>s objetivos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável se apresentam<br />
como uma importante e necessária iniciativa que inci<strong>de</strong> sobre o imediato e o<br />
porvir. Compromisso assina<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s membros da Organização<br />
das Nações Unidas, é uma carta <strong>de</strong> intenções que provoca e interpela um<br />
controle social planetário sobre o apetite e perspicácia com que os agentes <strong>do</strong><br />
neoliberalismo equacionam os problemas da humanida<strong>de</strong> em torno da dimensão<br />
econômica. Todavia, pensar a dimensão <strong>de</strong> gênero e os lugares <strong>de</strong>siguais em<br />
que as mulheres e as negras ocupam na civilização implica consi<strong>de</strong>rar <strong>de</strong> um<br />
la<strong>do</strong> a internacionalização da reprodução social, na qual a circulação <strong>de</strong><br />
mulheres reatualiza no plano global o trabalho da reprodução da força <strong>de</strong><br />
trabalho, o trabalho sexual e a criação das crianças. De outro, no plano nacional<br />
e local, o impacto <strong>do</strong> genocídio dirigi<strong>do</strong> aos jovens negros e negras, estimula<strong>do</strong><br />
por uma lógica punitiva e penal assentada no ódio <strong>de</strong> classe, numa socieda<strong>de</strong><br />
forjada pela i<strong>de</strong>ologia da <strong>de</strong>mocracia racial, o que escamoteia a socieda<strong>de</strong><br />
misógina, racista e classista.<br />
Para<strong>do</strong>xalmente, pensar abstratamente na igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero é<br />
necessário. Aliás, como falar em direitos humanos, cidadania, <strong>de</strong>mocracia, ou<br />
ainda pensar nos i<strong>de</strong>ais iluministas da igualda<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> numa era em que o<br />
Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito é interpela<strong>do</strong> cotidianamente, conquanto no plano<br />
<strong>de</strong> jure as instituições funcionem? Como reagir ao fortalecimento da socieda<strong>de</strong><br />
distópica? No Brasil, a reação conserva<strong>do</strong>ra contra o avanço no campo das<br />
políticas <strong>de</strong> gênero consoli<strong>do</strong>u a idéia da i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> gênero que estimularia<br />
crianças para alterarem o sexo, por meio <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s curriculares, por<br />
exemplo.<br />
Delimitar o tema da como falar em direitos humanos, cidadania,<br />
<strong>de</strong>mocracia, ou ainda pensar nos i<strong>de</strong>ais iluministas da igualda<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong><br />
numa era em que o Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito é interpela<strong>do</strong> cotidianamente,<br />
conquanto no plano <strong>de</strong> jure as instituições funcionem? Como reagir ao<br />
fortalecimento da socieda<strong>de</strong> distópica? No Brasil, a reação conserva<strong>do</strong>ra contra<br />
o avanço no campo das políticas <strong>de</strong> gênero consoli<strong>do</strong>u a idéia da i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong><br />
15
gênero que estimularia crianças para alterarem o sexo, por meio <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s<br />
curriculares, por exemplo.<br />
A formação contínua por meio da supervisão externa com as metas que<br />
os Esta<strong>do</strong>s-Nação acordaram na agenda 2030, po<strong>de</strong> permitir um esforço <strong>de</strong><br />
análise geopolítica em que se invista numa mirada no lugar em que funcionam<br />
os serviços. O bairro popular coloca em risco a vida, direitos <strong>de</strong> primeira geração,<br />
que violam <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> contraditório homens e mulheres nas variadas ida<strong>de</strong>s; é um<br />
esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> exceção permanente. São numerosas incursões policiais que<br />
<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ram o bairro resi<strong>de</strong>ncial e prepon<strong>de</strong>rantemente <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>ras (es).<br />
Ao vitimar crianças e jovens na escola, nas ruas e nas vielas quase que<br />
diariamente, são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>s da área <strong>de</strong> segurança pública<br />
como efeito colateral da suposta guerra. O me<strong>do</strong> se instala no bairro popular e<br />
dificulta a reação coletiva na construção organizada <strong>de</strong> alternativas. A vida em<br />
esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> sítio dinamiza a reprodução <strong>do</strong> padrão patriarcal <strong>de</strong> reposicionamento<br />
da mulher ao <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> gênero e os atendimentos na segunda feira costumam<br />
ser numerosos e intensos com a marca da impotência e <strong>de</strong>samparo. Os da<strong>do</strong>s<br />
da expressão letal da violência <strong>de</strong> gênero são alarmantes e assusta<strong>do</strong>res: No<br />
esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Dossiê Mulher 2016, a média<br />
<strong>de</strong> assassinatos <strong>de</strong> mulheres no ano <strong>de</strong> 2015 foi <strong>de</strong> quase uma mulher morta ao<br />
dia, sen<strong>do</strong> 360 mulheres assassinadas no total. A violação <strong>do</strong>s direitos das<br />
mulheres é crescente, apesar <strong>do</strong>s avanços legislativos da última década, que<br />
animaram a <strong>de</strong>fesa, a promoção e a proteção por meio <strong>do</strong> consórcio <strong>de</strong> política<br />
públicas, não obstante a sustentabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s serviços não ter si<strong>do</strong> o foco das<br />
ações. A<strong>de</strong>mais, na Cida<strong>de</strong> Universitária, localização <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> serviço, o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s tem permiti<strong>do</strong> uma porta <strong>de</strong><br />
entrada <strong>de</strong> mulheres da comunida<strong>de</strong> acadêmica para o atendimento e<br />
orientação. Com efeito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a a<strong>do</strong>ção das ações afirmativas que <strong>de</strong>finem cotas<br />
raciais e para pessoas com <strong>de</strong>ficiência, os discentes da universida<strong>de</strong> têm<br />
interpela<strong>do</strong> os colegia<strong>do</strong>s acadêmicos por melhores condições <strong>de</strong> ensino,<br />
pesquisa e extensão através <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> permanência, in<strong>do</strong> na contracorrente<br />
<strong>do</strong> financiamento regressivo das ativida<strong>de</strong>s acadêmicas em nome <strong>do</strong> ajuste<br />
fiscal e medidas recessivas.<br />
16
O duplo comparecimento da dimensão formativa e assistencial nos<br />
serviços <strong>de</strong> atendimento à mulher permite <strong>de</strong>senvolver e experimentar<br />
meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> atenção integral na qual a mulher em situação <strong>de</strong><br />
vulnerabilida<strong>de</strong> possa se reconhecer como sujeito e protagonista <strong>de</strong> sua história<br />
<strong>de</strong> vida, conquanto suas condições adversas. As ativida<strong>de</strong>s ultrapassam o<br />
atendimento propriamente e são dirigidas às/aos professores/as <strong>de</strong> escolas<br />
localizadas no bairro da Maré, às mulheres que acorrem ao serviço na tentativa<br />
<strong>de</strong> ruptura com a situação <strong>de</strong> violência e violação <strong>de</strong> direitos a que são<br />
submetidas, num esforço <strong>de</strong> recomposição da sua condição cidadã. Orientadas<br />
por um projeto teórico-político que visa a emancipação feminina, as ativida<strong>de</strong>s<br />
propostas intencionam ultrapassar a privação e estimular o reconhecimento das<br />
mulheres como sujeitos por inteiro, escapan<strong>do</strong> <strong>do</strong> confinamento e imobilismo<br />
que a cena da violação produz, conquanto o esgotamento da forma social<br />
capitalista e sua incompatibilida<strong>de</strong> com a cidadania plena. Por exemplo, são<br />
realizadas oficinas sociais on<strong>de</strong> as mulheres, estudantes e membros da equipe<br />
técnica <strong>de</strong>senvolvem a ativida<strong>de</strong> planejada: no último semestre os serviços<br />
realizaram oficina <strong>de</strong> letramento, corpo e cine-pipoca. Nessas ocasiões todas/os<br />
são envolvi<strong>do</strong>s como protagonistas daquele processo pedagógico e po<strong>de</strong>m se<br />
reconhecer <strong>de</strong> forma alternativa na vida <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> direitos: muitas mulheres<br />
da oficina <strong>de</strong> letramento participam das turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e<br />
Adultos. Recentemente participaram <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong> 30’, produzi<strong>do</strong> por<br />
estudantes <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> serviço social e<br />
comunicação, contan<strong>do</strong> o que é ser mulher na Maré. A narrativa hegemônica e<br />
intrusiva daqueles “<strong>de</strong> fora” é <strong>de</strong>slocada para a constituição <strong>de</strong> uma história<br />
narrada pela memória, com to<strong>do</strong>s os afetos envolvi<strong>do</strong>s. A longa introdução serve<br />
para situar a complexida<strong>de</strong> com que a supervisão externa acompanha e<br />
dinamiza o trabalho concreto realiza<strong>do</strong>. São situações que exigem intervenção<br />
e estu<strong>do</strong> verticaliza<strong>do</strong> das temáticas, sempre baseada nos conteú<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma<br />
concepção histórica <strong>do</strong>s direitos humanos e das relações <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> classe<br />
e <strong>de</strong> raça.<br />
17
OBJETIVOS<br />
Apresentar a supervisão externa na formação da equipe técnica <strong>de</strong><br />
serviços da política para as mulheres.<br />
Conhecer os limites e possibilida<strong>de</strong>s da intervenção <strong>do</strong>s efeitos da<br />
violência <strong>de</strong> gênero.<br />
Relacionar as concepções teórico-meto<strong>do</strong>lógica e ético-política que<br />
sustentam as ações <strong>do</strong> projeto.<br />
Intervir nas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Os temas transversais a supervisão são gênero e direitos humanos,<br />
sen<strong>do</strong> que são mobiliza<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s teóricos “chama<strong>do</strong>s” pelas experiências<br />
sociais e práticas da realida<strong>de</strong>. Portanto, brevemente, no escopo <strong>de</strong>ste trabalho,<br />
enunciarei a forma como compreen<strong>do</strong> o <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> gênero, na interface com o<br />
feminismo e o ativismo <strong>de</strong>scolonial.<br />
A polissemia <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> gênero, isto é, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apropriações<br />
e senti<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>s aos fenômenos inscritos na construção <strong>do</strong> masculino e <strong>do</strong><br />
feminino, é umas das suas características mais saudáveis, da<strong>do</strong> que está<br />
instala<strong>do</strong> em terreno poroso e instável, portanto sujeito a contestação, o que<br />
provoca a sua constante e efetiva atualida<strong>de</strong>. Gênero se refere a construção <strong>do</strong><br />
feminino e <strong>do</strong> masculino, ou seja, diz respeito aos processos sociais constituintes<br />
das condições masculina e feminina. Nada a ver com binarismos e polarizações<br />
estéreis operadas por oposição simples, na qual um polo é vence<strong>do</strong>r. Tu<strong>do</strong> a ver<br />
com a oposição dialética da tese e da antítese, por meio da síntese. Gênero diz<br />
respeito as relações sociais, ou seja, é relacional, e, portanto, concerne às<br />
relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O entendimento da dimensão histórica vai na direção <strong>de</strong><br />
superar os limites <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> naturalização das relações sociais que<br />
confinam o ser homem e o ser mulher <strong>de</strong> forma essencializada aos papéis e às<br />
funções sociais, <strong>de</strong>senraizadas da estrutura e conjuntura <strong>de</strong>terminadas. A<br />
questão <strong>de</strong> gênero na perspectiva relacional, significa combinar <strong>de</strong>slocamentos<br />
e permanências <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong> enquanto potente esquema <strong>de</strong> <strong>do</strong>minaçãoexploração<br />
<strong>de</strong> homens e mulheres em diversos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> produção, o que na<br />
18
presente or<strong>de</strong>m social potencializa a opressão com base nas relações <strong>de</strong><br />
gênero, <strong>de</strong> raça e <strong>de</strong> classe social. A combinação <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong>, <strong>do</strong> racismo e<br />
<strong>do</strong> capitalismo permite ensaiar aproximações com a realida<strong>de</strong> em vista da<br />
i<strong>de</strong>ntificação e concertação das lutas sociais numa perspectiva emancipatória.<br />
Estabelecer hierarquias entre as formas <strong>de</strong> opressão <strong>de</strong>sloca o entendimento<br />
para o imediato e escamoteia as mediações fundamentais para a compreensão<br />
<strong>do</strong> tempo presente. Na perspectiva relacional, o gênero é categoria teórica<br />
constituída no e pelo atravessamento das dimensões histórica e analítica. A<br />
dupla dimensão categorial contribui para o campo <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> gênero, como<br />
importante área das ciências humanas e sociais, e envolve orgânica e<br />
visceralmente, o estu<strong>do</strong> da organização social, isto é, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção das<br />
relações sociais e seus esquemas <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação e exploração, ou <strong>de</strong> opressão,<br />
que inci<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sigualmente entre os sujeitos <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> raça e <strong>de</strong> classe.<br />
O feminismo com toda a sua pluralida<strong>de</strong> e heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem e<br />
lutas impulsionou o gênero como relação social, isto é, colocou em cena também<br />
as contradições e os antagonismos das relações <strong>de</strong> classe e <strong>de</strong> raça. Por meio<br />
<strong>de</strong> diferentes estratégias, conjunturas e culturas, seja na Europa, na Ásia, na<br />
África e nas Américas, nos países <strong>do</strong> Norte e <strong>do</strong> Sul, <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte e <strong>do</strong> Oriente,<br />
as feministas <strong>de</strong>nunciaram as contradições <strong>do</strong> projeto iluminista da igualda<strong>de</strong>,<br />
da liberda<strong>de</strong> e da fraternida<strong>de</strong>, por caminhos diversos e uma crítica <strong>do</strong> feminismo<br />
é tarefa das ativistas <strong>de</strong>scoloniais organizadas por teóricas/os da chamada<br />
epistemologia <strong>do</strong> Sul que realizam uma vigorosa interpelação ao projeto<br />
heteronormativo eurocentra<strong>do</strong> na agenda <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />
As lutas feministas sempre foram violentamente reprimidas. Inicialmente<br />
a agenda das sugragistas pela cidadania política, emblematicamente<br />
representada por Olympe <strong>de</strong> Gouges, uma ativista política, feminista,<br />
abolicionista francesa e <strong>de</strong>fensora da <strong>de</strong>mocracia e <strong>do</strong>s direitos das mulheres,<br />
no contexto das lutas sociais da França, que resultaram na <strong>de</strong>rrocada da<br />
monarquia absolutista e na ascenção da república. A crítica feminista sempre<br />
colocou em evidência a incompletu<strong>de</strong> <strong>do</strong> projeto emancipatório.<br />
O feminismo <strong>de</strong>scolonial vêm construin<strong>do</strong> uma vigorosa produção crítica<br />
<strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s eurocentra<strong>do</strong>s, heteronormativos, branco e imperial <strong>do</strong><br />
19
feminismo clássico. As feministas provenientes da América <strong>do</strong> Sul, da África e<br />
da Índia propõem um <strong>de</strong>slocamento político-epistêmico <strong>do</strong> heteropatriarca<strong>do</strong><br />
mo<strong>de</strong>rno em sua conexão orgânica com o racismo, o capitalismo e a<br />
colonialida<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong>sse movimento, sugerem repensar o projeto<br />
emancipatório a partir <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista da geopolítica, comprometi<strong>do</strong> com a<br />
crítica <strong>do</strong> “universalismo androcêntrico” que têm produzi<strong>do</strong> e fixa<strong>do</strong> um<br />
“universalismo <strong>de</strong> gênero”, que se esten<strong>de</strong> para toda a humanida<strong>de</strong>. Lugones<br />
(2014:58), ao <strong>de</strong>bater sobre a colonialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> gênero examina a combinação<br />
da interseccionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvida pelo feminismo negro e <strong>de</strong> cor<br />
estaduni<strong>de</strong>nse, com a leitura crítica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. A sua chave <strong>de</strong> leitura é<br />
baseada na existência <strong>de</strong> um “Sistema Mo<strong>de</strong>rno Colonial <strong>de</strong> Gênero”, no qual<br />
inventaria as implicações <strong>do</strong> projeto intrusivo, tais como: a imposição colonial <strong>de</strong><br />
uma divisão entre humano e não humano; a supremacia <strong>do</strong> homem branco<br />
europeu possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> direitos também sobre as mulheres <strong>de</strong> seu grupo,<br />
humanas; a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m natural à serviço da supremacia branca<br />
às pessoas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> extraeuropeu e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar a raça, o<br />
gênero e a sexualida<strong>de</strong> como categorias co-constitutivas e coextensivas da<br />
episteme mo<strong>de</strong>rna colonial. Segato (2014: 76) a partir <strong>do</strong> contraste das relações<br />
<strong>de</strong> gênero da or<strong>de</strong>m colonial mo<strong>de</strong>rna e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>-al<strong>de</strong>ia, consi<strong>de</strong>ra o gênero<br />
onipresente em toda a vida social e categoria central capaz <strong>de</strong> iluminar todas os<br />
outros aspectos da transformação imposta a vida das comunida<strong>de</strong>s.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Os conteú<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s nas sessões semanais <strong>de</strong> supervisão envolvem os<br />
temas e categorias traceja<strong>do</strong>s, sempre com base na análise histórica da<br />
conjuntura. A agenda <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s neste semestre se concentrou na questão<br />
racial como fundamento das relações sociais, portanto das relações <strong>de</strong> gênero,<br />
na perspectiva a<strong>do</strong>tada <strong>de</strong> sua imbricação consubstancial.<br />
A matéria prima da supervisão externa é o tema que a equipe apresenta<br />
para ser trata<strong>do</strong>, o que requer uma concepção teórica e política consistente que<br />
permita o exercício <strong>de</strong> ultrapassar a dimensão cotidiana e ensaiar perspectivas<br />
futuras.<br />
20
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Nesta conjuntura recessiva e incerta que se instalou no Brasil como uma<br />
reação <strong>de</strong> classe às frágeis políticas distributivas em nome <strong>do</strong> combate à<br />
corrupção, dirigi<strong>do</strong> prioritariamente para um parti<strong>do</strong> político, o trabalho<br />
sistemático <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> numa instituição fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> ensino superior significa<br />
luta e resistência.<br />
A aprovação da proposta <strong>de</strong> emenda constitucional que congela gastos<br />
públicos por vinte anos, a recomendação <strong>de</strong> entes financeiros internacionais pelo<br />
fim <strong>do</strong> ensino superior público e os ataques que as universida<strong>de</strong>s públicas vêm<br />
sofren<strong>do</strong>, tais como asfixia e subtração <strong>do</strong> financeiro <strong>de</strong> recursos autoriza<strong>do</strong>s<br />
pela Lei Orçamentária Anual, a condução coercitiva <strong>de</strong> Reitores e dirigentes das<br />
IFES espetacularmente televisionada, ou ainda o calote no pagamento <strong>de</strong><br />
servi<strong>do</strong>res da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro – <strong>do</strong>centes e técnicos<br />
administrativos e também estudantes bolsistas por parte <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, revela uma vigorosa e extensiva opressão ao senti<strong>do</strong><br />
fe<strong>de</strong>rativo e republicano <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito que atinge<br />
visceralmente às brasileiras e aos brasileiros, ainda que <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>sigual. O<br />
impacto <strong>do</strong> conjunto da agenda recessiva é <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>r para a cidadania<br />
brasileira e inci<strong>de</strong> sobre as políticas públicos e seus serviços, que <strong>de</strong>veriam<br />
instrumentalizar direitos, fato imediatamente verificável no criminoso <strong>de</strong>smonte<br />
da área da saú<strong>de</strong> pública e da educação. Neste cenário <strong>de</strong>sola<strong>do</strong>r da conjuntura<br />
brasileira, reconhecer ações e lutas para resistir envolve treinar o olhar para a<br />
i<strong>de</strong>ntificação das iniciativas <strong>de</strong> sororida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brar em<br />
emancipação.<br />
A perspectiva feminista que orienta as ações no campo das políticas para<br />
as mulheres sugere a ênfase na transfomação <strong>do</strong>s fatores estruturais que<br />
potencializam a violência <strong>de</strong> gênero e a sua expressão letal, o feminicidio.<br />
Realizar ativida<strong>de</strong>s acadêmicas no bairro da Maré é um ato feminista <strong>de</strong><br />
resistência. A presença da UFRJ na Vila <strong>do</strong> João, através<strong>do</strong> CRMM-CR<br />
realizan<strong>do</strong> o atendimento proposta pela Norma Técnica <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência<br />
<strong>de</strong> Atendimento à Mulher é um efeito da vitalida<strong>de</strong> da persectiva teórico-política<br />
<strong>do</strong> projeto acadêmico <strong>de</strong> 2005. O consórcio da formação profissional <strong>do</strong>s<br />
21
estudantes <strong>de</strong> diferentes cursos <strong>de</strong> graduação, da formação <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>ras e<br />
<strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>res e seus produtos, monografias <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> graduação,<br />
<strong>de</strong> residência, dissertações e teses, da capacitação da equipe técnica e das<br />
equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s serviços adjacentes, da referência com que 7.764<br />
atendimentos foram realiza<strong>do</strong>s em razão da valorização da tentativa <strong>de</strong> ruptura<br />
da violação <strong>de</strong> direitos das 2.474 mulheres cadastradas no Ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
CRMM, são importantes corolários da perspectiva feminista <strong>de</strong> investir nas<br />
políticas públicas ensaian<strong>do</strong> trânsito <strong>de</strong>mocrático num território <strong>de</strong> privação <strong>de</strong><br />
direitos.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Combinar ensino, pesquisa, extensão, gestão acadêmica e produção<br />
profissional relevante no exercício da função <strong>do</strong>cente, inventarian<strong>do</strong> seus<br />
produtos, indicam a vitalida<strong>de</strong> da universida<strong>de</strong> pública, gratuita e laica, através<br />
<strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong> seu corpo social – <strong>do</strong>centes, discentes e servi<strong>do</strong>res técnicos,<br />
administrativos em educação e terceriza<strong>do</strong>s – no movimento da instituição <strong>de</strong><br />
um contrapo<strong>de</strong>r que po<strong>de</strong> utilizar a autonomia universitária na direção <strong>de</strong> um<br />
projeto alternativo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, que seja orgânico à soberania popular e que<br />
possibilite a cidadania plena <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e todas.<br />
No campo <strong>do</strong>s direitos humanos to<strong>do</strong> e qualquer avanço é contraposto<br />
uma reação. No plano formal, a positivação <strong>do</strong>s direitos, conquanto seja sempre<br />
o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> lutas sociais, é insuficiente da<strong>do</strong> que a sua realização envolve<br />
políticas que os instrumentalizem. As medidas <strong>de</strong> recessão colocam em risco o<br />
planeta, ao priorizar o interesse particular em <strong>de</strong>trimento da soberania <strong>do</strong>s<br />
povos, renovan<strong>do</strong> as formas <strong>de</strong> oprimir e constituir o inimigo e as classes<br />
perigosas. A agenda 2030 e cada um <strong>do</strong>s objetivos, em especial os da igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> gênero e da educação, estão em risco. É preciso enten<strong>de</strong>r esses movimentos,<br />
o conserva<strong>do</strong>r e o revolucionário, para potencializar os efeitos da distribuição da<br />
riqueza socialmente constituída.<br />
22
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23
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Segato, Rita. Las nuevas formas <strong>de</strong> la guerra y el cuerpo <strong>de</strong> las mujeres e<br />
Patriarca<strong>do</strong>: <strong>de</strong>l bor<strong>de</strong> al centro. Disciplinamento, territorialida<strong>de</strong> y cruelda<strong>de</strong> em<br />
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https://www.traficantes.net/sites/<strong>de</strong>fault/files/pdfs/map45_segato_web.pdf<br />
24
PODER MUNICIPAL E RELAÇÕES DE GÊNERO: ação política das<br />
verea<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque/MA<br />
FERREIRA, Maria Mary 1<br />
Professora Associada da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão-UFMA, Doutora<br />
em Sociologia. E-mail: mmulher13@hotmail.com<br />
CV:http://lattes.cnpq.br/1813463162883226<br />
RESUMO<br />
As mulheres tem si<strong>do</strong> subrepreentadas na maior parte das instâncias <strong>de</strong> dicisão.<br />
Essa situação é visível nos legislativos brasileiro dada as relações patriarcais<br />
que permanecem visíseis na socieda<strong>de</strong> dificultan<strong>do</strong> a inclusão das mulheres nas<br />
instâncias <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Nas eleições <strong>de</strong> 2010 e 2014 as mulheres não<br />
ultrapassaram os 10% <strong>de</strong> presenças na Câmara Fe<strong>de</strong>ral. Nas Camaras<br />
municipais <strong>do</strong>s 5565 municípios brasileiros as mulheres representam em torno<br />
<strong>de</strong> 12 %. No Marahão este número chega a 18%. As eleições <strong>de</strong> 2018 trouxeram<br />
uma pequena mudança, ten<strong>do</strong> em vista a eleição <strong>de</strong> 15% <strong>de</strong> mulheres no<br />
<strong>Congresso</strong> Nacional, número consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s mais baixos quan<strong>do</strong><br />
compara<strong>do</strong>s com a maioria <strong>do</strong>s paises da America Latina e países europeus.<br />
Supreen<strong>de</strong>ntemente no Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque no Maranhão nas<br />
últimas eleições realizada em 2016 as mulheres superam os homens,<br />
representam 64% <strong>do</strong>s cargos <strong>de</strong> verea<strong>do</strong>res nesta pequena Cida<strong>de</strong>. É uma das<br />
cida<strong>de</strong>s brasileira com maior proporção <strong>de</strong> mulheres eleitas em Câmaras<br />
municipais. A maioria das verea<strong>do</strong>ras estão filiadas em pequenos parti<strong>do</strong>s. Em<br />
estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> no Municipio entrevistamos a população e as verea<strong>do</strong>ras para<br />
analisar com mais cuida<strong>do</strong> o fenômeno a fim <strong>de</strong> perceber se existem<br />
particularida<strong>de</strong>s na ação política das eleitas. O olhar da população revela<br />
elementos importantes para pensar o po<strong>de</strong>r das mulheres vsito como mais<br />
cuida<strong>do</strong>sas e mais atentas aos problemas sociais. Embora reconheçam o<br />
aprisionamento a um trabalho assistencialista as verea<strong>do</strong>ras reconhecem seus<br />
limites <strong>de</strong> alterar esta situação em um municipio marcadamente pobre. Este<br />
estu<strong>do</strong> se caracteriza como qualitativo. Discute a categoria gênero, apresenta<br />
da<strong>do</strong>s eleitorais importantes para compreen<strong>de</strong>r a sub-representação das<br />
mulheres na politica brasileira e mostra como Municipios on<strong>de</strong> as mulheres são<br />
a maioria estas relações se articulam.<br />
Palavras-Chave: Verea<strong>do</strong>ras. Po<strong>de</strong>r. Ação Politica. Gênero. Sena<strong>do</strong>r La<br />
Roque/MA.<br />
1<br />
Professora Associada <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós Graduação em Políticas Públicas e Departamento<br />
<strong>de</strong> Biblioteconomia da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão, <strong>do</strong>utora em Sociologia<br />
UNESP/FCLAr. Mestre em Políticas Públicas/UFMA/PPGPP. Aluna <strong>de</strong> Pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> na<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto e bolsista da Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento<br />
Científico e Tecnológico <strong>do</strong> Maranhão - FAPEMA. E-mail: mmulher13@hotmail.com<br />
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ABSTRACT<br />
Women have been un<strong>de</strong>rrepresented in most instances of diction. This situation<br />
is visible in Brazilian legislatures given the patriarchal relations that remain visible<br />
in society making it difficult to inclu<strong>de</strong> women in <strong>de</strong>cision-making bodies. In the<br />
2010 and 2014 elections, women did not exceed 10% of the Fe<strong>de</strong>ral Chamber.<br />
In the municipal chambers of the 5565 Brazilian municipalities women represent<br />
around 12%. In Marahão this number reaches 18%. The elections of 2018<br />
brought a small change, in view of the election of 15% of women in the National<br />
Congress, number consi<strong>de</strong>red one of the lowest when compared with the majority<br />
of the countries of Latin America and European countries. Supremely in the<br />
Municipality of Sena<strong>do</strong>r La Roque in Maranhão in the last elections held in 2016,<br />
women outnumber men, representing 64% of the positions of councilmen in this<br />
small city. It is one of the Brazilian cities with the highest proportion of women<br />
elected in municipal councils. Most city council members are affiliated with small<br />
parties. In a study carried out in the Municipio, we interviewed the population and<br />
city councils to analyze more carefully the phenomenon in or<strong>de</strong>r to un<strong>de</strong>rstand if<br />
there are particularities in the political action of the elect. The look of the<br />
population reveals important elements to think the power of women vsito as more<br />
careful and more attentive to social problems. Although they acknowledge the<br />
imprisonment of a welfare work, the councilors recognize their limits to change<br />
this situation in a markedly poor municipality. This study is characterized as<br />
qualitative. It discusses the gen<strong>de</strong>r category, presents important electoral data to<br />
un<strong>de</strong>rstand the un<strong>de</strong>rrepresentation of women in Brazilian politics and shows<br />
how municipalities where women are the majority these relationships are<br />
articulated.<br />
KEY WORDS: Al<strong>de</strong>rmen. Power. Political Action. Genre. Senator La Roque / MA.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A sub-representação das mulheres na política é fruto da cultura patriarcal<br />
que perpassa o mun<strong>do</strong> público e priva<strong>do</strong>, que ao <strong>de</strong>terminar papéis sexuais para<br />
mulheres e para os homens, excluiu as mulheres <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />
confinan<strong>do</strong>-a ao espaço <strong>do</strong>méstico e interditan<strong>do</strong> sua presença nas <strong>de</strong>cisões<br />
políticas, nas questões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e das cida<strong>de</strong>s. Nem mesmo com a conquista<br />
<strong>do</strong> voto em 1932 esse quadro mu<strong>do</strong>u. Uma vez que mesmo passa<strong>do</strong> oitenta e<br />
cinco anos após essa conquista, as mulheres não ultrapassam os 10% <strong>de</strong><br />
presença em cargos eletivos. Apenas nas instâncias municipais as mulheres<br />
atingem 13,5% como se observou nesta última eleição. Nas eleições municipais<br />
<strong>de</strong> 2016 foram eleitas 8.441 mulheres entre os 57.814 verea<strong>do</strong>res que compõe<br />
o quadro nacional <strong>de</strong> verea<strong>do</strong>res, da<strong>do</strong> que correspon<strong>de</strong> a um percentual <strong>de</strong><br />
13,5%. Em 2012 as mulheres representavam 7.648 das eleitas totalizan<strong>do</strong> um<br />
26
percentual <strong>de</strong> 13,3% entre os 49.689 verea<strong>do</strong>res eleitos, distribuí<strong>do</strong>s entre as<br />
5.568 câmaras municipais <strong>do</strong> Brasil. Houve um aumento simbólico entre a<br />
eleição <strong>de</strong> 2012 e a eleição realizada em 2016, mas ainda estão distantes <strong>de</strong> se<br />
construir parida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero na política brasileira.<br />
As câmaras municipais são consi<strong>de</strong>radas espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que dão as<br />
verea<strong>do</strong>ras/es oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir no plenário ou confrontar i<strong>de</strong>ias a partir<br />
<strong>de</strong> um conhecimento sobre <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s problemas que afetam o município.<br />
São os verea<strong>do</strong>res que estão mais próximo <strong>do</strong> povo, são quem mais ouvem suas<br />
<strong>de</strong>mandas, são quem mais acompanham os problemas cotidianos das pequenas<br />
e gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s. Pouco se tem estuda<strong>do</strong> sobre ação <strong>de</strong>stes sujeitos políticos.<br />
Sobre as verea<strong>do</strong>ras são praticamente inexistentes estu<strong>do</strong>s abordan<strong>do</strong> suas<br />
práticas políticas nos legislativos municipais.<br />
Em estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2013-2016 envolven<strong>do</strong> sete<br />
municípios maranhenses, ao entrevistar mulheres e homens para analisar como<br />
se efetiva sua ação na Câmara e nas cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> atuam percebi que as<br />
verea<strong>do</strong>ras têm uma ação mais voltada para a construção da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gênero embora esta ação seja ainda tímida, percebe-se que estão mais<br />
preocupadas com problemas que afetam o universo feminino: escolas, creches,<br />
drogas, geração <strong>de</strong> emprego e renda, educação, violência contra as mulheres.<br />
Essa preocupação é reconhecida pela população entrevistada em gran<strong>de</strong> parte<br />
<strong>do</strong>s municípios, mas, observa-se que no Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque há um<br />
reconhecimento maior sobre a ação política das mulheres.<br />
Nas eleições <strong>de</strong> 2008, 2012 e 2016 o Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque no<br />
Maranhão se <strong>de</strong>stacou no cenário nacional quan<strong>do</strong> foram eleitas seis mulheres<br />
entre os nove verea<strong>do</strong>res eleitos, <strong>de</strong>pois cinco e na última eleição saíram<br />
vitoriosas sete mulheres.<br />
Na eleição <strong>de</strong> 2016 as mulheres se mantiveram no po<strong>de</strong>r e passaram a<br />
ocupar 7 das 11 ca<strong>de</strong>iras no legislativo municipal. É uma realida<strong>de</strong> que retrata<br />
algo novo e até mesmo inusita<strong>do</strong>, haja vista a cultura patriarcal que vigora em<br />
to<strong>do</strong>s os municípios maranhenses e brasileiros, que reproduz velhas i<strong>de</strong>ologias<br />
responsáveis pela exclusão da maioria da população brasileira consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong><br />
que 51% da população são compostas por mulheres e proporcionalmente, as<br />
27
mulheres são maioria <strong>do</strong> eleitora<strong>do</strong> brasileiro.<br />
Nesta comunicação apresentamos reflexões extraídas da pesquisa<br />
Verea<strong>do</strong>ras e prefeitas: ação política com enfoque <strong>de</strong> gênero, realizada em<br />
Sena<strong>do</strong>r La Roque e em 7 municípios maranhenses para analisar como se<br />
articulam a ação das verea<strong>do</strong>ras nos legislativos municipais, quais as <strong>de</strong>mandas<br />
da população e como estes respon<strong>de</strong>m as ações <strong>do</strong>s munícipes.<br />
OBJETIVOS<br />
Nesta comunicação apresentamos reflexões extraídas da pesquisa Verea<strong>do</strong>ras<br />
e prefeitas: ação política com enfoque <strong>de</strong> gênero, realizada em Sena<strong>do</strong>r La<br />
Roque e em 7 municípios maranhenses para analisar como se articulam a ação<br />
das verea<strong>do</strong>ras nos legislativos municipais, quais as <strong>de</strong>mandas da população e<br />
como estes respon<strong>de</strong>m as ações <strong>do</strong>s munícipes.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
SENADOR LA ROQUE: ação política das verea<strong>do</strong>ras na Câmara Municipal<br />
O Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque, antes liga<strong>do</strong> ao município <strong>de</strong> João<br />
Lisboa/MA, foi emancipa<strong>do</strong> pela Lei Nº 6.169/94, passan<strong>do</strong>, então, a ser<br />
<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Município Sena<strong>do</strong>r La Roque, em homenagem ao sena<strong>do</strong>r<br />
maranhense e também <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>, advoga<strong>do</strong> e jornalista, Henrique <strong>de</strong> La Roque,<br />
cujo mandato <strong>de</strong> sena<strong>do</strong>r exerceu na legislatura <strong>de</strong> 1975 a 1983.<br />
Situação sócio política <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque<br />
A primeira eleição realizada no município foi em 1996, quan<strong>do</strong> elegeram<br />
para prefeito o senhor Alfre<strong>do</strong> Nunes da Silva. Nesta eleição, muitas <strong>de</strong>núncias<br />
foram registradas, o que ocasionou a perda <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> prefeito eleito,<br />
agrava<strong>do</strong> pelo fato <strong>de</strong> que, neste perío<strong>do</strong>, o Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque teve<br />
seu território reduzi<strong>do</strong>, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaços para os vizinhos Buritirana e João<br />
Lisboa, diminuin<strong>do</strong> em gran<strong>de</strong> parte a população que foi reduzida a 14.550<br />
habitantes. A população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque em 2010 era <strong>de</strong> 17.998<br />
habitantes, sen<strong>do</strong> 9.060 homens e 8.938 mulheres, 77,8 professam a religião<br />
católica. O numero <strong>de</strong> analfabeto em 2010 era conforme informações <strong>do</strong> IBGE<br />
28
<strong>de</strong> 38,16% número consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> eleva<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em vista que no Brasil o<br />
analfabetismo neste perí<strong>do</strong> era <strong>de</strong> 11, 82%. A maior parte da população vive da<br />
agricultura <strong>de</strong> subsistência e, em muitas comunida<strong>de</strong>s rurais, em situação <strong>de</strong><br />
pobreza extrema. O índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque<br />
é <strong>de</strong> 0,602 (SENADOR, 2013).<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Trata-se <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> quanti-qualitativo por agregar da<strong>do</strong>s e analisá-lo a<br />
luz da teoria sociológica que por um la<strong>do</strong> mostra a exclusão das mulheres, sem,<br />
entretanto, explicar como este fenômeno vem sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>scontruin<strong>do</strong> em ações<br />
políticas pelas mulheres em <strong>de</strong>terminadas localida<strong>de</strong>s. Neste estu<strong>do</strong><br />
apresentamos pontos que refletem como estes da<strong>do</strong>s se alteram em espaços <strong>de</strong><br />
maior inclusão, situação que se aplica ao Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque.<br />
Apresentamos algumas reflexões que nos iluminam a pensar o po<strong>de</strong>r municipal,<br />
visto como micro po<strong>de</strong>r e como as mulheres vêm interferin<strong>do</strong> com práticas<br />
políticas que ten<strong>de</strong>m a apontar novas formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político a partir das<br />
categorias <strong>de</strong> gênero, po<strong>de</strong>r e participação política.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
O município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque tem apenas 23 anos <strong>de</strong> emancipa<strong>do</strong><br />
e, ao longo <strong>de</strong> sua criação, vivenciou seis eleições municipais. Observamos na<br />
tabela 1 que, durante esse perío<strong>do</strong>, foi o município maranhense que<br />
proporcionalmente mais elegeu verea<strong>do</strong>ras.<br />
Tabela 1 - Total <strong>de</strong> Verea<strong>do</strong>res Eleitos Sena<strong>do</strong>r La Roque 2000-2016<br />
2016 2012 2008 2004 2000<br />
Mulheres 7 64,6% 6 54,54% 6 67% 4 66% 2 34%<br />
Homens 4 35,4% 5 45,46% 3 33% 2 34% 4 66%<br />
TOTAL 100% 11 100,00% 9 100% 6 100% 6 100%<br />
Elabora<strong>do</strong> pela autora com da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> TRE/MA<br />
Nas cinco últimas legislaturas, foram 25 mulheres eleitas e 18 homens.<br />
Na eleição <strong>de</strong> 2016 foram 7 verea<strong>do</strong>ras eleitas entre os onze membros <strong>do</strong><br />
legislativo municipal, que em termos percentuais representa 63,6%. Em 2008 a<br />
29
proporção <strong>de</strong> mulheres representava 67%. Proporcionalmente é um <strong>do</strong>s<br />
municípios brasileiros com maior representação feminina, comparada apenas a<br />
Uruçuí (PI) que também elegeu 7 mulheres entre os onze verea<strong>do</strong>res eleitos.<br />
Vale <strong>de</strong>stacar ainda o Município <strong>de</strong> Amapá <strong>do</strong> Maranhão que elegeu 5 mulheres<br />
entre os nove verea<strong>do</strong>res eleitos naquele município <strong>de</strong> 6.844 mil habitantes hoje<br />
sob a gestão da prefeita eleita Tatiane Maia <strong>de</strong> Oliveira.<br />
Na tabela 2 apresentada a seguir, observamos a representação <strong>do</strong>s<br />
verea<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque por parti<strong>do</strong> na última legislatura.<br />
Tabela 2- Verea<strong>do</strong>res Eleitos em Sena<strong>do</strong>r La Roque - 2016<br />
Nome/verea<strong>do</strong>r (a) Parti<strong>do</strong> Nome/verea<strong>do</strong>r (a) Parti<strong>do</strong><br />
Maria <strong>de</strong> Fátima Sousa PP Bento Pereira Santo PP<br />
Lima<br />
Raimun<strong>do</strong> Denis <strong>do</strong>s S. DEM Maricélia Ribeiro <strong>de</strong> PMB<br />
Lima<br />
Menezes Rocha<br />
Ozima Cury Rad Melo PMDB Raimunda Oliveira <strong>de</strong> PSDC<br />
Sousa<br />
Maria Rita Barroso PRP Rafael Silva Paiva PSD<br />
Pereira Dias<br />
Joel da Cruz Silva PDT Maria da Graça PMN<br />
Carneira <strong>de</strong> Oliveira<br />
Deusinete Silva Gomes PTB<br />
Fonte: Elabora<strong>do</strong> pela autora com da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> TRE/MA<br />
Ação politica das verea<strong>do</strong>ras: o olhar da população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque<br />
Nas visitas que fizemos ao município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque, ouvimos<br />
cinco das sete verea<strong>do</strong>ras eleitas e um verea<strong>do</strong>r. Procuramos também ouvir<br />
da população entrevistada o que pensavam sobre a ação das mulheres na<br />
Câmara Municipal. O olhar da população revela alguns elementos<br />
importantes para pensar o po<strong>de</strong>r das mulheres que se reflete em diversos<br />
<strong>de</strong>poimentos.<br />
Nas entrevistas com a população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque realizadas na<br />
penúltima legislatura uma das questões que procuramos respon<strong>de</strong>r foi: quais<br />
razões levaram a população a votar mais em mulheres? Havia alguma<br />
particularida<strong>de</strong> que diferia <strong>de</strong> outros municípios? Finalmente, perguntamos se<br />
percebiam alguma diferença na atuação das mulheres verea<strong>do</strong>ras em relação<br />
aos homens verea<strong>do</strong>res.<br />
30
Primeiramente, foi questiona<strong>do</strong> se votaram em verea<strong>do</strong>r ou verea<strong>do</strong>ra.<br />
Pelas respostas, observamos que 44,93% votaram em homens e 55,07%<br />
votaram em mulheres. As respostas retratam os resulta<strong>do</strong>s eleitorais que se<br />
mantiveram nas duas últimas eleições quan<strong>do</strong> foram eleitas seis mulheres<br />
em 2012 e sete em 2016. Ao questionar se há diferenças entre a atuação <strong>do</strong><br />
verea<strong>do</strong>r e verea<strong>do</strong>ra, a maioria opina que não, porém nas respostas abertas<br />
as que respon<strong>de</strong>ram afirmativamente indicam como diferença o fato <strong>de</strong> que<br />
as verea<strong>do</strong>ras são mais sensíveis e interessadas, têm interesse mais<br />
coletivo, ouvem mais, visitam mais as pessoas, se interessam em melhorar a<br />
cida<strong>de</strong> e cuidam melhor <strong>do</strong> povo.<br />
As respostas subjetivas captadas na pesquisa inci<strong>de</strong>m sobre resposta<br />
objetiva transcrita no gráfico 40 na qual os79 entrevista<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> 47 mulheres<br />
e 32 homens, respon<strong>de</strong>ram sobre as motivações para votar no candidato ou<br />
candidata. A maior parte <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, (67%) informou que votou porque<br />
era a/o melhor candidata/o. Observe que 10% <strong>de</strong>clararam ter vota<strong>do</strong> porque<br />
conheciam a atuação <strong>do</strong> candidato, 10% preferiram não opinar ou não votaram<br />
e 7% votaram por indicação <strong>de</strong> algum parente. Mas 5% informaram que votaram<br />
no/a candidato/a porque lhes prometeu algum tipo <strong>de</strong> benefício.<br />
vista que:<br />
Esse fato segun<strong>do</strong> Ferreira (2015, p.211) não nos surpreen<strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> em<br />
[...] as verea<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>clararam em suas falas ser este o maior problema<br />
<strong>do</strong> município, em que, dada a situação <strong>de</strong> pobreza extrema, tem-se<br />
subverti<strong>do</strong> o papel <strong>do</strong>/a verea<strong>do</strong>r/a, que tem sua atuação política<br />
marcada pelo assistencialismo. As verea<strong>do</strong>ras informaram que não<br />
conseguem <strong>de</strong>svencilhar-se <strong>de</strong>ssa prática, em virtu<strong>de</strong> da situação <strong>de</strong><br />
pobreza da maioria <strong>do</strong>s munícipes. O assistencialismo <strong>de</strong>svirtua o<br />
trabalho <strong>do</strong> verea<strong>do</strong>r crian<strong>do</strong> relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendências e clientelismo.<br />
Essa prática se torna mais visível em municípios cujas políticas<br />
31
públicas não são implementadas, on<strong>de</strong> a saú<strong>de</strong> não funciona, on<strong>de</strong> há<br />
precarieda<strong>de</strong> na educação, on<strong>de</strong> a população carente luta por<br />
transporte digno e on<strong>de</strong> as condições <strong>de</strong> vida são <strong>de</strong>gradantes.<br />
Neste tipo <strong>de</strong> situações o papel <strong>do</strong> verea<strong>do</strong>r é importante para pressionar<br />
o prefeito em criar as condições <strong>de</strong> vida digna e ser um fiscal diligente da<br />
aplicação <strong>do</strong>s recursos. É também papel da Câmara pedir interdição <strong>do</strong> prefeito<br />
quanto este não cumpre com sua obrigação. Em Sena<strong>do</strong>r La Roque as<br />
verea<strong>do</strong>ras não mencionaram, por exemplo, a cassação <strong>do</strong> prefeito na<br />
legislatura <strong>de</strong> 2008-2012, em virtu<strong>de</strong> das graves <strong>de</strong>núncias feitas por<br />
praticamente todas as verea<strong>do</strong>ras, pelos entrevista<strong>do</strong>s e por gran<strong>de</strong> parte da<br />
população, como foi observa<strong>do</strong> inclusive em passeata <strong>do</strong>s professores e<br />
funcionários em passeatas pelas ruas da Cida<strong>de</strong> reivindican<strong>do</strong> salários e<br />
condições <strong>de</strong> trabalho.<br />
Os problemas enfrenta<strong>do</strong>s pela população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r la Roque se<br />
assemelha a gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s municípios maranhenses e brasileiros: falta <strong>de</strong><br />
infraestrutura, saú<strong>de</strong> precária, estruturas <strong>de</strong> educação, <strong>de</strong>semprego.<br />
Ao inquirir os entrevista<strong>do</strong>s sobre quais as priorida<strong>de</strong>s que indicavam para<br />
nortear a ação <strong>do</strong> gestor público (30%) enfatizaram a questão da saú<strong>de</strong> e<br />
saneamento básico, seguidas <strong>de</strong> trabalho e geração <strong>de</strong> renda, com 23%, e<br />
educação, indicada por 16% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. Também foi cita<strong>do</strong> como<br />
priorida<strong>de</strong> por 10% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s o asfaltamento e embelezamento <strong>de</strong> ruas<br />
e praças <strong>do</strong> município e 6% <strong>de</strong>monstraram preocupações com políticas <strong>de</strong><br />
inclusão social, conforme é observa<strong>do</strong> no Gráfico 37.<br />
32
Um <strong>do</strong>s focos da pesquisa foi compreen<strong>de</strong>r o olhar da população sobre<br />
as questões <strong>de</strong> gênero. É importante consi<strong>de</strong>rar este conceito como uma<br />
categoria estratégica para compreen<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre homens e<br />
mulheres. A socieda<strong>de</strong> através da cultura construiu mo<strong>de</strong>los <strong>do</strong> que é ser homem<br />
e ser mulher. Estes mo<strong>de</strong>los vistos como androcêntricos, em geral representam<br />
os homens como fortes, <strong>de</strong>stemi<strong>do</strong>s, ativos, valentes, sujeitos. As mulheres são<br />
representadas como frágeis, passivas, subservientes, objetos. O conceito<br />
gênero nos possibilita compreen<strong>de</strong> que estes mo<strong>de</strong>los foram construí<strong>do</strong>s<br />
socialmente e que estão pauta<strong>do</strong>s em valores patriarcais que precisam ser<br />
<strong>de</strong>scontruí<strong>do</strong>s.<br />
Questiona<strong>do</strong>s sobre a situação das mulheres no município e se a<br />
prefeitura <strong>de</strong>senvolvia algum tipo <strong>de</strong> política para as mulheres, 97,44% <strong>do</strong>s<br />
entrevista<strong>do</strong>s enfatizaram que não. Sobre a visão que os entrevista<strong>do</strong>s têm das<br />
mulheres no Município, foi apresenta<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> respostas <strong>de</strong>ntre as<br />
quais os entrevista<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veriam escolher apenas uma.<br />
Na escolha, 40% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s consi<strong>de</strong>ram que as mulheres<br />
trabalham mais que os homens e 22% reconhecem que elas sofrem mais<br />
violência, esse da<strong>do</strong> reflete um olhar mais aten<strong>do</strong> as questões <strong>de</strong> gênero. É<br />
importante lembrar que este município a população masculina se constitui a<br />
maioria. Embora a violência contra a mulher não tenha si<strong>do</strong> votada como<br />
priorida<strong>de</strong> entre as políticas, foi indicada como um <strong>do</strong>s projetos que <strong>de</strong>veria ser<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pela prefeitura para melhorar a vida das mulheres. 13% <strong>de</strong>claram<br />
que elas ganham os menores salários e 18% consi<strong>de</strong>ram que a situação das<br />
mulheres é igual à <strong>do</strong>s homens. (FERREIRA, 2015).<br />
33
TABELA 5 – Ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> Luta Defendidas em Campanha pelas/os<br />
Verea<strong>do</strong>ras/es<br />
NOME DO/A<br />
VEREADOR/A<br />
DEUSINETE<br />
SILVA BARROS<br />
GRAÇA<br />
CARNEIRO<br />
OLIVEIRA<br />
MARIA RITA<br />
BARROSO<br />
OZIMA CURY-<br />
RAD MELO<br />
RAIMUNDA<br />
OLIVEIRA<br />
SOUSA<br />
ALDENIR<br />
MOURA NUNES<br />
BANDEIRAS DEFENDIDAS EM CAMPANHA<br />
Como Assistente Social, <strong>de</strong>fen<strong>do</strong> a assistência à população carente.<br />
Durante minha campanha, foi o compromisso, a assistência. Sempre<br />
disse que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ria e estaria ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s mais carentes.<br />
Boa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, hoje muita gente daqui vive <strong>do</strong> Bolsa Família; a<br />
construção <strong>de</strong> uma maternida<strong>de</strong>, pois toda criança daqui nasce em<br />
Imperatriz; e um posto <strong>do</strong> INSS, sei que to<strong>do</strong> município tem ou estão<br />
inauguran<strong>do</strong> um posto, só aqui que falta tu<strong>do</strong>.<br />
Defen<strong>do</strong> as causas sociais, da família e principalmente da educação e<br />
saú<strong>de</strong>.<br />
Campanha <strong>de</strong> inclusão social; direitos <strong>do</strong> povo e das populações mais<br />
carentes: saú<strong>de</strong>, educação, previdência social são compromissos que a<br />
esfera fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal fazem. Busquei isso como ban<strong>de</strong>ira.<br />
Faço o 7º perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> Serviço Social, para que as pessoas saibam que<br />
isso são direitos e não favores.<br />
Meu foco é a população carente; a busca da melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vida. A questão <strong>do</strong> curso <strong>do</strong> 1º Magistério quem trouxe pra cá, fui eu. O<br />
1ºadicional e a faculda<strong>de</strong>, eu trouxe para ajudar os colegas a estudar e<br />
a ter uma qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida melhor. Graças a Deus, consegui. Tem mais<br />
<strong>de</strong> 90 (noventa) professores forma<strong>do</strong>s pela instituição que eu trouxe pra<br />
cá. Chamavam <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> quintal, mas o diploma é o mesmo <strong>do</strong>s que<br />
estudavam na UFMA e na UEMA.<br />
Toda pessoa é diferente, sou um cara bem mo<strong>de</strong>sto, simples, eu acho<br />
que gente tem que respeitar o direito <strong>de</strong> um cidadão, da cidadã e<br />
trabalhar o necessário.<br />
As ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>fendidas pelas/os verea<strong>do</strong>ras/es <strong>de</strong>monstram suas<br />
preocupações em melhorar a situação <strong>do</strong> município. Ações voltadas para a<br />
assistência social indicam o quanto os problemas sociais afetam a ação das<br />
verea<strong>do</strong>ras. Os verea<strong>do</strong>res têm uma atuação reconhecida pela população,<br />
conforme observamos nos questionários aplica<strong>do</strong>s. E, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com todas as<br />
verea<strong>do</strong>ras entrevistadas, já passaram pela Câmara gran<strong>de</strong>s projetos que<br />
<strong>de</strong>monstram sua ação política.<br />
Para a verea<strong>do</strong>ra Rita Barroso, a Câmara cumpre sua parte na medida <strong>do</strong><br />
possível: “a gente tá fazen<strong>do</strong> um bom trabalho. Dá mais rapi<strong>de</strong>z nos projetos que<br />
chegam lá, embora não sejam efetiva<strong>do</strong>s. A culpa não é nossa. O que<br />
analisamos sempre fazemos com muito critério e responsabilida<strong>de</strong>”.<br />
A ação das verea<strong>do</strong>ras na Câmara Municipal é vista por todas as<br />
entrevistadas como positiva, pois fazem um diferencial na ação parlamentar.<br />
34
Sobre as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> exercer o mandato <strong>de</strong> verea<strong>do</strong>ra, as falas<br />
<strong>de</strong>monstram muitas controvérsias, mas um consenso em relação à questão da<br />
falta <strong>de</strong> recursos. Esta é uma alegação dada pelo prefeito para não executar<br />
nenhum <strong>do</strong>s projetos aprova<strong>do</strong>s na Câmara, até mesmo um simples quebra<br />
mola, ou sinalização <strong>de</strong> uma rua, não é executa<strong>do</strong> sob o argumento <strong>de</strong> que a<br />
prefeitura não tem recurso.<br />
Ao questionar se existem diferenças <strong>de</strong> gênero na ação parlamentar <strong>do</strong>s<br />
verea<strong>do</strong>res, todas as verea<strong>do</strong>ras e o verea<strong>do</strong>r entrevista<strong>do</strong> foram unânimes em<br />
afirmar que existe diferença na ação política. Essa diferença é apontada por<br />
todas <strong>de</strong> várias formas:<br />
Os verea<strong>do</strong>res homens lá na câmara dizem: “não vi nada, não sei <strong>de</strong><br />
nada, não ouço nada”. São inoperantes. As mulheres atuam melhor.<br />
Existe o fato da corrupção, mas os homens comem quietos. Acho que<br />
eles são piores. As mulheres fazem soada, barulho, provocam. Os<br />
homens não amedrontam. Política é uma porcaria, é um vício<br />
<strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong>. Você sofre e continua nisso. Mas verea<strong>do</strong>r, durante os<br />
quatro anos, se ele quiser, ele é a preocupação para o prefeito, porque<br />
ele atrapalha. Meu mari<strong>do</strong> não queria que eu me candidatasse, mas eu<br />
disse que iria sim.<br />
As mulheres atuam <strong>de</strong> forma mais direta. Veja, por exemplo, agora<br />
nesse concurso público aqui. Ele foi fraudulento. Só quem se reuniu<br />
foram as 5 (cinco) verea<strong>do</strong>ras com a promotora. Isso nos ajuda muito.<br />
Acontece o seguinte: tem realmente um pouco <strong>de</strong> timi<strong>de</strong>z, elas são<br />
mais agressivas. Elas têm essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Elas atacam mais. Os<br />
verea<strong>do</strong>res são mais quietos, os homens, o masculino.<br />
As falas das verea<strong>do</strong>ras expressam clareza sobre o lugar que ocupam e<br />
retratam uma visão positiva sobre o exercício <strong>do</strong> mandato parlamentar.<br />
Observamos que o fato <strong>de</strong> serem maioria nesse espaço <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r facilita a ação<br />
<strong>de</strong>las e a forma impositiva e às vezes até agressiva como atuam na Câmara.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Ao analisar a situação das mulheres na política local ten<strong>do</strong> o Município <strong>de</strong><br />
Sena<strong>do</strong>r La Roque como foco, observamos que as verea<strong>do</strong>ras têm clareza <strong>do</strong><br />
seu papel social e político e sabem muito bem discernir as particularida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />
exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r. Conseguem <strong>de</strong>finir muito claramente as questões <strong>de</strong> gênero<br />
que mais afetam o público feminino. Conhecem os dramas pessoais da<br />
população e sabem das responsabilida<strong>de</strong>s que a população <strong>de</strong>posita no trabalho<br />
35
que <strong>de</strong>senvolvem. Em seus discursos, as verea<strong>do</strong>ras trazem questões <strong>do</strong><br />
priva<strong>do</strong>, tais como <strong>de</strong>mocratizar as relações <strong>do</strong>mésticas, combater a violência<br />
<strong>de</strong> gênero, criar legislação que possibilite mudanças nos cotidianos das<br />
mulheres com a criação <strong>de</strong> estruturas públicas, como creches, políticas <strong>de</strong><br />
formação, políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, casas<br />
<strong>de</strong> parto, casas abrigo.<br />
Ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r este tipo <strong>de</strong> projeto, as verea<strong>do</strong>ras estão propon<strong>do</strong> outros<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia que interferem nas estruturas sociais, na medida em<br />
que são encaminha<strong>do</strong>s e transforma<strong>do</strong>s em lei pelas câmaras municipais. Elas<br />
sabem como essas políticas po<strong>de</strong>m transformar a vida das mulheres. Mas<br />
sabem também que muitas <strong>de</strong>ssas políticas estão distantes <strong>de</strong> se realizar, dada<br />
a situação <strong>de</strong> pobreza <strong>do</strong>s municípios e a falta <strong>de</strong> visão <strong>do</strong>s gestores, que<br />
elegem outras priorida<strong>de</strong>s.<br />
Outro fator positivo observa<strong>do</strong> na Câmara <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque é que,<br />
embora tenham divergências, elas se organizam para discutir os projetos,<br />
<strong>de</strong>bater os problemas, consultar a promotora, advoga<strong>do</strong>s para se fundamentar<br />
nas suas ações.<br />
Finalmente consi<strong>de</strong>ramos que a representação das mulheres na Câmara<br />
Municipal <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque, reflete um cenário que po<strong>de</strong> alterar as<br />
estruturas políticas <strong>do</strong> País no futuro, quan<strong>do</strong> a população brasileira começar a<br />
compreen<strong>de</strong>r a importância da parida<strong>de</strong>, uma vez que a parida<strong>de</strong> possibilita<br />
maior exercício da <strong>de</strong>mocracia, maior interlocução <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r político com a<br />
população.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ALVES, José Eustáquio Diniz. O avanço da mulher na eleição e o déficit <strong>de</strong><br />
gênero. Vermelho portal. Disponível em:<br />
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=198600&id_secao=1. Acesso<br />
em 26 fev. 2012.<br />
BARROS, Deusinete Silva. (Verea<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r la Roque-MA). Entrevista<br />
concedida a Maria Mary Ferreira sobre atuação em cargo eletivo e sobre<br />
situação socioeconômica <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque (MA), fevereiro <strong>de</strong> 2012.<br />
________. Os basti<strong>do</strong>res da tribuna: mulher, política e po<strong>de</strong>r no Maranhão.<br />
São Luís: EDUFMA, 2010. 230p.<br />
36
________. Verea<strong>do</strong>ras e Prefeitas maranhenses: ação política e gestão<br />
municipal com enfoque <strong>de</strong> gênero. São Luís: EDUFMA, 2015.<br />
MELO, Ozima Cury-Rad. (Verea<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r la Roque-MA). Entrevista<br />
concedida a Maria Mary Ferreira sobre atuação em cargo eletivo e sobre<br />
situação socioeconômica <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque (MA), 14 fevereiro <strong>de</strong> 2012<br />
SENADOR La Rocque (MA). In: Atlas <strong>do</strong> Desenvolvimento Humano no Brasil.<br />
Disponível em: www.atlasbrasil.org.br/2013.pt.perfil_m/sena<strong>do</strong>r-la-rocque_ma.<br />
37
VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES E O CENTRO DE REFERÊNCIA<br />
DA MARÉ: O DESAFIO DA POLÍTICA PÚBLICA NUMA FAVELA CARIOCA<br />
AUGUSTO, Cristiane Brandão<br />
Professora Doutora Adjunta <strong>de</strong> Direito Penal e Criminologia da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Direito e <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pósgraduação<br />
<strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s em Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, ambos da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Pós-<strong>do</strong>utora em Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Gênero pelo Centro <strong>de</strong> Investigaciones y Estudios <strong>de</strong> Género <strong>de</strong> la Universidad<br />
Nacional Autónoma <strong>de</strong> México. Integrante <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong> pesquisa <strong>do</strong> Laboratório Interdisciplinar <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e<br />
Intervenção em Políticas Públicas <strong>de</strong> Gênero - LIEIG/NEPP-DH, sob a coor<strong>de</strong>nação da Profa. Dra. Lilia G. Pougy.<br />
Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Grupo PEVIGE (Pesquisa e Estu<strong>do</strong> em Violência <strong>de</strong> Gênero), <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Promotoras Legais<br />
Populares <strong>do</strong> RJ e Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra-Geral da Seção Brasil <strong>do</strong> Observatório Latinoamericano <strong>de</strong> Justiça em Feminicídio.<br />
MARQUES, Maria Celeste Simões<br />
Professora Doutora Adjunta no Núcleo <strong>de</strong> Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da UFRJ – NEPP-DH, on<strong>de</strong> exerce<br />
a função <strong>de</strong> Vice-Diretora, Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Ensino e <strong>do</strong>cente no Programa <strong>de</strong> Pós-graduação e em especializações.<br />
Coor<strong>de</strong>na o Grupo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e Justiça – GEDHJUS/NEPP-DH e participa <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong> pesquisa<br />
<strong>do</strong> Laboratório Interdisciplinar <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Intervenção em Políticas Públicas <strong>de</strong> Gênero - LIEIG/NEPP-DH, sob a<br />
coor<strong>de</strong>nação da Profa. Dra. Lilia G. Pougy.<br />
RESUMO<br />
O cenário legislativo e administrativo <strong>do</strong> enfrentamento à violência <strong>de</strong><br />
gênero contra as mulheres, no Brasil, protagonizou gran<strong>de</strong> impulso a partir <strong>de</strong><br />
2003. Embora cria<strong>do</strong>s os Juiza<strong>do</strong>s especializa<strong>do</strong>s para os casos <strong>de</strong> violência<br />
<strong>do</strong>méstica e familiar contra a mulher, a insistência em respostas exclusivamente<br />
penais, com pouco atendimento humaniza<strong>do</strong> à vítima e escassa escuta sensível,<br />
reflete a revitimização e agudiza o distanciamento ao acesso à Justiça,<br />
especialmente quan<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>radas as categorias raça, etnia e classe social.<br />
Com este trabalho, objetiva-se mostrar que, se é necessária uma maior<br />
participação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário na implementação <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das<br />
Mulheres, também se faz indispensável o fortalecimento da re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
enfrentamento à violência <strong>de</strong> gênero, inclusive por meio <strong>do</strong>s Centros <strong>de</strong><br />
Referência. A experiência <strong>do</strong> CRMM-CR expressa a potência das políticas<br />
públicas <strong>de</strong> construção da plena cidadania feminina.<br />
Palavras-chave: <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das Mulheres. Políticas Públicas. Violência<br />
<strong>de</strong> Gênero. Acesso à Justiça. Centro <strong>de</strong> Referência das Mulheres da Maré.<br />
38
ABSTRACT<br />
The legislative and administrative scenario of facing gen<strong>de</strong>r violence<br />
against women in Brazil has been <strong>de</strong>veloped since 2003. Although specialized<br />
courts have been created for cases of <strong>do</strong>mestic and family violence against<br />
women, the insistence on exclusively criminal ansewers, with rare humanized<br />
attention to the victim and scarce sensitive listening, reflects the revictimization<br />
and increase the distance to access to justice, especially when consi<strong>de</strong>red the<br />
categories race, ethnicity and social class. The objective of this study is to show<br />
that, if greater participation of the Judiciary in the implementation of Women's<br />
Human Rights is required, it is also essential to strengthen the network to combat<br />
gen<strong>de</strong>r violence, including through the Reference Centers. The CRMM-CR<br />
experience expresses the power of these public policies of building full female<br />
citizenship.<br />
Keywords: Women's Human Rights; Public Policies; Gen<strong>de</strong>r Violence; Access<br />
to Justice; Maré Reference Center for Women.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A consolidação <strong>de</strong> uma política pública <strong>de</strong> enfrentamento à violência<br />
contra as Mulheres, como diretriz <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, na cultura popular e<br />
institucional <strong>de</strong> um país, requer, minimamente, uma prática efetiva <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os<br />
agentes envolvi<strong>do</strong>s no processo, quer da socieda<strong>de</strong> civil, quer <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res<br />
Públicos. No caso brasileiro, nota-se que os Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo<br />
produziram intervenções importantes que dão visibilida<strong>de</strong> ao tema, ainda que<br />
não exista uma efetivida<strong>de</strong> plena. A situação se mostra mais gravosa, todavia,<br />
no comportamento <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, que permanece imerso em práticas<br />
rotineiras banaliza<strong>do</strong>ras das peculiarida<strong>de</strong>s da questão <strong>de</strong> gênero, dificultan<strong>do</strong> o<br />
acesso à justiça e à promoção da igualda<strong>de</strong>.<br />
Consi<strong>de</strong>radas as vivências no atendimento às mulheres, especialmente<br />
às vítimas <strong>de</strong> violência, no âmbito <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Mulheres da Maré<br />
– Carminha Rosa (CRMM-CR) 2 , <strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong><br />
2<br />
A Prof.ª Suely Souza <strong>de</strong> Almeida (in memorian), junto com a Prof. Lilia G. Pougy, ambas<br />
assistentes sociais, foram corresponsáveis pela criação e estruturação <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência<br />
39
<strong>Humanos</strong> (NEPP-DH), ambos órgãos da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(UFRJ), partimos da premissa da necessida<strong>de</strong> imperiosa da formação<br />
transversal <strong>do</strong>s agentes judiciários aplica<strong>do</strong>res das conquistas <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />
<strong>Humanos</strong> na Política <strong>de</strong> Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, para que<br />
seja possível a geração <strong>de</strong> estratégias capazes <strong>de</strong> consolidar outro “ethos” na<br />
esfera judiciária, com respeito à CEDAW, à Convenção <strong>de</strong> Belém <strong>do</strong> Pará e aos<br />
Protocolos e Diretrizes firma<strong>do</strong>s pelo Brasil.<br />
Simultaneamente, constatamos a potência <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias inova<strong>do</strong>ras<br />
para a (re)<strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> empo<strong>de</strong>ramento e para o fortalecimento da cidadania<br />
feminina, bem como para a formação <strong>de</strong> agentes multiplica<strong>do</strong>ras das variadas<br />
formas <strong>de</strong> enfrentamento à violência <strong>de</strong> gênero, através <strong>do</strong>s Centros <strong>de</strong><br />
Referência e, especificamente, <strong>de</strong> Oficinas temáticas e sociais <strong>de</strong>senvolvidas no<br />
CRMM-CR 3 .<br />
Em outras palavras, se o Po<strong>de</strong>r Judiciário precisa modificar suas práticas<br />
a fim <strong>de</strong> se coadunar às regras internacionais e nacionais <strong>de</strong> proteção aos<br />
<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das mulheres, <strong>de</strong>vemos estar também atentas ao<br />
fortalecimento das Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Proteção e <strong>de</strong> Enfrentamento à Violência a fim <strong>de</strong><br />
evitar retrocessos no campo <strong>do</strong> Executivo.<br />
A experiência em campo 4 , portanto, nos dá os contornos das reflexões a<br />
seguir, que têm como principal <strong>de</strong>safio a construção <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong><br />
enfrentamento às violências <strong>do</strong>mésticas, familiares e íntimas <strong>de</strong> afeto,<br />
vivenciadas por mulheres inseridas em territórios on<strong>de</strong> a violência urbana é<br />
constante e continuada historicamente, sem estabelecimento <strong>de</strong> limites,<br />
fronteiras, dissociações, entre as variadas violações. Assim é que o cotidiano <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Mulheres da Maré. Suely foi <strong>do</strong>cente, pesquisa<strong>do</strong>ra, propositora e primeira diretora<br />
responsável pela criação <strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Políticas Públicas em Direito <strong>Humanos</strong> - NEPP-DH/UFRJ,<br />
em 2004, com o apoio <strong>do</strong> então Reitor da UFRJ, Prof. Aloysio Teixeira (in memorian).<br />
3<br />
O Centro <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Mulheres da Maré – Carminha Rosa (CRMM-CR) está localiza<strong>do</strong><br />
na Vila <strong>do</strong> João, no Bairro da Maré, no Município <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Este “microbairro” resulta <strong>do</strong><br />
“Projeto-Rio”, que, em 1982, construiu um conjunto habitacional constituí<strong>do</strong> por 2.600 casas,<br />
ocupadas por mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> local que antes habitavam palafitas estendidas ao longo da baía <strong>de</strong><br />
Guanabara. Mais recentemente, a Vila <strong>do</strong> João, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o censo <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e<br />
Ações Solidárias da Maré – CEASM, em 2000 já possuía cerca <strong>de</strong> 4 mil <strong>do</strong>micílios e 10.700<br />
mora<strong>do</strong>res. Passou a ocupar o terceiro lugar em concentração populacional e o quarto em<br />
número <strong>de</strong> habitações, no conjunto que integra a divisão geopolítica “Maré 3”.<br />
4 Ficavam, a cargo das autoras, as supervisões das ativida<strong>de</strong>s teórico-práticas <strong>de</strong> atendimento<br />
jurídico das advogadas <strong>do</strong> CRMM-CR.<br />
40
vida das mora<strong>do</strong>ras usuárias <strong>do</strong> CRMM-CR não difere substancialmente da<br />
realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s e bairros <strong>de</strong> “periferia” <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
marca<strong>do</strong>s por profundas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero, classe social, raça e etnia.<br />
OBJETIVOS<br />
O presente texto objetiva refletir sobre os necessários avanços na política<br />
pública brasileira quanto à meta <strong>de</strong> se viver uma vida livre <strong>de</strong> violência. Nossa<br />
história recente <strong>de</strong>monstra respostas no campo Executivo e Legislativo, como<br />
uma ampla re<strong>de</strong> integrada <strong>de</strong> serviços especializa<strong>do</strong>s e uma significativa gama<br />
<strong>de</strong> diplomas legais. No entanto, as práticas institucionais <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />
brasileiro não aten<strong>de</strong>m às expectativas das vítimas <strong>de</strong> violência <strong>de</strong> gênero, muito<br />
menos quan<strong>do</strong> num território atravessa<strong>do</strong> por outras formas <strong>de</strong> violência. A falta<br />
<strong>de</strong> atenção às diretrizes para processar e julgar com perspectiva <strong>de</strong> gênero, bem<br />
como a inobservância à <strong>de</strong>vida diligência distanciam a esfera judiciária da<br />
implementação efetiva <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> no Brasil.<br />
A<strong>de</strong>mais, se mudanças são imprescindíveis no sistema <strong>de</strong> Justiça, não<br />
menos imprescindível é a vigilância constante para evitar perdas <strong>de</strong> serviços já<br />
conquista<strong>do</strong>s e para fortalecer outras estratégias políticas que viabilizam a<br />
conscientização <strong>de</strong> direitos, a percepção das formas <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica,<br />
familiar ou íntima <strong>de</strong> afeto, bem como da autonomia na busca <strong>de</strong> alternativas<br />
para a consolidação da cidadania e da igualda<strong>de</strong>.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Se conquistamos a igualda<strong>de</strong> formal no âmbito constitucional em 1988,<br />
foi em 2003, todavia, que se marcou o início <strong>de</strong> ações mais amplas, mais<br />
estruturadas e organizadas <strong>de</strong>ntro das políticas públicas voltadas para as<br />
mulheres no Brasil. A partir <strong>de</strong> então, foram publica<strong>do</strong>s vários diplomas legais<br />
conten<strong>do</strong> conceitos, princípios e diretrizes <strong>de</strong> atendimento, combate e prevenção<br />
à violência, consagração <strong>de</strong> direitos, criação <strong>de</strong> novas instituições e serviços<br />
especializa<strong>do</strong>s, para além <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> integração entre os órgãos<br />
atuantes na temática <strong>de</strong> gênero, numa visão <strong>de</strong> políticas públicas em <strong>Direitos</strong><br />
<strong>Humanos</strong>.<br />
41
Ilustran<strong>do</strong> esse capítulo da história brasileira, temos, a título <strong>de</strong> exemplo,<br />
a edição <strong>de</strong> Planos Nacionais <strong>de</strong> Políticas para as Mulheres, da Lei Maria da<br />
Penha (Lei 11340/06), <strong>do</strong> Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra<br />
as Mulheres e das Diretrizes <strong>de</strong> Abrigamento das Mulheres em situação <strong>de</strong><br />
Violência. Ou seja, houve significativo empenho <strong>do</strong> Executivo e Legislativo na<br />
prevenção e atendimento das ocorrências <strong>de</strong> violência em face da mulher, o que<br />
vem ao encontro das <strong>de</strong>mandas <strong>do</strong>s movimentos feministas no país<br />
(PANDJIARJIAN, 2006; ALMEIDA, 2005).<br />
Aliás, historicamente, as contribuições <strong>do</strong>s feminismos brasileiros são<br />
indiscutíveis e fundamentais nesse processo <strong>de</strong> concretização das lutas em<br />
medidas administrativas e legais. Po<strong>de</strong>mos citar a criação, já em 1984, das<br />
Delegacias <strong>de</strong> Mulheres; o assim chama<strong>do</strong> “lobby <strong>do</strong> batom” na Assembleia<br />
Nacional Constituinte (PITANGUY, 2002); e o processamento <strong>do</strong> caso Maria da<br />
Penha junto à Comissão Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, que culminou na<br />
con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> Brasil a, <strong>de</strong>ntre outras recomendações, criar legislação interna<br />
para o enfrentamento à violência (CIDH, 2001).<br />
A consolidação <strong>de</strong>ssa agenda na Lei 11340/06 constitui marco legal<br />
importantíssimo. Em seu art. 1 o institui que: “Esta Lei cria mecanismos para coibir<br />
e prevenir a violência <strong>do</strong>méstica e familiar contra a mulher, nos termos <strong>do</strong> § 8o<br />
<strong>do</strong> art. 226 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, da Convenção sobre a Eliminação <strong>de</strong> Todas<br />
as Formas <strong>de</strong> Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para<br />
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e <strong>de</strong> outros trata<strong>do</strong>s<br />
internacionais ratifica<strong>do</strong>s pela República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil; dispõe sobre a<br />
criação <strong>do</strong>s Juiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e<br />
estabelece medidas <strong>de</strong> assistência e proteção às mulheres em situação <strong>de</strong><br />
violência <strong>do</strong>méstica e familiar”.<br />
Quanto aos Juiza<strong>do</strong>s da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,<br />
a competência para o processamento e julgamento das infrações penais contra<br />
a mulher, baseadas no gênero, quan<strong>do</strong> praticadas no âmbito <strong>do</strong>méstico, da<br />
família ou <strong>de</strong> relação íntima <strong>de</strong> afeto, traz a expectativa <strong>de</strong> uma instância<br />
especializada para o tratamento <strong>de</strong>stas violências.<br />
42
Pesquisas empíricas na área das Ciências Humanas e Sociais, contu<strong>do</strong>,<br />
dão conta <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar os inúmeros obstáculos ao acesso à Justiça ainda não<br />
supera<strong>do</strong>s (OBSERVATÓRIO DA LEI MARIA DA PENHA, 2011; COMISSÃO<br />
PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO, 2012). Sucintamente, po<strong>de</strong>mos<br />
i<strong>de</strong>ntificar certos aspectos físico-estruturais (como o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />
processos, poucos Juiza<strong>do</strong>s, escassa infraestrutura, número reduzi<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
profissionais, atmosfera inóspita, etc.), características histórico-culturais (como a<br />
diferença entre cultura jurídica oficial e cultura jurídica popular, a permanência<br />
<strong>de</strong> um padrão patriarcal <strong>de</strong> interpretação <strong>do</strong>s conflitos, os casos <strong>de</strong><br />
culpabilização da própria vítima, a tendência ao discurso <strong>de</strong> proteção da<br />
“família”, linguajar tecnicista etc.) e problemas político-legais (como a escassez<br />
<strong>do</strong> trabalho em Re<strong>de</strong>, a falta <strong>de</strong> visão da ativida<strong>de</strong> judicante como integrada a<br />
um projeto maior <strong>de</strong> Política Pública, a ausência <strong>de</strong> capacitação qualitativamente<br />
condizente com este mesmo projeto, a legislação antiga e contraditória, a falta<br />
<strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> condições para o cumprimento da Lei Maria da Penha na<br />
integralida<strong>de</strong> etc.) (AUGUSTO, 2015).<br />
Ten<strong>do</strong> em vista tais questões institucionais, como, então, introjetar nas<br />
vítimas – e na socieda<strong>de</strong> como um to<strong>do</strong> – o pensamento e os valores feministas,<br />
quan<strong>do</strong> o que lhes é ofereci<strong>do</strong> são <strong>de</strong>cisões burocráticas <strong>de</strong>moradas, nem<br />
sempre condizentes com a realida<strong>de</strong> social e com um sistema penitenciário<br />
segrega<strong>do</strong>r e estigmatiza<strong>do</strong>r? Como impedir que a Lei Maria da Penha seja vista<br />
e funcione como uma simples resposta às pressões internacionais, apenas<br />
mascaran<strong>do</strong> a violência ao atuar em sua repressão criminal em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />
suas medidas cíveis, administrativas e da lógica da prevenção? Tal postura é<br />
perigosa, uma vez que acaba por afastar ainda mais as mulheres <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong>s<br />
Juiza<strong>do</strong>s que, em tese, <strong>de</strong>veria existir para também protegê-la, por introjetar uma<br />
“falta <strong>de</strong> solução” ao problema da violência <strong>de</strong> gênero e por quase “legitimar”<br />
uma condição inferior à mulher. Dessa forma, naturaliza e banaliza-se o<br />
problema.<br />
Especialmente no locus experiencia<strong>do</strong> através <strong>do</strong>s atendimentos no<br />
CRMM-CR, percebe-se um engessamento coletivo <strong>de</strong> recorrer às instâncias<br />
oficiais <strong>de</strong> repressão. A realida<strong>de</strong> marcada pelo controle <strong>do</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas e<br />
43
atificada pela ausência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na comunida<strong>de</strong> distancia a vítima <strong>do</strong>s<br />
instrumentos pré-judiciais e judiciais, reforçan<strong>do</strong> os mecanismos informais (nem<br />
sempre legais) <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflito 5 .<br />
Quan<strong>do</strong>, entretanto, o obstáculo inicial é ultrapassa<strong>do</strong> e a vítima alcança<br />
algum órgão <strong>do</strong> sistema penal - Delegacia <strong>de</strong> Polícia, Ministério Público,<br />
Juiza<strong>do</strong>s (DEAM) - não raramente presenciam-se <strong>de</strong>poimentos retratan<strong>do</strong> uma<br />
dupla vitimização e a violência das omissões <strong>do</strong>s agentes públicos, que não<br />
cumprem as diligências, que não realizam as intimações <strong>do</strong>(a) agressor(a) por<br />
se verem impedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ingressar naquele território, com organização “políticojurídica”<br />
tão própria. Justificam expressamente sua inação, sustentan<strong>do</strong> que as<br />
favelas são “área <strong>de</strong> risco”.<br />
Foi o que aconteceu com Suzana, uma mulher na faixa <strong>do</strong>s 40 anos,<br />
separada, com uma filha <strong>de</strong> 6 anos que, agredida por seu ex-companheiro,<br />
buscou uma <strong>de</strong>legacia comum para pedir ajuda. Uma <strong>de</strong> suas principais queixas<br />
estava relacionada ao receio <strong>de</strong> que <strong>de</strong>nunciar o ex-mari<strong>do</strong> produzisse<br />
consequências <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>, pela insatisfação <strong>do</strong>s traficantes caso a<br />
polícia entrasse na favela para garantir seus direitos. Suzana foi aconselhada<br />
por amigos e vizinhos a procurar os traficantes antes (ou ao invés) <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar<br />
o ex-companheiro à polícia (SANTIAGO; GONÇALVES, 2013, p. 2).<br />
Com efeito, é compartilha<strong>do</strong> entre as usuárias <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência e<br />
os profissionais <strong>de</strong> atendimento (técnicas, resi<strong>de</strong>ntes e estagiárias), um<br />
sentimento <strong>de</strong> frustração pelas limitações inerentes ao acesso à Justiça, não só<br />
pelos entraves quanto ao acesso às instâncias judiciárias – percurso tormentoso<br />
e dispendioso (“rota crítica”), multissetorial, burocrático e lento – mas também<br />
pelas barreiras quanto ao acesso a uma or<strong>de</strong>m jurídica justa, pelas intrincadas<br />
interpretações jurídicas patriarcais que perpetuam uma cultura tradicional<br />
<strong>do</strong>minante.<br />
5<br />
Na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar, uma das estratégias usadas pelos mora<strong>do</strong>res para resolver<br />
seus problemas é conhecida como <strong>de</strong>senrolo. Desenrolar na gíria da favela diz respeito a uma<br />
forma <strong>de</strong> negociação entre diferentes agentes sociais, funciona como um mecanismo informal<br />
<strong>de</strong> fazer justiça. Aqui, nos referimos à negociação entre os mora<strong>do</strong>res e os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> tráfico para<br />
resolver conflitos, justificar ou explicar alguma situação ou pedir algum favor. Através da<br />
mediação <strong>do</strong> tráfico, busca-se a solução para problemas individuais e priva<strong>do</strong>s que as<br />
instituições legais não dão conta <strong>de</strong> resolver. (SANTIAGO; GONÇALVES, 2013, p. 7).<br />
44
METODOLOGIA<br />
Inova<strong>do</strong>ramente, no CRMM-CR são utilizadas meto<strong>do</strong>logias<br />
diferenciadas, cuja experiência vem <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> sucesso. Aí entram os<br />
fuxicos, os baila<strong>do</strong>s, as máscaras, os filmes, os livros. Assim, para além das<br />
Oficinas temáticas tradicionais, são <strong>de</strong>senvolvidas Oficinas sociais no campo da<br />
educação artística, da dança, <strong>do</strong> teatro, da leitura etc.<br />
A finalida<strong>de</strong> das meto<strong>do</strong>logias consiste em incentivar a interação, a<br />
sociabilida<strong>de</strong>, a troca <strong>de</strong> experiências, a reflexão coletiva sobre questões <strong>de</strong><br />
gênero através <strong>de</strong> instrumentos lúdicos manuais, corporais e intelectuais, que<br />
permitam coor<strong>de</strong>nar movimentos, apropriar-se <strong>de</strong> espaços, bem como explorar<br />
senti<strong>do</strong>s e compartilhar sentimentos, angústias e violações cotidianas, sempre<br />
pensan<strong>do</strong> em mecanismos <strong>de</strong> superação, empo<strong>de</strong>ramento, autoestima,<br />
conhecimento <strong>de</strong> si, <strong>do</strong> seu entorno e, consequentemente, <strong>do</strong> acesso à re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
proteção da mulher em situação <strong>de</strong> violência e da conscientização <strong>de</strong> direitos.<br />
Através da Oficina <strong>de</strong> fuxico, por exemplo, se reciclam os materiais e,<br />
metaforicamente, a própria vida. Cada peça <strong>de</strong> teci<strong>do</strong> costurada simboliza um<br />
núcleo que se unirá a tantos outros num tecer <strong>de</strong> falas e experiências que<br />
culmina um produto final forte e ata<strong>do</strong>. Na Oficina <strong>de</strong> dança, apren<strong>de</strong>-se a<br />
(re)conhecer o próprio corpo, reconfiguran<strong>do</strong> a noção <strong>de</strong> beleza, <strong>de</strong><br />
produtivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> si, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> a somatização <strong>de</strong> problemas, os<br />
mecanismos <strong>de</strong> distensionamento, bem como “[...] as formas <strong>de</strong> ser que levam<br />
a cristalizações e que fragilizam a autoestima [...]” 6 .<br />
Na esteira <strong>de</strong> Paulo Freire, temos as ferramentas para mudar a realida<strong>de</strong><br />
que nos cerca. Ficar alija<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> transformação potencializa<br />
sentimentos <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> e, consequentemente, <strong>de</strong> impotência diante das<br />
situações <strong>de</strong> violência. Por fim, “[...] pisar na cena, dar voz e corpo às<br />
personagens, dizer, redizer, <strong>de</strong>sdizer [...] Através da experimentação teatral, é<br />
possível reinventar-se e dar novas formas às agruras <strong>do</strong> dia, em especial<br />
àquelas que marcam tão profundamente [...]” 7 .<br />
6 Disponível em: , da<strong>do</strong>s captura<strong>do</strong>s em 10.03.2018.<br />
7 Disponível em: , da<strong>do</strong>s captura<strong>do</strong>s em 10.03.2018.<br />
45
RESULTADOS<br />
No i<strong>de</strong>ário e imaginário popular, e também das mulheres vitimadas, o<br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário é o último guardião e a esperança <strong>de</strong> proteção aos seus direitos.<br />
A questão se coloca especialmente importante consi<strong>de</strong>rada a estrutura política<br />
e i<strong>de</strong>ológica da socieda<strong>de</strong> internacional oci<strong>de</strong>ntal, on<strong>de</strong> os direitos humanos<br />
consolidam-se como instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, garantia e promoção tanto das<br />
liberda<strong>de</strong>s públicas quanto das condições materiais essenciais à existência e<br />
vida digna. No entanto, nossa experiência <strong>de</strong>monstra o baixo grau <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong> justiciabilida<strong>de</strong> na tutela <strong>de</strong> tais direitos humanos, especialmente quan<strong>do</strong><br />
na realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma favela carioca.<br />
Parece-nos clara a pouca intimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s magistra<strong>do</strong>s, mesmo <strong>do</strong>s<br />
Juiza<strong>do</strong>s da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com o conceito<br />
geral e as normas <strong>de</strong> direitos humanos e da política <strong>de</strong> enfrentamento à violência<br />
<strong>de</strong> gênero, para além da Lei Maria da Penha e das condições interseccionais. O<br />
que impe<strong>de</strong>, ou minimamente dificulta, a percepção <strong>do</strong>s casos nos quais uma<br />
situação subjetiva existencial <strong>de</strong> uma mulher está em risco e po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser<br />
protegida sob a égi<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das Mulheres.<br />
Ainda assim, sabemos que não basta aparelhar, informar ou capacitar o<br />
Judiciário ou os <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res constituí<strong>do</strong>s formalmente em nosso Esta<strong>do</strong><br />
“Democrático e <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong>”. Precisamos ir além, na busca <strong>de</strong> expertises diversas<br />
promotoras <strong>de</strong> potencialida<strong>de</strong>s para as mulheres, com todas as suas<br />
peculiarida<strong>de</strong>s e seus marca<strong>do</strong>res <strong>de</strong> raça, classe, etnia, orientação sexual etc.,<br />
e com o envolvimento e participação <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> civil. A<br />
transversalida<strong>de</strong> e a multidisciplinarida<strong>de</strong> se fazem misteres, o que, na nossa<br />
visão, legitima e potencializa espaços e produções, tais como o Centro <strong>de</strong><br />
Referência <strong>de</strong> Mulheres e o Curso <strong>de</strong> Residência Multidisciplinar em Atenção<br />
Integral às Mulheres, da UFRJ, como iniciativas que, além <strong>de</strong> formativas, se<br />
propõem a repensar e recriar direitos e alternativas à violência. O CRMM-CR,<br />
como um Centro <strong>de</strong> Referência em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, nos apresenta subsídios<br />
à “construção <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias inova<strong>do</strong>ras” (POUGY, 2010).<br />
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Nesses quadros <strong>de</strong> guerra, em que se distinguem as vidas passíveis <strong>de</strong><br />
luto (BUTLER, 2015), o CRMM-CR se apresenta como um foco <strong>de</strong> resistência à<br />
i<strong>de</strong>ologia patriarcal, como uma política atual <strong>de</strong> implementação efetiva da<br />
igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, através <strong>do</strong> atendimento e o acompanhamento psicossocial<br />
e jurídico, com orientação nas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s; da promoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates, estu<strong>do</strong>s<br />
e propostas sobre a realida<strong>de</strong> social brasileira, produzin<strong>do</strong> indica<strong>do</strong>res sociais e<br />
avaliação <strong>de</strong> políticas sociais; <strong>do</strong> favorecimento da participação das mulheres<br />
em grupos <strong>de</strong> reflexão com vistas à recuperação e/ou elevação <strong>de</strong> sua<br />
autoestima e ao reconhecimento e exercício <strong>de</strong> seus direitos.<br />
Assim, se o acesso às instâncias oficiais <strong>de</strong> justiça apresentam falhas – e<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente disso –, <strong>de</strong>vemos investir nas políticas <strong>de</strong> estruturação e <strong>de</strong><br />
sensibilização <strong>do</strong> sistema judicial mas, sobretu<strong>do</strong>, na construção da re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
equipamentos sociais para a prevenção e o enfrentamento da violência <strong>de</strong><br />
gênero, na perspectiva não só <strong>de</strong> otimização <strong>do</strong>s procedimentos <strong>de</strong><br />
encaminhamento e acompanhamento, inclusive no âmbito jurídico, mas também<br />
e principalmente para <strong>de</strong>stacar as dimensões <strong>de</strong> empo<strong>de</strong>ramento, autonomia e<br />
fortalecimento <strong>do</strong> exercício da cidadania feminina.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ALMEIDA, Suely Souza <strong>de</strong>. A Violência <strong>de</strong> Gênero como uma Violação <strong>do</strong>s<br />
<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: a situação brasileira. In: JORNADA INTERNACIONAL DE<br />
POLÍTICAS PÚBLICAS, 2., 2005. <strong>Anais</strong> eletrônicos [...] São Luís: EDUFMA,<br />
2005. Disponível em:<br />
. Acesso em: 20 jan. 2019.<br />
AUGUSTO, Cristiane Brandão. (Coord.). Violência contra a Mulher e as<br />
Práticas Institucionais: Projeto Pensan<strong>do</strong> o Direito, vol. 52, Brasília, DF: IPEA,<br />
Ministério da Justiça, 2015. Disponível em: .<br />
Acesso em: 22 jan.<br />
2019.<br />
47
BUTLER, Judith. Quadros <strong>de</strong> Guerra: quan<strong>do</strong> a vida é passível <strong>de</strong> luto? São<br />
Paulo: Civilização Brasileira, 2015.<br />
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório no. 54,<br />
Caso 12.051, <strong>de</strong> Maria da Penha Maia Fernan<strong>de</strong>s, Brasil. Brasília, DF: CIDH,<br />
2001. Disponível em: .<br />
Acesso em: 22 jan. 2019.<br />
COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO. Relatório. Brasília, DF:<br />
Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral, 2012. Disponível em:<br />
. Acesso<br />
em: 26 jan. 2019.<br />
OBSERVATÓRIO DA LEI MARIA DA PENHA. I<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> entraves na<br />
articulação <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> atendimento às mulheres vítimas <strong>de</strong> violência<br />
<strong>do</strong>méstica e familiar em cinco capitais. Salva<strong>do</strong>r: Observe, 2011. Disponível em:<br />
. Acesso em: 27 jan. 2019.<br />
PANDJIARJIAN, Valéria. Balanço <strong>de</strong> 25 anos da legislação sobre a violência<br />
contra as mulheres no Brasil. In: DINIZ, Carmen Simone G.; SILVEIRA, Lenira<br />
P. da; MIRIAN, Liz Andréa L. (Org.). Vinte e cinco anos <strong>de</strong> respostas<br />
brasileiras em violência contra a mulher (1980-2005): alcances e limites. São<br />
Paulo: Coletivo Feminista Sexualida<strong>de</strong> e Saú<strong>de</strong>, 2006. p. 78-139.<br />
POUGY, Lilia Guimarães. Desafios políticos em tempos <strong>de</strong> Lei Maria da Penha.<br />
Rev. Katál., Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 76-85, jan./jun. 2010. Disponível em:<br />
. Acesso em: 27 jan. 2019.<br />
SANTIAGO, Marisa Antunes; GONÇALVES, Hebe Signorini. Universalida<strong>de</strong><br />
possível ou reducionismo exclu<strong>de</strong>nte? Entre a Lei Maria da Penha e o<br />
Desenrolo. [Florianópolis: UFSC], 2013. Disponível em:<br />
. Acesso e: 28 jan. 2019.<br />
48
RESUMO<br />
A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR – O<br />
CASO DA ESTGL<br />
GUEDES, Anabela Fernan<strong>de</strong>s<br />
Doutoramento<br />
ague<strong>de</strong>s@estgl.ipv.pt<br />
MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />
Doutoramento<br />
psantos@estgl.ipv.pt<br />
ANTUNES, Sandra Maria<br />
Doutoramento<br />
santunes@estgl.ipv.pt<br />
As instituições <strong>de</strong> ensino têm como principal incumbência fazer cumprir o artigo<br />
26ª da Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e estão, por isso, obrigadas<br />
a cumprir o <strong>de</strong>safio que têm inerente à sua missão. Mais <strong>do</strong> que qualquer outra<br />
ativida<strong>de</strong> institucionalizada, é a educação o sector que mais pessoas envolve.<br />
Fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e económico incontestável, as Instituições <strong>de</strong><br />
Ensino Superior têm como principal objetivo a qualificação <strong>de</strong> alto nível <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />
os que as frequentam e são, por isso, responsáveis por melhorar as<br />
competências e preparar os jovens para a vida ativa. Inserida na região <strong>de</strong><br />
Lamego, a ESTGL, uma unida<strong>de</strong> orgânica <strong>do</strong> Instituto Politécnico <strong>de</strong> Viseu, é<br />
uma instituição <strong>de</strong> ensino superior igual a tantas outras neste país que preten<strong>de</strong><br />
cumprir a missão para a qual foi criada e é uma fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social<br />
e económico da região <strong>de</strong> Lamego. Este artigo tem como objetivo refletir em<br />
relação à missão das instituições <strong>do</strong> ensino superior e à evolução da ESTGL<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrou em funcionamento, no ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001, até aos dias<br />
<strong>de</strong> hoje.<br />
Palavras-chaves: Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior, Ensino, ESTGL<br />
INTRODUÇÃO<br />
A incessante vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>minar o conhecimento acompanha a trajetória<br />
humana. A importância <strong>de</strong>sta vonta<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser materializada, por exemplo, pela<br />
constante procura <strong>de</strong>fendida por Platão em compreen<strong>de</strong>r a natureza <strong>do</strong><br />
conhecimento. Platão <strong>de</strong>dicou a sua vida a esta tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a<br />
49
essência <strong>do</strong> saber. Já para a fé hindu, o conhecimento representava uma das<br />
três vias <strong>de</strong> acesso à divinda<strong>de</strong>. No entanto, na História da Humanida<strong>de</strong>, a<br />
presença <strong>do</strong> conhecimento vai muito além <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e crenças. O conhecimento<br />
e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação é o que distingue o Homem <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais<br />
seres-humanos, sen<strong>do</strong> que a liberda<strong>de</strong> humana está intimamente ligada a esta<br />
mesma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter informação, ou seja, a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> fazermos<br />
isto ou aquilo supõe que tenhamos a informação necessária para tomarmos esta<br />
ou aquela <strong>de</strong>cisão e isso repercute-se no nosso livre arbítrio. Diz-se mesmo que<br />
“o conhecimento é a moeda <strong>do</strong> nosso tempo” e é neste contexto <strong>de</strong> uma<br />
aparente necessida<strong>de</strong> básica ao ser-humano que as instituições <strong>de</strong> ensino são<br />
e serão (sempre) a melhor resposta.<br />
Criadas com o objetivo <strong>de</strong> serem concebidas como instrumentos <strong>de</strong><br />
mudança e transformação social orienta<strong>do</strong>s para o enriquecimento da vida<br />
humana, as instituições <strong>de</strong> ensino têm, pois, a missão da realização máxima <strong>do</strong><br />
potencial inerente ao indivíduo visan<strong>do</strong> a sua formação integral. Na esteira,<br />
surgem as instituições <strong>de</strong> ensino superior que almejam a concretização <strong>de</strong>sse<br />
mesmo objetivo, com benefícios para quem as frequenta e para a socieda<strong>de</strong>,<br />
com claras vantagens que se refletem, em primeira e última instância na<br />
felicida<strong>de</strong> das pessoas.<br />
OBJETIVOS<br />
Este trabalho tem como objetivo refletir em relação à missão das<br />
instituições <strong>do</strong> ensino superior e à missão da ESTGL <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se implementou<br />
na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lamego e entrou em funcionamento, no ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Talvez possamos afirmar, sem que pareça particularmente redutor, que o<br />
objetivo principal da escola é que esta forme os seus alunos <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a ver<br />
concretiza<strong>do</strong> o ponto 5 <strong>do</strong> Artigo 2º da Lei <strong>de</strong> Bases <strong>do</strong> Sistema Educativo,<br />
promoven<strong>do</strong>:<br />
… o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> espírito <strong>de</strong>mocrático e pluralista, respeita<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong>s outros e das suas i<strong>de</strong>ias, aberto ao diálogo e à livre troca <strong>de</strong><br />
opiniões, forman<strong>do</strong> cidadãos capazes <strong>de</strong> julgarem com espírito crítico<br />
50
e criativo o meio social em que se integram e <strong>de</strong> se empenharem na<br />
sua transformação progressiva. (Portugal , 1986)<br />
A escola <strong>de</strong> hoje assume um papel único e primordial <strong>de</strong> integração <strong>do</strong><br />
saber, uma vez que tem <strong>de</strong> atuar em várias frentes: por um la<strong>do</strong>, diminuir e<br />
combater a exclusão <strong>do</strong>s alunos da socieda<strong>de</strong> da informação; por outro la<strong>do</strong>,<br />
concretizar a troca <strong>de</strong> saberes e a interação social. É ainda essencial que o<br />
professor, sobretu<strong>do</strong>, entenda claramente que numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, a<br />
educação <strong>de</strong>ve estar ao serviço <strong>de</strong> todas as pessoas, não com o objetivo <strong>de</strong> se<br />
tornarem universitários, mas com o objetivo <strong>de</strong> que sejam pessoas capazes <strong>de</strong><br />
dar respostas aos problemas com que se vão <strong>de</strong>bater ao longo da vida (Zabala,<br />
1999).<br />
A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s no acesso a melhores empregos e à<br />
realização pessoal e profissional das pessoas é um <strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios com que se<br />
<strong>de</strong>bate qualquer projeto educativo alicerça<strong>do</strong> em qualquer estabelecimento <strong>de</strong><br />
ensino. A escola, no senti<strong>do</strong> lato, e as instituições <strong>de</strong> ensino, no senti<strong>do</strong> restrito,<br />
têm o papel <strong>de</strong>cisivo enquanto <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> saberes consagra<strong>do</strong>s em matéria<br />
<strong>de</strong> teoria e prática da educação, sen<strong>do</strong>, por isso, a materialização <strong>de</strong> toda a<br />
filosofia política da educação que está incorporada em qualquer sistema<br />
educativo vigente.<br />
Pelo facto <strong>de</strong> acreditarmos genuinamente nas i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> parágrafo anterior<br />
e inspiradas em Card (2016), norteamos agora a nossa reflexão em torno <strong>do</strong><br />
facto da educação ser o principal fator para <strong>de</strong>terminar as diferenças salariais,<br />
não negligencian<strong>do</strong> que, com estas, vêm as outras <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s (Card, 2016).<br />
Ora, se por um la<strong>do</strong> acreditamos que a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s por parte <strong>de</strong><br />
to<strong>do</strong>s quantos assim o <strong>de</strong>sejem <strong>de</strong>ve ser uma preocupação incessante da<br />
escola, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> nos inquietar com o facto <strong>de</strong> sabermos que o<br />
ensino superior tem, ainda, um perfil altamente elitista. (Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018)<br />
Para fazer cumprir a sua missão, qualquer estabelecimento <strong>de</strong> ensino terá<br />
<strong>de</strong> cumprir o <strong>de</strong>sígnio para o qual foi cria<strong>do</strong>: a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar<br />
cidadãos livres, autónomos e responsáveis e, com isso, profissionais<br />
competentes, sen<strong>do</strong> que a frequência <strong>do</strong> ensino superior acarreta por si só (e <strong>de</strong><br />
imediato) incomensuráveis vantagens que não se resumem às económicas.<br />
51
Cidadãos bem forma<strong>do</strong>s pensam melhor e quem pensa melhor toma melhores<br />
<strong>de</strong>cisões e quem toma melhores <strong>de</strong>cisões é mais feliz. De uma maneira muito<br />
natural, po<strong>de</strong>mos afirmar que a frequência <strong>do</strong> ensino superior acarreta, por um<br />
la<strong>do</strong>, benefícios para os próprios indivíduos e para as socieda<strong>de</strong>s e por outro<br />
la<strong>do</strong>, essa vantagem po<strong>de</strong> refletir-se na felicida<strong>de</strong> das pessoas, fazen<strong>do</strong> com<br />
que se sintam mais satisfeitas com a vida, já que “a educação superior está<br />
associada a um conjunto <strong>de</strong> comportamentos que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> virtuosos”<br />
(Figueire<strong>do</strong>, et al., 2017, p. 26). Na verda<strong>de</strong>, “indivíduos mais escolariza<strong>do</strong>s<br />
ten<strong>de</strong>m a ter menos comportamentos antissociais, auto ou hetero<strong>de</strong>strutivos e a<br />
participar mais ativamente nos diálogos da sua comunida<strong>de</strong>.” (Figueire<strong>do</strong>, et al.,<br />
2017, p. 11). Por outras palavras, além <strong>do</strong> efeito imediato no bem-estar da<br />
educação,ela própria, a educação tem também um efeito i indireto, ao promover<br />
todas essas outras dimensões <strong>do</strong> bem-estar individual e coletivo. (Powdthavee,<br />
Lekfuangfu, & Woo<strong>de</strong>n, 2015)<br />
Contu<strong>do</strong>, a nossa tónica aqui é a <strong>de</strong> refletir em relação ao facto <strong>de</strong> as<br />
instituições <strong>de</strong> ensino superior localizadas no interior terem (ou não) a missão <strong>de</strong><br />
contribuir para o fim <strong>de</strong> um elitismo que ainda se sente e qual a importância que<br />
lhes é atribuída por contribuírem, como nós <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos, para um <strong>de</strong>créscimo<br />
das diferenças entre indivíduos menos afortuna<strong>do</strong>s pelo facto <strong>de</strong> não viverem no<br />
litoral ou <strong>de</strong> não serem provenientes <strong>de</strong> famílias abastadas, munin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />
quantos as frequentam <strong>de</strong> competências, <strong>de</strong> maneira a cumprir-se a igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s no acesso a melhores empregos e à realização pessoal que<br />
antes já evocámos.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Para esta investigação foi conduzida uma pesquisa exploratória <strong>de</strong> fontes<br />
bibliográficas e feita uma análise <strong>do</strong>cumental.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
……….ENSINO POLITÉCNICO<br />
O ensino politécnico foi concebi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se alargou a reflexão em<br />
relação à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se contemplar não apenas o tradicional ensino<br />
52
conceptual, mas para se integrar um ensino consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> “mais prático” e, por<br />
isso, mais liga<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> certas profissões, com a tónica no “saber<br />
fazer”. O <strong>de</strong>creto-lei nº 513T/79 <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> setembro estabelecia, então, que "o<br />
ensino superior politécnico - <strong>de</strong>signação porque passa a ser conheci<strong>do</strong> o ensino<br />
superior <strong>de</strong> curta duração ... visa, no essencial, <strong>do</strong>tar o País com os profissionais<br />
<strong>de</strong> perfil a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong> que este carece para o seu <strong>de</strong>senvolvimento". (Portugal,<br />
1979)<br />
Nos apelida<strong>do</strong>s países oci<strong>de</strong>ntais, no final <strong>do</strong>s anos cinquenta e durante<br />
a década <strong>de</strong> 60 <strong>do</strong> século XX e fruto <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico e social<br />
verifica<strong>do</strong> na altura, eis que se assiste a uma enorme pressão nos diferentes<br />
sistemas educativos com o intuito <strong>de</strong> lhes “introduzir reformas estruturais que<br />
permitissem respon<strong>de</strong>r às novas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento. (Braga,<br />
1994, p. 7)<br />
Como atesta Braga (1994), as reformas a que nos referimos traduziramse,<br />
entre outras, em “expandir, diversificar e regionalizar o ensino superior e <strong>de</strong><br />
permitir uma igualda<strong>de</strong> social no acesso e sucesso escolar.” (Braga, 1994, p. 8)<br />
O caminho para o estabelecimento <strong>do</strong> ensino politécnico foi um caminho<br />
longo e cheio <strong>de</strong> contrarieda<strong>de</strong>s a partir <strong>de</strong> 1973. Não ignoran<strong>do</strong> os percalços e<br />
os atrasos e avanços que nos fizeram chegar até aqui, assinalamos neste<br />
trabalho a data <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986, data da publicação da lei <strong>de</strong> bases <strong>do</strong><br />
Sistema Educativo on<strong>de</strong> ficou consagrada a existência <strong>do</strong>s 2 subsistemas <strong>de</strong><br />
ensino superior que hoje conhecemos: o universitário e o politécnico. (Sousa,<br />
1999)<br />
A procura regional da educação superior, nomeadamente o acesso e a<br />
frequência <strong>do</strong>s Institutos politécnicos reflete, ainda hoje, persistentes dicotomias<br />
nacionais e regionais, materializadas numa evi<strong>de</strong>nte diferenciação institucional,<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> sistema superior binário, como po<strong>de</strong>mos constatar na tabela que<br />
abaixo apresentamos.<br />
53
Tabela 1 - Alunos <strong>do</strong> Ensino Superior<br />
Anos Universitário Politécnico<br />
Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres<br />
2000 30 498 11 307 19 191 23 757 7 351 16 406<br />
2001 31 950 11 930 20 020 29 190 8 162 21 028<br />
2002 33 371 12 510 20 861 30 727 8 541 22 186<br />
2003 35 498 13 306 22 192 33 013 9 185 23 828<br />
2004 36 293 13 954 22 339 32 375 9 494 22 881<br />
2005 36 455 13 931 22 524 33 532 10 414 23 118<br />
2006 38 541 14 642 23 899 33 287 10 198 23 089<br />
2007 46 255 19 152 27 103 37 021 12 978 24 043<br />
2008 47 824 20 165 27 659 36 185 13 735 22 450<br />
2009 48 848 21 388 27 460 27 719 9 797 17 922<br />
2010 50 656 21 882 28 774 27 953 9 472 18 481<br />
2011 50 528 21 890 28 638 28 257 9 764 18 493<br />
2012 53 368 22 651 30 717 28 042 9 928 18 114<br />
2013 54 329 23 406 30 923 26 570 9 405 17 165<br />
2014 51 225 22 206 29 019 24 681 8 840 15 841<br />
2015 52 367 22 326 30 041 24 525 8 849 15 676<br />
2016 51 068 21 810 29 258 22 018 8 398 13 620<br />
2017 51 335 21 883 29 452 25 699 10 539 15 160<br />
Fonte: PORDATA, 2018<br />
Já referencia<strong>do</strong> anteriormente, o estu<strong>do</strong> “O Custo <strong>do</strong>s Estudantes no<br />
Ensino Superior Português” concluía que, globalmente, o grau <strong>de</strong> equida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Ensino Superior Português, medi<strong>do</strong> pela representação <strong>de</strong> cada<br />
grupo social da população portuguesa em estudantes <strong>do</strong> ensino superior, é ainda<br />
baixo, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> um perfil (ainda) <strong>de</strong> ensino elitista.<br />
Das conclusões que o mesmo apresentou, <strong>de</strong>stacamos:<br />
● “Foi o ensino politécnico público que apresentou um maior peso da<br />
perceção <strong>de</strong> pertencer ao grupo <strong>de</strong> baixos rendimentos (20,5%)…”<br />
(Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018, p. 45)<br />
● “Os estudantes <strong>do</strong> ensino politécnico público eram aqueles cujos pais<br />
menos ocupavam posições <strong>de</strong> quadros superiores <strong>de</strong> empresas ou<br />
organismos públicos, com apenas 3,6% nessa situação…” (Cer<strong>de</strong>ira, et<br />
al., 2018, p. 55)<br />
● “Registaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os<br />
estudantes consoante o tipo <strong>de</strong> ensino, sen<strong>do</strong> no ensino politécnico<br />
54
público on<strong>de</strong> se registou o menor grupo <strong>de</strong> habilitações superiores <strong>de</strong> pais<br />
e mães…” (Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018, p. 63)<br />
● “O ensino politécnico público apresentou a maior taxa <strong>de</strong> bolseiros, 36%<br />
<strong>do</strong>s estudantes inquiri<strong>do</strong>s...” (Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018, p. 70)<br />
● “A perceção <strong>do</strong>s estudantes em relação ao estatuto socioeconómico e<br />
habilitacional <strong>do</strong>s pais apontava para um certo elitismo, com 16,6% a<br />
consi<strong>de</strong>rar que provinham <strong>de</strong> agrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “baixos rendimentos”, 46,7%<br />
<strong>de</strong> “rendimentos médios” e 36,7% <strong>de</strong> “rendimentos altos/médio alto”.<br />
Foram os estudantes <strong>do</strong> ensino priva<strong>do</strong> que referiram uma percentagem<br />
mais elevada <strong>de</strong> “rendimentos altos/médio alto” (47,3%); e foram os<br />
estudantes <strong>do</strong> ensino politécnico público os que indicaram uma<br />
percentagem mais elevada <strong>de</strong> “rendimentos baixos” (20,5%).” (Cer<strong>de</strong>ira,<br />
et al., 2018, p. 129)<br />
A acrescentar aos da<strong>do</strong>s recolhi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> que acima apresentámos,<br />
<strong>de</strong>stacamos, ainda, que um <strong>do</strong>s fatores mais relevantes para explicar as<br />
escolhas <strong>do</strong>s jovens em relação ao ensino superior é a escolarida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais, e<br />
em especial, a da mãe. Esta circunstância vai <strong>de</strong>terminar a frequência <strong>do</strong> ensino<br />
superior por parte <strong>do</strong> filho. Portanto, o acesso ao ensino superior continua<br />
marca<strong>do</strong> por profundas diferenças sociais, sen<strong>do</strong> que o estatuto <strong>do</strong>s pais e a<br />
suas vivências <strong>de</strong>terminam o percurso escolar <strong>do</strong>s filhos. (Homem, 2018)<br />
Por tu<strong>do</strong> quanto foi dito anteriormente, consi<strong>de</strong>ramos que a missão das<br />
Instituições <strong>de</strong> Ensino Politécnico é uma missão que não se resume apenas à<br />
transmissão <strong>de</strong> saber, mas antes a <strong>de</strong> contribuir para que a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso<br />
<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos as frequentam seja uma missão por si só e que <strong>de</strong>ve, (não só),<br />
mas sobretu<strong>do</strong> por isso, ser enaltecida.<br />
……….A MISSÃO (POSSÍVEL) DA ESTGL<br />
Vingar num território <strong>do</strong> interior terá si<strong>do</strong> o maior <strong>de</strong>safio a que a ESTGL<br />
se propôs aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu estabelecimento, pelo Decreto-Lei 264/99 <strong>de</strong> 14 julho,<br />
no ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001, primeiro ano <strong>de</strong> funcionamento sob a missão <strong>de</strong>:<br />
a) Desenvolver global e equilibradamente, no aluno, competências<br />
intelectuais, culturais, <strong>de</strong> investigação e <strong>de</strong> actualização permanente<br />
ao longo da vida, visan<strong>do</strong> uma qualificação <strong>de</strong> alto nível, numa<br />
55
perspectiva <strong>de</strong> rentabilização <strong>de</strong> sinergias entre as necessida<strong>de</strong>s e as<br />
ofertas <strong>de</strong> formação, com vista à correcta integração <strong>do</strong> aluno no<br />
merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho, num quadro <strong>de</strong> referência nacional e<br />
internacional;<br />
b) Implementar, na Instituição, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Inovação e Excelência<br />
nos planos da educação, formação, investigação e intervenção na<br />
comunida<strong>de</strong>, valorizan<strong>do</strong> as activida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s seus <strong>do</strong>centes,<br />
investiga<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>mais trabalha<strong>do</strong>res, estimulan<strong>do</strong> a permanente<br />
formação intelectual e profissional <strong>do</strong>s seus estudantes numa lógica <strong>de</strong><br />
valorização <strong>do</strong>s recursos humanos asseguran<strong>do</strong> as condições para<br />
que to<strong>do</strong>s os cidadãos <strong>de</strong>vidamente habilita<strong>do</strong>s possam ter acesso ao<br />
ensino superior, integran<strong>do</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> formação ao longo da<br />
vida ajustada aos novos <strong>de</strong>safios;<br />
c) Promover a mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudantes e diploma<strong>do</strong>s quer a nível<br />
nacional, quer internacional, preferencialmente para países <strong>do</strong> espaço<br />
europeu e países <strong>de</strong> expressão oficial portuguesa, no âmbito da<br />
política <strong>de</strong>finida pelo IPV;<br />
d) Participar em activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ligação à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>signadamente<br />
<strong>de</strong> difusão e transferência <strong>de</strong> conhecimento, assim como contribuir<br />
para a valorização económica <strong>do</strong> conhecimento científico;<br />
e) Contribuir para a compreensão pública <strong>do</strong> conhecimento, da ciência<br />
e da tecnologia promoven<strong>do</strong> e organizan<strong>do</strong> acções <strong>de</strong> apoio à difusão<br />
da cultura disponibilizan<strong>do</strong> os recursos e meios necessários para esses<br />
fins. (ESTGL)<br />
Com a visão <strong>de</strong> “fazer evoluir a Instituição para um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> referência,<br />
nos planos da educação, formação, investigação, e intervenção na comunida<strong>de</strong>,<br />
numa lógica <strong>de</strong> valorização <strong>de</strong> recursos humanos, integran<strong>do</strong> uma perspectiva<br />
<strong>de</strong> formação ao longo da vida ajustada aos novos <strong>de</strong>safios” (ESTGL), a ESTGL,<br />
<strong>de</strong>slocalizada <strong>do</strong> campus principal <strong>do</strong> IPV, tem contribuí<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a altura da<br />
sua criação, para a valorização <strong>do</strong> território on<strong>de</strong> está inserida e é um<br />
instrumento <strong>de</strong> mudança e transformação social orienta<strong>do</strong> para o enriquecimento<br />
<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos a frequentam.<br />
Em relação ao exposto anteriormente, também a literatura é unânime em<br />
consi<strong>de</strong>rar a importância das Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior para os territórios<br />
em que se encontram localizadas, sen<strong>do</strong> que essa importância não se limita ao<br />
impacto económico <strong>de</strong> que as mesmas são responsáveis. Há dimensões não tão<br />
facilmente quantificáveis que, na verda<strong>de</strong>, nos importa realçar, nomeadamente,<br />
a acessibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s estudantes da região ao ensino superior, permitin<strong>do</strong>-lhes<br />
prosseguir estu<strong>do</strong>s superiores, salientan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta forma, a missão pública <strong>do</strong><br />
Institutos Politécnicos.<br />
56
Com especial realce nas regiões <strong>do</strong> Interior, os Politécnicos são uma<br />
realida<strong>de</strong> com impacto inquestionável nas regiões on<strong>de</strong> estão localiza<strong>do</strong>s ao<br />
nível <strong>do</strong> <strong>de</strong>mográfico, social, político e cultural.<br />
O estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> pelo IPV <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Impacto Económico das<br />
Instituições <strong>do</strong> Ensino Superior no Desenvolvimento Regional: o caso <strong>do</strong> IPV<br />
revelou que o impacto total, “engloban<strong>do</strong> o impacto direto, indireto e induzi<strong>do</strong>…<br />
foi <strong>de</strong> 69,33 milhões <strong>de</strong> euros” (IPV, 2013, p. 23).<br />
Mais concluiu este estu<strong>do</strong> que<br />
cada euro gasto pelo esta<strong>do</strong> no financiamento <strong>do</strong> IPV, gerou-se um<br />
nível <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> económica nos concelhos <strong>de</strong> Viseu e <strong>de</strong> Lamego <strong>de</strong><br />
4,64 euros. Ten<strong>do</strong> em conta uma população ativa <strong>de</strong> 59.539, em Viseu<br />
<strong>de</strong> 46,665 e em Lamego <strong>de</strong> 11.874, o IPV é responsável pela criação<br />
<strong>de</strong> 3.271,60 empregos, o correspon<strong>de</strong>nte a 5,59% da população ativa<br />
nos locais em estu<strong>do</strong>. (IPV, 2013, pp. 27, 28)<br />
Embora não tenha si<strong>do</strong> o impacto económico aquele que nos moveu para<br />
a realização <strong>de</strong>ste trabalho, o mesmo não po<strong>de</strong> ser negligencia<strong>do</strong> e, como<br />
verificámos, o mesmo po<strong>de</strong> ser quantificável.<br />
Todavia, são as dimensões não quantificáveis aquelas que nos <strong>de</strong>safiam<br />
veementemente. A repercussão social da educação quan<strong>do</strong> relacionada a um<br />
conjunto <strong>de</strong> comportamentos virtuosos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos frequentam o ensino<br />
superior é, na verda<strong>de</strong>, o que mais nos moveu para levarmos a cabo esta<br />
reflexão. Na verda<strong>de</strong>, como po<strong>de</strong>mos ver na figura que abaixo apresentamos,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano letivo em que entrou em funcionamento, já estiveram inscritos na<br />
ESTGL 8.882 alunos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano letivo <strong>de</strong><br />
2009/10 diplomaram-se na ESTGL 1319 alunos.<br />
57
1000<br />
800<br />
600<br />
400<br />
200<br />
0<br />
Alunos inscritos<br />
Diploma<strong>do</strong>s<br />
Figura 1 - Alunos da ESTGL<br />
Fonte: Elaboração própria<br />
Como já referimos, a regionalização <strong>do</strong> ensino superior permite uma maior<br />
igualda<strong>de</strong> social no acesso escolar e é essa igualda<strong>de</strong> que nos move to<strong>do</strong>s os<br />
dias a acreditar que, embora trabalhan<strong>do</strong> com públicos menos privilegia<strong>do</strong>s e até<br />
menos motiva<strong>do</strong>s, não é um entrave para to<strong>do</strong>s quantos trabalham na ESTGL e<br />
encaram a educação no seu senti<strong>do</strong> mais preciso, ou seja, a encaram como os<br />
sofistas gregos e a concebem como a gran<strong>de</strong> responsável pela realização<br />
máxima <strong>do</strong> potencial inerente a cada aluno que a frequenta.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e a preocupação quan<strong>do</strong> não se cumpre<br />
um direito fundamental consagra<strong>do</strong> naquele que é o <strong>do</strong>cumento mais abrangente<br />
<strong>de</strong> uma nação, a sua Constituição, é para qualquer agente da educação quase<br />
como uma obsessão. Embora a <strong>de</strong>mocracia não tenha como base para a sua<br />
existência uma igualda<strong>de</strong> perfeita, a verda<strong>de</strong> é que é exigi<strong>do</strong> que as pessoas <strong>de</strong><br />
uma mesma espécie partilhem uma vida em comum e que nela vinguem, sem<br />
que para isso tenham si<strong>do</strong> munidas das mesmas oportunida<strong>de</strong>s. Os territórios<br />
<strong>do</strong> interior são <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>s a repensar as suas estratégias <strong>de</strong> maneira a que<br />
consigam fazer-se prosperar num país <strong>de</strong>sigual com <strong>de</strong>siguais estratégias <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento e consolidação.<br />
Os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> uma instituição <strong>do</strong> ensino superior <strong>do</strong> interior são<br />
necessariamente diferentes <strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma instituição análoga numa região mais<br />
58
favorecida e povoada, sen<strong>do</strong> que ambas terão <strong>de</strong> cumprir os mesmos requisitos<br />
legais para se implementarem e atingir os objetivos a que se propuseram. A<br />
dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> públicos a que se <strong>de</strong>stinam obrigam a to<strong>do</strong>s os que<br />
trabalham nestas instituições a uma envolvência emocional e física, já que a<br />
preocupação (uma vez os alunos chega<strong>do</strong>s), terá <strong>de</strong> ser a <strong>de</strong> os “fi<strong>de</strong>lizar”,<br />
almejan<strong>do</strong>, com isso, que sejam os alunos os porta-vozes <strong>do</strong> trabalho que se<br />
<strong>de</strong>senvolve e sejam eles a proliferar as boas práticas educativas por to<strong>do</strong>s os<br />
conheci<strong>do</strong>s. Embora sem da<strong>do</strong>s concretos para validar cientificamente esta<br />
nossa perceção, estamos certas que a satisfação <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong>s os que<br />
frequentam a ESTGL é uma das principais razões que dita o sucesso <strong>de</strong>sta<br />
instituição “à beira Douro plantada”. A entrega e <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos<br />
nela trabalham <strong>de</strong>veria ser alvo <strong>de</strong> reconhecimento diário por parte não só da<br />
população da cida<strong>de</strong>, como por to<strong>do</strong>s quantos têm responsabilida<strong>de</strong>s políticas e<br />
socias e com isto não queremos dizer que não o é, mas antes lamentar que não<br />
seja <strong>de</strong>vidamente reconheci<strong>do</strong> às Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>do</strong> Interior o<br />
mérito por se fazerem vingar, por se reinventarem anualmente, por cumprirem,<br />
como nenhumas outras, o direito fundamental <strong>de</strong> proporcionar às populações a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso e frequência <strong>do</strong> ensino superior que, <strong>de</strong> outra maneira,<br />
não lhes seria possível.<br />
Desejar-se-ia que um sistema educativo fosse sempre um sistema on<strong>de</strong><br />
reinasse a coerência e a previsibilida<strong>de</strong> ainda que essa coerência e<br />
previsibilida<strong>de</strong> tenham, como sabemos, <strong>de</strong> ombrear com a constante mudança<br />
que a socieda<strong>de</strong> assim exige e os sistemas <strong>de</strong> ensino também.<br />
É neste emaranha<strong>do</strong> <strong>de</strong> mudanças constantes e <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios diferentes<br />
que se vão impon<strong>do</strong> quase anualmente que as instituições <strong>de</strong> ensino tentam,<br />
ano após ano, re<strong>de</strong>scobrir-se, reinventar-se e lá se vão implementan<strong>do</strong> no<br />
contexto <strong>de</strong> um país com fortes défices acumula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> educação e almejam,<br />
to<strong>do</strong>s os que lá trabalham, contribuir para uma socieda<strong>de</strong> que se quer, pelo<br />
menos ao nível da educação, o mais justa possível, tentan<strong>do</strong> sempre que o<br />
ensino superior ganhe uma carga simbólica, como se <strong>de</strong> um “eleva<strong>do</strong>r social” se<br />
tratasse, o que, por si só, justifica esse entusiasmo.<br />
59
REFERÊNCIAS<br />
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Politécnico da Guarda.<br />
Card, D. ( 2016). Público, 18 <strong>de</strong> julho.<br />
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Homem, A. (2018). Educação e ética da equida<strong>de</strong>. Em M. Patrão Neves, & D.<br />
Justino, Ética Aplicada:Educação (pp. 77-96). Lisboa: EDIÇÕES 70.<br />
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Desenvolvimento Regional: o caso <strong>do</strong> Instituto Politécnico <strong>de</strong> Viseu. Viseu:<br />
Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s em Educação, Tecnologias e Saú<strong>de</strong>.<br />
Portugal . (14 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986). Lei n.º 46/86 . Lei <strong>de</strong> Bases <strong>do</strong><br />
Sistema Educativo . Diário da República n.º 237/86 – I Série.<br />
Portugal. (26 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1979). Decreto-lei nº 513T/79. Diário da República.<br />
Powdthavee, N., Lekfuangfu, W. N., & Woo<strong>de</strong>n, M. (2015). What’s the good of<br />
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Sousa, A. (1999). Sobre a Génese <strong>do</strong> Ensino Politécnico. Millenium,13. Obti<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> http://www.ipv.pt/millenium/Millenium_13.htm<br />
Zabala, A. (1999). Enfoque <strong>Global</strong>iza<strong>do</strong>r e Pensamento Complexo. São Paulo:<br />
Artmed.<br />
60
A VISITA ÍNTIMA SOB A ÓTICA DA SAÚDE COMO DIREITO HUMANO<br />
E FUNDAMENTAL<br />
CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />
Advogada, Doutoranda, Universida<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Mar Del Plata<br />
palomagurgel_adv@hotmail.com.<br />
RESUMO<br />
Este trabalho tem como objeto a visita íntima nos presídios fe<strong>de</strong>rais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
Brasileiro, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o direito à saú<strong>de</strong> sob a ótica constitucional e<br />
humanitária. A justificativa da relevância temática está na inobservância das<br />
garantias constitucionais e da carta <strong>de</strong> direitos humanos. A inclusão e<br />
manutenção <strong>de</strong> presos em estabelecimentos penais não <strong>de</strong>veria romper os laços<br />
familiares, sobretu<strong>do</strong> porque a família tem sua unida<strong>de</strong> constitucional garantida.<br />
Além disso, é assegura<strong>do</strong> aos presos o respeito à integrida<strong>de</strong> física e moral. A<br />
meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> pesquisa utilizada é bibliográfica e <strong>de</strong> campo. Dentre os objetivos<br />
<strong>de</strong>ste trabalho: expandir o <strong>de</strong>bate acerca <strong>do</strong> tema a fim <strong>de</strong> colaborar com a<br />
expansão <strong>de</strong> medidas gerenciais que garantam a efetivação <strong>do</strong>s direitos em<br />
comento; discutir i<strong>de</strong>ias e compreen<strong>de</strong>r a evolução histórica <strong>de</strong> conquistas <strong>de</strong><br />
direitos nesta área. Dentre as conclusões <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>staque-se que a<br />
custódia no Sistema Penitenciário sem o direito <strong>de</strong> visita íntima gera alta<br />
afetação da integrida<strong>de</strong> psicofísica <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tentos, submeten<strong>do</strong>-os a malefícios<br />
que não se limitam à privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. A expressão da sexualida<strong>de</strong> é um<br />
<strong>do</strong>s itens <strong>do</strong> amplo conceito <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> da pessoa humana,<br />
diretamente relacionada ao direito à saú<strong>de</strong>.<br />
Palavras-chave: visita íntima; direito à saú<strong>de</strong>; direitos humanos.<br />
ABSTRACT<br />
This work has as object the conjugal visit in prisons of the State, whereas the<br />
right to health un<strong>de</strong>r the constitutional and humanitarian perspective. The<br />
justification of the thematic relevance is in compliance with the constitutional<br />
guarantees and the Charter of human rights. The inclusion and maintenance of<br />
prisoners in penal institutions shouldn't break the family ties, especially since the<br />
family has your guaranteed constitutional unit. Moreover, it is provi<strong>de</strong>d to<br />
61
prisoners respect for the physical and moral integrity. The research metho<strong>do</strong>logy<br />
used is bibliographical and field. One of the objectives of this work: to expand the<br />
<strong>de</strong>bate on the subject in or<strong>de</strong>r to collaborate with the expansion of management<br />
measures to ensure the implementation of the rights in comment; discuss i<strong>de</strong>as<br />
and un<strong>de</strong>rstand the historical evolution of human rights achievements in this area.<br />
One of the conclusions of this study, highlighted that the custody in the prison<br />
system without the right to conjugal generates high affectation of psychophysical<br />
integrity of prisoners, subjecting them to the evils that are not limited to<br />
<strong>de</strong>privation of liberty. The expression of sexuality is one of the items in the broad<br />
concept of integrity and completeness of the human person, directly related to<br />
the right to health.<br />
Keywords: conjugal; right to health; human rights.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O sistema penitenciário brasileiro, <strong>de</strong>ntre muitos problemas recorrentes,<br />
enfrenta um peculiar, aqui aborda<strong>do</strong> e <strong>de</strong> suma importância no tocante a direitos<br />
indispensáveis à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana: o direito <strong>de</strong> visita íntima.<br />
Inicialmente, ressalte-se que o apena<strong>do</strong> não <strong>de</strong>ve romper seus laços com<br />
familiares e amigos, pois estes lhe são benéficos, sobretu<strong>do</strong> porque a família,<br />
base da socieda<strong>de</strong>, tem sua unida<strong>de</strong> constitucionalmente garantida.<br />
É o que dispõe o artigo 226: “A família, base da socieda<strong>de</strong>, tem especial<br />
proteção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (...); § 4º Enten<strong>de</strong>-se também, como entida<strong>de</strong> familiar a<br />
comunida<strong>de</strong> formada por qualquer <strong>do</strong>s pais e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes”.<br />
Ainda, o artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, assegura ao preso<br />
a assistência familiar. As restrições <strong>de</strong> visitas trazem consigo uma verda<strong>de</strong>ira<br />
ruptura ao <strong>de</strong>senvolvimento salutar das relações matrimoniais ou <strong>de</strong><br />
companheirismo.<br />
O presente trabalho trata <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong>, mais especificamente sobre<br />
a visita íntima nos presídios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Brasileiro, sob a ótica constitucional e<br />
humanitária. A justificativa está na inobservância das garantias constitucionais e<br />
da carta <strong>de</strong> direitos humanos. Além disso, é assegura<strong>do</strong> aos presos o respeito à<br />
integrida<strong>de</strong> física e moral. A expressão da sexualida<strong>de</strong> é um <strong>do</strong>s itens <strong>do</strong> amplo<br />
62
conceito <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> da pessoa humana, diretamente<br />
relacionada ao direito à saú<strong>de</strong>.<br />
O distanciamento causa<strong>do</strong> pela proibição <strong>de</strong> visitas, assim, e por si só,<br />
teria como efeito maléfico direto a <strong>de</strong>sestruturação das relações familiares. A<br />
errônea <strong>de</strong>svaloração <strong>do</strong> apena<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> preocupação com sua<br />
cidadania atinge sua família, sem óbice da positivação da personalida<strong>de</strong> da<br />
pena.<br />
O indivíduo não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser pai, filho, esposa ou mari<strong>do</strong> para se tornar<br />
simplesmente o “<strong>de</strong>linquente”. São abaladas não apenas suas relações afetivas,<br />
mais ainda qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ressocialização <strong>do</strong> apena<strong>do</strong>.<br />
O que se observa na prática são medidas administrativas (portarias) que<br />
extrapolam os limites legais, violan<strong>do</strong> os princípios da legalida<strong>de</strong> e da hierarquia<br />
das leis. É frequente a proibição <strong>de</strong> visitas sociais e íntimas aos apena<strong>do</strong>s a<br />
partir <strong>de</strong> critérios abusivos.<br />
O princípio da legalida<strong>de</strong> inscrito no art. 5°, inciso II, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, e corrobora<strong>do</strong> pelo caput <strong>do</strong> art. 37, explicita a subordinação da<br />
ativida<strong>de</strong> administrativa à lei.<br />
De acor<strong>do</strong> com Hely Lopes Meirelles, “na Administração não há liberda<strong>de</strong>,<br />
nem vonta<strong>de</strong> pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tu<strong>do</strong><br />
que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permiti<strong>do</strong> fazer o que a lei<br />
autoriza”. (1992, p. 82).<br />
On<strong>de</strong> a portaria fere <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> frontal a lei, o regulamento, o <strong>de</strong>creto, o<br />
intérprete concluirá, <strong>de</strong> imediato, por sua ilegalida<strong>de</strong>. On<strong>de</strong> a portaria inova,<br />
crian<strong>do</strong> regime jurídico disciplina<strong>do</strong>r <strong>de</strong> um instituto, é ilegal e, pois, suscetível<br />
<strong>de</strong> censura jurisdicional.<br />
Base da formação humana, a unida<strong>de</strong> familiar sofre ao ver o cárcere tirar<br />
<strong>de</strong> si um <strong>de</strong> seus entes. Essa angústia, porém, tem <strong>de</strong> ser combatida. Impõe-se<br />
sua abordagem crítica, reluzin<strong>do</strong> a centralida<strong>de</strong> da família e, simultaneamente,<br />
reconhecen<strong>do</strong> seu caráter essencial para superação <strong>do</strong> cárcere. Assim a<br />
privação estará mais perto <strong>de</strong> se resumir à liberda<strong>de</strong>, e o princípio da<br />
personalida<strong>de</strong> da pena <strong>de</strong> tomar feições reais e justas.<br />
63
OBJETIVOS<br />
O objetivo geral <strong>de</strong>ste trabalho é <strong>de</strong>monstrar a fundamentação legal<br />
garanti<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> visita íntima nos presídios fe<strong>de</strong>rais brasileiros.<br />
Os objetivos específicos são: expandir o <strong>de</strong>bate acerca <strong>do</strong> tema, a fim <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r a evolução histórica <strong>de</strong> conquistas <strong>de</strong> direitos nesta área bem<br />
como colaborar com a expansão <strong>de</strong> medidas administrativas que garantam a<br />
efetivação <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong> nesses estabelecimentos.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
É grave a violação <strong>de</strong> direitos humanos constatada na realida<strong>de</strong> cotidiana<br />
<strong>do</strong> Brasil, há inobservância <strong>de</strong> garantias tão fundamentais a um esta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> direito.<br />
A violação ao direito <strong>de</strong> visitas íntimas e sociais é um <strong>do</strong>s aspectos mais<br />
importantes para manutenção da saú<strong>de</strong> mental <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tentos, resguarda<strong>do</strong> pela<br />
Lei <strong>de</strong> Execução Penal, em seu artigo 41.<br />
Diz-se <strong>de</strong>ste um direito limita<strong>do</strong> porque, além <strong>de</strong> o or<strong>de</strong>namento jurídico<br />
não abarcar nenhum direito <strong>de</strong> caráter absoluto, sofre uma série <strong>de</strong> restrições,<br />
tanto com relação às condições que <strong>de</strong>vem ser impostas por motivos morais, <strong>de</strong><br />
segurança e <strong>de</strong> boa or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> estabelecimento, como porque po<strong>de</strong> ser<br />
restringi<strong>do</strong> por ato motiva<strong>do</strong> <strong>do</strong> diretor <strong>do</strong> estabelecimento.<br />
Aquele que está cumprin<strong>do</strong> pena sofre, necessariamente, restrição <strong>de</strong><br />
seus direitos, a começar pelo direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e livre locomoção, já que tais<br />
impedimentos não se confun<strong>de</strong>m, nem po<strong>de</strong>riam, com o direito ao contato íntimo,<br />
expressamente garanti<strong>do</strong> por lei, e que não está entre os efeitos da sentença<br />
penal con<strong>de</strong>natória.<br />
A Lei <strong>de</strong> Execução penal, impedin<strong>do</strong> o excesso ou o <strong>de</strong>svio da execução<br />
que possa comprometer a dignida<strong>de</strong> e a humanida<strong>de</strong> da execução, torna<br />
expressa a extensão <strong>de</strong> direitos constitucionais aos presos e internos.<br />
Assegura, a<strong>de</strong>mais, condições para que os mesmos, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong><br />
sua situação social com o afastamento <strong>de</strong> inúmeros problemas surgi<strong>do</strong>s com o<br />
encarceramento.<br />
São reconheci<strong>do</strong>s assim os seguintes direitos constitucionais:<br />
64
1. o direito à vida. (Art. 5º, caput, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral);<br />
2. o direito à integrida<strong>de</strong> física e moral (art. 5º, III, V, X e XLIII, da CF e art.<br />
38 <strong>do</strong> Código Penal);<br />
3. o direito à proprieda<strong>de</strong> (material ou imaterial), ainda que o preso não<br />
possa temporariamente exercer alguns <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> proprietário (art.<br />
5º, XXII, XXVII, XXVIII, XXIX e XXX);<br />
4. o direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> convicção religiosa (art. 5º, VI,<br />
VII, VIII da CF, e art. 24 da Lei <strong>de</strong> Execuções Penais);<br />
5. o direito à instrução (art. 208, I e §1º da CF, e arts. 17 a 21 da LEP);<br />
6. o direito <strong>de</strong> representação e <strong>de</strong> petição aos Po<strong>de</strong>res Públicos, em <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>de</strong> direito ou contra abusos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> (art. 5º XXXIX, a, da CF, e art.<br />
41, XIV, da LEP);<br />
7. o direito à expedição <strong>de</strong> certidões requeridas às repartições<br />
administrativas, para <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos e esclarecimentos <strong>de</strong> situações<br />
<strong>de</strong> interesse pessoal (art. 5º XXXIX, b, LXXII, a e b, da CF);<br />
8. a in<strong>de</strong>nização por erro judiciário ou por prisão além <strong>do</strong> tempo fixa<strong>do</strong> na<br />
sentença (art. 5º LXXV).<br />
Além <strong>do</strong>s direitos constitucionais assegura<strong>do</strong>s, a própria Lei <strong>de</strong><br />
Execuções Penais elenca diversos outros direitos que são conferi<strong>do</strong>s ao<br />
sentencia<strong>do</strong>, ou por ela reconheci<strong>do</strong>s:<br />
1. o direito ao uso <strong>do</strong> próprio nome (Art. 41, XI, da LEP);<br />
2. o direito à alimentação, vestuário e alojamento, ainda que tenha o<br />
con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar o Esta<strong>do</strong> na medida <strong>de</strong> suas<br />
possibilida<strong>de</strong>s pelas <strong>de</strong>spesas com ele feitas durante a execução da pena<br />
(art. 12; 13; 29, §1º, d; e 41, I, da LEP);<br />
3. o direito a cuida<strong>do</strong>s e tratamento médico-sanitário em geral, conforme<br />
necessida<strong>de</strong>, ainda com os mesmos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> ressarcimento (art.<br />
14, caput, e § 2º, da LEP);<br />
65
4. o direito ao trabalho remunera<strong>do</strong> (art. 39 <strong>do</strong> CP; e 28 a 37 e 41, II, da<br />
LEP);<br />
5. o direito a se comunicar reservadamente com seu advoga<strong>do</strong> (arts. 7º, III,<br />
da Lei n° 8.906/1984; e art. 41, IX, da LEP);<br />
6. o direito à previdência social, embora com forma própria (nos termos <strong>do</strong><br />
art. 43 da LOPS[31] e art. 91 a 93 <strong>do</strong> respectivo regulamento, e arts. 39<br />
<strong>do</strong> CP e 41, III, da LEP);<br />
7. o direito a seguro contra aci<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> trabalho (art. 41, II, da LEP, e,<br />
implicitamente, art. 50, IV, da LEP);<br />
8. o direito à proteção contra qualquer forma <strong>de</strong> sensacionalismo (art. 41,<br />
VIII, da LEP);<br />
9. o direito à igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento salvo quanto à individualização da<br />
pena (art. 41, XII, da LEP);<br />
10. o direito à audiência especial com o diretor <strong>do</strong> estabelecimento (art. 41,<br />
XIII, da LEP);<br />
11. o direito à proporcionalida<strong>de</strong> na distribuição <strong>do</strong> tempo para o trabalho, o<br />
<strong>de</strong>scanso e a recreação (art. 41, V, da LEP);<br />
12. o direito a contato com o mun<strong>do</strong> exterior por meio <strong>de</strong> leitura e outros meios<br />
<strong>de</strong> informação que não comprometam a moral e os bons costumes (art.<br />
41, XV, da LEP);<br />
13. o direito à visita <strong>do</strong> cônjuge, da companheira, <strong>de</strong> parentes e amigos em<br />
dias <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s (art. 41, X, da LEP).<br />
Conforme assevera o parágrafo único <strong>do</strong> artigo 41, da Lei <strong>de</strong> Execuções<br />
Penais, os três últimos direitos po<strong>de</strong>m ser suspensos ou restringi<strong>do</strong>s mediante<br />
ato motiva<strong>do</strong> <strong>do</strong> diretor <strong>do</strong> estabelecimento penal. Portanto, os <strong>de</strong>mais não<br />
po<strong>de</strong>m sofrer suspensão ou restrição por parte das autorida<strong>de</strong>s penitenciárias<br />
ou <strong>do</strong> juiz.<br />
Aos presos são assegura<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os direitos não afeta<strong>do</strong>s pela sentença<br />
penal con<strong>de</strong>natória e seus direitos só po<strong>de</strong>m ser limita<strong>do</strong>s excepcionalmente nos<br />
casos expressamente previstos em lei.<br />
66
A lei <strong>de</strong> execução penal prevê expressamente as ocasiões em que os<br />
direitos po<strong>de</strong>m sofrer limitação <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> presídio.<br />
Além disso, o direito <strong>de</strong>ve ser garanti<strong>do</strong>, não apenas por constar <strong>de</strong><br />
mandamento legal, mas, sobretu<strong>do</strong>, para evitar que a abstinência sexual por<br />
perío<strong>do</strong> prolonga<strong>do</strong> contribua para o <strong>de</strong>sequilíbrio da pessoa, geran<strong>do</strong> um clima<br />
tenso no estabelecimento penitenciário, por conduzir, na maioria <strong>do</strong>s casos, ao<br />
homossexualismo, violan<strong>do</strong>-se, por consequência da imposição da opção<br />
sexual, o direito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, este, sim, <strong>de</strong> caráter absoluto<br />
em nosso or<strong>de</strong>namento.<br />
A<strong>de</strong>mais, embora não haja norma disciplinan<strong>do</strong> a remoção temporária <strong>de</strong><br />
presos para a visitação, fato é que não há proibição. Ou seja, na ausência <strong>de</strong><br />
regulamentação legal, cabe ao magistra<strong>do</strong> discricionariamente <strong>de</strong>ferir ou não o<br />
pedi<strong>do</strong>, com vistas às disposições legais referidas, sobretu<strong>do</strong> em atenção às<br />
limitações <strong>do</strong> caso concreto.<br />
Os vínculos familiares, afetivos e sociais são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s bases sólidas<br />
para afastar os con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s da <strong>de</strong>linquência. Não há como negar a necessida<strong>de</strong><br />
da humanização da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong> uma política<br />
<strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> assistência ao preso, que lhe facilite o acesso aos meios<br />
capazes <strong>de</strong> permitir-lhe o retorno à socieda<strong>de</strong> em condições <strong>de</strong> convivência<br />
normal.<br />
A <strong>do</strong>utrina penitenciária mo<strong>de</strong>rna, com acerta<strong>do</strong> critério proclama a tese<br />
<strong>de</strong> que o preso, mesmo após a con<strong>de</strong>nação, continua titular <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os direitos<br />
que não foram atingi<strong>do</strong>s pelo internamento prisional <strong>de</strong>corrente da sentença<br />
con<strong>de</strong>natória em que se impôs uma pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />
A expressão da sexualida<strong>de</strong> humana é um <strong>do</strong>s itens <strong>de</strong>sse amplo conceito<br />
<strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> da pessoa humana. Essa condição não é retirada<br />
da pessoa submetida ao regime prisional, pelo contrário, afeta ao preso uma<br />
série <strong>de</strong> questões importantes quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> sua sexualida<strong>de</strong>.<br />
Da<strong>do</strong> importante é apresenta<strong>do</strong> pela pesquisa<strong>do</strong>ra Ariane Cristina Silva<br />
ao estudar comportamentos <strong>de</strong> pessoas presos em penitenciárias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Minas Gerais, viu que: "Apesar das alterações anatômicas e fisiológicas, o<br />
problema maior da abstinência sexual está na medida em que isso significa<br />
67
abster-se <strong>de</strong> um contato mais íntimo com outra pessoa. No caso <strong>de</strong> presidiários,<br />
esse isolamento força<strong>do</strong>, além <strong>de</strong> ser contra a nossa própria natureza humana,<br />
po<strong>de</strong> resultar em graves consequências psíquicas, como baixa autoestima,<br />
melancolia, <strong>de</strong>pressão <strong>de</strong> difícil tratamento e principalmente agressivida<strong>de</strong>".<br />
O referi<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> ainda apresentou as seguintes conclusões que<br />
<strong>de</strong>monstram que, além da violência, há efeitos secundários que afetam a pessoa<br />
<strong>de</strong> diversas formas:<br />
18% <strong>do</strong>s presidiários disseram que a fome aumenta com a abstinência<br />
sexual;<br />
28% <strong>do</strong>s presidiários disseram que a ansieda<strong>de</strong> aumenta com a<br />
abstinência sexual;<br />
25% <strong>do</strong>s presidiários disseram que o nervosismo aumenta com a<br />
abstinência sexual;<br />
87% <strong>do</strong>s presidiários disseram que o sono diminui com a abstinência<br />
sexual;<br />
16% <strong>do</strong>s presidiários disseram que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumar aumenta com a<br />
abstinência sexual;<br />
25% <strong>do</strong>s presidiários afirmaram estar tristes e estressa<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à<br />
abstinência sexual;<br />
20% <strong>do</strong>s presidiários afirmaram estar mais agressivos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à<br />
abstinência sexual;<br />
20% <strong>do</strong>s presidiários afirmaram estar mais <strong>de</strong>primi<strong>do</strong>s e se isolam <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />
à abstinência sexual.<br />
Nota-se a alta afetação da integrida<strong>de</strong> psicofísica da pessoa que é<br />
afastada <strong>de</strong> seu exercício sexual, situação que se revela preocupante em relação<br />
aos presos que não contam com visitas íntimas.<br />
On<strong>de</strong> não houver respeito pela vida e pela integrida<strong>de</strong> física <strong>do</strong> ser<br />
humano, on<strong>de</strong> as condições mínimas para uma existência digna não forem<br />
asseguradas, não haverá espaço para a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana<br />
A Lei <strong>de</strong> Execução Penal impõe a todas as autorida<strong>de</strong>s o respeito à<br />
integrida<strong>de</strong> física e moral <strong>do</strong>s con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s presos provisórios. Assim, estão<br />
estes protegi<strong>do</strong>s quanto aos direitos humanos fundamentais <strong>do</strong> homem (vida,<br />
68
saú<strong>de</strong>, integrida<strong>de</strong> corporal e dignida<strong>de</strong> humana), porque servem <strong>de</strong> suporte aos<br />
<strong>de</strong>mais, que não existiriam sem aqueles. É o que prescreve o artigo 40.<br />
Também está previsto nas Regras Mínimas para Tratamento <strong>do</strong>s Presos<br />
da ONU (Organização das Nações Unidas), o princípio <strong>de</strong> que o sistema<br />
penitenciário não <strong>de</strong>ve acentuar os sofrimentos já inerentes à pena privativa <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> (item 57, 2ª parte).<br />
Não é aceitável, mesmo que em nome <strong>do</strong>s princípios da segurança<br />
pública e da or<strong>de</strong>m social, o Sistema Penitenciário Fe<strong>de</strong>ral venha agin<strong>do</strong> a revés<br />
da Constituição e Trata<strong>do</strong>s e Convenções <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> qual o Brasil é<br />
signatário.<br />
Isto porque, por mais que a segurança pública seja um valor muito caro,<br />
é imprescindível fazer prepon<strong>de</strong>rar o eixo estrutural <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />
Direito, qual seja a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
A meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> pesquisa utilizada é bibliográfica: leituras e pesquisas<br />
em livros e artigos publica<strong>do</strong>s na internet; e pesquisa <strong>de</strong> campo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong><br />
as rotineiras visitas realizadas aos presídios fe<strong>de</strong>rais em <strong>de</strong>corrência da atuação<br />
na advocacia criminal, que envolve entrevistas e consequentemente a atuação<br />
em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos aqui discuti<strong>do</strong>s e macula<strong>do</strong>s na prática, garanti<strong>do</strong>s pela<br />
legislação.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Dentre as conclusões <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>staque-se que a custódia no<br />
Sistema Penitenciário Fe<strong>de</strong>ral sem a permissão <strong>de</strong> visitas sociais e,<br />
especificamente, íntimas, está a gerar danos psíquicos e emocionais,<br />
submeten<strong>do</strong> os con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s a malefícios que não se limitam à privação <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong>.<br />
O sistema constitucional brasileiro não admite direitos e garantias<br />
absolutas, mas impõe que as limitações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m jurídica se <strong>de</strong>stinem <strong>de</strong> um<br />
la<strong>do</strong>, a proteger a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> interesse social e <strong>de</strong> outro, assegurar a<br />
coexistência harmoniosa das liberda<strong>de</strong>s.<br />
69
É inquestionável a gravida<strong>de</strong> das consequências psicológicas geradas<br />
pelo aprisionamento e tal, alia<strong>do</strong> a abstinência sexual e privação <strong>de</strong> outros<br />
direitos afetam a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />
Por to<strong>do</strong> o exposto, conclui-se não está assegurada a coexistência<br />
harmônica <strong>de</strong> valores constitucionais relevantes. O fato é que as constantes<br />
proibições <strong>de</strong> visitas aos <strong>de</strong>tentos, contrarian<strong>do</strong> as normas básicas <strong>do</strong> nosso<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico, na maioria <strong>do</strong>s casos, ultrapassam a medida da<br />
razoabilida<strong>de</strong>.<br />
Evi<strong>de</strong>nte que o direito à visita íntima está relaciona<strong>do</strong> à saú<strong>de</strong>. Este, por<br />
sua vez, é direito fundamental, <strong>de</strong> segunda geração. O seu <strong>de</strong>srespeito macula<br />
uma conquista histórica, garantida constitucionalmente.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
A Constituição da República, como norma matriz, veda a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> penas<br />
cruéis e <strong>de</strong> caráter perpétuo (art. 5º, inciso XLVII, da CF), garante a<br />
individualização na execução da pena (art. 5º, inciso XLVIII, da CF) e assegura<br />
os presos o respeito à integrida<strong>de</strong> física e moral (art. 5º, inciso XLIX, da CF).<br />
É princípio orienta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sistema penitenciário <strong>de</strong> que o preso não <strong>de</strong>ve<br />
romper seus contatos com o mun<strong>do</strong> exterior, não per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> os vínculos que os<br />
unem aos familiares, amigos, cônjuges/companheiros, pois são laços<br />
extremamente benéficos aos presos e facilitam o processo <strong>de</strong> ressocialização e<br />
<strong>de</strong> reinserção social na comunida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> for coloca<strong>do</strong> em liberda<strong>de</strong>.<br />
Conforme versa o artigo 41 em seu parágrafo único, os direitos previstos<br />
nos incisos V, X e XV po<strong>de</strong>rão ser suspensos ou restringi<strong>do</strong>s mediante ato<br />
motiva<strong>do</strong> <strong>do</strong> diretor <strong>do</strong> estabelecimento prisional.<br />
Em vias práticas, vislumbra-se gran<strong>de</strong> discussão quanto à restrição <strong>de</strong><br />
tais direitos. Sob a ótica jurídica, verifica-se enorme atribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />
discricionários nas mãos <strong>do</strong>s diretores <strong>do</strong>s estabelecimentos prisionais. Isso<br />
gera uma série <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>s disfarçadas <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> administrativa.<br />
Decidir sobre qual direito uma pessoa po<strong>de</strong>rá usufruir não é simplesmente<br />
observar to<strong>do</strong>s os preceitos concernentes aos atos administrativos.<br />
70
Muito comum na prática, por exemplo, a aplicação <strong>de</strong> sansão disciplinar<br />
coletiva na execução penal. Para que seja aplicada a reprimenda em razão <strong>do</strong><br />
cometimento <strong>de</strong> falta é imprescindível a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> autor e pormenorização<br />
<strong>de</strong> sua conduta.<br />
A vedação a sanções coletivas <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> artigo 5º, XLV, da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, o qual dispõe que nenhuma pena passará da pessoa <strong>do</strong> <strong>de</strong>linquente<br />
em atenção ao princípio da responsabilida<strong>de</strong> pessoal.<br />
Noutro giro, a suspensão <strong>de</strong> visitas íntimas não po<strong>de</strong> ocorrer por mais <strong>de</strong><br />
30 (trinta) dias, nos termos <strong>do</strong> artigo 58 da Lei <strong>de</strong> Execução Penal. E mais neste<br />
ponto, é recorrente a ilegalida<strong>de</strong> perpetrada pelos agentes administrativos.<br />
Não <strong>de</strong>vemos e não po<strong>de</strong>mos retirar direitos a custo <strong>de</strong> “fazer justiça”, a<br />
custo da saú<strong>de</strong>, física e mental. Não po<strong>de</strong>mos seguir distorcen<strong>do</strong> justiça e<br />
direitos humanos. Devemos primar pela justiça, que se faz em observância à<br />
estrita legalida<strong>de</strong>.<br />
Dentre os direitos assegura<strong>do</strong>s aos con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s está aquele <strong>de</strong> cumprir a<br />
reprimenda imposta em estabelecimento prisional próximo <strong>de</strong> sua família, como<br />
forma <strong>de</strong> manter os vínculos afetivos e garantir a assistência familiar, emocional<br />
e social, contribuin<strong>do</strong> para a harmônica integração social.<br />
O afastamento <strong>do</strong> preso <strong>do</strong> meio social e familiar com o consequente<br />
rompimento <strong>do</strong>s laços familiares reconhecidamente importantes para a<br />
ressocialização, só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>creta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> há provas suficientes <strong>de</strong> que o<br />
preso realmente se enquadra ou continua se enquadran<strong>do</strong> nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> artigo<br />
3 <strong>do</strong> Decreto n. 6.877/2009, o que, seguramente, assim com a sua renovação<br />
tem que respeitar a excepcionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> art. 10 da Lei 11.671/2008.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil. Brasília-DF:<br />
Sena<strong>do</strong>: 1988.<br />
BRASIL. Lei n º11.671 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008. Brasília-DF: 2008.<br />
BRASIL. Lei nº 7.210 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1984. Brasília-DF, 1984.<br />
71
MENDES DE SOUZA, Paulo <strong>de</strong> Tarso. Apontamentos <strong>de</strong> Direito<br />
Constitucional. Brasília/Teresina: Fundação Astrojil<strong>do</strong> Pereira, 2009.<br />
SANCHES, Ramírez v. França. Petição Nº 59450/00, Corte Europeia <strong>de</strong><br />
<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. p.145.<br />
SILVA, Ariane Cristina. Agressivida<strong>de</strong> no comportamento <strong>do</strong>s presidiários<br />
<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à abstinência sexual. Disponível em:<br />
https://www.webartigos.com/artigos/agressivida<strong>de</strong>-no-comportamento-<strong>do</strong>spresidiarios-<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>-a-abstinencia-sexual/74916.<br />
Acesso em 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong><br />
2018.<br />
SMITH, Peter Scharff. Solitary Confinement: An introduction to the Istanbul<br />
Statement on the Use and Effects of Solitary Confinement, p.1.<br />
72
RESUMO<br />
O DIREITO (FUNDAMENTAL) À SAÚDE TUTELADO PELA ATUAÇAO<br />
DA ONU<br />
- Objetivo 3 da Agenda 2030 -<br />
MORAES, Graziela<br />
Advogada no Brasil<br />
Mestranda em Ciências Jurídicas e Políticas na Universida<strong>de</strong> Portucalense<br />
Doutoranda em Ciências Jurídicas na Universida<strong>de</strong> Autônoma <strong>de</strong> Lisboa<br />
Membro <strong>do</strong> IJP – Instituto Jurídico Portucalense<br />
grazimoraes.adv@gmail.com<br />
O direito (fundamental) à saú<strong>de</strong> é constitucionalmente tutela<strong>do</strong> tanto no Brasil<br />
quanto em Portugal. No entanto, nem sempre os Esta<strong>do</strong>s são capazes <strong>de</strong><br />
garantir eficazmente tal direito aos seus cidadãos. Em contrapartida, com o<br />
surgimento das organizações internacionais viu-se uma preocupação maior com<br />
a tutela <strong>de</strong> tais direitos.<br />
Verifica-se, assim, que as organizações internacionais possuem relevante papel<br />
na fiscalização e concretização <strong>do</strong>s direitos sociais. A ONU é talvez a<br />
organização internacional <strong>de</strong> maior reconhecimento e credibilida<strong>de</strong> mundial, e<br />
vem ao longo <strong>do</strong>s anos preocupan<strong>do</strong>-se com a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cidadãos, prova disso<br />
é a agenda 2030 que reúne 17 objetivos para alcançar a dignida<strong>de</strong> através <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável mundial, entre os quais <strong>de</strong>stacamos o ODS3 que<br />
visa “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para to<strong>do</strong>s, em todas<br />
as ida<strong>de</strong>s” cuja atuações <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Membros para a consecução <strong>de</strong> tal<br />
objetivo vem sen<strong>do</strong> fiscalizada pela ONU.<br />
Palavras-chave: Agenda 2030; Direito à Saú<strong>de</strong>; ODS3; ONU<br />
ABSTRACT<br />
The right to health, which is fundamental, it’s a constitutionally protected right,<br />
both in Brazil and in Portugal.<br />
However, not always the States are able to effectively guarantee this right to their<br />
citizens.<br />
On the other hand, with the emergence of international organizations, it was<br />
noticed a greater concern with the protection of such rights.<br />
73
It is possible to verify, in this way, that the international organizations have an<br />
important role in the surveillance and realization of the social rights.<br />
The UN, perhaps, it’s the international organization of greater recognition and<br />
credibility worldwi<strong>de</strong>, and over the years has been worrying about citizen health,<br />
proof of this is the 2030 agenda, that brings together 17 goals to achieve dignity<br />
through global sustainable <strong>de</strong>velopment, among which we can stand out the<br />
ODS3, which aims to "promote a healthy life and promote well-being for all, at all<br />
ages". The actions of the Member States to achieve this objective are being<br />
monitored by the UN.<br />
Keywords: 2030 Agenda; The right to health; ODS3; UN.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A proteção e promoção da saú<strong>de</strong> é reconhecida como direito social, tanto<br />
na Constituição Portuguesa como na Brasileira. No entanto, este ainda é um<br />
problema mundial, eis que a saú<strong>de</strong> é preterida em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outros<br />
interesses Estatais.<br />
A ONU, através <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> Milênio propôs a<br />
preocupação com o tema, sem, no entanto, ter obti<strong>do</strong> o êxito espera<strong>do</strong>, eis que<br />
se viu um crescimento <strong>de</strong>sigual, aumentan<strong>do</strong> assim as diferenças sociais entre<br />
os Esta<strong>do</strong>s da Nação.<br />
Diante da análise <strong>do</strong> insucesso <strong>do</strong>s ODM, verificou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar<br />
um programa que atentasse para as necessida<strong>de</strong>s mundiais, respeitan<strong>do</strong> a<br />
peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada Esta<strong>do</strong>, com o que surgem os Objetivos <strong>do</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável, <strong>de</strong>ntre os quais prevê a promoção da saú<strong>de</strong> e<br />
bem-estar.<br />
Neste contexto, o presente trabalho visa abordar a importância das<br />
organizações internacionais para a tutela <strong>do</strong> direito (fundamental) à saú<strong>de</strong>.<br />
Para tanto, em um primeiro momento faremos uma abordagem acerca<br />
das organizações internacionais e sua evolução na história a qual é fundamental<br />
para que se compreenda o papel <strong>de</strong>stas na socieda<strong>de</strong>, assim como verifique a<br />
real relevância <strong>de</strong> sua atuação no mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno. Posteriormente, far-se-á um<br />
74
eve relato acerca da tutela <strong>do</strong>s direitos fundamentais através da atuação das<br />
organizações internacionais.<br />
Já no terceiro capítulo será analisada, <strong>de</strong> forma breve e sucinta a<br />
Organização das Nações Unidas quanto à sua origem, personalida<strong>de</strong> jurídica,<br />
competências e objetivos, sempre orientan<strong>do</strong> para o foco <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>.<br />
No quarto capítulo será analisa<strong>do</strong> o direito à saú<strong>de</strong>, sua origem na história<br />
e a possibilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-lo como direito fundamental, discorren<strong>do</strong><br />
as diferenças constitucionais sobre o tema entre Brasil e Portugal.<br />
Após o estu<strong>do</strong> acerca da ONU, sua importância ou não na tutela <strong>do</strong> direito<br />
à saú<strong>de</strong> e a investigação acerca da sua condição <strong>de</strong> direito fundamental, passarse-á<br />
a analisar a Agenda 2030 da ONU e sua relevância no cenário mundial.<br />
Por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, será analisa<strong>do</strong> o objetivo 3 da Agenda 2030, que visa<br />
tutelar a saú<strong>de</strong> e, como tal, preten<strong>de</strong>-se verificar se tal programa possui papel<br />
efetivo na tutela <strong>de</strong> tal direito a nível global concluin<strong>do</strong>, assim, o objetivo da<br />
presente pesquisa.<br />
OBJETIVOS<br />
O presente artigo visa i<strong>de</strong>ntificar a proteção <strong>do</strong> direito fundamental à<br />
saú<strong>de</strong> por intermédio da atuação da Organização das Nações Unidas, em<br />
especial no que tange à aplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Objetivo 3 da Agenda 2030.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
As organizações internacionais possuem origem na antiguida<strong>de</strong> e, <strong>de</strong><br />
certa forma, confun<strong>de</strong>m-se com a evolução da humanida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> terem uma<br />
intrínseca relação com o direito <strong>de</strong> guerra ou, por assim dizer, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
restruturação das civilizações após perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s guerras e/ou conflitos.<br />
Assim como não se tem conhecimento ao certo acerca da exata origem<br />
das organizações internacionais, a <strong>do</strong>utrina jamais chegou a um consenso<br />
acerca <strong>do</strong> marco inicial <strong>do</strong> direito internacional, percursor <strong>de</strong> ditas organizações,<br />
mas é possível i<strong>de</strong>ntificar marcos históricos que <strong>de</strong>monstram sua longínqua<br />
atuação , como o “trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Vestefália ” consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> a “referência e a<br />
construção <strong>do</strong>s pilares básicos da matéria que concebemos hodiernamente ”, o<br />
75
qual foi firma<strong>do</strong> na Ida<strong>de</strong> Média, resultan<strong>do</strong> no crescimento <strong>do</strong> direito<br />
internacional.<br />
Não obstante, com o advento da I Guerra Mundial, diante <strong>do</strong> impacto<br />
<strong>de</strong>strui<strong>do</strong>r que causou, começa a surgir uma preocupação <strong>de</strong> cunho humanitário,<br />
com o que se constituem as primeiras organizações internacionais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
expressão, como é o caso da Socieda<strong>de</strong> Geral das Nações, da Organização<br />
Internacional <strong>do</strong> Trabalho, ambas instituídas através <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paz <strong>de</strong><br />
Versalhes, que também criou a Liga das Nações, consi<strong>de</strong>rada como expoente<br />
da evolução das organizações internacionais e pre<strong>de</strong>cessora da ONU.<br />
Atualmente as organizações internacionais abrangem, quase<br />
completamente, matérias em que são imprescindíveis a cooperação<br />
internacional, o que <strong>de</strong>monstra sua importância no quadro <strong>de</strong> direito<br />
internacional.<br />
As organizações internacionais <strong>de</strong>vidamente instituídas e reconhecidas<br />
possuem privilégios, com o intuito <strong>de</strong> “garantir liberda<strong>de</strong> e segurança da missão<br />
<strong>de</strong>senvolvida ”, o que “foi concebi<strong>do</strong> na Carta da Organização das Nações<br />
Unidas que estabelece que a organização goza, no território <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus<br />
membros, <strong>do</strong>s privilégios e imunida<strong>de</strong>s necessários à realização <strong>de</strong> seus<br />
propósitos ”.<br />
Nesse trabalho nos propomos a estudar a influência da ONU na tutela <strong>do</strong><br />
direito à saú<strong>de</strong>, razão pela qual não será extensivo o estu<strong>do</strong> das <strong>de</strong>mais<br />
organizações que também <strong>de</strong>sempenham importante papel para tal fim.<br />
Importante apontar “a Convenção Europeia <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem, que<br />
entrou em vigor em Setembro <strong>de</strong> 1953”, a qual “constitui um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
referência na proteccao (sic) <strong>do</strong>s direitos fundamentais.”<br />
Foi em 1989 que restou aprova<strong>do</strong> pelo Parlamento Europeu resolução<br />
que a<strong>do</strong>tava a “Declaração <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem e liberda<strong>de</strong>s fundamentais”,<br />
com o intuito <strong>de</strong> elaborar um <strong>do</strong>cumento que pu<strong>de</strong>sse servir <strong>de</strong> direcionamento<br />
na matéria <strong>de</strong> direitos fundamentais, capaz <strong>de</strong> integrar o texto <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s que<br />
seriam elabora<strong>do</strong>s no futuro.<br />
76
Tamanha a relevância da discussão sobre o tema, que em 1994 o projeto<br />
<strong>de</strong> Constituição Europeia teve inseri<strong>do</strong> texto basea<strong>do</strong> na <strong>de</strong>claração <strong>do</strong>s direitos<br />
e liberda<strong>de</strong>s fundamentais.<br />
No entanto, somente em 1995 percebe-se o reconhecimento <strong>do</strong><br />
parlamento Europeu na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />
direitos fundamentais da União Europeia com a Conclusão <strong>do</strong> Conselho Europeu<br />
<strong>de</strong> Madrid sem que, contu<strong>do</strong>, tenha-se concluí<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>claração.<br />
O direito à saú<strong>de</strong> nada mais é <strong>do</strong> que uma concretização <strong>do</strong> princípio da<br />
dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e, portanto, a importância da CEDH, a qual faz<br />
referência à <strong>de</strong>claração universal <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem , instituída pela ONU<br />
em 1948, o que confirma o entendimento <strong>de</strong> que as organizações internacionais<br />
têm o condão, não raras vezes, para a formação <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> direito<br />
internacional.<br />
Em que pese a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> constituição da ONU tenha surgi<strong>do</strong> durante a II<br />
Guerra Mundial, o trata<strong>do</strong> instituto o da organização foi elabora<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
25 <strong>de</strong> abril a 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1945.<br />
Atualmente, “o direito à saú<strong>de</strong> se insere nos direitos sociais<br />
constitucionalmente garanti<strong>do</strong>s. Trata-se, pois, <strong>de</strong> um direito público subjetivo,<br />
uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalida<strong>de</strong> das pessoas”.<br />
Inegável que o direito à saú<strong>de</strong> perfectibiliza a dignida<strong>de</strong> da pessoa<br />
humana, razão pela qual muitas vezes é confundi<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina e torna<br />
inquestionável sua importância no cenário mundial.<br />
Não obstante, está assegura<strong>do</strong> na categoria <strong>do</strong>s direitos sociais, tanto na<br />
Constituição Brasileira como na Portuguesa, razão pela qual, ainda hoje, discutese<br />
seu status <strong>de</strong> direitos fundamentais.<br />
Ao analisar os textos constitucionais <strong>de</strong> Brasil e Portugal, verifica-se que<br />
ambas asseguram o acesso à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma universal e gratuita<br />
(prepon<strong>de</strong>rantemente no caso <strong>de</strong> Portugal). No entanto, na prática, ambos os<br />
países são <strong>de</strong>ficientes na tutela absoluta <strong>de</strong> tal direito.<br />
Sabe-se, entretanto, que para que os direitos fundamentais tenham sua<br />
eficácia garantida, muito mais <strong>do</strong> que a normatização é importante a análise da<br />
situação econômica-política <strong>do</strong> país, uma vez que é indispensável a atuação <strong>do</strong>s<br />
77
serviços forneci<strong>do</strong>s pelo Po<strong>de</strong>r Público para a efetivação <strong>de</strong> direitos<br />
indispensáveis, tal como a saú<strong>de</strong>.<br />
No Brasil, embora tenha na Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong><br />
Brasil dispositivos esparsos que preveem regras <strong>de</strong> competência inerentes à<br />
saú<strong>de</strong> pública, é no artigo 196 da CFB que se encontra disciplinada tal tutela, a<br />
qual é <strong>de</strong>veras importante uma vez que “aparece[m] como consequência<br />
imediata da consagração da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana como fundamento da<br />
República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil .”<br />
Em Portugal o direito à saú<strong>de</strong> está disposto no artigo 64 da Constituição:<br />
Tal dispositivo encontra-se disciplina<strong>do</strong> no capítulo <strong>do</strong>s direitos e <strong>de</strong>veres<br />
sociais, dissocia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres fundamentais, assim como no Brasil.<br />
Em que pese a discussão <strong>do</strong>utrinaria acerca <strong>do</strong> status <strong>de</strong> direito<br />
fundamental aos direitos sociais, sob a “ótica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social <strong>de</strong> Direito [...] não<br />
po<strong>de</strong> negar-se a ambas as categorias (direitos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s e sociais) <strong>de</strong><br />
direitos a qualificação como direitos fundamentais.”<br />
No Tribunal lusitano encontra-se jurisprudência que confirma o status <strong>de</strong><br />
direito fundamental à saú<strong>de</strong>.<br />
Já os Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável entraram em vigor no<br />
dia 1o. <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2016, com prazo <strong>de</strong> 15 anos para o alcance <strong>de</strong> seus fins,<br />
com a esperança <strong>de</strong> serem um marco na história da evolução das nações:<br />
A “Agenda 2030: para o Desenvolvimento Sustentável surgiu, portanto, <strong>do</strong><br />
projeto aprova<strong>do</strong> na Conferência sobre Financiamento <strong>do</strong> Desenvolvimento, que<br />
ocorreu em Adis Abeba, e em julho <strong>de</strong> 2015, on<strong>de</strong> discutiu-se o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
pos-2015. ”.<br />
Em que pese os ODS tenham si<strong>do</strong> fruto <strong>do</strong>s ODM, existem diferenças<br />
significativas entre eles, principalmente em razão da discriminação <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong><br />
implementação <strong>do</strong>s ODS, mas também por sua caraterística <strong>de</strong> incluir uma<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetivos econômicos, sociais e ambientais, o que requer que as<br />
“metas <strong>de</strong>ssa nova agenda <strong>de</strong>vem ser perseguidas por diferentes atores, o que<br />
é crucial em garantir que o propósito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento<br />
Sustentável seja realiza<strong>do</strong> ”.<br />
78
A<strong>de</strong>mais, os ODMs, em sua origem, visavam atingir aqueles que viviam<br />
em condição <strong>de</strong> pobreza extrema, enquanto que os ODSs estão <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s à<br />
população mundial como um to<strong>do</strong>, eis que convocam as nações <strong>de</strong>senvolvidas<br />
e em <strong>de</strong>senvolvimento a “tomarem as medidas urgentes em seus próprios<br />
territórios”.<br />
O Parlamento Europeu <strong>de</strong>cretou 2015 como o “Ano Europeu <strong>do</strong><br />
Desenvolvimento”, com o objetivo <strong>de</strong> chamar a tenção para a “importância da<br />
política <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e da solidarieda<strong>de</strong> global”, promulgan<strong>do</strong> diretrizes<br />
para a obtenção <strong>de</strong> tal fim.<br />
Há severas críticas à atual atuação da ONU, que poria em risco a<br />
implementação com sucesso da Agenda 2030, não obstante é inegável a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar-se atenção para as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e o <strong>de</strong>scaso à<br />
saú<strong>de</strong> que vem ocorren<strong>do</strong> nos países menos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, em meio a guerras<br />
civis, terrorismos e inclusive nos países mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, diante da atual crise<br />
financeira que assola os Esta<strong>do</strong>s.<br />
O <strong>do</strong>cumento final da agenda pós 2015 (ou 2030) <strong>de</strong>monstra a<br />
preocupação com a erradicação da fome e da pobreza e, assim, garantir a<br />
promoção da saú<strong>de</strong> mundial<br />
Dentre os 17 objetivos globais da Agenda 2030 para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável, temos o <strong>de</strong> no. 3, que visa promover a saú<strong>de</strong> e o bem-estar.<br />
Da leitura <strong>de</strong> tal objetivo resta nítida a preocupação com a necessária<br />
tutela à saú<strong>de</strong>, que vem sen<strong>do</strong> tolhida não só nos países sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, mas<br />
também nos países capitalistas diante <strong>do</strong> excessivo uso <strong>de</strong> substâncias tóxicas<br />
ou mesmo da ineficácia da saú<strong>de</strong> pública em razão da crise Estatal.<br />
A necessida<strong>de</strong> eminente <strong>de</strong> atenção na área é tema há muito aborda<strong>do</strong><br />
pela <strong>do</strong>utrina, eis que “é preciso que existam órgãos, instrumentos e<br />
procedimentos capazes <strong>de</strong> fazer com que as normas jurídicas se transformem,<br />
<strong>de</strong> exigências abstratas dirigidas à vonta<strong>de</strong> humana, em ações concretas.”<br />
Em que pese ainda <strong>de</strong> forma gradual, é possível i<strong>de</strong>ntificar a mobilização<br />
<strong>do</strong> Brasil para o cumprimento <strong>de</strong> tal objetivo, através <strong>de</strong> oficinas para prevenção<br />
da AIDS, campanhas <strong>de</strong> vacinação que tem surti<strong>do</strong> efeito na redução da<br />
mortalida<strong>de</strong> infantil. No entanto, ainda existem <strong>de</strong>safios a serem venci<strong>do</strong>s, como<br />
79
a questão <strong>do</strong> saneamento básico que ainda é uma problemática nos esta<strong>do</strong>s<br />
mais pobres <strong>do</strong> país.<br />
Já em Portugal é possível verificar uma preocupação maior com o<br />
cumprimento da meta, o que se verifica no <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> posição <strong>de</strong> Portugal<br />
sobre a agenda 2030 no qual <strong>de</strong>termina como priorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros, “o<br />
alcance <strong>de</strong> uma vida saudável para to<strong>do</strong>s” e “a erradicação da fome, a melhoria<br />
da nutrição e a promoção da agricultura sustentável” e no Relatório nacional<br />
sobre a implementação da agenda 2030 , o qual apresenta programas<br />
implementa<strong>do</strong>s para a consecução <strong>do</strong>s objetivos.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
O presente estu<strong>do</strong> foi estrutura<strong>do</strong> se utilizan<strong>do</strong> <strong>do</strong> Méto<strong>do</strong> Dialético,<br />
Hegeliano, conjuga<strong>do</strong> com Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
A eficácia <strong>do</strong> objetivo 3 da Agenda 2030 da ONU <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma eficaz<br />
atuação da organização agregada ao comprometimento <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-Membros.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Conforme inicialmente proposto, o presente estu<strong>do</strong> analisou a origem e<br />
importância das organizações internacionais na história, sua tutela aos direitos<br />
fundamentais, fazen<strong>do</strong> um paralelo entre a ONU e a tutela <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong><br />
através <strong>do</strong> Objetivo no. 3 da Agenda 2030.<br />
A partir daí é possível afirmar que, em que pese a ausência <strong>de</strong> disposição<br />
constitucional que eleve os direitos sociais ao patamar <strong>de</strong> fundamentais, certo é<br />
que o direito à saú<strong>de</strong> é tutela<strong>do</strong> como tal, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s (Brasil e<br />
Portugal) sua promoção.<br />
“O respeito pelos direitos fundamentais <strong>do</strong> ser humano não é apenas um<br />
objectivo a ser atingi<strong>do</strong>, é antes o alicerce indispensável a qualquer socieda<strong>de</strong>.<br />
[…] É muito natural e justo que nações, povos e indivíduos exijam respeito aos<br />
seus direitos e liberda<strong>de</strong>s, e que lutem para erradicar a repressão, o racismo, a<br />
exploração económica, a ocupação militar e as várias formas <strong>de</strong> colonialismo e<br />
80
<strong>do</strong>minação estrangeira. Os governos em geral <strong>de</strong>veriam dar apoio prático a<br />
essas reivindicações, ao invés <strong>de</strong> apenas as apoiarem verbalmente.”<br />
Percebe-se que as organizações internacionais chamaram atenção para<br />
a importância <strong>do</strong> respeito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana o que,<br />
indubitavelmente, ocorre também através da promoção e assistência da saú<strong>de</strong>.<br />
Em que pese a atuação <strong>de</strong> organizações internacionais, em especial da<br />
ONU, através <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> Milênio, <strong>de</strong>ntre outros<br />
programas que se tem conhecimento, certo é que não se obteve, até a presente<br />
data, êxito na redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, mas, principalmente, na<br />
atenção à saú<strong>de</strong> mundial.<br />
Com a globalização mundial o que se vê é o crescimento das<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, o empobrecimento das nações e, principalmente, o <strong>de</strong>srespeito<br />
à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. As guerras civis, o terrorismo, a escassez <strong>de</strong><br />
recursos naturais e financeiros, os <strong>de</strong>sastres da natureza fazem com que a<br />
população clame por uma medida urgente.<br />
É nesse cenário que surge a Agenda 2030, com 17 objetivos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, criada pela ONU, com medidas que visam, <strong>de</strong>ntre<br />
outros, garantir a saú<strong>de</strong> e o bem-estar à nação mundial.<br />
A análise <strong>do</strong>s objetivos não <strong>de</strong>ixa dúvidas quan<strong>do</strong> à ambição da agenda<br />
2030, o que inclusive é reconheci<strong>do</strong> no <strong>do</strong>cumento final <strong>de</strong> instituição da agenda<br />
pós 2015, no entanto agenda 2030 é ambiciosa, como confessa o <strong>do</strong>cumento<br />
final da agenda 2030 , no entanto, “é preciso ambição se a comunida<strong>de</strong> mundial<br />
quiser cumprir o nobre objetivo a que se propôs: o fim da pobreza extrema e um<br />
futuro sustentável para to<strong>do</strong>s ”.<br />
Certo é que para a implementação com êxito <strong>do</strong>s 17 objetivos da agenda<br />
2030 será necessário o esforço conjunto das Nações Estatais, o que se acredita<br />
ser possível se ocorrer uma consciência mundial da efetiva necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais<br />
medidas.<br />
Inegável, pois, que será necessário o apoio e engajamento <strong>do</strong>s países,<br />
cada um <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, no entanto caberá à ONU uma efetiva<br />
fiscalização, sob pena <strong>de</strong> termos apenas a “letra fria” <strong>de</strong> uma proposta.<br />
81
Conclui-se, por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, que as organizações internacionais possuem<br />
relevante papel na consecução <strong>do</strong> direito fundamental à saú<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> o objetivo<br />
3 da agenda 2030 da ONU importante medida que, se executa<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma<br />
responsável e plena, terá efetiva influência na realização <strong>de</strong> tal direito em sua<br />
forma mais ampla e eficaz.<br />
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83
SAÚDE PÚBLICA, MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO BÁSICO NO<br />
EMBATE ENTRE MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL: UMA<br />
ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL Nº 1.366.337/RS<br />
RESUMO<br />
FARIA, Roberta Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Mestre em Direito<br />
fariabeta@gmail.com<br />
BARING, Dayane <strong>de</strong> Paula<br />
Acadêmica <strong>de</strong> Direito<br />
dayanepbaring@gmail.com<br />
MAGALHÃES DE ANDRADE, Laura<br />
Mestre em Direito e Políticas Públicas<br />
lauramagalhaes.adv@gmail.com<br />
Este estu<strong>do</strong> analisa a proteção da saú<strong>de</strong> e <strong>do</strong> meio ambiente sob a perspectiva<br />
<strong>de</strong> que são indissociáveis <strong>do</strong> acesso ao saneamento básico, sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />
eleva<strong>do</strong>s à categoria <strong>de</strong> direitos humanos fundamentais a partir da Constituição<br />
brasileira <strong>de</strong> 1988. A<strong>de</strong>mais, esta relação se coaduna com o movimento<br />
internacional <strong>de</strong> promoção da Agenda 2030 e, em particular, com os Objetivos<br />
<strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3 e 6. Para tanto, a<strong>do</strong>ta o Recurso<br />
Especial nº 1.366.337/RS, originalmente uma Ação Civil Pública, como caso<br />
paradigmático da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela judicial em face <strong>de</strong> alegações estatais<br />
<strong>de</strong> escassez orçamentária (reserva <strong>do</strong> possível), que se contrapõem ao <strong>de</strong>ver<br />
<strong>de</strong> garantia <strong>do</strong> mínimo existencial.<br />
Palavras-chave: Saú<strong>de</strong> Pública; Saneamento básico; Reserva <strong>do</strong> possível;<br />
Mínimo existencial; Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
ABSTRACT<br />
This study analyses the protection of health and the environment from the<br />
perspective that they are inseparable from access to basic sanitation, all of them<br />
being elevated to the category of fundamental human rights from the Brazilian<br />
Constitution of 1988. In addition, this relationship is in line with the international<br />
movement to promote Agenda 2030 and, in particular, with the Sustainable<br />
Development Objectives (ODS) 3 and 6. To this end, it a<strong>do</strong>pts Special Appeal<br />
84
No. 1,366,337 / RS, originally an Action Civil Public, as a paradigmatic case of<br />
the need for judicial protection in the face of state allegations of budget shortages<br />
(reserve of the possible), which are counterpoised to the obligation to guarantee<br />
the existential minimum.<br />
Keywords: Public health; Basic sanitation; ‘Un<strong>de</strong>r reserve of the possibilities’;<br />
Existential minimum; Judicial power.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Na Constituição brasileira, o meio ambiente, tutela<strong>do</strong> no artigo 225 como<br />
bem <strong>de</strong> uso comum <strong>do</strong> povo e essencial à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, tem sua<br />
proteção, em parte, como <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento <strong>do</strong> acesso ao saneamento, e sen<strong>do</strong><br />
este um corolário à universalização <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve ter como<br />
pressuposto a prestação a<strong>de</strong>quada <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> água,<br />
esgotamento sanitário, limpeza urbana e gerenciamento <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s,<br />
bem como drenagem e manejo <strong>de</strong> águas pluviais, serviços esses que integram<br />
o conceito <strong>de</strong> saneamento básico, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a Lei nº 11.445/07.<br />
Nesse contexto, salienta-se o esforço internacional em prol <strong>do</strong>s ODS,<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s “integra<strong>do</strong>s e indivisíveis” e que reúnem as dimensões econômica,<br />
social e ambiental. Os ODS 3 e 6, especialmente, visam a “assegurar uma vida<br />
saudável e promover o bem-estar para to<strong>do</strong>s, em todas as ida<strong>de</strong>s” e a “assegurar<br />
a disponibilida<strong>de</strong> e gestão sustentável da água e saneamento para to<strong>do</strong>s”<br />
(ITAMARATY, 2016).<br />
A partir <strong>de</strong>ssas premissas iniciais, o presente trabalho pressupõe que os<br />
direitos humanos fundamentais são, conceitualmente, prerrogativas <strong>do</strong> sujeito<br />
que o permitem exigir <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> particulares <strong>de</strong>terminadas prestações<br />
positivas ou negativas, que são essenciais a que os indivíduos usufruam <strong>de</strong> uma<br />
vida digna e saudável e, portanto, indissociáveis <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong><br />
saneamento.<br />
A relevância <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> se baseia no fato <strong>de</strong> que mais <strong>de</strong> 100 milhões<br />
<strong>de</strong> brasileiros não têm acesso à coleta <strong>de</strong> esgoto sanitário, que são lança<strong>do</strong>s in<br />
natura em rios e mares, e apenas 44,90% <strong>do</strong>s esgotos <strong>do</strong> país são trata<strong>do</strong>s,<br />
85
segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> SNIS (Sistema Nacional <strong>de</strong> Informações sobre Saneamento)<br />
<strong>de</strong> 2016, apresenta<strong>do</strong>s pelo Instituto Trata Brasil (2018b, p. 59). Essas<br />
estatísticas refletem na saú<strong>de</strong> da população, pois, ainda <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o Trata<br />
Brasil, houve 391 mil Internações por conta <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças gastrointestinais<br />
infecciosas e, se 100% da população tivesse acesso à coleta <strong>de</strong> esgoto, haveria<br />
uma redução <strong>de</strong> 74,6 mil internações (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2018a).<br />
Po<strong>de</strong>m-se relacionar tais estatísticas também a algumas problemáticas<br />
ambientais, como a poluição <strong>de</strong> rios, a falta <strong>de</strong> acesso à água potável e a alta<br />
incidência <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes, tais como leptospirose, diarreia e<br />
aquelas provocadas pelo mosquito Ae<strong>de</strong>s aegypti.<br />
A<strong>de</strong>mais, levan<strong>do</strong>-se em consi<strong>de</strong>ração ser indispensável à garantia <strong>do</strong>s<br />
direitos fundamentais e ao mínimo (existencial) a uma vida digna, cabe ao gestor<br />
público administrar os recursos estatais <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> eficiente à garantia <strong>de</strong> acesso<br />
ao saneamento, não apenas como serviço público, mas como direito<br />
estritamente vincula<strong>do</strong> à igualda<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo. Ocorre,<br />
todavia, que nem sempre o Administra<strong>do</strong>r cumpre essa obrigação, como po<strong>de</strong><br />
ser observa<strong>do</strong> na controvérsia objeto <strong>do</strong> Recurso Especial (REsp) nº<br />
1.366.337/RS, que foi a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> neste trabalho como caso paradigmático <strong>de</strong><br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantia <strong>do</strong> mínimo existencial, em contraposição à invocação<br />
<strong>do</strong> respeito à reserva <strong>do</strong> possível. No julga<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong>, <strong>de</strong>monstrou-se que<br />
alegações <strong>de</strong> insuficiência financeira por parte <strong>do</strong> Município para realização <strong>de</strong><br />
obras <strong>de</strong> saneamento foram infundadas, e tinham por propósito justificar a inércia<br />
estatal na promoção <strong>de</strong> políticas públicas, mesmo sen<strong>do</strong> notória, diante <strong>do</strong>s<br />
da<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s, a precarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> acesso ao saneamento não só no caso<br />
sub judice, mas em to<strong>do</strong> o Brasil. Esses fatores evi<strong>de</strong>nciam o problema <strong>de</strong>sta<br />
pesquisa, que é pauta<strong>do</strong> em encontrar possíveis caminhos à universalização <strong>do</strong><br />
saneamento, em face da ineficiência ou insuficiência <strong>de</strong> políticas públicas nessa<br />
seara, sem que haja justificativas razoáveis.<br />
Por fim, será possível <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que o saneamento, enquanto direito<br />
fundamental integrante <strong>do</strong> mínimo existencial, é intimamente relaciona<strong>do</strong> à<br />
saú<strong>de</strong> pública e ao meio ambiente; o que, portanto, legitima atuações judiciais<br />
amparadas na Constituição em prol <strong>de</strong> sua garantia contínua e integral, em<br />
86
oposição às omissões estatais que se provem injustificadas. Assim, propõe<br />
partir-se <strong>do</strong> olhar à realida<strong>de</strong> social e ambiental brasileira, explicitada no caso<br />
concreto, para, então, interpretar e concretizar o Direito e o compromisso<br />
internacional assumi<strong>do</strong> pelo Brasil com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento<br />
Sustentável.<br />
OBJETIVOS<br />
Como objetivo geral, buscar-se-á averiguar a relação existente entre a<br />
reserva <strong>do</strong> possível, o mínimo existencial e o saneamento básico, sob a<br />
perspectiva da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e <strong>do</strong>s direitos humanos<br />
fundamentais nela tutela<strong>do</strong>s, notadamente a saú<strong>de</strong> e o meio ambiente<br />
ecologicamente equilibra<strong>do</strong>. São objetivos específicos: (i) apresentar os<br />
principais pontos <strong>do</strong> REsp nº 1.366.337/RS; (ii) analisar e relacionar os temas<br />
apresenta<strong>do</strong>s no julga<strong>do</strong>, bem como associá-los às variáveis proposta e sua<br />
indissociabilida<strong>de</strong>: saú<strong>de</strong> pública, saneamento básico e meio ambiente (iii)<br />
confirmar, fundamentadamente, a interpretação que reconheça o saneamento<br />
como direito humano fundamental implícito, pautada na Constituição <strong>de</strong> 1988,<br />
conforme a realida<strong>de</strong> fática e o REsp 1.366.337/RS.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
A Teoria da Reserva <strong>do</strong> Possível e <strong>do</strong> Mínimo Existencial, bem como a<br />
relação indissociável entre as variáveis que norteiam a presente discussão<br />
(saú<strong>de</strong> pública, saneamento básico e meio ambiente), são os fundamentos<br />
teóricos <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, alicerça<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> paradigmático REsp.<br />
Sobre a teoria da reserva <strong>do</strong> possível, Ana Paula <strong>de</strong> Barcellos (2011, p.<br />
277) aduz que:<br />
De forma geral, a expressão reserva <strong>do</strong> possível procura i<strong>de</strong>ntificar o<br />
fenômeno econômico da limitação <strong>do</strong>s recursos disponíveis diante das<br />
necessida<strong>de</strong>s sempre infinitas a serem por eles supridas. (...) [P]ara<br />
além das discussões jurídicas sobre o que se po<strong>de</strong> exigir judicialmente<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> – e em última análise da socieda<strong>de</strong>, já que é esta que o<br />
sustenta –, é importante lembrar que há um limite <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />
materiais para esses direitos. Novamente: pouco adiantará, <strong>do</strong> ponto<br />
<strong>de</strong> vista prático, a previsão normativa ou a refinada técnica<br />
hermenêutica se absolutamente não houver dinheiro para custear a<br />
<strong>de</strong>spesa gerada por <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> direito subjetivo.<br />
87
Ressalta-se que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> haver limites aos direitos prestacionais surgiu<br />
na década <strong>de</strong> 1970, no Tribunal Constitucional alemão, quan<strong>do</strong> se questionou a<br />
constitucionalida<strong>de</strong> da restrição <strong>de</strong> vagas para acesso ao ensino superior e<br />
alegou-se violação à liberda<strong>de</strong> profissional, garantida pela Constituição alemã.<br />
Na ocasião, o Tribunal <strong>de</strong>cidiu que os direitos prestacionais estão sujeitos à<br />
reserva <strong>do</strong> possível, uma vez que a disponibilida<strong>de</strong> financeira para a promoção<br />
<strong>de</strong> certa política <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolhas discricionárias, por meio <strong>de</strong> uma<br />
pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> bens e interesses relevantes (SARLET; FIGUEIREDO, 2008).<br />
Alu<strong>de</strong>-se, também, que a reserva <strong>do</strong> possível foi trazida ao Brasil na<br />
década <strong>de</strong> 1990, faltan<strong>do</strong>, até então, estu<strong>do</strong>s aprofunda<strong>do</strong>s que permitissem sua<br />
aplicação, resultan<strong>do</strong> em empecilhos ao avanço da sindicabilida<strong>de</strong> judicial <strong>de</strong><br />
direitos sociais (BARCELLOS, 2011, pp. 278-279). Além disso, no Brasil, essa<br />
teoria foi <strong>de</strong>signada <strong>de</strong> “reserva <strong>do</strong> financeiramente possível”, visto que, aqui,<br />
normalmente abrange apenas os aspectos fático e jurídico (FALSARELLA,<br />
2012).<br />
Diante <strong>de</strong>sses conceitos, infere-se que essa teoria somente po<strong>de</strong>ria ser<br />
invocada diante da verda<strong>de</strong>ira escassez <strong>de</strong> recursos. A alegação <strong>de</strong> insuficiência<br />
financeira não comprovada e a não previsão <strong>de</strong> recursos para políticas<br />
essenciais na Lei Orçamentária refletem <strong>de</strong>svios no que consiste a referida<br />
teoria. Atesta-se, assim, que, a <strong>de</strong>speito da real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escassez, é<br />
comum sua invocação como instrumento <strong>de</strong> justificação às más escolhas, com<br />
a priorização <strong>de</strong> gastos contrários ao interesse público.<br />
Com relação ao mínimo existencial, surgi<strong>do</strong> na jurisprudência <strong>do</strong> Tribunal<br />
alemão e posteriormente no Brasil por Ricar<strong>do</strong> Lobo Torres (1989), po<strong>de</strong>-se<br />
afirmar que seu conceito, apesar <strong>de</strong> in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, relaciona-se à liberda<strong>de</strong> e<br />
dignida<strong>de</strong>, e estabelece haver um direito às condições mínimas <strong>de</strong> existência<br />
digna.<br />
Já que sua <strong>de</strong>finição é marcada pela historicida<strong>de</strong>, torna-se dificultoso<br />
<strong>de</strong>terminá-la exaustivamente, visto que varia no tempo e no espaço (BARROSO,<br />
2015, p. 26). É possível afirmar, entretanto, que o mínimo existencial “estabelece<br />
um piso, abaixo <strong>do</strong> qual não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scer” e que o “legisla<strong>do</strong>r tem ampla<br />
liberda<strong>de</strong> para ir além <strong>do</strong> mínimo existencial, buscan<strong>do</strong> concretizar pelos mais<br />
88
varia<strong>do</strong>s meios (...) uma realização mais plena da igualda<strong>de</strong> material”, conforme<br />
pon<strong>de</strong>ra Daniel Sarmento (2016, p. 1658).<br />
Para Luís Roberto Barroso, o “mínimo existencial correspon<strong>de</strong> ao núcleo<br />
essencial <strong>do</strong>s direitos fundamentais sociais e seu conteú<strong>do</strong> equivale às précondições<br />
<strong>do</strong> exercício <strong>do</strong>s direitos individuais e políticos, da autonomia privada<br />
e pública” (2015, p. 288). Já Ana Paula <strong>de</strong> Barcellos (2011, p. 305, apud<br />
BARROSO, 2015, pp. 214-215), consi<strong>de</strong>ra o mínimo existencial como fração<br />
nuclear da dignida<strong>de</strong> humana, atrela<strong>do</strong> a direitos reconheci<strong>do</strong>s pela<br />
Constituição.<br />
Dessa forma, são indispensáveis ações direcionadas à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />
da população e <strong>do</strong> meio ambiente, visto que a universalização <strong>do</strong> acesso ao<br />
saneamento é essencial à proteção das presentes e futuras gerações,<br />
ameaçadas por circunstâncias globais que retratam a existência <strong>de</strong> uma<br />
“socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco”, como assinala Ulrich Beck (SARLET; FENSTERSEIFER,<br />
2012, p. 33), e que o mínimo a uma vida digna pressupõe higi<strong>de</strong>z e equilíbrio<br />
ambientais.<br />
Finalmente, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a Constituição reconheceu a dignida<strong>de</strong><br />
como fundamento da República e consagrou o direito ao meio ambiente, propõese<br />
que a concepção <strong>de</strong> mínimo existencial – enquanto “piso para a justiça social”<br />
(SARMENTO, 2016, p. 1678) – <strong>de</strong>ve abarcar a sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento humano, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong>, os núcleos intangíveis<br />
<strong>do</strong>s direitos à vida, à saú<strong>de</strong>, à higi<strong>de</strong>z e segurança ambientais e ao saneamento<br />
básico, sem prejuízo <strong>de</strong> outros cujos núcleos sejam indissociáveis da dignida<strong>de</strong>.<br />
Em relação à atuação judicial em políticas públicas alu<strong>de</strong>-se que, assim<br />
como a Administração, o Judiciário está vincula<strong>do</strong> à Constituição e à<br />
proporcionalida<strong>de</strong>, tida como alternativa a problemáticas que não possam ser<br />
solucionadas pelas vias <strong>do</strong> controle popular <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, como o<br />
direito <strong>de</strong> petição aos órgãos públicos, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Usuário <strong>de</strong><br />
Serviços Públicos (Lei nº 13.460/17) e a Lei <strong>do</strong> Saneamento Básico, tampouco<br />
por meio <strong>de</strong> atuações extrajudiciais <strong>do</strong> Ministério Público, ou, ainda, mecanismos<br />
<strong>de</strong> responsabilização <strong>de</strong> agentes públicos e políticos.<br />
89
Em visão similar, Daniel Sarmento <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que, diante da complexida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> certas políticas públicas, é inviável que o Judiciário prescreva ações<br />
específicas sobre as quais não possui conhecimento técnico. Por essa razão,<br />
para o autor, o Judiciário <strong>de</strong>ve se valer <strong>de</strong> “técnicas jurisdicionais flexíveis e<br />
dialógicas” como alternativas preferíveis “tanto à omissão judicial quanto a um<br />
ativismo <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s duvi<strong>do</strong>sos”, dan<strong>do</strong> visibilida<strong>de</strong> aos problemas atinentes<br />
ao mínimo existencial e “forçan<strong>do</strong> os <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res a agir, sem, no entanto,<br />
apresentar soluções prontas para problemas altamente complexos, que muitas<br />
vezes ele não teria condições <strong>de</strong> elaborar a contento”. Propõe, portanto, que<br />
haja, preferencialmente, um “diálogo interinstitucional” (2016, pp. 1678-1679).<br />
Sobre o tema, Ada Pellegrini Grinover (2010, p. 36) afirma que os limites<br />
à atuação judicial são: “i. a restrição à garantia <strong>do</strong> mínimo existencial; ii. a<br />
razoabilida<strong>de</strong> da pretensão individual/social <strong>de</strong>duzida em face <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público<br />
e a irrazoabilida<strong>de</strong> da escolha <strong>do</strong> agente público; iii. a reserva <strong>do</strong> possível”.<br />
Finalmente, com o fito <strong>de</strong> direcionar a perspectiva teórica <strong>do</strong> artigo, passase,<br />
finalmente, à discussão acerca <strong>do</strong> saneamento básico e <strong>de</strong> sua intrínseca<br />
relação com a saú<strong>de</strong> pública e o meio ambiente. Inicialmente, o saneamento é<br />
conceitua<strong>do</strong> pela Lei 11.445/07 como serviço público que abrange o<br />
abastecimento <strong>de</strong> água potável, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e<br />
manejo <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s e a drenagem e manejo <strong>de</strong> águas pluviais urbanas.<br />
A<strong>de</strong>mais, o saneamento está previsto no artigo 23, IX, da Constituição,<br />
cuja redação aponta para a obrigação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em “promover programas <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> moradias e a melhoria das condições habitacionais e <strong>de</strong><br />
saneamento básico”. Portanto, se há um <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> promover o<br />
saneamento, há também um po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> titular <strong>de</strong>sse direito a requerer seu<br />
cumprimento. Esse titular é cada membro da coletivida<strong>de</strong>, ainda que por<br />
intermédio <strong>do</strong> Ministério Público, basea<strong>do</strong> nos artigos 127, caput, e 129, III, da<br />
Constituição.<br />
Frente a constantes violações ao mínimo existencial sob a alegação <strong>de</strong><br />
escassez financeira, mostrou-se essencial o reconhecimento <strong>do</strong> direito ao<br />
saneamento, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> criar um “sentimento constitucional” <strong>de</strong> sua<br />
essencialida<strong>de</strong> (BARROSO, 2015) e <strong>de</strong> tratá-lo como direito autônomo que,<br />
90
apesar <strong>de</strong> sempre interagir com <strong>de</strong>mais direitos, tem existência e importância<br />
próprias, sen<strong>do</strong> pressuposto à infraestrutura urbana.<br />
O saneamento, finalmente, relaciona-se a princípios basilares da<br />
Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e se <strong>de</strong>monstra imprescindível à<br />
vida, ten<strong>do</strong> em vista que visa a assegurar a to<strong>do</strong>s um ambiente ecologicamente<br />
equilibra<strong>do</strong>, indispensável ao bem-estar da coletivida<strong>de</strong>. Nesse contexto,<br />
assevera a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da resolução nº<br />
64/292/2010, que o saneamento é essencial à concretização <strong>do</strong>s direitos<br />
humanos, conce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à coletivida<strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> vida dignos e a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s à<br />
proteção da saú<strong>de</strong>, ao direito à habitação e ao acesso aos <strong>de</strong>mais serviços<br />
públicos primordiais à igualda<strong>de</strong> e ao pleno <strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong><br />
humana (DUDH, arts. 1º, 22º e 25º).<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
A reflexão sobre os temas em análise levou à formulação das seguintes<br />
hipóteses: (i) o REsp nº 1.366.337/RS é um caso paradigmático <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> garantia <strong>do</strong> mínimo existencial, em contraposição à invocação <strong>do</strong> respeito à<br />
reserva <strong>do</strong> possível; (ii) os direitos humanos fundamentais mais básicos e<br />
essenciais estão vincula<strong>do</strong>s à garantia <strong>do</strong> direito ao meio ambiente<br />
ecologicamente equilibra<strong>do</strong> e à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida; e (ii) a inexistente ou<br />
ina<strong>de</strong>quada proteção <strong>do</strong> meio ambiente, a exemplo da precarieda<strong>de</strong> na<br />
prestação <strong>do</strong> serviço público <strong>de</strong> saneamento básico, é responsável pela violação<br />
<strong>de</strong> direitos constitucionalmente garanti<strong>do</strong>s.<br />
Para confirmar essas premissas, o presente trabalho foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> a<br />
partir da utilização <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> indutivo, eis que construiu o estu<strong>do</strong> teórico e<br />
atingiu os resulta<strong>do</strong>s pretendi<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> uma jurisprudência. Este méto<strong>do</strong> se<br />
caracteriza pelo procedimento que se vale da análise lógica e consiste em se<br />
estabelecer uma verda<strong>de</strong> universal ou uma referência geral com base no<br />
conhecimento <strong>de</strong> certo número <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s singulares.<br />
A<strong>de</strong>mais, o méto<strong>do</strong> principal foi robusteci<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> outras ferramentas<br />
complementares: (i) <strong>de</strong>scritivo, a partir da apresentação das variáveis propostas<br />
e <strong>de</strong> suas principais características; (ii) estatístico, para informar e avaliar da<strong>do</strong>s<br />
91
coleta<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica; (iii) jurídico-<strong>do</strong>utrinal, a fim <strong>de</strong> que<br />
as variáveis sejam corretamente <strong>de</strong>finidas a partir <strong>do</strong>s <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res, das<br />
normas brasileiras pertinentes e da jurisprudência utilizada como paradigma; e<br />
(iv) analítico, a fim <strong>de</strong> se reunir to<strong>do</strong>s os argumentos obti<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong>s<br />
instrumentos acima menciona<strong>do</strong>s para, finalmente, estabelecer um resulta<strong>do</strong><br />
científico que confirme as hipóteses formuladas. Desse mo<strong>do</strong>, a pesquisa po<strong>de</strong><br />
ser classificada como exploratória e bibliométrica. Quanto à coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, a<br />
classificação é <strong>do</strong>cumental e a abordagem <strong>do</strong> problema é qualitativa.<br />
RESULTADOS<br />
Diante <strong>do</strong> julga<strong>do</strong> analisa<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s fundamentos teóricos acima aludi<strong>do</strong>s,<br />
há <strong>de</strong> se reconhecer a indissociabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos à saú<strong>de</strong>, ao saneamento e<br />
ao meio ambiente, sen<strong>do</strong> certo que eventuais políticas públicas nessa seara<br />
<strong>de</strong>vem abranger a integralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores que influem nessa relação. Outro fato<br />
a ser <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> é o papel <strong>do</strong> Judiciário, que <strong>de</strong>ve exercer controle sobre ações<br />
ou omissões estatais sobre o cumprimento <strong>de</strong> direitos humanos fundamentais.<br />
Nessa seara, atesta-se que o saneamento é um direito fundamental<br />
implícito, eis que integrante <strong>do</strong> mínimo existencial socioambiental e, portanto,<br />
direta e imediatamente aplicável ao caso concreto pelos Po<strong>de</strong>res Públicos, <strong>de</strong><br />
forma a impedir que alegações <strong>de</strong> escassez financeira e falta <strong>de</strong> previsão<br />
orçamentária para políticas públicas sirvam <strong>de</strong> empecilhos ao fiel cumprimento<br />
da Constituição.<br />
O saneamento básico, <strong>de</strong>ssa forma, <strong>de</strong>ve ser protegi<strong>do</strong> conjunta e<br />
continuamente à tutela <strong>do</strong> meio ambiente, da saú<strong>de</strong> e da garantia <strong>do</strong> núcleo<br />
essencial da dignida<strong>de</strong> humana. A interpretação constitucional que reconheça<br />
essa indissociabilida<strong>de</strong> e a existência autônoma <strong>do</strong> direito ao saneamento é,<br />
portanto, paradigma a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> às políticas públicas e <strong>de</strong>cisões judiciais que<br />
tenham por propósito a efetivida<strong>de</strong> da Constituição e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Socioambiental<br />
<strong>de</strong> Direito.<br />
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A <strong>de</strong>cisão proferida no REsp 1.366.337/RS evi<strong>de</strong>nciou que a Constituição<br />
<strong>de</strong>ve ser interpretada e aplicada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a suprir mazelas que historicamente<br />
têm assola<strong>do</strong> a população brasileira, por vezes ocasionadas pela própria<br />
Administração Pública ao não gerenciar a<strong>de</strong>quadamente os recursos públicos.<br />
Para tanto, cabe ao Judiciário, ainda que subsidiariamente, atuar <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />
a garantir efetivida<strong>de</strong> à Constituição, especialmente em face da existência <strong>de</strong><br />
escolhas financeiras dissociadas <strong>do</strong> interesse público, que impe<strong>de</strong>m a<br />
verda<strong>de</strong>ira a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> ações necessárias à superação <strong>de</strong> problemáticas sociais<br />
e ambientais.<br />
A<strong>de</strong>mais, uma proposta <strong>de</strong> concretização <strong>do</strong> Direito que seja antecedida<br />
<strong>de</strong> um olhar necessário à realida<strong>de</strong> é um efetivo instrumento <strong>de</strong> reconhecimento<br />
<strong>de</strong> direitos e da vinculação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> à Constituição, visto que sua aplicação<br />
não <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r apenas a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, como também às<br />
necessida<strong>de</strong>s existenciais – sociais, econômicas e ambientais – subjacentes às<br />
normas.<br />
Defen<strong>de</strong>-se, por fim, a relevância <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão judicial como<br />
<strong>de</strong>monstrativo da importância <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong><br />
infraestrutura urbana e <strong>do</strong> controle judicial <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, visan<strong>do</strong> à<br />
transformação <strong>do</strong> status quo por meio <strong>de</strong> um olhar necessário à realida<strong>de</strong><br />
brasileira em termos <strong>de</strong> carência <strong>de</strong> ações em saneamento básico, visan<strong>do</strong> à<br />
promoção <strong>de</strong> direitos fundamentais e da cidadania.<br />
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93
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2 mar. 2018.<br />
94
A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO PROCESSO<br />
DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA<br />
(MEDIATION: THE FACILITATOR INSTRUMENT IN THE PROCESS OF REGULARIZATION)<br />
TEODORO, Rita <strong>de</strong> Kassia <strong>de</strong> França<br />
Mestranda em Direito Internacional pela Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos – UNISANTOS -BRASIL. Pós Graduada em<br />
Direito. Procura<strong>do</strong>ra Legislativa. rita.teo<strong>do</strong>ro@unisantos.br.<br />
FREITAS, Gilberto Passos <strong>de</strong><br />
Professor <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> pós-graduação da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos – UNISANTOS - BRASIL. Doutor em<br />
Direito pela Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo-PUC/SP. Desembarga<strong>do</strong>r aposenta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />
RESUMO<br />
O presente artigo preten<strong>de</strong> fazer uma análise da mediação como instituto<br />
previsto na Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017, para a facilitação da<br />
regularização fundiária urbana; para tanto abordar-se-á questão fundiária<br />
urbana; as dificulda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário em dar a solução a<strong>de</strong>quada; a<br />
mediação como instrumento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>.<br />
Palavras-chave: Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465/2017. Regularização Fundiária Urbana.<br />
Meios Alternativos <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos – ADR’s. Mediação. Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />
Desenvolvimento Sustentável.<br />
ABSTRACT<br />
The present article intends to make an analysis of mediation as an institute<br />
foreseen in Fe<strong>de</strong>ral Law 13,465, of July 11, 2017, for the facilitation of urban land<br />
regularization; to <strong>do</strong> so will address urban land issues; the difficulties of the<br />
Judiciary to provi<strong>de</strong> the appropriate solution; mediation as an appropriate<br />
instrument.<br />
Keywords: Fe<strong>de</strong>ral Law nº. 13.465/ 2017. Urban Land Adjustment. Mediation.<br />
ADR’s Judiciary. Sustainable <strong>de</strong>velopment.<br />
Sumário: Introdução. 1. A questão fundiária urbana. 2. A dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário para dar a solução a<strong>de</strong>quada. 3. A Facilitação <strong>de</strong> acesso à<br />
Justiça: meios consensuais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos. 4. A mediação: instrumento<br />
95
facilita<strong>do</strong>r da paz social. 5. Os mecanismos facilita<strong>do</strong>res da Regularização<br />
Fundiária Urbana na Lei nº. 13465/2017. 5.1 Mediação Comunitária. 5.2 A<br />
suspensão da prescrição: garantia <strong>de</strong> efetivação <strong>do</strong> procedimento. 6.<br />
Instauração <strong>de</strong> Câmaras <strong>de</strong> Mediação pelos Municípios e as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
implementação. 6.1 Convênios com os CEJUSC – Centros Judiciários <strong>de</strong><br />
Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania ou Câmaras <strong>de</strong> Mediação cre<strong>de</strong>nciadas. 7.<br />
Conclusões.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A Lei nº 13.465 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017 tem por foco a regularização <strong>do</strong>s<br />
assentamentos humanos irregulares, sejam estes no âmbito urbano quanto rural,<br />
preven<strong>do</strong> uma série <strong>de</strong> novos mecanismos facilita<strong>do</strong>res da regularização, com<br />
<strong>de</strong>staque para a mediação.<br />
A lei em comento está em consonância com o fenômeno inseri<strong>do</strong> na<br />
terceira onda renovatória <strong>do</strong> Processo Civil o qual inclui a maior abrangência <strong>de</strong><br />
garantia <strong>de</strong> acesso à justiça e a duração razoável <strong>do</strong> processo, que pertencem<br />
ao arcabouço jurídico <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>do</strong> que é inexorável a dignida<strong>de</strong> da<br />
pessoa humana, foco central <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, fim precípuo da<br />
atuação da Organização das Nações Unidas.<br />
Importante notar que a nova disciplina propicia a mediação extrajudicial<br />
para a regularização fundiária; verifica-se que o legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong>u especial atenção<br />
a esses mecanismos facilita<strong>do</strong>res da solução <strong>do</strong>s litígios <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sses<br />
assentamentos irregulares, o que dá nova tônica à Administração Pública no<br />
enfrentamento das questões tormentosas que envolvem a regularização<br />
fundiária.<br />
Sob este prisma, a Lei nº 13.465/2017 vem nessa toada a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r<br />
os objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável estabeleci<strong>do</strong>s na Agenda 2030,<br />
com o escopo <strong>de</strong> se construir uma socieda<strong>de</strong> equilibrada: social, econômica e<br />
ambientalmente, para que as presentes e futuras gerações possam usufruir <strong>de</strong><br />
um meio ambiente urbano a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />
96
São esses e outros aspectos que abordaremos no presente paper,<br />
objetivan<strong>do</strong> clarear os mecanismos existentes na lei em comento como a<br />
arbitragem, a mediação extrajudicial, as Câmaras <strong>de</strong> Mediação criadas pelos<br />
Municípios, e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetivação da mediação através <strong>do</strong>s Centros<br />
Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania - CEJUSC e convênios firma<strong>do</strong>s<br />
pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário e entida<strong>de</strong>s privadas como as universida<strong>de</strong>s, e <strong>de</strong>linear os<br />
aspectos favoráveis da mediação, como instrumento facilita<strong>do</strong>r da resolução<br />
questões <strong>de</strong> regularização fundiária.<br />
1. A Questão Fundiária Urbana<br />
A preocupação com o regular <strong>de</strong>senvolvimento urbano tem assento<br />
constitucional, eis que trata<strong>do</strong> expressamente no texto da Constituição <strong>de</strong> 1988,<br />
no artigo 182, on<strong>de</strong> estabelece os objetivos mínimos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar o pleno<br />
<strong>de</strong>senvolvimento das funções sociais da cida<strong>de</strong> e garantia <strong>do</strong> bem-estar <strong>do</strong>s<br />
habitantes.<br />
O instrumento básico <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento urbano é o<br />
plano diretor, disciplina<strong>do</strong> pelos Municípios, que conterá as diretrizes <strong>do</strong> pleno<br />
crescimento urbano, da a<strong>de</strong>quação e or<strong>de</strong>nação regular <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> solo,<br />
evitan<strong>do</strong>-se o parcelamento excessivo e ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> da infraestrutura <strong>do</strong><br />
município (CF/88, art. 182 § 1 o , CF).<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, conforme prevê o seu artigo 30, portanto,<br />
conferiu aos Municípios a tarefa <strong>de</strong> realizar o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbano,<br />
aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos princípios urbanísticos <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> sustentável<br />
e ambientalmente equilibrada.<br />
“A vinculação <strong>de</strong> cada terreno urbano ao or<strong>de</strong>namento territorial se dá pelo princípio da<br />
função social da proprieda<strong>de</strong>. Esta é <strong>de</strong>finida pelo plano diretor, <strong>do</strong>cumento que<br />
estabelece os parâmetros <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> cada região da cida<strong>de</strong>. Todas as ações,<br />
públicas ou privadas, que importem em modificação <strong>do</strong> ambiente construí<strong>do</strong> estão<br />
97
submetidas ao plano diretor, inclusive a implantação <strong>de</strong> infraestrutura, como sistema<br />
viário, linhas <strong>de</strong> metrô e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica e água.” 1<br />
Com efeito, o or<strong>de</strong>namento irregular <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> suma gravida<strong>de</strong>,<br />
uma vez que implica em diversos problemas socioambientais, pois a formação<br />
<strong>de</strong>senfreada <strong>de</strong> assentamentos clan<strong>de</strong>stinos implica geralmente em<br />
<strong>de</strong>sarticulação <strong>do</strong> sistema viário, assoreamento <strong>de</strong> rios, ausência <strong>de</strong><br />
equipamentos públicos no local (saú<strong>de</strong>, educação etc.), ausência <strong>de</strong><br />
saneamento básico, <strong>de</strong>ntre outros, com latente violação <strong>de</strong> direitos, em razão da<br />
ausência <strong>de</strong> condições mínimas <strong>de</strong> atendimento à dignida<strong>de</strong> humana, em<br />
contraponto à função social <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano, que busca, sobretu<strong>do</strong>,<br />
garantir o bem estar <strong>do</strong>s seus habitantes.<br />
A <strong>de</strong>ficiência no controle <strong>do</strong> surgimento e <strong>do</strong> aumento <strong>de</strong>sses<br />
assentamentos conduzem a um crescimento <strong>de</strong>sproporcional e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong><br />
das cida<strong>de</strong>s, geran<strong>do</strong> prejuízos socioambientais incalculáveis, ferin<strong>do</strong> o i<strong>de</strong>al<br />
internacional <strong>de</strong> equilibrar o <strong>de</strong>senvolvimento social, econômico e ambiental,<br />
garantin<strong>do</strong> às futuras gerações um ambiente sadio e com qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />
Essa preocupação <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> é prevista nos <strong>de</strong>zessete objetivos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, para,<br />
<strong>de</strong>ssa forma, atingir uma socieda<strong>de</strong> ambientalmente equilibrada; para tanto, o<br />
Brasil <strong>de</strong>verá se alinhar:<br />
● aos fundamentos e objetivos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Brasileiro, buscan<strong>do</strong> concretizar<br />
a dignida<strong>de</strong> humana (CF, Art. 1 o , III), o <strong>de</strong>senvolvimento nacional, a erradicação pobreza<br />
e da marginalização, a redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e regionais, a promoção <strong>do</strong><br />
bem <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s;<br />
● a visão holística <strong>do</strong> meio ambiente na implementação <strong>do</strong> equilíbrio<br />
ambiental, ten<strong>do</strong> em conta as <strong>de</strong>safiantes diversida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> meio físico, biótico e<br />
antrópico;<br />
1<br />
CARVALHO PINTO, V. Ocupação Irregular <strong>do</strong> Solo e Infraestrutura urbana: o caso da energia elétrica.<br />
In: Temas <strong>de</strong> Direito Urbanístico. 5, São Paulo: Imprensa Oficial (Organiza<strong>do</strong>r: CAOUMA-MPSP), 2007,<br />
p. 108.<br />
98
● à transversalida<strong>de</strong> da dimensão ambiental, visan<strong>do</strong> incorporar à política<br />
urbana, no caso, os objetivos e diretrizes traça<strong>do</strong>s pelas políticas ambientais (Política<br />
Nacional <strong>do</strong> Meio Ambiente, Política Nacional <strong>de</strong> Educação Ambiental, entre<br />
outras).(...). 2<br />
Essa questão tem íntima ligação com a função social urbana que tem por<br />
foco a pessoa na sua própria concepção para atingimento da dignida<strong>de</strong> humana,<br />
que tem ampla dimensão, abrangen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os aspectos da vida <strong>do</strong> ser humano.<br />
Em outras palavras, é a conjugação <strong>do</strong> fator social compreendi<strong>do</strong> em moradia,<br />
educação, lazer, saú<strong>de</strong>, bem-estar, econômico com a garantia <strong>de</strong> emprego e<br />
acesso a bens e serviços públicos e priva<strong>do</strong>s, propon<strong>do</strong> um ambiente saudável<br />
que garanta o piso vital mínimo <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, a segurança alimentar, e a<br />
manutenção da biota.<br />
“A exigência <strong>de</strong> atendimento das funções sociais da cida<strong>de</strong> resulta no<br />
direito a cida<strong>de</strong>s sustentáveis que, nos termos <strong>do</strong> Estatuto (art. 2 o , I)<br />
abrange, para as presentes e futuras gerações, os direitos<br />
fundamentais à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à<br />
infraestrutura urbana ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho<br />
e ao lazer.” 3<br />
O direito à moradia a<strong>de</strong>quada está ínsito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana<br />
em senti<strong>do</strong> concreto, uma vez que a dignida<strong>de</strong> humana não é uma essência que<br />
explica somente o ser humano, mas a natureza <strong>de</strong>le que parte <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />
ações: proteger-se, trabalhar, <strong>de</strong>slocar-se, comunicar-se, estabelecer laços etc.,<br />
no que se insere o direito à ter uma habitação que lhe garanta executar ações<br />
ínsitas <strong>de</strong> sua própria natureza, <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> a atingir-se a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu bemestar,<br />
reconhecen<strong>do</strong>-se como ser e indivíduo no seio da socieda<strong>de</strong>.<br />
“É justamente neste senti<strong>do</strong> que assume particular relevância a<br />
constatação <strong>de</strong> que a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana é simultaneamente<br />
limite e tarefa <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res estatais e, no nosso sentir, da comunida<strong>de</strong><br />
2<br />
YOSHIDA, C.Y.M. Sustentabilida<strong>de</strong> Urbano-Ambiental: os conflitos sociais, as questões urbanísticas<br />
ambientais e os <strong>de</strong>safios à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nas cida<strong>de</strong>s. In: Sustentabilida<strong>de</strong> e temas fundamentais <strong>de</strong><br />
direito ambiental (organiza<strong>do</strong>r: MARQUES, J.R.), Campinas: Millenniun 2009, P.83/84.<br />
3 YOSHIDA, C.Y.M. Sustentabilida<strong>de</strong> Urbano-Ambiental: os conflitos sociais, as questões urbanísticas<br />
ambientais e os <strong>de</strong>safios à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nas cida<strong>de</strong>s. In: Sustentabilida<strong>de</strong> e temas fundamentais <strong>de</strong><br />
direito ambiental (organiza<strong>do</strong>r: MARQUES, J.R.), Campinas: Millenniun, 2009, P.84.<br />
99
em geral, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> cada um, condição dúplice esta que também<br />
aponta para uma paralela e conexa dimensão <strong>de</strong>fensiva e prestacional<br />
da dignida<strong>de</strong>, que voltará a ser referida oportunamente.” 4<br />
Assim, a dignida<strong>de</strong> humana é o norte da atuação estatal e da comunida<strong>de</strong><br />
como um to<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, as ações sejam dirigidas tanto à manutenção da<br />
dignida<strong>de</strong> quanto à sua promoção, não só para as gerações existentes, como<br />
também para as novas, a fim <strong>de</strong> garantir ao ser humano a realização <strong>de</strong> suas<br />
necessida<strong>de</strong> existenciais básicas no aspecto econômico, social e ambiental, o<br />
que exige o implemento <strong>de</strong> políticas urbanas que proporcionem o regular<br />
or<strong>de</strong>namento urbano, com acesso aos serviços e equipamentos públicos<br />
essenciais.<br />
Todavia, com o gran<strong>de</strong> êxo<strong>do</strong> rural que ocorreu e vem ocorren<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
os i<strong>do</strong>s da revolução industrial, houve um gran<strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento populacional nos<br />
centros urbanos, com a crescente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais espaços para abrigar a<br />
gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> pessoas que se avolumavam nas cida<strong>de</strong>s, o que acarretou a<br />
proliferação <strong>de</strong> assentamentos urbanos irregulares, clan<strong>de</strong>stinos, com condições<br />
precárias <strong>de</strong> moradia e parcos acesso aos serviços públicos, e, também, o<br />
crescente incremento da criminalida<strong>de</strong> nas urbes.<br />
Assim, surgiram no âmbito das cida<strong>de</strong>s diversos espaços informais,<br />
verda<strong>de</strong>iros conglomera<strong>do</strong>s urbanos, que, não obstante terem se <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong><br />
às vistas <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, foram crescen<strong>do</strong> à margem da lei e das diretrizes <strong>de</strong><br />
um or<strong>de</strong>namento urbano a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, causan<strong>do</strong> sensível celeuma e a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação diuturna da Administração Pública em regularizar tais<br />
situações.<br />
“Fato é que algumas políticas públicas vêm sen<strong>do</strong> a<strong>do</strong>tadas no intuito<br />
<strong>de</strong> se promover a reurbanização e a regularização fundiária <strong>de</strong>stes<br />
espaços informais, ten<strong>do</strong> também por objetivo melhorar as condições<br />
<strong>de</strong> vida das comunida<strong>de</strong>s em trajetória <strong>de</strong> risco social. Entretanto, o<br />
que ocorre em boa parte das intervenções é que a população local ou<br />
não é consultada ou quan<strong>do</strong> é, não é verda<strong>de</strong>iramente escutada. Não<br />
menos comum é a realização <strong>de</strong> projetos que não aten<strong>de</strong>m às<br />
comunida<strong>de</strong>s, sen<strong>do</strong> implanta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma autoritária, imposta e não<br />
dialogada. O <strong>de</strong>senvolvimento sustentável não é observa<strong>do</strong>, e as<br />
4<br />
SARLET, I.W. Dignida<strong>de</strong> da Pessoa Humana e <strong>Direitos</strong> Fundamentais, 9. Ed, Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong><br />
Advoga<strong>do</strong>, 2011, p. 58.<br />
100
intervenções <strong>de</strong> reurbanização acabam, por vezes, <strong>de</strong>srespeitan<strong>do</strong> os<br />
direitos <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res e agravan<strong>do</strong> a situação socioeconômica <strong>do</strong>s<br />
mesmos.” 5<br />
A questão <strong>de</strong> regularização <strong>do</strong>s assentamentos urbanos, promoven<strong>do</strong> o<br />
a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbanístico é <strong>de</strong> suma relevância, uma vez que esbarra<br />
em questões complexas, pois abarca tanto o aspecto social das pessoas<br />
envolvidas, quanto o aspecto ambiental, pois, não rara às vezes, os<br />
assentamentos se encontram em áreas <strong>de</strong> proteção ambiental, <strong>de</strong> risco, ou seja,<br />
<strong>de</strong> impossível regularização.<br />
Assim, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> algumas políticas públicas tem por solução<br />
a retirada <strong>do</strong> conglomera<strong>do</strong> urbano <strong>de</strong> certa localida<strong>de</strong> e realocada em outra, a<br />
fim <strong>de</strong> proporcionar a reurbanização e regularização fundiária, porém a questão,<br />
longe <strong>de</strong> ser a mais simples, esbarra em longas e infindáveis lutas judiciais.<br />
2. A Dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário para dar a Solução A<strong>de</strong>quada<br />
O Po<strong>de</strong>r Judiciário vem <strong>de</strong>sempenhan<strong>do</strong> papel fundamental na resolução<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas envolven<strong>do</strong> os conflitos <strong>de</strong> regularização fundiária, pois, como já<br />
ressalta<strong>do</strong>, são conflitos <strong>de</strong> natureza complexa e, muitas vezes “exigem<br />
tratamentos cirúrgicos drásticos, como <strong>de</strong>socupação e <strong>de</strong>molição forçada, para<br />
o retorno ou promoção <strong>do</strong> status quo <strong>de</strong> uma urbanização sustentável.” 6<br />
No entanto, o sistema processual não se coaduna com as <strong>de</strong>mandas que<br />
vem crescen<strong>do</strong>, notadamente, aquelas que busca tutelar interesses <strong>de</strong> múltiplas<br />
pessoas, e não se vislumbra um titular específico, mas toda uma coletivida<strong>de</strong>;<br />
os chama<strong>do</strong>s interesses transindividuais.<br />
“Os mecanismos tradicionais <strong>do</strong> processo civil não se a<strong>de</strong>quavam,<br />
então, ao atendimento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>manda que reunisse, por exemplo,<br />
direitos difusos, em que o autor não po<strong>de</strong>ria se arrogar a condição <strong>de</strong><br />
5<br />
ORSINI, A.G.<strong>de</strong> S.; SILVA, N.F. da. A mediação como via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em políticas<br />
públicas <strong>de</strong> reurbanização. disponível em:<br />
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=41c542dfe6e4fc3d. Acessa<strong>do</strong> em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />
6<br />
YOSHIDA, C.Y.M. Sustentabilida<strong>de</strong> Urbano-Ambiental: os conflitos sociais, as questões urbanísticas<br />
ambientais e os <strong>de</strong>safios à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nas cida<strong>de</strong>s. In: Sustentabilida<strong>de</strong> e temas fundamentais <strong>de</strong><br />
direito ambiental (organiza<strong>do</strong>r: MARQUES, J.R.), Campinas: Millenniun, 2009, p.92.<br />
101
proprietário da ‘sadia qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ar’ ou da ‘manutenção <strong>de</strong> meio<br />
ambiente equilibra<strong>do</strong>’.” 7<br />
Neste cenário foi concebida a Lei <strong>de</strong> Ação Civil Pública – Lei Fe<strong>de</strong>ral nº<br />
7.347/85, com mecanismos mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s à tutela coletiva, sen<strong>do</strong> ela<br />
aprimorada no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> tempo, com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e o<br />
Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r (Lei nº. 8.078/1990). Referi<strong>do</strong> diploma, apesar<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar importante papel na tutela <strong>do</strong>s interesses transindividuais,<br />
notadamente, nas questões envolven<strong>do</strong> regularização fundiária, ainda mais após<br />
a edição <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong> – Lei nº 10.257/2001, permitin<strong>do</strong> ao Ministério<br />
Público a tutela urbanística, não teve obti<strong>do</strong> o êxito espera<strong>do</strong>.<br />
A judicialização <strong>do</strong>s conflitos envolven<strong>do</strong> assentamentos irregulares e<br />
clan<strong>de</strong>stinos, no afã <strong>de</strong> proteger o cidadão e garantir a preservação <strong>do</strong> meio<br />
ambiente, não tem se apresenta<strong>do</strong> como a melhor forma, pois a jurisdição não<br />
possui mecanismos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para aten<strong>de</strong>r o tripé que suporta o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável: social, econômico e ambiental.<br />
Com efeito, ao Po<strong>de</strong>r Judiciário cabe à aplicação da lei ao caso concreto,<br />
e, sen<strong>do</strong> assim, “os conflitos <strong>de</strong> interesses se resolvem, <strong>de</strong> ordinário, pela<br />
subordinação <strong>do</strong>s seus sujeitos às or<strong>de</strong>ns abstratas da lei que os regula.” 8<br />
Sob este prisma, em regra, em ações visan<strong>do</strong> a regularização <strong>de</strong><br />
assentamentos urbanos há a participação <strong>do</strong> Ministério Público (como autor da<br />
ação) e <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público (como réu), ou seja, não há participação efetiva <strong>do</strong>s<br />
membros e pessoas da comunida<strong>de</strong> diretamente atingida por quaisquer medidas<br />
que venham a ser tomadas para o local, geran<strong>do</strong> problemas maiores às famílias,<br />
que, não raras vezes, são obrigadas a sair <strong>do</strong>s locais, sem <strong>de</strong>stino certo e,<br />
quan<strong>do</strong> o Po<strong>de</strong>r Público as transfere, coloca-as em locais extremamente<br />
distantes e sem a mesma infraestrutura a que as famílias possuíam, violan<strong>do</strong><br />
direitos <strong>de</strong>ssa parcela da população e agravan<strong>do</strong> sua situação socioeconômica.<br />
7<br />
CAZETTA, U. Instrumentos Judiciais e Extrajudiciais <strong>de</strong> Tutela Coletiva. In: O Direito e o<br />
Desenvolvimento Sustentável (organiza<strong>do</strong>res VEIGA RIOS, A.V.; IRIGARAY, C.T.H.), São Paulo:<br />
Petrópolis, 2005, p. 378.<br />
8<br />
SANTOS, M.A. Primeiras Linhas <strong>de</strong> Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 17. Ed, 1994, p.09.<br />
102
Aurélio Wan<strong>de</strong>r C. Bastos, em estu<strong>do</strong> intitula<strong>do</strong>, Conflitos Sociais e<br />
Limites <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, enten<strong>de</strong> que o sistema e a meto<strong>do</strong>logia a<strong>do</strong>tada<br />
para a estrutura <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário não são suficientes e a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para a<br />
solução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas que possuem uma acentuada alteração <strong>do</strong> vínculo<br />
estrutural entre as partes envolvidas, bem como preten<strong>de</strong>m uma mudança social<br />
em curto espaço <strong>de</strong> tempo; em outras palavras, as situações <strong>do</strong> cotidiano, como<br />
manifestações da vida, por vezes não se enquadram nos mecanismos formais a<br />
que se encontra estabelecidas a <strong>do</strong>gmática judiciária.<br />
“Isto porque? No nosso enten<strong>de</strong>r, os fenômenos sociais não são<br />
normativos e sim normatizáveis (ou, mais amplamente,<br />
conjunturalizáveis). Embora possamos prever e esperar <strong>de</strong>terminadas<br />
condutas, estas condutas não só po<strong>de</strong>m não estar normatizadas como,<br />
também, po<strong>de</strong>m ocorrer diferentemente das prescrições normativas. É<br />
o espontaneísmo processual da vida social que nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisala<br />
segun<strong>do</strong> o sistematismo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídico, político, moral etc. No<br />
caso especial <strong>do</strong> Direito, a aplicação da meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> sua análise à<br />
compreensão das diversas áreas <strong>de</strong> manifestação <strong>do</strong> comportamento<br />
po<strong>de</strong> levar a <strong>de</strong>svios profun<strong>do</strong>s na montagem <strong>de</strong> qualquer quadro<br />
teórico. 9<br />
Realmetne, se verificam conflitos que possam ou não ser absorvi<strong>do</strong>s pelo<br />
Po<strong>de</strong>r Judiciário, e, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da complexida<strong>de</strong>, mesmo absorvi<strong>do</strong>, não serão<br />
<strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>s.<br />
“Desta forma, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> da causa <strong>do</strong> conflito, das consequências da<br />
<strong>de</strong>cisão e <strong>do</strong> assentimento das partes, o conflito social po<strong>de</strong>rá ou não<br />
ser absorvi<strong>do</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. E, em muitos casos, po<strong>de</strong>rá ser<br />
absorvi<strong>do</strong> mas não será <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> (quadro 11). Como explicaremos esta<br />
ocorrência?<br />
(...)<br />
Isto porque, segun<strong>do</strong> argumento que <strong>de</strong>senvolveremos, estes conflitos<br />
não só não apresentam uma uniformida<strong>de</strong> na sua profundida<strong>de</strong> e na<br />
sua velocida<strong>de</strong> como também os seus vínculos estruturais são<br />
acentuadamente mais complexos <strong>do</strong> que as inter-relações entre as<br />
diversas funções judiciárias.<br />
(...)<br />
9<br />
BASTOS, A.W.C. Conflitos Sociais e Limites <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, Rio <strong>de</strong> Janeiro: El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>, 1975, p.<br />
29.<br />
103
A complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes tipos especiais <strong>de</strong> relação social,<br />
principalmente quan<strong>do</strong> assumem características antagônicas, torna o<br />
Judiciário, classicamente organiza<strong>do</strong>, incapacita<strong>do</strong> para absorvê-las.<br />
Conce<strong>de</strong>-se, como é o caso, o direito substantivo, mas transfere-se ao<br />
Executivo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> absorvê-los e, se for o caso, <strong>de</strong>cidi-los.” 10<br />
Sen<strong>do</strong> assim, a velocida<strong>de</strong> das mudanças sociais, frente ao novo mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> implementa<strong>do</strong> com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, volta<strong>do</strong> para a<br />
proteção <strong>do</strong> meio ambiente, preocupa<strong>do</strong> com as qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das presentes<br />
e futuras gerações, e colocan<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana no epicentro <strong>do</strong><br />
or<strong>de</strong>namento jurídico, <strong>de</strong>u novo senti<strong>do</strong> não só às <strong>de</strong>cisões judiciais, uma vez<br />
que <strong>de</strong>ve o julga<strong>do</strong>r não só estar atento ao atendimento <strong>do</strong> tripé <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável (ambiental, social e econômico), mas também à<br />
toda conjuntura política e social.<br />
“se o princípio <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável integra o ápice <strong>do</strong><br />
or<strong>de</strong>namento brasileiro, ele obriga o Judiciário observá-lo. (...)<br />
A preocupação com as futuras gerações trouxe uma dimensão nova<br />
para as <strong>de</strong>cisões judiciais. Em toda ação ambiental existe uma parte<br />
não processualmente representada, mas que merece proteção. (...)<br />
Se o constituinte conferiu a to<strong>do</strong>s a missão <strong>de</strong> preservar o meio<br />
ambiente para as futuras gerações, ele obrigou o juiz a reavaliar os<br />
critérios interpretativos.<br />
A aplicação da lei ambiental não é o exercício mecânico da regra<br />
silogística até então consagra<strong>do</strong> para as <strong>de</strong>mandas interindividuais.<br />
Nelas resi<strong>de</strong> uma transcendência.(...)” 11<br />
Enfim, atualmente o que se constata é que a Jurisdição exercida pelo<br />
Esta<strong>do</strong> é o principal meio <strong>de</strong> solução <strong>do</strong>s conflitos, isso em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong><br />
princípio da inafastabilida<strong>de</strong> a Jurisdição (art. 5 o , XXXV, CF); no entanto, o<br />
exercício da Jurisdição no mo<strong>de</strong>lo consagra<strong>do</strong> não tem si<strong>do</strong> suficiente para a<br />
solução <strong>de</strong> conflitos envolven<strong>do</strong> a regularização fundiária, notadamente, urbana,<br />
10<br />
BASTOS, A.W.C. Conflitos Sociais e Limites <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, Rio <strong>de</strong> Janeiro: El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>, 1975,<br />
p.123;128;132/133.<br />
11<br />
NALINI, J.R. Ética e Sustentabilida<strong>de</strong> no Po<strong>de</strong>r Judiciário. In: O Direito e o Desenvolvimento<br />
Sustentável (organiza<strong>do</strong>res VEIGA RIOS, A.V.; IRIGARAY, C.T.H.), São Paulo: Petrópolis, 2005, p.<br />
285/286.<br />
104
frente aos limites ínsitos ao po<strong>de</strong>r jurisdicional, necessitan<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> novas<br />
posturas e outros mecanismos que possam estabelecer a paz social.<br />
3. A facilitação <strong>de</strong> acesso à Justiça: meios consensuais <strong>de</strong> solução<br />
<strong>de</strong> conflitos.<br />
O acesso à Justiça consiste em garantia fundamental abrangente, <strong>de</strong><br />
mo<strong>do</strong> a assegurar não só apenas o acesso ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, mas também<br />
promover os meios e formas que lhe garantam uma or<strong>de</strong>m jurídica justa, sen<strong>do</strong><br />
via essencial <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> direitos 12 .<br />
O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> acesso à Justiça <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Mauro Cappelletti e Bryan<br />
Garth, aponta o panorama existente a partir das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> superação <strong>de</strong><br />
obstáculos observa<strong>do</strong>s, o que resultou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar mecanismos<br />
para promoção mais a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>ssa garantia, implican<strong>do</strong> em três ondas<br />
renovatórias 13 .<br />
“A primeira onda renovatória <strong>de</strong> universalização <strong>do</strong> acesso focou a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propiciar acesso aos marca<strong>do</strong>s pela vulnerabilida<strong>de</strong><br />
econômica. Já a segunda buscou reformar os sistemas jurídicos para<br />
<strong>do</strong>tá-los <strong>de</strong> meios atinentes à representação jurídica <strong>do</strong>s interesses<br />
‘difusos, atuan<strong>do</strong> especialmente sobre os conceitos processuais<br />
clássicos para adaptá-los à a<strong>de</strong>quada concepção <strong>de</strong> processo coletivo.<br />
A terceira onda, por seu turno, preconizou uma concepção mais ampla<br />
<strong>de</strong> acesso à justiça, com inclusão da advocacia, e uma especial<br />
atenção ao conjunto geral <strong>de</strong> instituições e mecanismos, pessoas e<br />
procedimentos utiliza<strong>do</strong>s para processar e prevenir disputas nas<br />
socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas.” 14<br />
A intensificação <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> mecanismos alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong><br />
conflitos (alternative disparate resolution – ADR, no inglês), está compreendida,<br />
portanto, na terceira onda renovatória <strong>de</strong> universalização <strong>de</strong> acesso à Justiça, a<br />
fim <strong>de</strong> propiciar maior facilitação <strong>do</strong>s meios e mecanismos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
pacificação <strong>de</strong> conflitos.<br />
12<br />
TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 82.<br />
13<br />
TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 82.<br />
14<br />
TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 83.<br />
105
O fomento à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> mecanismos alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mandas faz parte <strong>do</strong>s objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável estabeleci<strong>do</strong>s<br />
na agenda 2030, firmada pela Organização das Nações Unidas, conforme<br />
“Objetivo 16. Promover socieda<strong>de</strong>s pacíficas e inclusivas para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para to<strong>do</strong>s e<br />
construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em to<strong>do</strong>s os níveis” 15 ;<br />
e, portanto, ínsito à dimensão <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />
Assim, premente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver diversos mecanismos <strong>de</strong><br />
composição <strong>de</strong> conflitos diversos <strong>do</strong> paradigma jurisdicional, com objetivo <strong>de</strong> se<br />
atingir a paz social visada pela jurisdição. Nesse contexto, é importante<br />
compreen<strong>de</strong>r que o conflito não é uma manifestação negativa, pelo contrário, faz<br />
parte <strong>do</strong> convívio social e trata-se <strong>de</strong> uma experiência necessária, para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento e crescimento pessoal(...) 16<br />
Realmente, o Po<strong>de</strong>r Judiciário não é o único meio <strong>do</strong> qual se possa buscar<br />
a solução <strong>do</strong>s conflitos, quan<strong>do</strong> há um litígio, notadamente, envolven<strong>do</strong><br />
interesses difusos e coletivos. A utilização <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário para solucionar<br />
conflitos ambientais (em especial no tocante ao manuseio <strong>do</strong>s instrumentos<br />
processuais coletivos) <strong>de</strong>ve ser utilizada apenas como última salvaguarda, ou<br />
seja, somente quan<strong>do</strong> as <strong>de</strong>mais instâncias tenham fracassa<strong>do</strong> na tutela<br />
ecológica. 17<br />
Nesse contexto, surge a noção <strong>de</strong> justiça consensual, conciliatória ou<br />
coexistencial, dan<strong>do</strong> lugar, pois, à autocomposição que propicia às partes em<br />
litígio a solução pelo consenso voluntário, não obstante possa ser utiliza<strong>do</strong> o<br />
auxílio <strong>de</strong> um terceiro, que não imporá a vonta<strong>de</strong> da lei ao caso concreto, mas<br />
atua como intermedia<strong>do</strong>r da vonta<strong>de</strong> das partes.<br />
15<br />
ODS Agenda 2030. Disponível em: https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento-sustentavel-da-onu/.<br />
16<br />
SPENGLER, F.M. e SPLENGER NETO, T. Mediação, Conciliação e Arbitragem. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV<br />
Editora, 2016, p. 21.<br />
17<br />
SARLET, I.W.; FENSTERSEIFER, T. Princípios <strong>do</strong> direito ambiental, São Paulo: Saraiva, 2. ed, 2017,<br />
p. 190/191.<br />
106
“A lógica consensual (coexistencial ou conciliatória) e aplicada em um<br />
ambiente on<strong>de</strong> a pauta é colaborativa: as pessoas se dispõem a<br />
dialogar sobre a controvérsia e a abordagem não é centrada apenas<br />
no passa<strong>do</strong>, mas inclui o futuro como perspectiva a ser consi<strong>de</strong>rada.<br />
Por prevalecer a autonomia <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s, o terceiro facilita<strong>do</strong>r da<br />
comunicação não intervém para <strong>de</strong>cidir sobre o mérito, mas para<br />
viabilizar o diálogo em prol <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s produtivos.” 18<br />
Sob este prisma, encontramos os méto<strong>do</strong>s não contenciosos <strong>de</strong> solução<br />
<strong>de</strong> conflitos: negociação, conciliação e a mediação; pelos quais as partes não<br />
atuam como conten<strong>do</strong>ras (ex advsersus), porém como colabora<strong>do</strong>ras no<br />
processo <strong>de</strong> solução da controvérsia, comungan<strong>do</strong> <strong>de</strong> um único objetivo comum:<br />
por fim ao litígio.<br />
Em linhas gerais, a negociação po<strong>de</strong> ser entendida como a<br />
comunicação estabelecida diretamente entre as partes, com avanços<br />
e retrocessos, em busca <strong>de</strong> um acor<strong>do</strong>.(...) As partes, elas mesmas,<br />
resolvem a disputa, sem a ajuda <strong>de</strong> terceiros (...). 19 Mediação é o meio<br />
consensual <strong>de</strong> abordagem <strong>de</strong> controvérsias em que uma pessoa isenta<br />
e <strong>de</strong>vidamente capacitada atua tecnicamente para facilitar a<br />
comunicação <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que os envolvi<strong>do</strong>s possam encontrar formas<br />
produtivas <strong>de</strong> lidar com as disputas. 20 Ao passo que a conciliação há<br />
maior intervenção <strong>do</strong> terceiro concilia<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> comumente utilizada<br />
para conflitos instantâneos, que surgem muitas vezes sem qualquer<br />
vínculo anterior envolven<strong>do</strong> os litigantes. 21<br />
Nesta linha, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça editou a Resolução nº<br />
125/2010 22 , que dispõe sobre a política nacional <strong>de</strong> tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
conflitos <strong>de</strong> interesses no âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, tem por enfoque a<br />
conciliação e a mediação, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> aos órgãos judiciários oferecer os meios<br />
consensuais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> controvérsias, vin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssa forma, ao encontro da<br />
18<br />
TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 82<br />
19<br />
GABBAY, D., FALECK D., TARTUCE, F. Meios alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
FGV, 2013, p 19.<br />
20<br />
I<strong>de</strong>m, p.45/46.<br />
21<br />
SPENGLER, F.M. e SPLENGER NETO, T. Mediação, Conciliação e Arbitragem. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV<br />
Editora, 2016, p. 268.<br />
22<br />
BRASIL. Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça. Resolução CNJ 125, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010. Disponível<br />
em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?<strong>do</strong>cumento=2579, acesso em 04 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2018.<br />
107
visão contemporânea <strong>de</strong> resolução consensual <strong>de</strong> litígios, priman<strong>do</strong> pela<br />
composição amigável.<br />
Nesta visão consensualista o Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil – Lei nº<br />
13.105/2015 a<strong>do</strong>tou a promoção <strong>de</strong> solução consensual <strong>do</strong> conflito (Art. 3 o , §2 o ),<br />
estabeleceu a audiência prévia <strong>de</strong> conciliação (art. 334), e aos atores<br />
processuais <strong>de</strong>terminou que incentivem a solução consensual da li<strong>de</strong> (art. 3 o ,<br />
§3 o ), e abriu portas à a<strong>do</strong>ção da mediação para o Po<strong>de</strong>r Público com as Câmaras<br />
<strong>de</strong> Mediação e Conciliação (art. 174), que veremos logo mais, ponto importante<br />
também para as questões fundiárias judicializadas.<br />
Nessa mesma esteira, a Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 13.140/2015 – Lei Nacional da<br />
Mediação, que, embora posterior ao Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil, entrou em<br />
vigor antes <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma adjetivo, e disciplinou a mediação entre<br />
particulares bem como possibilitou a autocomposição <strong>do</strong>s conflitos no âmbito da<br />
Administração Pública, também conten<strong>do</strong> a previsão das Câmaras <strong>de</strong><br />
Conciliação e Mediação, se tornan<strong>do</strong> um marco regulatório da mediação como<br />
instrumento <strong>de</strong> acesso à Justiça e da cultura <strong>de</strong> paz.<br />
A Administração Pública pautada por princípios <strong>de</strong> Direito Público está<br />
vinculada ao interesse público <strong>do</strong> qual não po<strong>de</strong> se afastar o<br />
administra<strong>do</strong>r e, nesse regime jurídico <strong>de</strong> direito público, ela é sujeita<br />
a prerrogativas, e também sujeita à <strong>de</strong>veres, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, toda a sua<br />
atuação <strong>de</strong>ve estar pautada pelos princípios <strong>de</strong> direito público,<br />
notadamente aqueles expressos na constituição; não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o<br />
administra<strong>do</strong>r público abrir mão <strong>do</strong>s interesses postos em litígio, frente<br />
à indisponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> interesse público, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização<br />
legal e a transparência <strong>do</strong>s atos.<br />
(...)<br />
A Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 13.140/2015, sensível a essa peculiar realida<strong>de</strong> da<br />
Administração Pública, procurou estabelecer os requisitos mínimos<br />
para a participação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público na conciliação e mediação,<br />
preven<strong>do</strong> a aplicação <strong>de</strong>ssa norma aos entes públicos e estabelecen<strong>do</strong><br />
uma seção inteira para tratar da matéria, é o que se vê, pois, <strong>do</strong>s seus<br />
artigos 32 a 40. 23<br />
23<br />
TEODORO, R.K.F. A FAZENDA PÚBLICA E OS MEIOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE<br />
CONFLITOS. Disponível em: https://www.unaerp.br/revista-cientifica-integrada/edicao-atual/2966-rci-afazenda-publica-e-os-meios-consensuais-<strong>de</strong>-solucao-<strong>de</strong>-conflitos-06-2018/file.<br />
Acesso em 30 out. 2018.<br />
108
Todavia, em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> conflitos envolven<strong>do</strong> uma gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong><br />
pessoas, <strong>de</strong> âmbito complexo, como ocorre nos conflitos que tratam da<br />
regularização <strong>do</strong>s assentamentos urbanos, ainda pouco se tem utiliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>sses<br />
meios consensuais, diante da complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos e da ausência <strong>de</strong><br />
previsão específica <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autocomposição com o Po<strong>de</strong>r Público<br />
nesses casos, em razão da existência <strong>de</strong> interesses indisponíveis e <strong>do</strong>s<br />
princípios <strong>de</strong> direito administrativo a que está sujeito o Po<strong>de</strong>r Público.<br />
Porém o que se vem constatan<strong>do</strong> é que, para se chegar a uma solução<br />
a<strong>de</strong>quada, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer diálogo com a comunida<strong>de</strong><br />
envolvida, a fim <strong>de</strong> conduzir o conflito com razoabilida<strong>de</strong>, e garantir atendimento<br />
socioeconômico aos interessa<strong>do</strong>s, sem <strong>de</strong>scurar da proteção ambiental.<br />
Nessa perspectiva, é que a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465/2017, ressalta a<br />
mediação como ferramenta para solução <strong>de</strong> controvérsias fundiárias, por sua<br />
própria essência <strong>de</strong> restabelecimento <strong>de</strong> diálogo das partes em conflito,<br />
atingin<strong>do</strong> muito mais que um ponto final na questão, mas a paz social pelo<br />
diálogo, como se esclarecerá a seguir.<br />
4. A Mediação: instrumento facilita<strong>do</strong>r da paz social<br />
No cenário jurídico atual, a participação da socieda<strong>de</strong> nas <strong>de</strong>cisões<br />
governamentais tem si<strong>do</strong> cada vez mais requisitada, como expressão da<br />
<strong>de</strong>mocracia participativa <strong>de</strong>fendida pelo legisla<strong>do</strong>r constituinte, possibilitan<strong>do</strong> a<br />
atuação da população nas <strong>de</strong>cisões governamentais que lhes são<br />
inexoravelmente impactantes, razão porque os méto<strong>do</strong>s alternativos <strong>de</strong> solução<br />
<strong>do</strong>s conflitos têm ganhan<strong>do</strong> força, frente ao padrão <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> que o<br />
Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r.<br />
“Nesse senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>staca-se a mediação enquanto meio complementar<br />
<strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, em que os envolvi<strong>do</strong>s, auxilia<strong>do</strong>s por uma<br />
terceira pessoa – o media<strong>do</strong>r – buscam, por meio <strong>do</strong> diálogo, da<br />
criativida<strong>de</strong> e da intercompreensão, a melhor maneira <strong>de</strong> solucionar a<br />
questão se que uma das partes saia prejudicada. (...).” 24<br />
24<br />
ORSINI, A.G.<strong>de</strong> S.; SILVA, N.F. da. A mediação como via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em políticas<br />
públicas <strong>de</strong> reurbanização. disponível em:<br />
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=41c542dfe6e4fc3d, acesso em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />
109
O objetivo da mediação não é evitar novos processos judiciais, tampouco<br />
ser um mecanismo <strong>de</strong> diminuição das <strong>de</strong>mandas judicializadas, mas sua<br />
finalida<strong>de</strong>, como instituto <strong>de</strong> composição consensual <strong>de</strong> controvérsias, é a<br />
pacificação por meio da autocomposição das partes com restabelecimento <strong>de</strong><br />
diálogo.<br />
A mediação por ser um méto<strong>do</strong> consensual on<strong>de</strong> um terceiro imparcial<br />
atua com o objetivo <strong>de</strong> facilitar a comunicação entre as partes envolvidas, e, com<br />
isso, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as diversas perspectivas <strong>do</strong> conflito, por si mesmas encontrem<br />
uma solução mais a<strong>de</strong>quada e consentânea com a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> litígio; em outras<br />
palavras, por meio da mediação, as partes protagonizam a <strong>de</strong>cisão para a<br />
resolução da <strong>de</strong>manda conflituosa (art. 1 o , da Lei nº 13.140/2015).<br />
“A mediação configura um meio consensual porque não implica a<br />
imposição <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão por uma terceira pessoa; sua lógica, portanto,<br />
difere totalmente daquela em que um julga<strong>do</strong>r tem autorida<strong>de</strong> para<br />
impor <strong>de</strong>cisões.<br />
(...)<br />
A mediação permite que os envolvi<strong>do</strong>s na controvérsia atuem<br />
cooperativamente em prol <strong>de</strong> interesses comuns liga<strong>do</strong>s à superação<br />
<strong>de</strong> dilemas e impasse; afinal, quem po<strong>de</strong>ria divisar melhor a existência<br />
<strong>de</strong> saídas produtivas <strong>do</strong> que os protagonistas da história?” 25<br />
Com efeito, os crescentes conflitos envolven<strong>do</strong> os assentamentos<br />
irregulares, em áreas públicas, privadas e <strong>de</strong> proteção ambiental, têm exigi<strong>do</strong> a<br />
atuação diuturna <strong>do</strong>s órgãos públicos – Po<strong>de</strong>r Executivo, Judiciário e Ministério<br />
Público, na busca <strong>de</strong> meios e mecanismos que possam garantir <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />
razoável, proporcional e sustentável, o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento territorial, com a<br />
proteção ambiental necessária, sem <strong>de</strong>scurar <strong>do</strong> aspecto socioeconômico da<br />
população envolvida.<br />
Nessa perspectiva, os méto<strong>do</strong>s alternativos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos,<br />
notadamente, a mediação, têm se mostra<strong>do</strong> ferramentas profícuas para a<br />
solução <strong>do</strong>s litígios, uma vez que garantem voz as partes, que po<strong>de</strong>m, em<br />
conjunto, encontrar a solução a<strong>de</strong>quada ao caso, razão porque, no Brasil, vem<br />
25<br />
TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p.188.<br />
110
ganhan<strong>do</strong> maior expressão referi<strong>do</strong> mecanismo para as regularizações<br />
fundiárias.<br />
5. Os mecanismos facilita<strong>do</strong>res da Regularização Fundiária Urbana<br />
na Lei nº 13.465/2017<br />
A Lei nº 13.465 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017, revogou parte da Lei n o .<br />
11.977/2009 que se tinha acera da Regularização Fundiária urbana 26 , e trouxe<br />
novas perspectivas para os procedimentos <strong>de</strong> regularização fundiária tanto na<br />
área urbana quanto na área rural, com o objetivo <strong>de</strong> facilitar os processos <strong>de</strong><br />
regularização <strong>do</strong>s espaços irregularmente ocupa<strong>do</strong>s, preven<strong>do</strong> os<br />
procedimentos e as diretrizes para a concessão <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, aos<br />
ocupantes das áreas, para promoção <strong>do</strong> regular or<strong>de</strong>namento urbano.<br />
Assim, essa lei vem ao encontro <strong>do</strong>s objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável da Organização das Nações Unidas, pois preten<strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar o<br />
a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbano sob os princípios da sustentabilida<strong>de</strong><br />
econômica, social e ambiental e or<strong>de</strong>nação territorial, buscan<strong>do</strong> a ocupação <strong>do</strong><br />
solo <strong>de</strong> maneira eficiente, combinan<strong>do</strong> seu uso <strong>de</strong> forma funcional (art. 9 o , §1 o ).<br />
Na mesma toada, se encontra <strong>de</strong>ntre suas diretrizes, o estímulo à<br />
resolução extrajudicial <strong>do</strong>s conflitos, em reforço à consensualida<strong>de</strong> e à<br />
cooperação entre Esta<strong>do</strong> e socieda<strong>de</strong>, conforme inciso V <strong>do</strong> artigo 10 27 ,<br />
observan<strong>do</strong>-se que o legisla<strong>do</strong>r abriu um leque <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s ao Po<strong>de</strong>r<br />
Público em realizar a composição extrajudicial para a regularização <strong>do</strong>s conflitos<br />
fundiários, pois a erigiu como interesse público e fim precípuo da Administração<br />
Pública. 28<br />
26<br />
A Lei n o . 11.977, <strong>de</strong> 07 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2009, possuía regras para a regularização fundiária <strong>de</strong> assentamentos<br />
urbanos, com a edição da Lei n. 13.465/2017, foi revoga<strong>do</strong> o Capítulo III (artigos 46 a 71), que disciplinava<br />
essa matéria.<br />
27<br />
TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018.<br />
28<br />
“Don<strong>de</strong>, o interesse público <strong>de</strong>ve ser conceitua<strong>do</strong> como o interesse resultante <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s interesses<br />
que os indivíduos pessoalmente têm quan<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s em sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> membros da Socieda<strong>de</strong> e<br />
pelo simples fato <strong>de</strong> o serem.” ( MELLO, C.A.B.<strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo, 22. ed., São Paulo:<br />
Malheiros, 2007, p. 58).<br />
111
Realmente, a lei ao estabelecer como seu objetivo a resolução <strong>do</strong>s<br />
conflitos por meios extrajudiciais e consensuais, trouxe à lume critério <strong>de</strong><br />
finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato administrativo, pois, com essa lei, a resolução pacífica e<br />
extrajudicial <strong>do</strong>s litígios <strong>de</strong> regularização fundiária passou a constituir interesse<br />
público a ser persegui<strong>do</strong> pelo administra<strong>do</strong>r, possibilitan<strong>do</strong>, com isso, maior<br />
atuação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público frente ao espectro <strong>de</strong> abrangência da norma,<br />
fortalecen<strong>do</strong> o atributo <strong>de</strong> autoexecutorieda<strong>de</strong> da Administração Pública.<br />
Sob este prisma, se vê que a lei disciplina em diversas oportunida<strong>de</strong>s a<br />
a<strong>do</strong>ção da mediação (art. 16; §§3º e 4º, art. 21; 31, §3º; §3º, art. 34) e a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os Municípios criarem câmaras <strong>de</strong> prevenção e resolução<br />
administrativa <strong>de</strong> conflitos (art. 34, caput), possibilitan<strong>do</strong> à Administração Pública<br />
dialogar com a comunida<strong>de</strong> envolvida e dispor <strong>do</strong>s bens públicos <strong>de</strong> forma<br />
consensuada.<br />
Com a autorização legislativa prevista na norma em comento, a<br />
Administração Pública supera entraves jurídicos e axiológicos <strong>de</strong>correntes na<br />
obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> somente fazer aquilo que a lei lhe autoriza, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>corre o<br />
princípio da legalida<strong>de</strong> estampa<strong>do</strong> no caput <strong>do</strong> art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />
<strong>de</strong> 1988, conferin<strong>do</strong> novo contorno à atuação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público no que tange às<br />
regularizações fundiárias.<br />
Por seu turno, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> judicial ou<br />
extrajudicial diretamente com os interessa<strong>do</strong>s referente às áreas públicas para<br />
fins <strong>de</strong> regularização fundiária, <strong>de</strong>vidamente homologa<strong>do</strong> pelo juiz, é outro passo<br />
importante e <strong>de</strong>staque para a flexibilização propiciada frente ao princípio da<br />
indisponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> interesse público, que muitas vezes era limita<strong>do</strong>r da atuação<br />
consensual <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público.<br />
Outro <strong>de</strong>staque é o artigo 21, que estabelece em seu caput a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong><br />
procedimento extrajudicial <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> conflitos, no caso <strong>de</strong> impugnação<br />
na <strong>de</strong>marcação urbanística promovida pelo Po<strong>de</strong>r Público.<br />
Em haven<strong>do</strong> <strong>de</strong>manda judicial, que o impugnante seja parte e que verse<br />
sobre direitos reais ou possessórios relativos ao imóvel abrangi<strong>do</strong> pela<br />
<strong>de</strong>marcação urbanística, <strong>de</strong>verá informá-la ao po<strong>de</strong>r público, que comunicará ao<br />
juízo a existência <strong>do</strong> procedimento extrajudicial (art. 21, §1º).<br />
112
Na a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> procedimento extrajudicial <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> conflitos<br />
disciplina<strong>do</strong> no referi<strong>do</strong> dispositivo legal, prescreve que <strong>de</strong>verá ser feito um<br />
levantamento <strong>de</strong> eventuais passivos tributários, ambientais e administrativos<br />
associa<strong>do</strong>s aos imóveis objetos <strong>de</strong> impugnação, assim como das posses<br />
existentes, com vistas à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> prescrição aquisitiva da<br />
proprieda<strong>de</strong> (art. 21, §2º).<br />
O novel diploma permite, ainda, a alteração <strong>do</strong> auto <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação<br />
urbanística ou a<strong>do</strong>tar qualquer outra medida que possa afastar a oposição <strong>do</strong><br />
proprietário ou <strong>do</strong>s confrontantes à regularização da área ocupada, e possibilita<br />
a aplicação da Lei n º 13.140/2015 para referi<strong>do</strong> procedimento (art. 21, §3º).<br />
Por seu turno, dan<strong>do</strong> maior amplitu<strong>de</strong> à utilização <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s alternativos<br />
<strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, não sen<strong>do</strong> frutífera a mediação, a lei possibilita, <strong>de</strong> forma<br />
facultativa, a aplicação da arbitragem para solucionar o litígio (art. 21, §4º).<br />
Vê-se que o legisla<strong>do</strong>r colocou o uso da arbitragem <strong>de</strong> forma subsidiária<br />
e facultativa, eis que será ela utilizada, facultativamente, caso não se obtenha<br />
resulta<strong>do</strong> pela mediação.<br />
“Em relação à mediação e à negociação, uma das principais diferenças<br />
da arbitragem está na existência <strong>de</strong> um terceiro que irá <strong>de</strong>cidir o caso<br />
pelas partes (os árbitros), enquanto na mediação e na negociação são<br />
as próprias partes envolvida que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m o conflito, sen<strong>do</strong> o media<strong>do</strong>r<br />
um facilita<strong>do</strong>r da comunicação entre elas (...). A semelhança está em<br />
que a mediação, negociação e arbitragem são todas formas<br />
extrajudiciais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos.” 29<br />
Dessa forma, muito embora a arbitragem esteja classificada <strong>de</strong>ntre os<br />
méto<strong>do</strong>s alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, por meio <strong>de</strong>la as partes submetem<br />
a solução <strong>do</strong> conflito instala<strong>do</strong> à apreciação <strong>de</strong> uma terceira pessoa, <strong>de</strong>nominada<br />
árbitro, que resolverá o conflito impon<strong>do</strong> às partes sua <strong>de</strong>cisão (similarmente ao<br />
que ocorre com a <strong>de</strong>cisão judicial, a diferença é que na arbitragem as partes, por<br />
vonta<strong>de</strong> própria, escolhem a ela se submeterem).<br />
29<br />
GABBAY, D., FALECK D., TARTUCE, F. Meios alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
FGV, 2013, p. 76.<br />
113
Importante <strong>de</strong>stacar o quão custoso po<strong>de</strong> ser a utilização da arbitragem<br />
para as partes, uma vez que elas <strong>de</strong>vem suportar os ônus <strong>do</strong>s honorários <strong>do</strong><br />
árbitro 30 ; assim, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar os árbitros po<strong>de</strong> torná-la uma via<br />
dispendiosa, prejudican<strong>do</strong> o acesso às camadas sociais mais vulneráveis, como<br />
ocorre nos conflitos <strong>de</strong> regularização fundiária.<br />
Contu<strong>do</strong>, diante da autorização legislativa contida nos §§1º e 2º <strong>do</strong> art. 1º,<br />
da Lei nº. 9.307/96, introduzi<strong>do</strong>s pela Lei Fe<strong>de</strong>ral nº. 13.129/2015, combinada<br />
com o §4º <strong>do</strong> art. 21 da Lei nº. 13.465/2017, vê-se que, é possível a a<strong>do</strong>ção da<br />
arbitragem para a solução <strong>de</strong> controvérsias envolven<strong>do</strong> direitos disponíveis, <strong>de</strong><br />
mo<strong>do</strong> facultativo, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o procedimento da mediação tenha si<strong>do</strong> infrutífero.<br />
Outro mecanismo <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s consensuais <strong>de</strong> solução <strong>do</strong><br />
litígio no âmbito da Lei nº. 13.465/2017, que é digno <strong>de</strong> nota, é o estabeleci<strong>do</strong><br />
no seu artigo 31, o qual prevê que, instaurada a Reurb, o Município <strong>de</strong>verá<br />
proce<strong>de</strong>r às buscas necessárias para <strong>de</strong>terminar a titularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s<br />
imóveis on<strong>de</strong> está situa<strong>do</strong> o núcleo urbano informal a ser regulariza<strong>do</strong>. E, na<br />
hipótese <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> impugnação, será inicia<strong>do</strong> o procedimento<br />
extrajudicial <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> conflito, versa<strong>do</strong> na lei (art. 31, caput e §3º).<br />
5.1. Mediação Comunitária<br />
Outro relevante <strong>de</strong>staque é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mediação comunitária<br />
prevista na Lei nº 13.465/2017 (art. 34, §3º), que faculta aos Municípios instaurar,<br />
<strong>de</strong> ofício ou mediante provocação, procedimento <strong>de</strong> mediação coletiva <strong>de</strong><br />
conflitos relaciona<strong>do</strong>s à Reurb.<br />
“A mediação comunitária se apresenta, portanto, como possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong>s cidadãos se envolverem não apenas na resolução das suas<br />
questões, mas também participarem ativamente da busca por soluções<br />
políticas, econômicas e sociais <strong>do</strong>s locais em que vivem. Os conflitos<br />
perpassam a comunida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser soluciona<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma mais<br />
sustentável, dan<strong>do</strong> voz e vez a to<strong>do</strong>s os atores sociais envolvi<strong>do</strong>s,<br />
chegan<strong>do</strong>, assim, a <strong>de</strong>cisões conquistadas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> conjunto e não<br />
30<br />
CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. (NORTHFLEET, E.G. trad.). Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sergio<br />
Antonio Fabris Editor, 2002 (reimp.), p. 82.<br />
114
unilateral, que correspondam aos interesses locais e garantam os<br />
direitos <strong>de</strong> seus mora<strong>do</strong>res” 31 .<br />
Vale salientar que a lei possibilita, inclusive, que esses acor<strong>do</strong>s sejam<br />
realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> comunitário, diretamente com a comunida<strong>de</strong>, o que po<strong>de</strong>rá<br />
ser <strong>de</strong>vidamente disciplina<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> Decreto <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />
facilitan<strong>do</strong>, sobremaneira, a atuação da comunida<strong>de</strong> nas <strong>de</strong>cisões que lhe são<br />
diretamente afetas, consagran<strong>do</strong>-se, assim, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>mocrático <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Direito.<br />
Em linhas gerais, a mediação comunitária se soma aos méto<strong>do</strong>s<br />
extrajudiciais disciplina<strong>do</strong>s no novel diploma legal como visto, que têm por<br />
escopo a facilitação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> regularização fundiária urbana.<br />
5.2. A suspensão da prescrição: garantia <strong>de</strong> efetivação <strong>do</strong><br />
procedimento<br />
Importante garantia contida no § 4 o <strong>do</strong> art. 34 da Lei nº 13. 465/2017, é a<br />
previsão <strong>de</strong> suspensão da prescrição <strong>de</strong>corrente da instauração <strong>de</strong><br />
procedimento administrativo para a resolução consensual <strong>de</strong> conflitos no âmbito<br />
da Reurb, que dá maior segurança às partes envolvidas no conflito.<br />
A relevância <strong>do</strong> tratamento expresso <strong>de</strong>ssa matéria, proporciona maior<br />
garantia às partes envolvidas no litígio, diante das controvérsias existentes no<br />
tocante ao <strong>de</strong>curso da prescrição das pretensões das partes, no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong><br />
trâmite administrativo <strong>de</strong> mediação.<br />
Em outras palavras, havia celeuma quanto a contagem <strong>do</strong>s prazos<br />
prescricionais, tanto para o Po<strong>de</strong>r Público quanto para os particulares<br />
envolvi<strong>do</strong>s, no caso das tratativas administrativas <strong>de</strong> regularização fundiária, o<br />
que, muitas vezes, atuava <strong>de</strong> forma negativa quan<strong>do</strong> ao assentimento das partes<br />
a<strong>do</strong>tarem procedimentos administrativos <strong>de</strong> mediação, pois que são, em regra,<br />
31<br />
ORSINI, A.G.<strong>de</strong> S.; SILVA, N.F. da. A mediação como via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em políticas<br />
públicas <strong>de</strong> reurbanização. disponível em:<br />
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=41c542dfe6e4fc3d, acesso em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018<br />
115
<strong>de</strong>mora<strong>do</strong>s, e <strong>de</strong>sse transcurso <strong>de</strong> tempo, po<strong>de</strong>riam seus direitos abarca<strong>do</strong>s<br />
pela prescrição.<br />
Com a previsão expressa <strong>de</strong> que, a instauração <strong>do</strong> procedimento<br />
administrativo da mediação suspen<strong>de</strong> a prescrição, encerra a discussão, pois<br />
pelo teor <strong>do</strong> dispositivo, se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> que da instauração <strong>do</strong> processo os prazos<br />
<strong>de</strong> prescrição param <strong>de</strong> ser conta<strong>do</strong>s, retornan<strong>do</strong> ao término <strong>do</strong> procedimento,<br />
pelo perío<strong>do</strong> que ainda restarem, uma vez que a lei fala em suspensão;<br />
conferin<strong>do</strong>, assim, segurança e tranquilida<strong>de</strong> às partes envolvidas no conflito.<br />
6. Instauração <strong>de</strong> Câmaras <strong>de</strong> Mediação pelos Municípios e as<br />
dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> implementação<br />
O legisla<strong>do</strong>r possibilitou ao Município a criação e o regramento <strong>de</strong><br />
Câmaras, para a prevenção e resolução administrativa <strong>de</strong> conflitos,<br />
<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> que será estabeleci<strong>do</strong> em ato <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo municipal; além<br />
disso, autorizou celebrarem convênios com os Tribunais <strong>de</strong> Justiça estaduais<br />
para a solução consensual <strong>de</strong>sses litígios. 32<br />
Assim, o Po<strong>de</strong>r Executivo Municipal po<strong>de</strong>rá estabelecer, por meio <strong>de</strong><br />
Decreto, os procedimentos e regras administrativas para a realização <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s<br />
extrajudiciais e judiciais com as partes envolvidas, facilitan<strong>do</strong> o acesso <strong>do</strong>s<br />
indivíduos e a atuação da Administração Pública, pois a edição <strong>de</strong>sse ato<br />
dispensa o trâmite regular <strong>de</strong> um processo legislativo, e preenche o pressuposto<br />
<strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o ato administrativo, um <strong>do</strong>s maiores entraves ao Po<strong>de</strong>r<br />
Público para a consecução <strong>de</strong> resolução consensual <strong>de</strong> conflitos.<br />
Deveras, a lei propicia maior oxigenação aos procedimentos<br />
administrativos, e está em consonância com os objetivos <strong>do</strong> inciso V <strong>do</strong> seu<br />
artigo 10, bem como, com os próprios objetivos <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />
vigente que tem por escopo maior acesso à Justiça, por meios facilita<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />
composição <strong>de</strong> litígios (art. 3 o ).<br />
32<br />
PASSOS DE FREITAS, G. Papel da universida<strong>de</strong> na regularização fundiária. Disponível em:<br />
https://www.conjur.com.br/2017-ago-21/gilberto-freitas-papel-universida<strong>de</strong>-regularizacao-fundiaria.<br />
Acesso 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />
116
Além disso, o legisla<strong>do</strong>r consubstanciou o i<strong>de</strong>al fe<strong>de</strong>rativo <strong>de</strong> autonomia<br />
municipal, pois o constituinte garantiu aos Municípios o po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> legislar<br />
sobre interesses locais, suplementan<strong>do</strong> a legislação fe<strong>de</strong>ral, bem como,<br />
promover o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbano (art. 30, I, II, VII e art. 182, da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988).<br />
A<strong>de</strong>mais, a lei estabeleceu que, na falta da edição <strong>do</strong> Decreto pelo Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo, o procedimento será regi<strong>do</strong> pelo disposto na Lei nº 13.140, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong><br />
junho <strong>de</strong> 2015, autorizan<strong>do</strong>, portanto, a imediata a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> procedimento<br />
consensual pelo Po<strong>de</strong>r Público (art. 34, §1º, parte final); <strong>de</strong>ssa forma, o legisla<strong>do</strong>r<br />
autorizou a Administração Pública agir sem a existência <strong>de</strong> lei específica (lei<br />
municipal), garantin<strong>do</strong> a aplicação imediata da norma, impedin<strong>do</strong> eventuais<br />
condutas protelatórias <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público sob o argumento <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> norma<br />
legal e violação <strong>do</strong> princípio da legalida<strong>de</strong>.<br />
Diante <strong>do</strong> consenso das partes, a nova lei permite a redução a termo <strong>do</strong><br />
acor<strong>do</strong> firma<strong>do</strong> entre elas, constituin<strong>do</strong>, o termo, condição para a conclusão da<br />
Reurb, com consequente expedição da Certidão <strong>de</strong> Regularização Fundiária -<br />
CRF (art. §2º art. 34); simplifican<strong>do</strong>, portanto, o encerramento <strong>do</strong> procedimento.<br />
A facilitação da regulamentação das Câmaras Municipais por meio <strong>de</strong><br />
Decreto e a utilização da Lei <strong>de</strong> Mediação 11.340/2015, são um <strong>do</strong>s aspectos<br />
relevantes da Lei n o 13.465/2017.<br />
Decorrente <strong>do</strong> próprio texto constitucional que conferiu aos Municípios a<br />
competência para promover o regular or<strong>de</strong>namento urbano (CF/88, art. 30, VIII<br />
e art. 182), conforme ressalta<strong>do</strong> acima, os procedimentos <strong>de</strong> regularização<br />
urbana são <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses entes políticos 33 que <strong>de</strong>vem promovê-<br />
33<br />
O entendimento <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça é <strong>de</strong> que os municípios são os legítimos responsáveis<br />
pela regularização <strong>de</strong> loteamentos urbanos irregulares, pois são eles os entes encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> disciplinar o<br />
uso, ocupação e parcelamento <strong>do</strong> solo, conforme previsão Constitucional – CF/88, art. 30, VIII e art. 182;<br />
Lei nº. 6.766/1979, art. 40, § 5º. (EREsp nº 1459774 / RS; REsp nº 1394701 / AC). Disponíveis em:<br />
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/<strong>de</strong>fault/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/<br />
Munic%C3%ADpios-s%C3%A3o-respons%C3%A1veis-pela-regulariza%C3%A7%C3%A3o-<strong>de</strong>-lotesem-espa%C3%A7os-urbanos,<br />
acesso em 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2018.<br />
117
los <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a garantir a função social da proprieda<strong>de</strong> e o pleno <strong>de</strong>senvolvimento<br />
das funções sociais da cida<strong>de</strong> e o bem-estar <strong>de</strong> seus habitantes 34 .<br />
Contu<strong>do</strong>, não se po<strong>de</strong> olvidar as dificulda<strong>de</strong>s, sejam financeiras ou<br />
estruturais, <strong>do</strong>s Municípios em implantar tais Câmaras, e dar efetivida<strong>de</strong> aos<br />
mecanismos extrajudiciais <strong>de</strong> pacificação <strong>do</strong>s conflitos.<br />
Com efeito, há municípios que não contam com gran<strong>de</strong> estrutura<br />
administrativa e suas finanças <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, sobremaneira, <strong>do</strong>s auxílios<br />
financeiros <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da União, para aten<strong>de</strong>r as políticas públicas <strong>de</strong> que são<br />
responsáveis.<br />
Neste aspecto, o legisla<strong>do</strong>r foi sensível às múltiplas realida<strong>de</strong>s municipais<br />
e conferiu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os municípios firmar convênios, com entida<strong>de</strong>s<br />
públicas e privadas, para a consecução <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> regularização fundiária<br />
por meios consensuais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos através <strong>de</strong> Centros <strong>de</strong><br />
Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania e das Câmaras Privadas <strong>de</strong><br />
Mediação, como veremos a seguir.<br />
6.1. Convênios com os CEJUSC - Centros Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong><br />
Conflitos e Cidadania ou Câmaras <strong>de</strong> Mediação cre<strong>de</strong>nciadas<br />
Os Centros Judiciários previstos na Resolução CNJ n o. 125/2010 (art. 8 o<br />
a 11), são órgãos <strong>de</strong>vidamente estrutura<strong>do</strong>s com o objetivo <strong>de</strong> solução<br />
consensual <strong>do</strong>s conflitos, que po<strong>de</strong> ser tanto pré-processual quanto processual,<br />
têm por objetivo auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, facilitan<strong>do</strong> o<br />
acesso à Justiça.<br />
“Os Centros Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania, na dicção<br />
<strong>do</strong> art. 8o, da Resolução n. 125, <strong>do</strong> Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, se<br />
constituem em unida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, preferencialmente,<br />
34<br />
No mesmo senti<strong>do</strong> é a posição <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo: “O regular exercício <strong>do</strong><br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia não é mera faculda<strong>de</strong>, mas verda<strong>de</strong>iro po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver da Administração Pública, sem<br />
faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> conveniência e oportunida<strong>de</strong>, mas medidas efetivas para que se evitem<br />
danos ambientais e urbanísticos. Da mesma forma, fica afastada a responsabilização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ou da União,<br />
por ser comum a to<strong>do</strong>s os entes a proteção ambiental e caber a fiscalização das áreas urbanas ao Município,<br />
por ser ele o responsável pela ocupação e or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> solo urbano <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu território, na forma<br />
das normas acima elencadas. “ (Apelação nº 055554-44.2011.8.26.0224, 13a Câmara <strong>de</strong> Direito Público, j.<br />
09/08/2018)<br />
118
esponsáveis pela realização das sessões e audiências <strong>de</strong> conciliação<br />
e mediação que estejam a cargo <strong>de</strong> concilia<strong>do</strong>res e media<strong>do</strong>res, bem<br />
como pelo atendimento e orientação ao cidadão”. 35<br />
A Resolução CNJ n o . 125/2010 também autoriza os Tribunais a realizarem<br />
convênios e parcerias com entes públicos e priva<strong>do</strong>s para aten<strong>de</strong>r aos fins <strong>de</strong><br />
tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> aos conflitos <strong>de</strong> interesses no âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />
(art. 7 o , VI).<br />
Sob este prisma, a Lei n o .13.645/2017 não foi inerte, preven<strong>do</strong> que os<br />
Municípios e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão, mediante celebração <strong>de</strong> convênio,<br />
utilizar <strong>de</strong>sses Centros Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania ou das<br />
câmaras <strong>de</strong> mediação cre<strong>de</strong>nciadas nos Tribunais <strong>de</strong> Justiça (§5 o <strong>do</strong> art. 34).<br />
Dentre os órgãos cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s junto ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça, especial<br />
<strong>de</strong>staque às Câmaras Privadas <strong>de</strong> Mediação existentes nas Universida<strong>de</strong>s, que<br />
são importantes equipamentos sociais para auxiliar o Po<strong>de</strong>r Público na condução<br />
da solução das <strong>de</strong>mandas no âmbito da Reurb.<br />
“E neste ponto, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stacada a Câmara Privada <strong>de</strong> Mediação<br />
para a solução <strong>de</strong> conflitos socioambientais e urbanísticos da<br />
Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos, que está cre<strong>de</strong>nciada junto ao<br />
Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo e vem atuan<strong>do</strong>, não só em casos<br />
relaciona<strong>do</strong>s com o meio ambiente, como na regularização fundiária<br />
urbana.<br />
Na Câmara, os media<strong>do</strong>res têm a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar com o apoio<br />
<strong>de</strong> professores e alunos das mais diversas áreas, o que muito contribui<br />
para o sucesso da mediação. De outra parte, por força da <strong>de</strong>manda,<br />
foi criada junto ao curso <strong>de</strong> pós-graduação em Direito Ambiental, um<br />
Grupo <strong>de</strong> Pesquisa versan<strong>do</strong> sobre a matéria, o qual, além <strong>de</strong> cumprir<br />
com seus objetivos principais, tem fomenta<strong>do</strong> a formação cidadã <strong>do</strong>s<br />
alunos, o aprofundamento <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e o <strong>de</strong>bate sobre questões<br />
fundiárias e socioambientais”. 36<br />
Dessa forma, o legisla<strong>do</strong>r com a previsão <strong>de</strong> celebração <strong>de</strong>sses<br />
convênios, propiciou maior efetivida<strong>de</strong> da atuação o Po<strong>de</strong>r Público municipal,<br />
35<br />
YAGHSISIAN, A. M.; FREITAS, G.P.<strong>de</strong>.; CARDOSO, S. A. Mediação: instrumento <strong>de</strong> cidadania e<br />
pacificação, Santos: Leopoldianum, 2018, p. 40.<br />
36 PASSOS DE FREITAS, G. Papel da universida<strong>de</strong> na regularização fundiária. Disponível em:<br />
https://www.conjur.com.br/2017-ago-21/gilberto-freitas-papel-universida<strong>de</strong>-regularizacao-fundiaria.<br />
Acesso 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />
119
uma vez que, a licitação é dispensável para a celebração <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong><br />
ajuste da Administração Pública, ou seja, à celebração <strong>de</strong> convênios não<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser firma<strong>do</strong>s diretamente, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com que<br />
estabelece o artigo 24, inciso XXVI e artigo 116, to<strong>do</strong>s da Lei nº 8.666/1993 (Lei<br />
<strong>de</strong> Licitações).<br />
Enfim, verifica-se que a nova lei procurou garantir diversas formas para<br />
que o Po<strong>de</strong>r Público, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> meios extrajudiciais, notadamente a<br />
mediação, possa dar uma solução rápida aos conflitos fundiários urbanos,<br />
concorren<strong>do</strong> para a proteção <strong>do</strong> meio ambiente e, principalmente, para uma<br />
melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida aos cidadãos.<br />
CONCLUSÕES<br />
O crescente aumento <strong>do</strong>s assentamentos urbanos irregulares, exige <strong>do</strong><br />
Po<strong>de</strong>r Público a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> políticas públicas mais eficazes e consentâneas com<br />
as diretrizes internacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, a fim <strong>de</strong> garantir<br />
uma vida digna à população.<br />
Esses assentamentos em <strong>de</strong>corrência da irregularida<strong>de</strong> que lhe são<br />
inerentes, muitas vezes com a invasão <strong>de</strong> terras públicas e áreas <strong>de</strong> proteção<br />
ambiental, somam muitas ações judiciais, <strong>de</strong> solução altamente complexas, uma<br />
vez que não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mira o tripé da sustentabilida<strong>de</strong>: social,<br />
econômico e ambiental. E, neste tocante, o Po<strong>de</strong>r Judiciário não possui<br />
instrumentos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s a proporcionar a solução aos conflitos, em virtu<strong>de</strong> da<br />
própria limitação da atuação da Jurisdição.<br />
A a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> meios extrajudiciais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, está em<br />
consonância com os objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento sustentável preconiza<strong>do</strong>s<br />
pela Organização das Nações Unidas; neste ponto ganha <strong>de</strong>staque a mediação<br />
como forma que mais aproxima à pacificação <strong>do</strong>s conflitos, uma vez que ela tem<br />
por foco a transformação <strong>do</strong> conflito, através da promoção <strong>do</strong> diálogo entre os<br />
atores <strong>do</strong> litígio.<br />
Nesse sentir, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mecanismos que coloquem a comunida<strong>de</strong><br />
mais próxima <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público para que haja solução razoável para as questões<br />
envolven<strong>do</strong> regularização fundiária, é que dá à mediação maior força no cenário<br />
120
atual, e possibilita, inclusive, a realização <strong>de</strong> mediação comunitária, promoven<strong>do</strong><br />
o diálogo não só entre as instituições públicas, mas entre estas e os particulares,<br />
procuran<strong>do</strong> encontrar a solução mais a<strong>de</strong>quada ao problema; fortalecen<strong>do</strong>,<br />
<strong>de</strong>ssa forma, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>mocrático sob o qual se fundamenta o Esta<strong>do</strong> brasileiro<br />
(artigo 1º, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988).<br />
Enfim, a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465/2017 é frutífera em mecanismos para a<br />
solução consensual <strong>do</strong>s conflitos socioambientais, que permeiam a<br />
regularização <strong>de</strong> assentamentos irregulares, muito contribuin<strong>do</strong> para uma<br />
melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s cidadãos.<br />
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BRASIL. Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.140, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2015. Dispõe sobre a<br />
mediação entre particulares como meio <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> controvérsias e sobre a<br />
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124
A RECEPÇÃO E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS<br />
TRATADOS INTERNACIONAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA<br />
DI DOMENICO, Jackson<br />
Desembarga<strong>do</strong>r Eleitoral <strong>do</strong> TRE/DF. Brasília/DF, Brasil. Mestre em direito constitucional pelo IDP – Instituto <strong>de</strong> Direito<br />
Público <strong>de</strong> Brasília. Especialista em direito eleitoral e direito público<br />
<strong>do</strong>menico@jackson<strong>do</strong>menico.com.br<br />
+55 61 98121-7090<br />
RESUMO<br />
Este artigo discorre sobre os trata<strong>do</strong>s e convenções que são absorvi<strong>do</strong>s pelo<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro, por meio <strong>do</strong> controle convencional. Diante disso,<br />
como objetivo específico, haverá a análise <strong>do</strong> seu impacto em nossa legislação,<br />
<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> o Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica, por meio da candidatura avulsa.<br />
Tal candidatura também será analisada sob questões como (i) o recurso<br />
interposto no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF), o qual reconheceu a repercussão<br />
geral da matéria, (ii) a controvérsia acerca da recepção <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s<br />
internacionais pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, (iii) a hierarquia existente entre<br />
os trata<strong>do</strong>s internacionais e as normas constitucionais (iv) o posicionamento <strong>do</strong><br />
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Procura<strong>do</strong>ria Geral da República sobre o<br />
tema, (v) os pontos positivos e negativos presentes na liberação <strong>de</strong>ssas<br />
candidaturas.<br />
Palavras-chave: Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>; Trata<strong>do</strong>s Internacionais;<br />
Constitucionalida<strong>de</strong>;<br />
ABSTRACT<br />
Abstract: This article discusses the treaties and conventions that are ultilized<br />
by the Brazilian legal system, through conventional control. In view of this,<br />
as a specific objective, there will be an analysis of its impact on our<br />
legislation, highlighting the Pact of San José of Costa Rica, by means of an<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt candidacy. Such an application will also be analyzed un<strong>de</strong>r<br />
such issues as (i) the appeal filed in the Fe<strong>de</strong>ral Supreme Court (STF),<br />
which acknowledged the general repercussions concerning this matter, (ii)<br />
controversy concerning the receipt of international treaties by the Fe<strong>de</strong>ral<br />
125
Constitution of 1988, (iii) the hierarchy between international treaties and<br />
constitutional norms (iv) the position of the Supreme Electoral Tribunal<br />
(TSE) and the Attorney General's Office on the subject, (v) the positive and<br />
negative points present in the release of these candidatures.<br />
Keywords: Conventional Control; International Treaties; Constitutionality.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O controle <strong>de</strong> convencioalida<strong>de</strong> é utiliza<strong>do</strong> como forma <strong>de</strong> harmonizar as<br />
normas internas da Constituição Fe<strong>de</strong>ral com os Trata<strong>do</strong>s e Convenções<br />
Internacionais. Esse controle tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conformar a legislação<br />
brasileira com os Trata<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> direitos humanos em vigor no país.<br />
Nesse viés, a legislação nacional é tida como objeto, enquanto que os<br />
Trata<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como<br />
parâmetros ou paradigmas, a ponto <strong>de</strong> ampliar a parametricida<strong>de</strong> constitucional.<br />
O controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> será utiliza<strong>do</strong> para conciliar as normas<br />
nacionais que estiverem compatíveis com a Constituição e com os Trata<strong>do</strong>s<br />
Internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong> forma a suplantar as normas<br />
inconvencionais. Assim, esse controle guarda íntima relação com o Po<strong>de</strong>r<br />
Judiciário.<br />
A Constituição Fe<strong>de</strong>ral elenca a organização <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judiciário brasileiro<br />
e, como se sabe, cabe ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o guardião da Constituição,<br />
exercer o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Dessa forma, parte da <strong>do</strong>utrina<br />
brasileira transla<strong>do</strong>u o procedimento <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> para<br />
fundamentar o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> nacional, tanto no plano<br />
concentra<strong>do</strong> como no difuso.<br />
Contu<strong>do</strong>, em que pese o crescimento <strong>de</strong>sse tema no país, sua aplicação<br />
ainda é limitada, sen<strong>do</strong> mais aplicável em temas <strong>de</strong> cunho penal, ten<strong>do</strong> em vista<br />
as inúmeras discussões sobre os direitos humanos nesse ramo. Tratan<strong>do</strong>, em<br />
especial, sobre o direito eleitoral, o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> foi invoca<strong>do</strong><br />
em <strong>do</strong>is relevantes temas: a lei da ficha limpa (Lei Complementar 135, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong><br />
junho <strong>de</strong> 2010) e candidaturas avulsas.<br />
126
Nesse contexto, a priori, abordaremos sua aplicabilida<strong>de</strong> nas<br />
candidaturas avulsas.<br />
OBJETIVOS<br />
O objetivo geral da presente pesquisa é realizar um estu<strong>do</strong> sobre os<br />
trata<strong>do</strong>s e convenções que são absorvi<strong>do</strong>s pelo or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,<br />
por meio <strong>do</strong> controle convencional. Diante disso, como objetivo específico,<br />
haverá a análise <strong>do</strong> seu impacto em nossa legislação, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> o Pacto <strong>de</strong><br />
San José da Costa Rica, com o exemplo da candidatura avulsa.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Atualmente as normas <strong>de</strong> direito internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e as<br />
normas <strong>de</strong> direito nacional estão passan<strong>do</strong> por relevantes interpretações,<br />
influencian<strong>do</strong> sobremaneira a or<strong>de</strong>m jurídica brasileira. Nesse aspecto:<br />
O processo <strong>de</strong> internacionalização <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>de</strong>corre,<br />
principalmente, das barbáries praticadas por ocasião da Segunda<br />
Guerra Mundial. Isso porque, inicialmente, a socieda<strong>de</strong> internacional<br />
assistiu <strong>de</strong> forma inerte o aviltamento da dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong><br />
pessoas, sem que houvesse si<strong>do</strong> coor<strong>de</strong>nada uma ação no plano<br />
internacional sobre a problemática. A questão era praticamente tratada<br />
como um problema <strong>de</strong> natureza <strong>do</strong>méstica, não sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s os<br />
instrumentos que hodiernamente estão consagra<strong>do</strong>s no direito<br />
internacional. Outro fator que tem si<strong>do</strong> aponta<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong> à<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos governos na aquisição <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> política no<br />
campo internacional e, por consequência, o distanciamento <strong>de</strong> práticas<br />
atentatórias aos direitos humanos aplicadas no passa<strong>do</strong>. Não se po<strong>de</strong><br />
olvidar também que os movimentos sociais, as universida<strong>de</strong>s,<br />
pesquisa<strong>do</strong>res e outros segmentos têm <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> trabalho profícuo<br />
na conquista <strong>de</strong> direitos humanos, em razão <strong>do</strong> quadro <strong>de</strong> penúria<br />
social que gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas se encontra.<br />
Assim é que sobre a incorporação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong><br />
direitos humanos na or<strong>de</strong>m jurídica interna apresentamos as teorias<br />
que se digladiam no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro: os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
direitos humanos com natureza supraconstitucional; os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
direitos humanos com natureza constitucional; os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos<br />
humanos com natureza <strong>de</strong> lei ordinária; os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos<br />
humanos com natureza supralegal. 37<br />
37<br />
GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o<br />
Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. p. 175.<br />
127
Diante disso, surge o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>, o qual examina a<br />
forma hierárquica das leis que entrarão no país, sen<strong>do</strong> constitucionais ou<br />
infraconstitucionais, possibilitan<strong>do</strong> um duplo controle <strong>de</strong> verticalida<strong>de</strong>, ou seja,<br />
“as normas internas <strong>de</strong> um país <strong>de</strong>vem estar compatíveis tanto com a<br />
Constituição (controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>) quanto com os trata<strong>do</strong>s<br />
internacionais aceitos pelo país on<strong>de</strong> vigora tais normas (controle <strong>de</strong><br />
convencionalida<strong>de</strong>)” 38 . Portanto:<br />
Esse instituto garante controle sobre a eficácia das legislações<br />
internacionais e permite dirimir conflitos entre direito interno e normas<br />
<strong>de</strong> direito internacional e po<strong>de</strong>rá ser efetua<strong>do</strong> pela própria Corte<br />
Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> ou pelos tribunais internos <strong>do</strong>s<br />
países que fazem parte <strong>de</strong> tal Convenção. 39<br />
Assim, discutiremos a aplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> e<br />
seus reflexos na legislação brasileira.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> méto<strong>do</strong> e <strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> pesquisa, o presente estu<strong>do</strong><br />
recorrerá ao méto<strong>do</strong> <strong>de</strong>dutivo, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> geral (trata<strong>do</strong>s e convenções<br />
internacionais) para o particular (impacto na legislação brasileira e o controle <strong>de</strong><br />
convencionalida<strong>de</strong> em um exemplo prático) e o enriquecerá com o méto<strong>do</strong><br />
dialético, visan<strong>do</strong> à verificação das características e peculiarida<strong>de</strong>s, para<br />
sintetizar tu<strong>do</strong>, ao explorar e realizar um estu<strong>do</strong> sobre o Pacto <strong>de</strong> San José da<br />
Costa Rica.<br />
A técnica <strong>de</strong> pesquisa, por sua vez, será <strong>de</strong> natureza <strong>do</strong>cumental,<br />
<strong>de</strong>bruçada sobre os trata<strong>do</strong>s e convenções internacionais que são absorvi<strong>do</strong>s<br />
pelo or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro, por meio <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>,<br />
e os impactos gera<strong>do</strong>s em nossa legislação. Aos <strong>do</strong>cumentos jurídicos somar-<br />
38<br />
GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o<br />
Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. p. 179.<br />
39<br />
GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o<br />
Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. p. 179.<br />
128
se-á, enfim, a técnica <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica, com revisão da literatura<br />
constitucional e <strong>de</strong>cisões exaradas pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>do</strong> Brasil. Tais técnicas<br />
serão utilizadas em razão <strong>do</strong> caráter teórico-argumentativo e comparativo <strong>do</strong><br />
projeto.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Como menciona<strong>do</strong> alhures, <strong>de</strong>stacaremos as candidaturas avulsas, as<br />
quais são candidaturas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, ou seja, que não necessitam <strong>de</strong> filiação<br />
partidária para concorrer às eleições. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral traz em seu artigo<br />
14, § 3º, condições para elegibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre elas, a filiação partidária 40 .<br />
O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF) reconheceu a repercussão geral da<br />
matéria tratada no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1054490, no qual o<br />
postulante recorre <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão que in<strong>de</strong>feriu sua candidatura avulsa a prefeito <strong>do</strong><br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro (RJ) nas eleições <strong>de</strong> 2016. No caso menciona<strong>do</strong>, a candidatura<br />
foi in<strong>de</strong>ferida pela Justiça Eleitoral sob o entendimento <strong>de</strong> que a Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral (art. 14, §3º, inciso V) veda candidaturas avulsas ao estabelecer que a<br />
filiação partidária é condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>.<br />
Para o candidato, a norma <strong>de</strong>veria ser interpretada segun<strong>do</strong> a Convenção<br />
<strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> <strong>de</strong> San José da Costa Rica, que não prevê a filiação<br />
partidária como condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>. De acor<strong>do</strong> com o pacto, to<strong>do</strong> cidadão<br />
<strong>de</strong>ve ter direito <strong>de</strong> “votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas” e "<strong>de</strong> ter<br />
acesso, em condições gerais <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, às funções públicas <strong>de</strong> seu país”.<br />
A discussão em tela está no exame da recepção <strong>de</strong>sse trata<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s<br />
pactos cita<strong>do</strong>s pelo recorrente em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua candidatura, pela Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Isso porque após o advento da Emenda Constitucional<br />
45/2004, apenas os trata<strong>do</strong>s que versam sobre <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, aprova<strong>do</strong>s<br />
por um procedimento especial têm status <strong>de</strong> Emenda Constitucional.<br />
Dessa forma, os <strong>de</strong>mais trata<strong>do</strong>s não teriam força para invalidar a<br />
condição imposta pela carta Magna acerca da elegibilida<strong>de</strong>. Ocorre que existe<br />
40<br />
CF/88 - Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e<br />
secreto, com valor igual para to<strong>do</strong>s, e, nos termos da lei, mediante: [...] § 3º São condições <strong>de</strong><br />
elegibilida<strong>de</strong>, na forma da lei: [...] V - a filiação partidária.<br />
129
uma lacuna temporal na legislação brasileira em que se permite aprimorar esse<br />
entendimento. Antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, os<br />
Trata<strong>do</strong>s Internacionais em que o Brasil fosse parte, tinham o mesmo status<br />
constitucional, por força <strong>do</strong> art. 5º, § 2º, CF/88 41 , <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ratifica<strong>do</strong>s após a<br />
promulgação da Constituição, ou seja, após 1988 e antes <strong>de</strong> 2004.<br />
Nesse viés, ten<strong>do</strong> em vista que o principal fundamento a ser analisa<strong>do</strong> é<br />
o disposto no Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica, é importante salientar que sua<br />
ratificação pelo Brasil ocorreu em 1992, após a promulgação da Constituição e<br />
antes <strong>do</strong> advento da EC 45/2004, motivo pelo qual o argumento ganha força.<br />
O relator, Ministro Roberto Barroso, lembrou que, no caso da prisão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>positário infiel, mesmo haven<strong>do</strong> previsão constitucional e legal para tanto, o<br />
STF enten<strong>de</strong>u que a aplicação das normas nesse senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>veria ser suspensa<br />
em razão <strong>do</strong> caráter supralegal <strong>do</strong> Pacto.<br />
Nesse julga<strong>do</strong>, o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, em trecho <strong>do</strong> voto, exarou o<br />
seguinte entendimento:<br />
Dispensada qualquer análise pormenorizada da irreconciliável<br />
polêmica entre as teorias monista (Kelsen)2 e dualista (Triepel)3 sobre<br />
a relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />
– a qual, pelo menos no tocante ao sistema internacional <strong>de</strong> proteção<br />
<strong>do</strong>s direitos humanos, tem-se torna<strong>do</strong> ociosa e supérflua –, é certo que<br />
qualquer discussão nesse âmbito pressupõe o exame da relação<br />
hierárquico-normativa entre os trata<strong>do</strong>s internacionais e a<br />
Constituição. 42<br />
Ainda sobre a invocação <strong>do</strong>s direitos humanos em casos populares,<br />
po<strong>de</strong>mos citar como exemplo a petição <strong>do</strong> ex presi<strong>de</strong>nte Luiz Inácio Lula da<br />
Silva, o qual alegou à Organização das Nações Unidas violação ao (i) art. 9 -<br />
proteção contra a prisão ou <strong>de</strong>tenção arbitrária; (ii) art. 14 - o direito a um tribunal<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial e direito <strong>de</strong> ser presumi<strong>do</strong> inocente até que se prove a<br />
culpa por lei; (iii) proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais na<br />
privacida<strong>de</strong>, família, lar ou correspondência, e contra ofensas ilegais à honra ou<br />
reputação; to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Pacto Internacional <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos, ratifica<strong>do</strong><br />
em 1992.<br />
41<br />
CF/88 – Art 5, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros<br />
<strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> regime e <strong>do</strong>s princípios por ela a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, ou <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais em<br />
que a República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil seja parte.<br />
42<br />
STF - Recurso Extraordinário 466.343. Rel. Ministro Cezar Peluso<br />
130
O intuito principal <strong>do</strong> ex-presi<strong>de</strong>nte era assegurar e garantir o usufruto <strong>de</strong><br />
seus direitos políticos, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> confirmar sua candidatura à presidência da<br />
república em 2018, uma vez que, para ele, já havia se esgota<strong>do</strong> as possibilida<strong>de</strong>s<br />
pela legislação brasileira.<br />
Ocorre que, no que diz respeito à candidatura avulsa, to<strong>do</strong> o or<strong>de</strong>namento<br />
jurídico brasileiro está basea<strong>do</strong> na existência <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos, ou seja, no<br />
papel que esse exerce sobre a <strong>de</strong>mocracia e a socieda<strong>de</strong> brasileira. No<br />
entendimento <strong>do</strong> Juízo a quo, o qual in<strong>de</strong>feriu o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> candidatura em tela,<br />
“enten<strong>de</strong>r pela prescindibilida<strong>de</strong> ou reduzir o papel <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos implica<br />
em subversão da or<strong>de</strong>m constitucional”.<br />
A<strong>de</strong>mais, concordar com a candidatura avulsa e com os argumentos<br />
trazi<strong>do</strong>s para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-la, seria aceitar que normas internacionais interferissem<br />
na autonomia e soberania <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, influencian<strong>do</strong> diretamente em sua<br />
organização política e <strong>de</strong>mocrática.<br />
A corrente contrária à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> candidatura avulsa se fundamenta na<br />
hiperfragmentação da representação, que já é alta por conta <strong>do</strong> número<br />
excessivo <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>s; a intensificação da personalização <strong>do</strong> voto, ou seja, o<br />
candidato po<strong>de</strong>ria apelar para o prestígio <strong>de</strong> sua imagem pública, e não <strong>de</strong> suas<br />
i<strong>de</strong>ias; além <strong>do</strong> que, as instâncias pertinentes precisarão aperfeiçoar as regras<br />
das eleições - distribuição <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> TV e rádio, fun<strong>do</strong> eleitoral, registro <strong>de</strong><br />
candidatura, conversão <strong>de</strong> votos em ca<strong>de</strong>iras - para o nível individual.<br />
O Tribunal Superior Eleitoral enten<strong>de</strong> que, além <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os argumentos<br />
acima expostos, a liberação das candidaturas avulsas afetaria a segurança <strong>do</strong><br />
procedimento eleitoral, refletin<strong>do</strong> também na distribuição <strong>de</strong> recursos, uma vez<br />
que ela está baseada no número <strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cada parti<strong>do</strong>.<br />
No entanto, esse tipo <strong>de</strong> candidatura ganhou apoio daqueles que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, com a ratificação <strong>do</strong> Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica,<br />
o <strong>Congresso</strong>, validamente, abriu mão da condição estabelecida pela<br />
Constituição da República, assumin<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver candidatura sem<br />
filiação partidária.<br />
Isso ocorre porque o que se discute em termos <strong>de</strong> hierarquia das normas<br />
conflitantes, como já menciona<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-se solucionar observan<strong>do</strong>-se o lapso<br />
131
temporal entre a ratificação <strong>do</strong> Brasil nos trata<strong>do</strong>s, a promulgação da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral e a entrada em vigor da EC 45/2004.<br />
No momento em que o Brasil a<strong>de</strong>riu ao Pacto <strong>de</strong> San José, as normas<br />
que versavam sobre direitos humanos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />
aprovação, teriam força <strong>de</strong> Emenda Constitucional. Logo, se no Pacto ora em<br />
comento não se exige a condição <strong>de</strong> filiação partidária e não há proibição<br />
constitucional <strong>de</strong> relevância intransponível, há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver<br />
candidatura avulsa e a legislação, principalmente infraconstitucional, precisará<br />
se amoldar a essa nova realida<strong>de</strong>.<br />
Apesar da relevância <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos no atual contexto legal e<br />
social, o art. 60, § 4º, II, da CF 43 não incluiu os parti<strong>do</strong>s na cláusula <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong><br />
da Constituição <strong>de</strong> 1988. Nesse aspecto da organização social brasileira, a<br />
Constituição só <strong>de</strong>clarou como cláusula pétrea o “voto direto, secreto, universal<br />
e periódico”.<br />
Desse mo<strong>do</strong>, não parece haver incompatibilida<strong>de</strong> entre a norma<br />
internacional aludida e as restrições a emendas constitucionais ou à<br />
incorporação <strong>do</strong> pacto na or<strong>de</strong>m brasileira, alinha<strong>do</strong> ao entendimento da<br />
Procura<strong>do</strong>ria Geral da República.<br />
A corrente que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a candidatura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte afirma que, com a<br />
liberação da filiação partidária, aumentam as chances <strong>de</strong> pessoas comuns<br />
chegarem a cargos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no Brasil. A limitação para que cidadãos participem<br />
da política está ligada, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com esse argumento, essencialmente ao<br />
controle exerci<strong>do</strong> por políticos tradicionais <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s.<br />
O autor da ação no Supremo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que as candidaturas avulsas<br />
proporcionariam uma renovação política, tanto no âmbito eleitoral quanto <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>do</strong>s próprios parti<strong>do</strong>s. Com a quebra <strong>de</strong> monopólio partidário sobre as<br />
candidaturas, os parti<strong>do</strong>s serão força<strong>do</strong>s a ser mais eficazes, transparentes e<br />
<strong>de</strong>mocráticos, permitin<strong>do</strong> aos cidadãos formarem as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong><br />
43<br />
CF/88 - Art. 60. A Constituição po<strong>de</strong>rá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será<br />
objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a proposta <strong>de</strong> emenda ten<strong>de</strong>nte a abolir: [...] II - o voto direto, secreto,<br />
universal e periódico;<br />
132
sua conveniência, afastan<strong>do</strong>-se das i<strong>de</strong>ologias já estabelecidas pela conjuntura<br />
vigente.<br />
Assim, verifica-se que o respeito aos Trata<strong>do</strong>s Internacionais e as<br />
Convenções é um <strong>de</strong>ver que <strong>de</strong>corre da própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, alinhan<strong>do</strong><br />
e integran<strong>do</strong> a prestação jurisdicional e as políticas públicas sobre temas que<br />
dizem respeito a toda humanida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> um<br />
importante instrumento para se chegar a este objetivo.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Diante <strong>do</strong> exposto, verifica-se que atualmente as normas <strong>de</strong> direito<br />
internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e as normas <strong>de</strong> direito nacional estão<br />
passan<strong>do</strong> por gran<strong>de</strong>s transformações, influencian<strong>do</strong> sobremaneira a or<strong>de</strong>m<br />
jurídica brasileira, surgin<strong>do</strong>, então, a ênfase ao controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>.<br />
Tal controle serve como pon<strong>de</strong>ração das leis, possibilitan<strong>do</strong> um duplo<br />
controle <strong>de</strong> verticalida<strong>de</strong>, ou seja, as normas internas <strong>de</strong> um país <strong>de</strong>vem estar<br />
compatíveis tanto com a Constituição (controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>) quanto<br />
com os trata<strong>do</strong>s internacionais acolhi<strong>do</strong>s pelo país on<strong>de</strong> vigora tais normas<br />
(controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>).<br />
Diante disso, ten<strong>do</strong> em vista que a candidatura avulsa é o procedimento<br />
pelo qual o cidadão po<strong>de</strong> requerer seu direito <strong>de</strong> concorrer às eleições sem a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se submeter à condição <strong>de</strong> filiação partidária, conforme prevê o<br />
texto constitucional, tem-se que sua liberação encontra óbice na Constituição da<br />
República, a qual elenca como condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong> que o cidadão esteja<br />
vincula<strong>do</strong> a um parti<strong>do</strong> político.<br />
Ocorre, no entanto, que o Pacto <strong>de</strong> San Jose da Costa Rica trouxe nova<br />
possibilida<strong>de</strong> sobre a aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa condição. O texto ratifica<strong>do</strong> pelo Brasil<br />
em 1992, não abarcou a filiação partidária como condição para a elegibilida<strong>de</strong>.<br />
Em que pese exista discussão acerca da hierarquia entre o trata<strong>do</strong> e a<br />
norma constitucional, verifica-se <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto que não há<br />
proibição na Constituição Fe<strong>de</strong>ral acerca <strong>do</strong> tema, permitin<strong>do</strong>, então, que se<br />
interprete <strong>de</strong> forma favorável e integrativa a questão.<br />
133
Além disso, com a liberação da candidatura, aumentam as chances <strong>de</strong><br />
pessoas <strong>do</strong> povo, sem vínculo partidário, chegarem a cargos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no Brasil,<br />
diminuin<strong>do</strong> o controle e a influência exercida por segmentos eleitorais ou parti<strong>do</strong>s<br />
políticos tradicionais.<br />
Por oportuno, <strong>de</strong>staca-se que a corrente contrária à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> candidatura<br />
avulsa se fundamenta na hiperfragmentação da representação, na intensificação<br />
da personalização <strong>do</strong> voto, ou seja, o candidato po<strong>de</strong>ria apelar para o prestígio<br />
<strong>de</strong> sua imagem pública, e não <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias.<br />
Dessa forma, verifica-se que a observância <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s<br />
Internacionais e das Convenções é uma previsão constitucional. Assim, quan<strong>do</strong><br />
recepciona<strong>do</strong>, alinham-se com a prestação jurisdicional e as políticas públicas<br />
fundamentais sobre temas que dizem respeito a toda humanida<strong>de</strong>. Nessa<br />
perspectiva, o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> é um importante instrumento para<br />
se chegar a este objetivo, qual seja, a aplicabilida<strong>de</strong> e a efetivida<strong>de</strong> das<br />
Convenções e Trata<strong>do</strong>s Internacionais incorpora<strong>do</strong>s a nossa legislação.<br />
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Acesso: 01 out. 2018.<br />
135
RESUMO<br />
A TUTELA DA LIBERDADE RELIGIOSA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL<br />
EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS<br />
FAGUNDES, André<br />
Doutoran<strong>do</strong> e Mestre em Direito pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra<br />
andrecep@gmail.com<br />
O presente trabalho examina os parâmetros utiliza<strong>do</strong>s pelo Tribunal Europeu <strong>de</strong><br />
<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na tutela da liberda<strong>de</strong> religiosa. A este propósito, analisa-se<br />
os fundamentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s em diversos casos julga<strong>do</strong>s pela Corte, cotejan<strong>do</strong>-os<br />
com julga<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outros tribunais, e verifican<strong>do</strong> a conformida<strong>de</strong> com os diplomas<br />
internacionais que tratam da matéria. O direito à liberda<strong>de</strong> religiosa está previsto<br />
no artigo 9º da Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e para sua proteção o<br />
interessa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve apresentar uma queixa perante o TEDH, que analisará se<br />
<strong>de</strong>terminada conduta (omissiva ou comissiva) <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> interfere no exercício<br />
<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> direito. Em caso positivo, o TEDH verifica se essa ingerência, se<br />
concretizada, seria lícita e necessária numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática para a<br />
realização <strong>de</strong> um ou mais objetivos legítimos previstos no n.º 2 <strong>do</strong> art. 9º.<br />
Verifica-se que muito embora o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>tenha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulamentar as<br />
diversas religiões existentes em seu território, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, inclusive, impor<br />
<strong>de</strong>terminadas restrições ao exercício da liberda<strong>de</strong> religiosa, <strong>de</strong>ve permanecer<br />
neutro em relação ao mérito das crenças religiosas. Demonstra-se que o respeito<br />
à pluriconfessionalida<strong>de</strong> não se trata apenas <strong>de</strong> um princípio relevante ou <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ética, mas uma necessida<strong>de</strong> política e jurídica, indispensável<br />
para a construção da paz e para o progresso econômico e social <strong>do</strong>s povos.<br />
Constata-se que não obstante a crença seja essencialmente pessoal e subjetiva,<br />
sua manifestação é tradicionalmente realizada em conjunto, através <strong>de</strong><br />
estruturas organizadas. Deste mo<strong>do</strong>, a recusa da concessão <strong>do</strong> status <strong>de</strong><br />
entida<strong>de</strong> jurídica à <strong>de</strong>terminada organização religiosa configura severa restrição<br />
à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> praticar a religião e acaba por, na prática, esvaziar o conteú<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião. Conclui-se que a ingerência estatal, além <strong>de</strong><br />
estar em consonância com a lei e correspon<strong>de</strong>r à uma necessida<strong>de</strong> social<br />
premente, <strong>de</strong>ve ser proporcional ao objetivo legítimo persegui<strong>do</strong>.<br />
136
Palavras-chave: liberda<strong>de</strong> religiosa, restrições, <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong>,<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>.<br />
ABSTRACT<br />
This article examines the parameters used by the European Court of Human<br />
Rights in the protection of religious free<strong>do</strong>m. For this purpose, it analyzes the<br />
foundations a<strong>do</strong>pted in several cases judged by the Court, comparing them with<br />
judgments of other courts, and verifying compliance with the international treaties<br />
<strong>de</strong>aling with the matter.<br />
The right to religious free<strong>do</strong>m is provi<strong>de</strong>d for in Article 9 of the European<br />
Convention on Human Rights and for its protection, the interested party must<br />
submit a complaint before the ECHR, which will analyze whether certain conduct<br />
(omissive or commissive) of the State interferes with the exercise of that right. If<br />
this is the case, the ECHR verifies whether such interference, if it had been<br />
fulfilled, would be lawful and necessary in a <strong>de</strong>mocratic society for the<br />
achievement of one or more of the legitimate objectives set forth in Article 9(2).<br />
It appears that although the State has the power to regulate the various religions<br />
in its territory, and may also impose certain restrictions on the exercise of religious<br />
free<strong>do</strong>m, it must remain neutral in relation to the merits of religious beliefs. It is<br />
shown that respect for the plurality of <strong>de</strong>nominations is not only a relevant<br />
principle or an ethical duty but a political and juridical necessity, indispensable for<br />
the construction of peace and for the economic and social progress of the<br />
peoples. It is observed that even though the belief is essentially personal and<br />
subjective, its manifestation is traditionally carried out together through organized<br />
structures. Therefore, that the refusal to grant the status of the legal entity to the<br />
particular religious organization configures severe restriction on the ability to<br />
practice religion and implies, in practice, emptying the content of the right to<br />
free<strong>do</strong>m of religion. It is conclu<strong>de</strong>d that the State interference, in addition to being<br />
in line with the law and correspond to a pressing social need, must be<br />
proportionate to the legitimate aim pursued.<br />
Keywords: free<strong>do</strong>m religious, restrictions, duty of impartiality, <strong>de</strong>mocratic<br />
society, European Court of Human Rights.<br />
137
INTRODUÇÃO<br />
Em virtu<strong>de</strong> das atrocida<strong>de</strong>s cometidas na Segunda Guerra Mundial, o<br />
<strong>Congresso</strong> da Europa reuniu-se para tomar medidas que pu<strong>de</strong>ssem efetivar<br />
alguns <strong>do</strong>s direitos previstos na Declaração Universal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Para<br />
tanto, criou-se o Conselho da Europa, que elaborou, em 1950, a Convenção para<br />
a Proteção <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e das Liberda<strong>de</strong>s Fundamentais, também<br />
conhecida como Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> «<strong>do</strong>ravante CEDH»,<br />
com a previsão <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> direitos e liberda<strong>de</strong>s civis e políticas, bem como<br />
a criação <strong>do</strong> Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> «<strong>do</strong>ravante TEDH», para<br />
garantir o respeito <strong>do</strong>s compromissos assumi<strong>do</strong>s pelos Esta<strong>do</strong>s signatários.<br />
Dentre os direitos tutela<strong>do</strong>s pela CEDH está o direito à liberda<strong>de</strong> religiosa,<br />
previsto no artigo 9º, juntamente com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong><br />
consciência. Para sua proteção, o interessa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve apresentar uma queixa<br />
perante o TEDH, que analisará se <strong>de</strong>terminada conduta (omissiva ou comissiva)<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> interfere no exercício <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> direito. Em caso positivo, o TEDH<br />
verifica se essa ingerência, se concretizada, seria lícita e necessária numa<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática para a realização <strong>de</strong> um ou mais objetivos legítimos<br />
previstos no n.º 2 <strong>do</strong> art. 9º. Isto é, realiza o controle através da metódica da<br />
proporcionalida<strong>de</strong>.<br />
Cumpre assinalar, ainda, que os acórdãos proferi<strong>do</strong>s pelo TEDH, por<br />
força <strong>do</strong> disposto no n.º 1 <strong>do</strong> artigo 46º da CEDH, são vinculantes aos 47 Esta<strong>do</strong>s<br />
membros <strong>do</strong> Conselho da Europa.<br />
OBJETIVOS<br />
O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho é realizar uma investigação acerca <strong>do</strong>s critérios<br />
utiliza<strong>do</strong>s pelo Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na tutela da liberda<strong>de</strong><br />
religiosa. Dentro disso, preten<strong>de</strong>-se examinar as possibilida<strong>de</strong>s e os limites da<br />
atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na regulamentação das organizações religiosas; analisar a<br />
abrangência <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> em matéria religiosa, abordan<strong>do</strong><br />
os fundamentos <strong>do</strong> princípio republicano e o princípio da igualda<strong>de</strong>; <strong>de</strong>monstrar<br />
o alcance das hipóteses <strong>de</strong> restrição <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> religiosa; examinar o<br />
artigo 9 em conjunto com o artigo 11 da Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />
138
<strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a melhor compreen<strong>de</strong>r a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reunião e associação<br />
com propósitos religiosos.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Um <strong>do</strong>s fundamentos da liberda<strong>de</strong> religiosa é a garantia <strong>de</strong> que as<br />
pessoas po<strong>de</strong>m seguir sua religião, ainda que seja diferente da maioria. É<br />
justamente o acolhimento das crenças minoritárias que distingue a <strong>de</strong>mocracia<br />
<strong>de</strong> um esta<strong>do</strong> totalitário. 1<br />
Para o efetivo cumprimento <strong>do</strong> respeito à pluriconfessionalida<strong>de</strong>, o Esta<strong>do</strong><br />
não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>terminar o que constitua ou não uma religião ou crença, como bem<br />
observou o TEDH em importantíssimo julga<strong>do</strong> sobre o tema (Seção <strong>de</strong> Moscou<br />
<strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação c. Rússia, n. 72.881/01).<br />
Outro ponto que merece <strong>de</strong>staque é que da análise <strong>do</strong> artigo 9º da<br />
Convenção, tem-se que a restrição à liberda<strong>de</strong> religiosa só está autorizada<br />
quan<strong>do</strong>, prevista em lei, constitua disposição necessária à preservação <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>mocrático, à segurança pública, à proteção da or<strong>de</strong>m, da saú<strong>de</strong> e<br />
moral públicas, ou à proteção <strong>do</strong>s direitos e liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terceiros. 2<br />
Cumpre assinalar que o Esta<strong>do</strong> tem po<strong>de</strong>res para verificar se uma<br />
entida<strong>de</strong> esteja exercen<strong>do</strong>, sob aparentes finalida<strong>de</strong>s religiosas, ativida<strong>de</strong>s que<br />
sejam prejudiciais à população ou que possam pôr em perigo a segurança<br />
pública. Realmente, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scartar que o programa <strong>de</strong> uma organização<br />
possa escon<strong>de</strong>r objetivos e intenções distintos <strong>do</strong>s quais proclama. 3<br />
1<br />
TRIGG, Roger. Equality, Free<strong>do</strong>m, & Religion. Oxford: Oxford University Press, 2012. p.<br />
146.<br />
2<br />
O Pacto Internacional sobre os <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos prevê, em seu art. 18º, n.º 3,<br />
semelhante disposição.<br />
Com vistas à melhor esclarecer o alcance da referida norma, foi elabora<strong>do</strong> o Comentário Geral<br />
n.º 22, o qual, em razão <strong>de</strong> sua significativa importância, passamos a transcrever: “O artigo 18.º<br />
não está limita<strong>do</strong> na sua aplicação a religiões tradicionais ou a religiões e convicções com<br />
características institucionais ou práticas análogas às das religiões tradicionais. Assim, o Comitê<br />
vê com preocupação qualquer tendência a discriminar contra qualquer religião ou convicção,<br />
em particular as mais recentemente estabelecidas ou as que representam as minorias<br />
religiosas que possam ser objeto <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> religiosa<br />
pre<strong>do</strong>minante.” (grifo nosso).<br />
3<br />
Cf. Manoussakis e outros c. Grécia, n. 18.748/91, § 40; Stankov e a Organização Macedônia-<br />
Unida Ilin<strong>de</strong>n c. Bulgária, n. 29.221/95 e 29.225/95, § 84; e Sidiropoulos e outros c. Grécia, n.<br />
26.695/95, § 46.<br />
139
O TEDH consi<strong>de</strong>ra, por exemplo, que o fato <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> religiosa não<br />
apresentar às autorida<strong>de</strong>s a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> seus preceitos fundamentais po<strong>de</strong> ser<br />
motivo suficiente para a recusa <strong>de</strong> sua inscrição, na medida em que po<strong>de</strong><br />
representar um risco à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática e os interesses fundamentais<br />
assegura<strong>do</strong>s pelo n.º 2 <strong>do</strong> artigo 9º da CEDH. 4<br />
No entanto, a fiscalização das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas, bem como a<br />
fixação das restrições à liberda<strong>de</strong> religiosa <strong>de</strong>vem ser utilizadas com mo<strong>de</strong>ração<br />
e <strong>de</strong> forma compatível com as obrigações impostas por força da CEDH. 5<br />
De fato, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> tratar-se <strong>de</strong> exceções à regra, o po<strong>de</strong>r estatal <strong>de</strong>ve<br />
ser interpreta<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma restrita, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que apenas razões convincentes e<br />
persuasivas po<strong>de</strong>m ser capazes <strong>de</strong> justificar limitações à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião e<br />
<strong>de</strong> associação. Qualquer intervenção <strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r a uma “necessida<strong>de</strong><br />
social premente” e ser “proporcional ao objetivo legítimo persegui<strong>do</strong>”. Por<br />
conseguinte, a caracterização <strong>do</strong> “necessário” não alberga noções vagas e<br />
flexíveis como “útil” ou “<strong>de</strong>sejável”. 6<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
O presente trabalho <strong>de</strong>screve uma pesquisa <strong>de</strong> natureza aplicada, isto é,<br />
que objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigi<strong>do</strong>s à solução das<br />
controvérsias existentes em torno <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião e <strong>de</strong> crença.<br />
Um <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s utiliza<strong>do</strong>s para a apreciação <strong>do</strong> problema é o exame<br />
analítico <strong>do</strong>s fundamentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelo Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />
<strong>Humanos</strong>, cotejan<strong>do</strong>-os com julga<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outros tribunais, e verifican<strong>do</strong> a<br />
conformida<strong>de</strong> com os diplomas internacionais que tratam da matéria.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
A partir <strong>do</strong> exame crítico <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s, constatou-se que a Corte <strong>de</strong><br />
Estrasburgo enten<strong>de</strong> que a existência <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> pacífica e <strong>de</strong>mocrática<br />
4<br />
Cf. Cârmuirea Spirituală a Musulmanilor da República da Moldávia c. Moldávia, n. 12.282/02;<br />
Igreja da Cientologia <strong>de</strong> Moscou c. Rússia, n. 18.147/02, § 93; e Lajda e outros c. República<br />
Checa, n. 20.984/05.<br />
5<br />
Cf. Testemunhas <strong>de</strong> Jeová <strong>de</strong> Moscou e outros c. Rússia, n. 302/02, § 100.<br />
6<br />
Cf. Seção <strong>de</strong> Moscou <strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação c. Rússia, já referi<strong>do</strong>, § 62; e Gorzelik e outros<br />
c. Polônia, n. 44.158/98, § 92.<br />
140
só é possível com respeito à pluriconfessionalida<strong>de</strong>. 7 À vista disso, o direito <strong>do</strong>s<br />
crentes à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião assegura<strong>do</strong> pela CEDH abrange também a<br />
expectativa <strong>de</strong> que a comunida<strong>de</strong> terá permissão para funcionar pacificamente,<br />
po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> professar sua convicção sem qualquer intervenção injustificada <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong>. 8<br />
No caso Igreja Metropolitana <strong>de</strong> Bessarábia e outros v. Moldávia (n.<br />
45.701/99), o Tribunal consignou que num Esta<strong>do</strong> laico, a recusa <strong>do</strong><br />
reconhecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada confissão religiosa - com o propósito <strong>de</strong> forçála<br />
a se reunir sob uma li<strong>de</strong>rança unificada, contra as suas aspirações - constitui<br />
nítida interferência arbitrária na liberda<strong>de</strong> religiosa <strong>do</strong>s cidadãos.<br />
Conquanto o governo <strong>de</strong>tenha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulamentar as diversas<br />
religiões existentes em seu território, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, inclusive, impor <strong>de</strong>terminadas<br />
restrições ao exercício da liberda<strong>de</strong> religiosa, <strong>de</strong>ve permanecer neutro em<br />
relação ao mérito das crenças religiosas.<br />
Vale dizer, o direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião, tal como assegura<strong>do</strong> pela<br />
CEDU, exclui qualquer po<strong>de</strong>r discricionário por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para <strong>de</strong>terminar<br />
a legitimida<strong>de</strong> das crenças religiosas e suas formas <strong>de</strong> manifestação. Do<br />
contrário, estaríamos diante <strong>de</strong> um árbitro <strong>de</strong> <strong>do</strong>gmas religiosos.<br />
Não obstante a crença seja essencialmente pessoal e subjetiva, sua<br />
manifestação é tradicionalmente realizada em conjunto, através <strong>de</strong> estruturas<br />
organizadas. Não é por outro motivo que a Convenção garante o direito <strong>de</strong><br />
manifestar a religião <strong>de</strong> forma coletiva, no seio <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s religiosas.<br />
Nessa linha, a jurisprudência <strong>do</strong> TEDH firmou o entendimento <strong>de</strong> que a<br />
recusa da concessão <strong>do</strong> status <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> jurídica à <strong>de</strong>terminada organização<br />
religiosa configura severa restrição à sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> praticar a religião,<br />
mesmo nos casos em que a ausência <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> jurídica possa ser<br />
compensada, em parte, pela criação <strong>de</strong> associações auxiliares. Assim, ainda que<br />
7<br />
Como bem pontua Roger TRIGG (2012, p. 08), Diretor Acadêmico <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
Religião na Vida Pública <strong>de</strong> Kellogg College, da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oxford, a questão da<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência e da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião surge na sua forma mais intensa quan<strong>do</strong><br />
posições minoritárias impopulares ou antiquadas estão em questão. A liberda<strong>de</strong> é<br />
salvaguardada apenas quan<strong>do</strong> a maioria permite que as crenças que elas <strong>de</strong>saprovam sejam<br />
manifestadas.<br />
8<br />
Ver Seção <strong>de</strong> Moscou <strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação c. Rússia, já referi<strong>do</strong>, § 71; e Hasan e Chaush<br />
c. Bulgária, n. 30.985/96, § 62.<br />
141
não haja <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> prejuízo ou dano à comunida<strong>de</strong> religiosa, o<br />
impedimento <strong>de</strong> seu registro constitui injustificada discriminação. 9<br />
Com efeito, o direito ao reconhecimento oficial <strong>de</strong> uma igreja é corolário<br />
lógico <strong>do</strong> respeito à liberda<strong>de</strong> religiosa. Trata-se <strong>de</strong> um natural <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento,<br />
uma faceta <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião. A não efetivação <strong>do</strong> registro acaba<br />
por, na prática, esvaziar - significativa ou mesmo integralmente - o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
direito à liberda<strong>de</strong> religiosa.<br />
Além <strong>do</strong> mais, o artigo 11º da CEDH assegura que os cidadãos <strong>de</strong>vem<br />
ser capazes <strong>de</strong> formar uma pessoa jurídica, a fim <strong>de</strong> que possam agir<br />
coletivamente em um campo <strong>de</strong> interesse mútuo - incluin<strong>do</strong>, obviamente, os<br />
propósitos religiosos -, sem interferências arbitrárias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Caso contrário,<br />
tal direito seria <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer significa<strong>do</strong>. 10<br />
Vale <strong>de</strong>stacar que para <strong>de</strong>terminada convicção pessoal ou coletiva se<br />
valer <strong>do</strong> direito à "liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> religião" -<br />
assegura<strong>do</strong> pelo artigo 9º da Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong>ve<br />
atingir um certo nível <strong>de</strong> coerência, serieda<strong>de</strong> e importância. Des<strong>de</strong> que essas<br />
condições estejam satisfeitas, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é<br />
incompatível com a avaliação sobre a legitimida<strong>de</strong> das crenças religiosas e a<br />
forma como essas crenças são expressas. 11<br />
Do mesmo mo<strong>do</strong>, <strong>de</strong>corre da proteção <strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> artigo, a vedação<br />
ao Esta<strong>do</strong> em interferir sobre a <strong>do</strong>utrina professada pelas religiões. 12<br />
Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, a religião e as convicções são,<br />
essencialmente, pessoais e subjetivas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que não compete ao Esta<strong>do</strong> -<br />
sob pena <strong>de</strong> violação ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> - impor, <strong>de</strong> maneira direta ou<br />
indireta, uma linha interpretativa a respeito <strong>do</strong>s preceitos professa<strong>do</strong>s, ainda que<br />
contrários a um entendimento <strong>do</strong>minante como, por exemplo, na crença <strong>de</strong><br />
9<br />
Cf. Comunida<strong>de</strong> Religiosa das Testemunhas <strong>de</strong> Jeová e outros v. Áustria, n. 40.825/98, § 67.<br />
10<br />
Cf. Seção <strong>de</strong> Moscou <strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação v. Rússia, já referi<strong>do</strong>, §§ 58-59.<br />
11<br />
Cf. Eweida e outros c. Reino Uni<strong>do</strong>, n. 48.420/10, 59.842/10, 51.671/10 e 36.516/10, § 81.<br />
12<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente não estão incluídas aqui as manifestações que resultem em propaganda a<br />
favor da guerra ou em apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que constitua uma<br />
incitação à discriminação, à hostilida<strong>de</strong> ou à violência, conforme preceitua o artigo 20 <strong>do</strong> Pacto<br />
Internacional sobre os <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos.<br />
142
<strong>de</strong>terminadas seitas 13 sobre a existência da reencarnação e sua conformida<strong>de</strong><br />
com os ensinos da fé cristã. 14<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
I<strong>de</strong>ntificou-se que o Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> possui<br />
entendimento consolida<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> consciência e<br />
<strong>de</strong> religião, é um <strong>do</strong>s fundamentos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Trata-se <strong>de</strong><br />
um <strong>do</strong>s elementos mais importantes que compõem, não só a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />
crentes e suas concepções <strong>de</strong> vida, mas também <strong>do</strong>s ateus, agnósticos, céticos<br />
e indiferentes. Destarte, o pluralismo - que tem si<strong>do</strong> conquista<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong>s<br />
séculos - é indissociável <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. 15<br />
A Corte pontuou também que, numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, em que<br />
diferentes religiões coexistem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma população, po<strong>de</strong> ser<br />
necessário o estabelecimento <strong>de</strong> restrições a essa liberda<strong>de</strong>, para o fim <strong>de</strong><br />
conciliar os interesses <strong>do</strong>s diversos grupos e garantir que todas as crenças<br />
sejam respeitadas.<br />
Verificou-se que a <strong>de</strong>finição e a interpretação <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong>utrinários<br />
integra, indubitavelmente, a esfera da fé religiosa; é elemento fundamental, que<br />
está no núcleo da convicção religiosa; constitui verda<strong>de</strong>ira reserva absoluta da<br />
13<br />
Vale ressaltar que o Pacto Internacional sobre os <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos prevê uma<br />
garantia especial às minorias religiosas contra as ingerências <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>: “Artigo 27. Nos Esta<strong>do</strong>s<br />
em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas<br />
minorias não <strong>de</strong>vem ser privadas <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> ter, em comum com os outros membros <strong>do</strong> seu<br />
grupo, a sua própria vida cultural, <strong>de</strong> professar e <strong>de</strong> praticar a sua própria religião ou <strong>de</strong> empregar<br />
a sua própria língua.” (grifo nosso).<br />
14<br />
A respeito <strong>do</strong> tema, merece <strong>de</strong>staque o brilhante posicionamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo Tribunal<br />
Constitucional Português, ao assinalar que “qualquer forma <strong>de</strong> dirigismo cultural fere o bem<br />
comum e mina os alicerces <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito. O Esta<strong>do</strong> não po<strong>de</strong>, pois, impor aos cidadãos<br />
quaisquer formas <strong>de</strong> concepção <strong>do</strong> homem, <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e da vida.” (Tribunal Constitucional.<br />
Relator: Alves Correia, Proc. n. 88-0322, j. 17/02/1993).<br />
15<br />
A esse respeito, Robert AUDI <strong>de</strong>staca que on<strong>de</strong> há liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve haver espaço para o<br />
pluralismo. Nas socieda<strong>de</strong>s em que a vida sociocultural é complexa, a liberda<strong>de</strong> praticamente<br />
salvaguarda o pluralismo. (AUDI, Robert. Natural reason, religious conviction, and the<br />
justification of coercion in <strong>de</strong>mocratic societies. In: Law, State and Religion in the New<br />
Europe. Debates and Dilemmas. Edited by ZUCCA, Lorenzo; UNGUREANU, Camil.<br />
Cambridge: Cambridge University Press, 2012. p. 66).<br />
143
confissão religiosa, funcionan<strong>do</strong> como norma <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> competências<br />
negativas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. 16<br />
Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o Esta<strong>do</strong> não está, e nem <strong>de</strong>veria estar, na posição <strong>de</strong><br />
árbitro <strong>do</strong>s <strong>do</strong>gmas religiosos, 17 ao estatuir um entendimento como sen<strong>do</strong> o<br />
correto, nitidamente infringe o seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> imposto pelo princípio<br />
da separação, e consequentemente viola o direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião, tal<br />
como ocorre quan<strong>do</strong> há imisção estatal sobre os rituais pelos quais a crença se<br />
manifesta. 18<br />
Além disso, verificou-se que além <strong>de</strong> estar em consonância com a lei e<br />
aten<strong>de</strong>r a um objetivo legítimo, a interferência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve satisfazer a<br />
exigência da proporcionalida<strong>de</strong>. Nos conflitos envolven<strong>do</strong> o direito à liberda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> religião e <strong>de</strong> crença, a proporcionalida<strong>de</strong> está estreitamente ligada com a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter o verda<strong>de</strong>iro pluralismo religioso, inerente ao conceito<br />
<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Destarte, tentar resolver os conflitos existentes entre<br />
organizações religiosas através <strong>do</strong> impedimento <strong>do</strong> registro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las é<br />
atuação absolutamente <strong>de</strong>sproporcional, contrária à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocrática, em que há pluralismo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong> crenças.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ANDRADE, José Carlos Vieira <strong>de</strong>. Os <strong>Direitos</strong> Fundamentais na Constituição<br />
Portuguesa <strong>de</strong> 1976. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2012.<br />
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da<br />
República Portuguesa Anotada. v. 1. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2007.<br />
16<br />
MACHADO, Jónatas E. M. A liberda<strong>de</strong> religiosa numa comunida<strong>de</strong> constitucional<br />
inclusiva: <strong>do</strong>s direitos da verda<strong>de</strong> aos direitos <strong>do</strong>s cidadãos. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 247.<br />
17<br />
Cf. Syndicat Northcrest v. Amselem, 2004 SCC 47, [2004] 2 S.C.R. 551, da Suprema Corte<br />
<strong>do</strong> Canadá.<br />
18<br />
Como bem advertem J. J. Gomes CANOTILHO e Vital MOREIRA, é elemento implícito da<br />
afirmação <strong>do</strong> princípio republicano o “estabelecimento da separação entre o Esta<strong>do</strong> e as<br />
igrejas, com a consagração <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> não confessional e <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />
religiosa” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República<br />
Portuguesa Anotada. v. 1. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2007. p. 201).<br />
144
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da<br />
Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.<br />
CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. A liberda<strong>de</strong> Religiosa nos Esta<strong>do</strong>s<br />
Mo<strong>de</strong>rnos. Coimbra: Almedina, 2012.<br />
COSTA, Inês Granja. O Tribunal europeu <strong>do</strong>s direitos humanos e os<br />
símbolos religiosos: o uso <strong>do</strong> véu muçulmano na Europa <strong>do</strong> século XXI.<br />
Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Direito Público, Internacional e Europeu, sob a<br />
orientação da Prof.a Dra. Catarina Botelho. Porto: 2016.<br />
GREENAWALT, Kent. Religion and the Constitution. v. 1. Free Exercise and<br />
Fairness. Princeton: Princeton University Press, 2006.<br />
HURT, Elizabeth Shakman. Thinking about Religion, Law, and Politics in<br />
Latin America. Revista <strong>de</strong> Estudios Sociales. n. 51, p. 25-35. Bogotá: enero -<br />
marzo <strong>de</strong> 2015.<br />
MACHADO, Jónatas E. M. A Constituição e os Movimentos Religiosos<br />
Minoritários. Boletim da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Coimbra, LXXII, 1996.<br />
_____. A liberda<strong>de</strong> religiosa numa comunida<strong>de</strong> constitucional inclusiva:<br />
<strong>do</strong>s direitos da verda<strong>de</strong> aos direitos <strong>do</strong>s cidadãos. Coimbra: Coimbra, 1996.<br />
_____. Tomemos a sério a separação das igrejas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (Comentário ao<br />
acórdão <strong>do</strong> Tribunal Constitucional n.º 174/93). Revista <strong>do</strong> Ministério Público,<br />
n. 58, Lisboa, 1994.<br />
MERRILS, J. G. The <strong>de</strong>velopment of international Law by the European<br />
Court of Human Rights. 2. ed. Manchester: Manchester University Press, 1995.<br />
PEARSON, Megan. Proportionality, Equality Laws, and Religion - Conflicts in<br />
England, Canada, and the USA. Iclars series on law and religion. New York:<br />
Routledge, 2017.<br />
145
PROCTOR, James D. Science, Religion, and the Human Experience. Oxford:<br />
Oxford University Press, 2005.<br />
TRIGG, Roger. Equality, Free<strong>do</strong>m, & Religion. Oxford: Oxford University<br />
Press, 2012.<br />
VAN DER VYVER, Johan D. Free<strong>do</strong>m of Religion or Belief and Other Human<br />
Rights. In: LINDOHOLM et al. (eds.) Facilitating Free<strong>do</strong>m of Religion or Belief:<br />
A Deskbook. Lei<strong>de</strong>n: Nijhoff, 2004.<br />
YOUROW, Howard Charles. The Margin of Appreciation Doctrine in the<br />
Dynamics of European Human Rights Jurispru<strong>de</strong>nce. Martinus Nijhoff<br />
Publishers, 1995.<br />
ZUCCA, Lorenzo; UNGUREANU, Camil. Law, State and Religion in the New<br />
Europe. Debates and Dilemmas. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.<br />
146
JUSTIÇA RESTAURATIVA NO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA<br />
A MULHER: ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA LUSO-BRASILEIRA.<br />
RESUMO<br />
JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so<br />
Pós-<strong>do</strong>utor em Ciências Criminais<br />
t_allisson@hotmail.com<br />
FERREIRA, Amanda Passos<br />
Graduanda em Direito<br />
amandapassosferreira@gmail.com<br />
PAIXÃO, Hilza Maria Feitosa<br />
Especialista em Direito Processual Civil<br />
Hilzapaixao@yahoo.com.br<br />
O estu<strong>do</strong> trata da aplicação da justiça restaurativa aos casos <strong>de</strong> violência<br />
<strong>do</strong>méstica conjugal. Versan<strong>do</strong> sobre os aspectos históricos e culturais da<br />
violência contra a mulher e os crescentes da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> violência,<br />
<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> Brasil e Portugal, ten<strong>do</strong> em vista que no Brasil a violência <strong>do</strong>méstica<br />
é uma das causas <strong>do</strong> feminicidio, todavia esperava-se que esses casos viessem<br />
a diminuir com o advento da Lei Maria da Penha. Preten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>monstrar que a<br />
resolução da violência contra a mulher não está limitada a seara <strong>do</strong> direito pelos<br />
diversos aspectos psicodinâmicos presentes no que tange a relação homem e<br />
mulher. Dissertou-se acerca da Justiça Restaurativa que por meio <strong>do</strong><br />
consentimento das partes utilizan<strong>do</strong> o diálogo, visa sanar o conflito geran<strong>do</strong> nas<br />
partes conscientização sem excluir a culpabilida<strong>de</strong> ou a punição penal,<br />
pon<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> papel da Justiça Restaurativa e seus resulta<strong>do</strong>s no Brasil<br />
e Portugal. Por fim buscou-se constatar que a ausência <strong>de</strong> uma intervenção<br />
diferenciada para a violência <strong>do</strong>méstica e contra a mulher, levan<strong>do</strong> em<br />
consi<strong>de</strong>ração a ineficácia <strong>do</strong> tratamento dispensa<strong>do</strong> no âmbito da Justiça<br />
Criminal, tanto no Brasil como Portugal, o que acarreta na insatisfação das<br />
vítimas com o sistema. Analisa-se <strong>de</strong>sta forma, as práticas restaurativas como<br />
maneira <strong>de</strong> resolução da violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher em que se<br />
encontra argumentos e posicionamentos favoráveis a este méto<strong>do</strong>. Por<br />
conseguinte, conclui-se que há espaço no Brasil e Portugal para implementá-la.<br />
147
Palavras-chave: Violência Doméstica; Justiça Restaurativa; Portugal; Brasil.<br />
ABSTRACT<br />
The research talk about the application of restorative justice to cases of spousal<br />
abuse. Dealing with historical and cultural aspects about violence against<br />
women and the rising data of report highlighting countries such as Brazil and<br />
Portugal, consi<strong>de</strong>ring that in Brazil <strong>do</strong>mestic violence is one of the causes of<br />
femici<strong>de</strong>, however it was expected that these cases would <strong>de</strong>crease with the<br />
advent of the Maria da Penha Law. It is inten<strong>de</strong>d to <strong>de</strong>monstrate that the<br />
resolution of violence against women is not limited to the área of law by the<br />
various psychodynamic aspects present in what involve the relation to man and<br />
woman It was said about the Restorative Justice which, through the consent of<br />
the parties using the conversation, aims to heal the conflict generating in the<br />
parties awareness without excluding guilt or criminal punishment, pon<strong>de</strong>ring<br />
about Restorative Justice and its results in Brazil and Portugal. Lastly it was<br />
sought to verify the absence of differentiated intervention for <strong>do</strong>mestic violence,<br />
taking into account the inefficacy of the treatment provi<strong>de</strong>d in the Criminal Justice<br />
both in Brazil and Portugal, wich result in the dissatisfaction of the victims with<br />
the justice system. Analyzed in this way, the restorative practices as a way of<br />
solving <strong>do</strong>mestic violence against women in which arguments and positions are<br />
favorable to this method. Therefore it is conclu<strong>de</strong>d that there is space in Brazil<br />
and Portugal to implement it.<br />
Keywords: Spousal Abuse; Restorative Justice; Portugal; Brazil.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A violência <strong>do</strong>méstica é apresentada como um fato complexo envolto em<br />
efeitos negativos no âmbito social. Deste mo<strong>do</strong> esta pesquisa almeja analisar a<br />
viabilida<strong>de</strong> da justiça restaurativa como via a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> tutela penal aos casos<br />
<strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica e familiar, fazen<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> da violência <strong>do</strong>méstica e a<br />
urgência <strong>de</strong> novas ferramentas que possibilitem a eficácia na tentativa <strong>de</strong><br />
148
solução da li<strong>de</strong>, obten<strong>do</strong> uma resposta assertiva aos direitos e interesses da<br />
mulher vítima <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito.<br />
A Justiça Restaurativa representa uma nova lente para a resolução <strong>do</strong>s<br />
litígios na esfera criminal, da<strong>do</strong> que o ser humano em sua complexida<strong>de</strong> possui<br />
peculiarida<strong>de</strong>s e particularida<strong>de</strong>s que o difere uns <strong>do</strong>s outros, portanto o conflito<br />
faz parte da socieda<strong>de</strong>, contu<strong>do</strong> é necessário implementar meios que não<br />
somente solucionem o litigio, mas que busque promover a cultura <strong>do</strong> diálogo e<br />
paz, uma vez que a cultura da sentença é ineficaz na maioria <strong>do</strong>s casos.<br />
Levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração as semelhanças entre vários aspectos <strong>do</strong><br />
sistema jurídico a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> no Brasil e em Portugal, é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> proveito o estu<strong>do</strong><br />
comparativo acerca das diferenças entre a implementação da Justiça<br />
Restaurativa em ambos, da<strong>do</strong> que a violência <strong>do</strong>méstica é um problema mundial<br />
e infelizmente nenhum país está isento <strong>de</strong> presenciá-la em seu âmbito social.<br />
Desta forma, urge tratar da importância da Justiça Restaurativa, analisan<strong>do</strong> a<br />
implementação <strong>do</strong>s círculos <strong>de</strong> restaurativismo e paz nos tribunais brasileiros<br />
bem como no judiciário português.<br />
OBJETIVOS<br />
Este estu<strong>do</strong> buscou pon<strong>de</strong>rar a respeito da possibilida<strong>de</strong> da aplicação da<br />
Justiça Restaurativa no tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica<br />
contra a mulher, analisan<strong>do</strong> e comparan<strong>do</strong> os parâmetros legislativos e<br />
judiciários <strong>de</strong> Portugal e <strong>do</strong> Brasil, pautan<strong>do</strong>-se nos princípios e diretrizes <strong>do</strong><br />
restaurativismo. Cujos objetivos específicos são: analisar historicamente o<br />
posicionamento da mulher na socieda<strong>de</strong>; averiguar os princípios das práticas<br />
restaurativas ante o combate da violência contra a mulher e <strong>de</strong>monstrar a<br />
ineficácia <strong>do</strong> aprisionamento <strong>do</strong> agressor, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração os anseios<br />
das vítimas, analisar a legislação luso-brasileira no que diz respeito a violência<br />
contra a mulher e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementação das práticas restaurativas<br />
no tratar da questão.<br />
149
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça (CNJ) conceitua que a Justiça restaurativa é<br />
uma técnica <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflito e violência que se orienta pela criativida<strong>de</strong> e<br />
sensibilida<strong>de</strong> a partir da escuta <strong>do</strong>s ofensores e das vítimas. O professor<br />
Damásio <strong>de</strong> Jesus explica que na seara criminal a justiça restaurativa é um<br />
processo colaborativo em que as partes, agressor e vítima, afetadas mais<br />
diretamente por um crime, <strong>de</strong>terminam a melhor forma <strong>de</strong> reparar o dano<br />
causa<strong>do</strong> pela transgressão.<br />
Segun<strong>do</strong> Pallamolla “O processo <strong>de</strong> mediação entre vítima-ofensor visa<br />
possibilitar que estes implica<strong>do</strong>s encontrem-se num ambiente seguro,<br />
estrutura<strong>do</strong> e capaz <strong>de</strong> facilitar o diálogo.” Da<strong>do</strong> que a violência geralmente é<br />
gerada pela falta <strong>do</strong> diálogo.<br />
No que tange o conflito, Buber trata que a relação eu-tu, rompe com os<br />
paradigmas <strong>do</strong> olhar redutivo e analítico <strong>do</strong> homem, em que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
termina por diluir as relações interpessoais, ten<strong>do</strong> em vista que o diálogo na<br />
prática restaurativa coloca em questão a totalida<strong>de</strong> da pessoa, sen<strong>do</strong> possível<br />
perceber o outro a sua frente. O vicioso círculo <strong>do</strong>s conflitos tem origem na falta<br />
<strong>de</strong> diálogo, que se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong> forma negativa com ausência <strong>de</strong> empatia e<br />
<strong>de</strong>sprezo pelas necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> próximo. Desta forma, observa-se o po<strong>de</strong>r <strong>do</strong><br />
diálogo frente o combate à violência <strong>do</strong>méstica. Andréa Ribeiro dispõe que a<br />
mediação criminal é o mecanismo mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para o refazimento <strong>do</strong> elo<br />
rompi<strong>do</strong> com a prática <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito para que as partes possam por meio <strong>do</strong> diálogo,<br />
superar a origem <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito.<br />
Marília Montenegro trata que “no processo <strong>de</strong> criminalização, não se atentou a<br />
uma questão peculiar <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> violência conjugal: o vínculo que há entre o<br />
autor da agressão e a ofendida”. As práticas restaurativas nos conflitos <strong>de</strong><br />
violência <strong>do</strong>méstica, aumentam as chances das mulheres vítimas <strong>de</strong> violência<br />
<strong>do</strong>méstica buscarem ajuda, da<strong>do</strong> que permite que a mulher seja realmente<br />
escutada e <strong>de</strong>monstre seus interesses, além <strong>de</strong> contribuir para que ela possa<br />
compreen<strong>de</strong>r sobre o fato criminoso.<br />
Em Portugal a violência <strong>do</strong>méstica foi i<strong>de</strong>ntificada como um problema social a<br />
partir da década <strong>de</strong> oitenta, apesar <strong>de</strong> ser um assunto antigo, passou a ter<br />
150
visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a atuação <strong>de</strong> algumas organizações não governamentais<br />
como a APAV- Associação Portuguesa <strong>de</strong> Apoio à Vítima, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> país<br />
não possuir até então legislação específica <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> problema.<br />
Lamentavelmente a violência <strong>do</strong>méstica está presente em muitos lares, sen<strong>do</strong><br />
consi<strong>de</strong>rada um fenômeno complexo e mundial, embora alguns países possuam<br />
mais <strong>de</strong>staque no que concerne a legislação, medidas protetivas e políticas <strong>de</strong><br />
atuação e combate como o Brasil, que tem a lei Maria da Penha e a tipificação<br />
<strong>do</strong> crime <strong>de</strong> feminicidio. Enquanto outros países a exemplo da Rússia que<br />
<strong>de</strong>scriminalizou a violência <strong>de</strong> gênero e muitos outros países da Ásia em que<br />
não se pune o estupro ocorri<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> casamento.<br />
Em relação ao Brasil, Cesar Barros fala que “Fazemos referência a uma prática<br />
<strong>de</strong> justiça muito diferente <strong>do</strong>s padrões ordinários da justiça penal, esta <strong>de</strong> corte<br />
nitidamente dissuasório, retributivo-punitivo, baseada no excesso <strong>de</strong><br />
formalismos, na estrita legalida<strong>de</strong>, e uma relação traumática, adversarial, por<br />
vezes hostil, marcada pelo distanciamento, cujos atores principais são estatais<br />
– polícia, promotor <strong>de</strong> justiça e juiz – já que o <strong>de</strong>lito é visto, num bipolar, como<br />
uma <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> autor-Esta<strong>do</strong>, id est, como uma ofensa contra o Esta<strong>do</strong>.”<br />
No sistema retributivo as penas po<strong>de</strong>m ser reduzidas em excluir a pessoa da<br />
socieda<strong>de</strong>, não permitin<strong>do</strong> que ela evi<strong>de</strong>ncie as condições expostas e os<br />
motivos. Acredita-se que a ciência mo<strong>de</strong>rna reduz a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser, ao<br />
<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada indivíduo, <strong>de</strong>limitan<strong>do</strong>-o em conceitos<br />
pré-<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s.<br />
Um <strong>do</strong>s valores que norteiam a Justiça Restaurativa é a não <strong>do</strong>minação, <strong>de</strong><br />
acor<strong>do</strong> com Raffaella Pallamolla, que dispõe acerca <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> o procedimento<br />
estar organiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma a minimizar as diferenças e as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais,<br />
culturais e históricas, no momento <strong>do</strong> encontro entre atingi<strong>do</strong>s pelo conflito penal.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Com base na sociologia reflexiva em Bourdieu e Foucault, a pesquisa<br />
possui caráter exploratório, <strong>de</strong> abordagem qualitativa e quantitativa, com uso <strong>de</strong><br />
técnicas <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica e <strong>do</strong>cumental bem como análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong><br />
151
e <strong>do</strong> discurso, almejan<strong>do</strong> construir as relações que contribuam para as<br />
discussões <strong>do</strong> problema <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
É <strong>de</strong> suma importância ressaltar que a Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral – STF, a Ministra Carmén Lúcia, posicionou-se favorável à Justiça<br />
Restaurativa no enfretamento à violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher que <strong>de</strong><br />
acor<strong>do</strong> com ela “consiste em uma técnica que busca os anseios das vítimas e<br />
<strong>do</strong>s agressores”. O que <strong>de</strong>monstra que o judiciário está aberto a mudanças que<br />
sejam em prol <strong>do</strong> bem comum.<br />
No Brasil foi feita uma pesquisa em que reúne as experiências em relação<br />
as práticas restaurativas, <strong>de</strong>ntre as quais <strong>de</strong>staca-se o Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, Vera<br />
Regina dispõe que no Juiza<strong>do</strong> da Paz Doméstica, que recebe os conflitos<br />
familiares e <strong>do</strong>mésticos provenientes da Delegacia da Mulher, a audiência <strong>de</strong><br />
acolhimento e <strong>de</strong> verificação <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> medida protetiva (para os casos em<br />
que há pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> medida protetiva) constitui o principal momento para avaliação<br />
e seleção das situações que serão encaminhadas ao CEJUSC – Central<br />
restaurativa. Os casos seleciona<strong>do</strong>s para serem enfrenta<strong>do</strong>s por meio das<br />
práticas restaurativas são <strong>de</strong> maneira geral consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> baixa gravida<strong>de</strong> e<br />
entre pessoas com vínculos afetivos ou relações continuadas.<br />
Em Novo Hamburgo são realiza<strong>do</strong>s Círculos <strong>de</strong> Fortalecimento e <strong>de</strong><br />
Resgate da Autoestima, Círculos Conflituosos (com a participação da vítima, <strong>do</strong><br />
ofensor e <strong>do</strong>s familiares) e Grupos Reflexivos <strong>de</strong> Gênero. Durante entrevista com<br />
a juíza e a advogada que atuam no grupo focal estas <strong>de</strong>stacaram que as vítimas<br />
chegam <strong>de</strong> maneira totalmente passiva sem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reação e saem <strong>do</strong><br />
procedimento com <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> suas vidas e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir <strong>de</strong>cisões<br />
futuras.<br />
O programa <strong>de</strong> mediação vítima-infrator e justiça restaurativa <strong>de</strong> Portugal<br />
é um projeto <strong>de</strong> pesquisa e investigação <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pela Escola <strong>de</strong><br />
Criminologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto, o qual o serviço <strong>de</strong><br />
mediação era presta<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma gratuita para os participantes e para o Ministério<br />
<strong>de</strong> Justiça. De acor<strong>do</strong> com os da<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s casos<br />
152
encaminha<strong>do</strong>s referia-se a crimes contra as pessoas, apenas <strong>de</strong>z <strong>de</strong> sessenta e<br />
oito casos os envolvi<strong>do</strong>s não se conheciam anteriormente ao fato, nos <strong>de</strong>mais<br />
casos a vítima e o infrator eram vizinhos, colegas ou tinham ligações familiares,<br />
as motivações em sua maioria eram oriundas <strong>de</strong> uma longa história <strong>de</strong> conflitos.<br />
Os resulta<strong>do</strong>s foram encoraja<strong>do</strong>res visto que to<strong>do</strong>s terminaram com a retirada<br />
da queixa.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Em face da ineficácia <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo penal tradicional no que<br />
tange ao tratar da violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher, surge o mo<strong>de</strong>lo<br />
restaurativo <strong>de</strong> justiça como uma opção para a solução <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> litigio, se<br />
assim as partes <strong>de</strong>sejarem.<br />
A<strong>de</strong>mais quan<strong>do</strong> uma mulher é agredida a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral se<br />
volta a punição e o encarceramento <strong>do</strong> homem, o restaurativismo tem se<br />
mostra<strong>do</strong> uma abordagem mais a<strong>de</strong>quada para sanar os conflitos <strong>de</strong> violência<br />
contra a mulher e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m familiar. A Justiça Restaurativa se preocupa com as<br />
necessida<strong>de</strong>s das vítimas possibilitan<strong>do</strong> a estas o envolvimento com o processo<br />
e amplian<strong>do</strong> sua participação no mesmo, com um olhar humano <strong>de</strong>mocrático, as<br />
práticas restaurativas não se limitam ao direito penal tradicional para alcançar<br />
resulta<strong>do</strong>s efetivos.<br />
Ten<strong>do</strong> em vista que a exclusão social <strong>do</strong> agressor apenas alimenta a<br />
alienação social <strong>do</strong> mesmo e sustenta o ciclo <strong>de</strong> violência, conclui-se portanto<br />
que é possível aplicar a Justiça Restaurativa em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s casos <strong>de</strong><br />
violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher, contu<strong>do</strong> sen<strong>do</strong> utilizada como complemento<br />
e não como substitutiva <strong>do</strong> processo penal.<br />
Em um cenário <strong>de</strong> crescentes da<strong>do</strong>s estatísticos <strong>de</strong> violência contra a<br />
mulher, <strong>de</strong>sponta a justiça restaurativa como um mecanismo que sonda as<br />
necessida<strong>de</strong>s da vítima, mediante seus princípios, valores e técnicas, reputan<strong>do</strong><br />
como finalida<strong>de</strong> teleológica a pacificação social, além disso é por meio <strong>do</strong><br />
empo<strong>de</strong>ramento que a vítima consegue alcançar sua emancipação e superação<br />
<strong>do</strong> <strong>de</strong>lito se retiran<strong>do</strong> da estigmatização da consequência <strong>do</strong> crime.<br />
153
REFERÊNCIAS<br />
APAV – Associação Portuguesa <strong>de</strong> Apoio à Vítima (2018), “Estatísticas 2017,<br />
1º semestre.<br />
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Tradução: Kuhner, Maria Helena.<br />
7. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.<br />
BUBER, Martin. Do diálogo e <strong>do</strong> dialógico. Tradução Marta Ekstein <strong>de</strong> Souza<br />
Queiroz e Regina Weinberg. São Paulo: Perspectiva, 2009.<br />
LEAL, César Barros. Justiça Restaurativa amanhecer <strong>de</strong> uma era: aplicação<br />
em prisões e centros <strong>de</strong> internação <strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescentes infratores. Curitiba: Juruá,<br />
2014.<br />
PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. A justiça restaurativa da teoria à<br />
prática. 1ª ed. São Paulo: IBCCRIM, 2009.<br />
SANTA CATARINA. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Justiça. Relatório Analítico Propositivo. Justiça Pesquisa, <strong>Direitos</strong> e<br />
Garantias Fundamentais - PILOTANDO A JUSTIÇA RESTAURATIVA: O<br />
PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO. (2018) Florianópolis.<br />
ZEHR, Howard. Trocan<strong>do</strong> as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça.<br />
Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena, 2008.<br />
154
RESUMO<br />
A ALIENAÇÃO PARENTAL E O NOVO REGIME JURÍDICO NO<br />
CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES<br />
SOEIRO DE CARVALHO, Ana Branca<br />
Doutoramento<br />
acarvalho@estgl.ipv.pt<br />
BONITO, Álvaro<br />
Mestre<br />
abonito@estgl.ipv.pt<br />
GOMES, Jacinto<br />
Especialista<br />
jgomes@estgl.ipv.pt<br />
A Alienação Parental é, na atualida<strong>de</strong>, um <strong>do</strong>s maiores problemas relaciona<strong>do</strong>s<br />
com o direito <strong>de</strong> família. O seu novo regime jurídico visa dar orientação e solução<br />
para o caos nas relações familiares e, consequentemente, evitar que sejam<br />
postos em causa direitos fundamentais. Com este trabalho, tentámos abordar<br />
uma questão socialmente disruptiva e legalmente relevante. Tal ocorre porque<br />
se tenta articular o "interesse superior <strong>do</strong> menor" e sua coexistência na e com a<br />
estrutura familiar.<br />
Em termos meto<strong>do</strong>lógicos neste trabalho <strong>de</strong> carácter humanistico interpretativo<br />
com base qualitativa foi feita análise <strong>do</strong>cumental com base legislativa e<br />
jurispru<strong>de</strong>ncial, procuran<strong>do</strong> recolher informação sobre o que existe e <strong>do</strong> que<br />
<strong>de</strong>ve ser trata<strong>do</strong>, nessa área tão sensível da socieda<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />
Está estrutura<strong>do</strong> em 3 partes - uma introdução, uma análise conceitual e a<br />
conclusão.<br />
Desta forma, to<strong>do</strong>s os casos em que a situação familiar vai além <strong>do</strong> que é<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> “normal”, precisa <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada e regulada para não criar<br />
comportamentos <strong>de</strong>sviantes e graves, sen<strong>do</strong> exemplo disso o questionar, pelos<br />
progenitores, o <strong>de</strong>senvolvimento físico, psicológico e moral <strong>do</strong>s filhos, ou seja,<br />
quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> alguma forma os colocam em perigo ou os põem em perigo.<br />
Palavras-chaves: Alienação parental, criança, família, responsabilida<strong>de</strong>s<br />
parentais<br />
155
ABSTRACT<br />
Parental Alienation is, at present, one of the biggest problems related to family<br />
law. Its new legal framework aims to provi<strong>de</strong> guidance and a solution to the chaos<br />
in family relations and, as a consequence, to avoid fundamental rights being<br />
called into question. With this work, we have attempted to address a socially<br />
disruptive and legally relevant issue. This is because it attempts to articulate the<br />
"best interests of the minor" and their coexistence in and with the family structure.<br />
In metho<strong>do</strong>logical terms, in this work of a humanistic and interpretative nature on<br />
a qualitative basis, a <strong>do</strong>cumentary analysis was carried out with legislative and<br />
jurispru<strong>de</strong>ntial basis, seeking to collect information on what exists and what<br />
should be treated in this sensitive area of society and human rights.<br />
It is structured in 3 parts - an introduction, a conceptual analysis and the<br />
conclusion.<br />
In this way, all cases in which the family situation goes beyond what is consi<strong>de</strong>red<br />
"normal", needs to be consi<strong>de</strong>red and regulated so as not to create <strong>de</strong>viant and<br />
serious behaviors, such as the questioning of parents' physical, psychological<br />
and morality of their children, that is, when they somehow put them in danger or<br />
put them in danger.<br />
Keywords: Parental Alienation, child, family, parental responsibilities<br />
INTRODUÇÃO<br />
O direito, nas suas múltiplas áreas, tem ti<strong>do</strong> um papel relevante em termos<br />
sociais, isto porque vem a acompanhar as mutações e alterações que têm<br />
ocorri<strong>do</strong> na socieda<strong>de</strong>.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a nossa Constituição da República Portuguesa até<br />
aos novos diplomas jurídicos, o princípio da igualda<strong>de</strong> tem vin<strong>do</strong> a ser, cada vez<br />
mais, acentua<strong>do</strong> e, por isso, existe, neste momento, uma temática que urge<br />
analisar, por ser pouco tratada, em termos legislativos e jurispru<strong>de</strong>nciais.<br />
Assim, tentamos, com este trabalho, abordar um tema socialmente<br />
fraturante e juridicamente relevante porque põe em causa o “superior interesse<br />
<strong>do</strong> menor” e a sua convivência na e com a estrutura familiar.<br />
156
A nossa investigação incidirá essencialmente sobre a importância que o<br />
exercício das responsabilida<strong>de</strong>s parentais tem para a formação <strong>do</strong> menor e para<br />
a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> seu superior interesse, bem como a influência que po<strong>de</strong> ter no futuro,<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> nós à partida, quanto à guarda, um regime-regra, por vezes diferente<br />
<strong>do</strong> instituí<strong>do</strong>, por consi<strong>de</strong>rarmos ser o que melhor protege os direitos das<br />
crianças e jovens quan<strong>do</strong> os progenitores não coabitam pois é aí que é<br />
necessário regular o seu relacionamento, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parâmetros que na nossa<br />
socieda<strong>de</strong> são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s normais.<br />
Ficam <strong>de</strong> fora, por específicos, to<strong>do</strong>s os casos em que a situação familiar<br />
foge ao que é o consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> normal, como por exemplo acontece quan<strong>do</strong><br />
qualquer <strong>do</strong>s progenitores põe em causa o são <strong>de</strong>senvolvimento físico, psíquico<br />
e moral <strong>do</strong>s filhos, i.e., quan<strong>do</strong>, por alguma forma, os põe em risco ou em perigo.<br />
De referir que as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas situações exige<br />
que sejam objeto <strong>de</strong> tratamento diferencia<strong>do</strong> porque como se costuma dizer em<br />
direito, “cada caso é um caso”. Em Portugal também se tem discuti<strong>do</strong> o problema<br />
da alienação parental na <strong>do</strong>utrina. Utilizan<strong>do</strong> aqui a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> José Manuel<br />
Aguilar (2008),<br />
“O Síndrome <strong>de</strong> Alienação Parental (que passará a ser <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> por<br />
SAP) é um distúrbio caracteriza<strong>do</strong> pelo conjunto <strong>de</strong> sintomas<br />
resultantes <strong>do</strong> processo pelo qual um progenitor transforma a<br />
consciência <strong>do</strong>s seus filhos, mediante diferentes estratégias, com o<br />
objectivo <strong>de</strong> impedir, obstaculizar ou <strong>de</strong>struir os seus vínculos com o<br />
outro progenitor, até a tornar contraditória em relação ao que <strong>de</strong>via<br />
esperar-se da sua condição” [3] [4].<br />
Como se disse, apesar <strong>de</strong> não existir este crime tipifica<strong>do</strong> na lei, a verda<strong>de</strong><br />
é que a acusação <strong>de</strong> alienação parental tem si<strong>do</strong> uma arma muitas vezes usada<br />
pelos agressores para continuar a praticar os crimes que levaram a cabo durante<br />
a relação conjugal, o que leva a que se encontrem, muitas vezes, mais próximos<br />
<strong>do</strong>s ofendi<strong>do</strong>s ou, outras vezes, tu<strong>do</strong> fazen<strong>do</strong> para que a resolução <strong>do</strong>s<br />
processos se protele no tempo. Mas a conclusão que se tira sempre no final é<br />
que os prejudica<strong>do</strong>s são sempre aqueles que menos proteção têm e que são os<br />
filhos, que se veem envolvi<strong>do</strong>s nas “guerras” entre os pais, sen<strong>do</strong>, muitas vezes,<br />
leva<strong>do</strong>s a tomar parti<strong>do</strong> por um ou outro, mesmo contra a sua vonta<strong>de</strong>.<br />
Por isso, facilmente po<strong>de</strong>mos concluir que a verificação <strong>de</strong> uma situação<br />
<strong>de</strong> alienação parental apenas terá importância e <strong>de</strong>verá ser apreciada,<br />
157
principalmente quan<strong>do</strong> existe uma regulação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s parentais,<br />
porque aí será importante saber a quem se confia a guarda <strong>do</strong> menor e que<br />
competência tem esse progenitor para permitir e fomentar o contacto com o<br />
outro, sem que se <strong>de</strong>ixe influenciar pelas questões, muitas vezes mal resolvidas,<br />
entre ambos.<br />
A problemática da alienação parental surge, normalmente, quan<strong>do</strong> os<br />
progenitores se separam e fica a existir entre eles alguma animosida<strong>de</strong> que não<br />
conseguem resolver, passan<strong>do</strong>, por isso, a utilizar as crianças como “armas <strong>de</strong><br />
arremesso” com o objetivo principal <strong>de</strong> o atingir, provocan<strong>do</strong>-lhe o maior dano<br />
possível.<br />
Como dissemos, os tribunais não reconhecem a existência <strong>do</strong> conceito<br />
como sen<strong>do</strong> uma <strong>do</strong>ença, até porque a comunida<strong>de</strong> médica também não<br />
reconhece, mas aceitam que existem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s comportamentos pratica<strong>do</strong>s<br />
pelos progenitores que põem em causa o superior interesse da criança e refletem<br />
isso nas suas <strong>de</strong>cisões.<br />
Para isso os tribunais têm <strong>de</strong> trabalhar em estreita colaboração com as<br />
equipas multidisciplinares <strong>de</strong> especialistas que avaliam os intervenientes, seja<br />
um psicólogo ou um psiquiatra ou os assistentes sociais, para que a <strong>de</strong>cisão<br />
proteja a criança. Significa isto que aquela <strong>de</strong>cisão, mais <strong>do</strong> que servir para punir<br />
os progenitores, <strong>de</strong>ve ter em conta o interesse da criança e <strong>de</strong>cidir <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />
com ele.<br />
OBJETIVOS<br />
Definimos como principal objetivo <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> - compreen<strong>de</strong>r o conceito<br />
<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s parentais e sua importância nas relações familiares.<br />
A questão <strong>de</strong> partida que orientará este estu<strong>do</strong> será: De que forma a<br />
Alienação Parental explica a aplicação <strong>do</strong> novo regime jurídico ao conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
relações familiares?<br />
Como objetivos centrais <strong>do</strong> nosso trabalho, <strong>de</strong> forma a conseguirmos<br />
respon<strong>de</strong>r à questão <strong>de</strong> partida, <strong>de</strong>finimos os seguintes:<br />
1. Pereceber o que é responsabilida<strong>de</strong> parental;<br />
2. Analisar o conceito, exercício e inibição ou exclusão;<br />
158
3. Descrever a importância da implementação integrada <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres e<br />
direitos nos atos <strong>do</strong> dia a dia, nas relações familiares e em sua importância em<br />
termos legais.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Quan<strong>do</strong> o legisla<strong>do</strong>r português acolheu a <strong>de</strong>signação responsabilida<strong>de</strong>s<br />
parentais, aparentemente a<strong>de</strong>riu a esta <strong>de</strong>nominação internacionalmente<br />
a<strong>do</strong>ptada e que representa, simbolicamente, um <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> eixo <strong>do</strong><br />
conceito da vertente das faculda<strong>de</strong>s para a vertente das obrigações.<br />
Ao substituir a <strong>de</strong>signação po<strong>de</strong>r paternal pelo conceito <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s parentais muda-se o centro <strong>de</strong> atenção: ele passa a estar,<br />
não naquele que <strong>de</strong>tém o “po<strong>de</strong>r” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos<br />
direitos se querem salvaguardar, ou seja, as crianças. (Lei nº 61/2008)<br />
Face às necessida<strong>de</strong>s atuais relacionadas com o direito da família, urge<br />
analisar questões que põem em causa os direitos fundamentais.<br />
A alienação parental consiste, hoje, na tentativa <strong>de</strong> um progenitor impedir<br />
que o outro tenha contacto com a criança, pon<strong>do</strong> em causa o seu superior<br />
interesse.<br />
Essa tentativa tem um leque alarga<strong>do</strong> <strong>de</strong> atuações graves até ao expoente<br />
máximo, que é o que existe hoje, da <strong>de</strong>núncia da prática <strong>de</strong> atos hedion<strong>do</strong>s,<br />
sen<strong>do</strong> crimes públicos, <strong>de</strong> maus tratos, abuso sexual, rapto parental, que marca<br />
o outro progenitor para toda a vida.<br />
Quan<strong>do</strong> não se consegue por outra forma, acusa-se o outro progenitor,<br />
saben<strong>do</strong> que este tem <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, com base, muitas vezes, em falsos<br />
pressupostos.<br />
Verifica-se, <strong>de</strong>pois, que muitos casos são arquiva<strong>do</strong>s logo no inquérito, na<br />
primeira fase da recolha <strong>de</strong> prova, já que se verifica não existirem sequer indícios<br />
da prática <strong>de</strong> crime mas, no entanto, o “rótulo” já está lá posto (vi<strong>de</strong> Código Penal<br />
e Processual Penal).<br />
A Síndrome <strong>de</strong> Alienação Parental (SAP) não é, ainda, reconhecida como<br />
uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m pelas comunida<strong>de</strong>s médica e jurídica e a teoria <strong>de</strong> Gardner<br />
(1998), assim como pesquisas relacionadas com ela, têm si<strong>do</strong> amplamente<br />
159
criticadas por estudiosos <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, que alegam falta <strong>de</strong><br />
valida<strong>de</strong> científica e fiabilida<strong>de</strong>. No entanto, o conceito distinto, porém<br />
relaciona<strong>do</strong>, <strong>de</strong> alienação parental - isto é, o estranhamento <strong>de</strong> uma criança por<br />
um <strong>do</strong>s pais - é reconheci<strong>do</strong> como uma dinâmica em algumas famílias durante<br />
o divórcio.<br />
Gardner (1998) <strong>de</strong>screveu a SAP como uma preocupação por parte da<br />
criança com a crítica e <strong>de</strong>saprovação <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s pais, afirman<strong>do</strong> que no contexto<br />
<strong>de</strong> disputas da custódia da criança, quan<strong>do</strong> um progenitor - <strong>de</strong>liberada ou<br />
inconscientemente - tenta afastar a criança <strong>do</strong> outro, implica um conjunto <strong>de</strong> oito<br />
sintomas que aparecem na criança. Estes incluem:<br />
- Campanha <strong>de</strong> difamação e ódio contra o progenitor-alvo;<br />
- Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para justificar esta<br />
<strong>de</strong>preciação e ódio;<br />
- Falta da ambivalência usual sobre o progenitor-alvo;<br />
- Afirmações fortes <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> rejeitar o pai ou a mãe é só <strong>de</strong>la<br />
(fenómeno "pensa<strong>do</strong>r in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte");<br />
- Apoio ao progenitor favoreci<strong>do</strong> no conflito;<br />
- Falta <strong>de</strong> culpa quanto ao tratamento da<strong>do</strong> ao progenitor aliena<strong>do</strong>;<br />
- Uso <strong>de</strong> situações e frases emprestadas <strong>do</strong> pai/mãe alienantes; e<br />
- Difamação não apenas <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s progenitores, mas direcionada<br />
também para a família e os amigos <strong>do</strong>s mesmos.<br />
Apesar <strong>de</strong> frequentes citações <strong>de</strong>sses fatores na literatura científica, "o<br />
valor atribuí<strong>do</strong> a eles ainda não foi explora<strong>do</strong> com profissionais da área <strong>do</strong><br />
direito".<br />
Ao longo <strong>do</strong> século XX, o conceito <strong>de</strong> criança foi-se modifican<strong>do</strong>. A criança<br />
alcançou um estatuto <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong> que nunca atingira anteriormente. Do<br />
mesmo mo<strong>do</strong>, aprofun<strong>do</strong>u-se a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “risco” como elemento essencial que<br />
torna a criança <strong>de</strong>sigual perante <strong>de</strong>terminadas circunstâncias, necessitan<strong>do</strong> da<br />
proteção da própria socieda<strong>de</strong> em que está inserida.<br />
Neste contexto surgiram as instituições <strong>de</strong> proteção à infância, bem como<br />
um conjunto <strong>de</strong> diplomas legais, que muitas vezes não foram eficazes, com o<br />
objetivo <strong>de</strong> incluir a criança em situação <strong>de</strong> perigo na socieda<strong>de</strong>, dan<strong>do</strong>-lhe<br />
160
utilida<strong>de</strong>. Assim, a Proteção à Infância, através da criação da Lei <strong>de</strong> Proteção<br />
<strong>de</strong> Crianças e Jovens em Perigo, constituiu um contributo assinalável no<br />
contexto nacional e europeu.<br />
A Organização Tutelar <strong>de</strong> Menores começou a ser criada no Esta<strong>do</strong> Novo,<br />
em 1962, com a criação <strong>do</strong> Decreto-Lei 44288/1962, <strong>de</strong> 20/04.<br />
Todavia, será já na era <strong>do</strong> Portugal Democrático, enquadra<strong>do</strong> por<br />
princípios europeus, que a criança alcança um reconhecimento social e legal que<br />
outrora dificilmente a socieda<strong>de</strong> assumiria. A criança <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser vista como<br />
um adulto “em ponto pequeno”, para passar a ser uma criança com direitos<br />
próprios da sua ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, por isso, assim ser tratada e respeitada.<br />
Portanto, tu<strong>do</strong> aquilo que acabamos <strong>de</strong> referir encontra a sua fundação<br />
na evolução das mentalida<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>s processos históricos.<br />
O sistema instaura<strong>do</strong> pela Lei <strong>de</strong> Proteção da Infância, além <strong>do</strong> seu<br />
alargamento à escala nacional em 1925, apenas foi objeto <strong>de</strong> reforma aquan<strong>do</strong><br />
da publicação da Organização Tutelar <strong>de</strong> Menores (OTM), em 1962. Este<br />
diploma atribuiu ao Ministério Público a função <strong>de</strong> representante das crianças e<br />
jovens, competin<strong>do</strong>-lhe velar e zelar pelos seus interesses. Foram introduzidas<br />
duas formas processuais <strong>de</strong> tratamento das questões, uma relativa a matérias<br />
<strong>de</strong> natureza penal-tutelar e outra para providências <strong>de</strong> natureza tutelar cível<br />
(Abreu et al, 2010).<br />
Na década <strong>de</strong> 40, cria-se a Organização Nacional <strong>de</strong> Defesa da Família,<br />
remo<strong>de</strong>lam-se e centralizam-se os serviços <strong>de</strong> assistência, conce<strong>de</strong>-se o abono<br />
<strong>de</strong> família às famílias mais necessitadas, criam-se benefícios materno-infantis e<br />
à infância em geral, cria-se o Instituto Maternal para a Infância e constitui-se o<br />
Instituto <strong>de</strong> Assistência aos Menores, fora da área <strong>de</strong> Lisboa, já que na capital<br />
tal função cabia à Casa Pia <strong>de</strong> Lisboa (Martins, 2006).<br />
A publicação <strong>do</strong> estatuto judiciário <strong>de</strong> 1944 alterou a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong><br />
Tutoria da Infância para Tribunal <strong>de</strong> Menores e em 1977 a Lei nº 82/77, introduziu<br />
profundas alterações à organização <strong>do</strong>s Tribunais Judiciais, levan<strong>do</strong> à divisão<br />
entre Tribunais <strong>de</strong> Menores e Tribunais <strong>de</strong> Família (Tomé, 2010).<br />
Refira-se ainda que Portugal ratificou, em 16 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2003, o Protocolo<br />
facultativo à Convenção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> da Criança relativo à venda <strong>de</strong> crianças,<br />
161
prostituição e pornografia infantis e a 19 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003, o Protocolo<br />
facultativo à Convenção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> da Criança relativo ao envolvimento <strong>de</strong><br />
crianças em conflitos arma<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> que ambos os protocolos foram a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />
pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000 (Reis, 2009).<br />
Assim, o ano <strong>de</strong> 1999 traz-nos a Lei Tutelar Educativa (Lei nº 166/99, <strong>de</strong><br />
14 <strong>de</strong> setembro) e a Lei <strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Crianças e Jovens em Perigo (Lei<br />
N.º147/99, <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> setembro), regulamentada em 2000 pelo Decreto-Lei nº 332-<br />
B/2000, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />
Em 2003, através da Lei nº 31/2003, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> agosto proce<strong>de</strong>-se à<br />
alteração ao Código Civil, à Lei <strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Crianças e Jovens em Perigo, ao<br />
Decreto-Lei nº185/93, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> maio, à Organização Tutelar <strong>de</strong> Menores e ao<br />
Regime Jurídico da A<strong>do</strong>ção (Pacheco, 2010).<br />
Na sequência <strong>de</strong> uma prática <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 15 anos e quase outro tanto <strong>de</strong><br />
apelos a mudanças legislativas a esse respeito, através da Lei n.º 4/2015 <strong>de</strong> 15<br />
<strong>de</strong> janeiro, proce<strong>de</strong>u-se à primeira alteração à Lei Tutelar Educativa (Lei n.º<br />
166/99, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro), que se aplica a jovens com ida<strong>de</strong>s compreendidas<br />
entre os 12 e 16 anos que pratiquem atos que a lei qualifique como crime.<br />
Quan<strong>do</strong> o legisla<strong>do</strong>r português acolheu a <strong>de</strong>signação responsabilida<strong>de</strong>s<br />
parentais, aparentemente a<strong>de</strong>riu a esta <strong>de</strong>nominação internacionalmente<br />
a<strong>do</strong>tada e que representa, simbolicamente, um <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> eixo <strong>do</strong><br />
conceito da vertente das faculda<strong>de</strong>s para a vertente das obrigações.<br />
Ao substituir a <strong>de</strong>signação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r paternal pelo conceito <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s parentais muda-se o centro <strong>de</strong> atenção: ele passa a estar,<br />
não naquele que <strong>de</strong>tém o “po<strong>de</strong>r” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos<br />
direitos se querem salvaguardar, ou seja, as crianças. (Lei nº 61/2008).<br />
Face às necessida<strong>de</strong>s atuais relacionadas com o direito da família, urge<br />
analisar questões que põem em causa os direitos fundamentais e uma <strong>de</strong>las é o<br />
conceito, novo, <strong>de</strong> alienação parental.<br />
A alienação parental consiste, hoje, na tentativa <strong>de</strong> um progenitor impedir,<br />
por qualquer forma, que o outro tenha contacto com a criança, pon<strong>do</strong> em causa<br />
o seu superior interesse.<br />
162
Essa tentativa tem um leque alarga<strong>do</strong> <strong>de</strong> atuações e comportamentos,<br />
muitas vezes graves, até ao expoente máximo que passa pela <strong>de</strong>núncia da<br />
prática <strong>de</strong> atos hedion<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s crimes públicos, tais como violência<br />
<strong>do</strong>méstica, maus tratos, abuso sexual e rapto parental, situações que marcam o<br />
outro progenitor para toda a vida.<br />
Quan<strong>do</strong> não se consegue por outra forma, acusa-se o outro progenitor,<br />
muitas vezes, com base em falsos pressupostos, saben<strong>do</strong> que este tem <strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, o que não é nada fácil, sen<strong>do</strong> que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>,<br />
a marca fica para sempre.<br />
Acontece, <strong>de</strong>pois, que muitos <strong>do</strong>s casos são arquiva<strong>do</strong>s logo no inquérito,<br />
na primeira fase da recolha <strong>de</strong> prova, já que se verifica não existirem sequer<br />
indícios da prática <strong>de</strong> crime mas, no entanto, o “rótulo” já está lá posto (vi<strong>de</strong><br />
Código Penal e Processual Penal).<br />
A questão da regulação <strong>do</strong> exercício das responsabilida<strong>de</strong>s parentais<br />
coloca-se quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> haver coabitação entre os progenitores pois, uma vez<br />
que ambos passam a residir em habitações diferentes, é necessário saber a<br />
quem é confiada a guarda <strong>do</strong> menor, ou seja, com quem é que o menor vai<br />
passar a viver, e aqui é que surgem, muitas vezes, os gran<strong>de</strong>s problemas.<br />
Hoje, o nosso or<strong>de</strong>namento jurídico faz prevalecer o princípio da<br />
igualda<strong>de</strong> entre os progenitores, o que vale por dizer que a criança tanto po<strong>de</strong><br />
ser confiada à mãe como ao pai, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> das condições <strong>de</strong> cada um para a<br />
ter consigo, mas nem sempre foi assim.<br />
A nossa legislação sobre esta matéria tem vin<strong>do</strong> a evoluir, tal como a<br />
socieda<strong>de</strong>, e a verda<strong>de</strong> é que não há outra matéria em direito, a não ser o direito<br />
da família, que evolui, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>.<br />
No início <strong>de</strong> vigência <strong>do</strong> nosso Código Civil, que entrou em vigor em 1967,<br />
o princípio da igualda<strong>de</strong> entre os progenitores não existia, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se nessa<br />
altura que as crianças <strong>de</strong>veriam ser entregues sempre às mães, isto porque<br />
havia a atribuição <strong>de</strong> funções sociais a cada um <strong>do</strong>s progenitores.<br />
A figura <strong>do</strong> “Pai” correspondia ao titular <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r familiar, ou seja, era a<br />
ele que competia “dirigir” a família, era a ele que pertencia o “direito” <strong>de</strong> dar as<br />
163
autorizações necessárias aos filhos, isto porque era a ele quem cabia a<br />
obrigação <strong>de</strong> sustentar, economicamente, a família.<br />
A “Mãe” tinha apenas as obrigações especiais <strong>de</strong> zelar e cuidar <strong>do</strong>s filhos<br />
e da casa, sen<strong>do</strong> que o resto da gestão familiar só lhe pertencia se o pai<br />
estivesse impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> o fazer.<br />
Assim, se o pai, em caso <strong>de</strong> litígio ou <strong>de</strong> divórcio quisesse ficar com a<br />
guarda <strong>do</strong>s filhos, raramente o conseguia.<br />
Aliás, a Jurisprudência da altura era clara, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>fendia que a guarda<br />
<strong>do</strong>s menores <strong>de</strong>veria ser, por regra, sempre entregue às mães. Só<br />
excecionalmente, e se houvesse razões muito fortes, é que a criança po<strong>de</strong>ria ser<br />
confiada ao pai. A título <strong>de</strong> exemplo, po<strong>de</strong>mos verificar isso nos Acórdãos<br />
proferi<strong>do</strong>s pela Relação <strong>de</strong> Lisboa em 13 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1963 (Revista <strong>de</strong><br />
Infância e Juventu<strong>de</strong>, nº 37º, pág. 41) e em 16 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1966 (Revista <strong>de</strong><br />
Infância e Juventu<strong>de</strong>, nº 45º, p. 41). Po<strong>de</strong> dizer-se que, naquela época, para que<br />
a criança fosse confiada ao pai, seria necessário que a mãe tivesse to<strong>do</strong>s os<br />
<strong>de</strong>feitos imagináveis, cujo comportamento afetasse gravemente o menor e o pai<br />
fosse, socialmente, um exemplo a seguir, e mesmo assim, teria <strong>de</strong> ter a<br />
assistência da avó paterna.<br />
Hoje, com a evolução legislativa, e com a implementação <strong>do</strong> princípio da<br />
igualda<strong>de</strong>, esta questão já não se coloca, isto porque vemos plasma<strong>do</strong> no nosso<br />
or<strong>de</strong>namento jurídico o princípio <strong>de</strong> que as responsabilida<strong>de</strong>s parentais são<br />
exercidas em conjunto, por ambos os progenitores, ainda que a nossa lei se<br />
refira, neste ponto, às questões <strong>de</strong> “particular importância”. Quer isto dizer que,<br />
no caso <strong>de</strong> haver uma separação entre os progenitores, aquele que ficar com a<br />
guarda <strong>do</strong> menor não tem o po<strong>de</strong>r absoluto sobre ele, tem para com o outro<br />
progenitor o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> o informar sobre o mo<strong>do</strong> como exerce as<br />
responsabilida<strong>de</strong>s parentais, <strong>de</strong>signadamente sobre a sua educação e as suas<br />
condições <strong>de</strong> vida.<br />
Aqui coloca-se outra questão, muito discutida nos dias <strong>de</strong> hoje, e que se<br />
pren<strong>de</strong> com o conceito <strong>de</strong> “guarda alternada” ou “guarda partilhada” e tu<strong>do</strong> o que<br />
isso possa implicar para a criança. É importante saber se a nossa legislação,<br />
hoje prevê, ou não, tal situação.<br />
164
Quan<strong>do</strong> se fala em “guarda partilhada”, estamos a falar “grosso mo<strong>do</strong>” na<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o menor residir, alternadamente, com cada um <strong>do</strong>s<br />
progenitores, por perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tempo idênticos, (por exemplo uma semana, 15<br />
dias, um mês).<br />
Quanto a esta matéria, a nossa <strong>do</strong>utrina e jurisprudência não tem si<strong>do</strong><br />
muito apologista da aplicação <strong>de</strong>sta medida, principalmente porque, como diz<br />
Maria Clara Sottomayor:<br />
“acarreta para a criança inconvenientes graves pela instabilida<strong>de</strong> que cria<br />
nas suas condições <strong>de</strong> vida e pelas separações repetidas relativamente a cada<br />
um <strong>do</strong>s seus pais, causadas pela constante mudança <strong>de</strong> residência.”<br />
Além disso, continua a autora,<br />
“a guarda alternada compromete o equilíbrio da criança, a estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
seu quadro <strong>de</strong> vida e a continuida<strong>de</strong> e unida<strong>de</strong> da sua educação, pois não<br />
garante a colaboração <strong>do</strong>s pais no interesse da mesma, constituin<strong>do</strong> esta forma<br />
<strong>de</strong> guarda um sistema salomónico que, repartin<strong>do</strong> a criança entre ambos os pais<br />
como se <strong>de</strong> um objeto se tratasse, satisfaz os interesses <strong>do</strong>s pais, sacrifican<strong>do</strong><br />
o <strong>do</strong>s filhos.” (2011, pp. 73-107)<br />
Esta posição foi <strong>de</strong>fendida também pela nossa jurisprudência, indican<strong>do</strong>se<br />
meramente a título <strong>de</strong> exemplo, o Acórdão <strong>do</strong> Tribunal da Relação <strong>de</strong> Lisboa,<br />
proferi<strong>do</strong> em 06/02/2007, no processo nº 705/2007–7, em que foi relatora Dina<br />
Monteiro, quan<strong>do</strong> diz que “a lei não contém qualquer disposição que permita a<br />
guarda alternada sen<strong>do</strong> certo que se enten<strong>de</strong> que tal solução sempre<br />
conten<strong>de</strong>ria com os interesses da menor, impedin<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> estabelecer qual a sua<br />
casa, o seu lar e/ou o seu centro <strong>de</strong> vida.”<br />
No entanto, existem ao mesmo tempo alguns argumentos a favor da<br />
“guarda partilhada” e a nossa jurisprudência também os consagra, como<br />
po<strong>de</strong>mos ver, também a título <strong>de</strong> exemplo no Acórdão <strong>do</strong> Tribunal da Relação<br />
<strong>de</strong> Lisboa, proferi<strong>do</strong> em 14/12/2006, no processo 3456/2006 – 8, em que foi<br />
relator Bruto da Costa, quan<strong>do</strong> diz que:<br />
“em tese geral e <strong>de</strong> jure con<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ou constituen<strong>do</strong>, já concluímos há<br />
muito que o melhor regime <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r paternal é a chamada “guarda<br />
conjunta” ou “guarda alternada”.<br />
165
“Por outro la<strong>do</strong>, há que reconhecer que nesse regime é potenciada<br />
alguma instabilida<strong>de</strong> na vida da criança, da<strong>do</strong> que – e esta é a maior crítica que<br />
é feita ao regime – normalmente muda <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> 15 em 15 dias.<br />
O argumento é, quanto a nós e salvo o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> respeito por opinião<br />
contrária, razoavelmente inconsistente: é que ten<strong>do</strong> os pais separa<strong>do</strong>s, haverá<br />
sempre instabilida<strong>de</strong> na vida da criança com ou sem guarda conjunta a vida <strong>do</strong><br />
menor será sempre condicionada por esse da<strong>do</strong> básico, o afastamento <strong>do</strong>s pais;<br />
também nos aprece que a criança não andará a mudar <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> 15 em 15<br />
dias, mas passará a ter duas casas…<br />
Há muito que enten<strong>de</strong>mos que tal regime <strong>de</strong>veria ser o regime-regra<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os progenitores e respetivas famílias tivessem condições para o<br />
praticar.”<br />
Ora, perante estas duas posições, aquela que melhor se a<strong>de</strong>qua, na<br />
nossa opinião, ten<strong>do</strong> em conta o or<strong>de</strong>namento jurídico português, <strong>de</strong>verá ser a<br />
primeira, isto é, a regra <strong>de</strong>verá ser a <strong>de</strong> não haver “guarda partilhada”, sen<strong>do</strong> o<br />
contrário a exceção, ou seja, po<strong>de</strong>rá haver, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> algumas<br />
condições, que <strong>de</strong>fendam o superior interesse <strong>do</strong> menor, tais como a proposta<br />
partir <strong>de</strong> ambos os progenitores, portanto haver acor<strong>do</strong> entre eles para promover<br />
essa situação, e ter havi<strong>do</strong> já, anteriormente, um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> experiência e <strong>do</strong><br />
qual seja razoável concluir que tal situação não irá colidir com aquele superior<br />
interesse, que é o mais importante.<br />
E aqui, entramos num novo conceito que <strong>de</strong>verá estar sempre presente<br />
em qualquer tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão em que intervenham crianças – o seu superior<br />
interesse.<br />
Como se sabe, este conceito é vago e in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que<br />
não se consegue, objetivamente, <strong>de</strong>screver uma forma única <strong>de</strong> o integrar. O<br />
interesse <strong>do</strong> menor é, por isso, um conceito aberto e que terá, forçosamente, <strong>de</strong><br />
ser analisa<strong>do</strong> caso a caso, uma vez que os elementos que servem para o<br />
preencher numa <strong>de</strong>terminada situação, po<strong>de</strong>rão não ser suscetíveis <strong>de</strong> o<br />
preencher noutra, especialmente naquilo a que se refere o art. 1878º <strong>do</strong> Código<br />
Civil, quan<strong>do</strong> fala em zelar pela segurança e saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> menor, prover ao seu<br />
sustento e dirigir a sua educação.<br />
166
Por isso se diz que em função <strong>de</strong> cada caso concreto é que se <strong>de</strong>ve aferir<br />
<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> “interesse <strong>do</strong> menor”, isto porque, em direito,<br />
interesse é aquilo que convém a <strong>de</strong>terminada pessoa num da<strong>do</strong> momento. Vale<br />
isto por dizer que o interesse <strong>de</strong> uma criança, num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento po<strong>de</strong><br />
não ser o <strong>de</strong> outra, em circunstâncias idênticas.<br />
Apesar <strong>de</strong>, como se disse, não haver uma <strong>de</strong>finição concreta <strong>do</strong> conceito,<br />
nem <strong>do</strong>utrinal nem jurispru<strong>de</strong>ncialmente, sempre se po<strong>de</strong> dizer que é o direito<br />
que o menor “tem ao <strong>de</strong>senvolvimento são e normal no plano físico, intelectual,<br />
moral, espiritual e social, em condições <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e dignida<strong>de</strong>” (Rodrigues,<br />
1985, pp. 18-19).<br />
Assim, po<strong>de</strong>remos dizer que o interesse <strong>do</strong> menor, quan<strong>do</strong> se está<br />
perante uma regulação das responsabilida<strong>de</strong>s parentais, <strong>de</strong>ve ser ti<strong>do</strong> em conta<br />
no momento em que se discute a sua guarda, e é nesse momento que o conceito<br />
<strong>de</strong>ve ser analisa<strong>do</strong> e integra<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em conta a situação em que o menor se<br />
encontra, o relacionamento afetivo que tem com cada um <strong>do</strong>s progenitores e,<br />
<strong>de</strong>pois, através da análise da capacida<strong>de</strong> educativa <strong>do</strong>s pais e da<br />
disponibilida<strong>de</strong> manifestada por cada um para promover as relações normais<br />
com o outro progenitor.<br />
Prevenir implica estar atento, pois existem evidências <strong>de</strong> que muitas<br />
situações po<strong>de</strong>m estar já em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> alienação parental e não se dá conta disso,<br />
po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> estar aí em causa o próprio menor. Como esta temática é ainda pouco<br />
tratada, tentaremos no ponto seguinte fazer uma síntese <strong>de</strong>ste conceito.<br />
As situações <strong>de</strong> alienação parental surgem, normalmente, por causa da<br />
forma como a relação entre os progenitores termina, ou seja, se a sua separação<br />
envolver situações que implicam a rutura total <strong>do</strong>s contactos entre ambos, ou as<br />
causas da separação continuarem a impedir um relacionamento, por menor que<br />
seja, entre eles, a forma que mais facilmente encontram para atingir o outro é<br />
“usar” aquilo que os vai ligar durante toda a vida, vale isto por dizer, que são os<br />
filhos.<br />
Muitas vezes, nestas situações os filhos são usa<strong>do</strong>s como uma “arma <strong>de</strong><br />
arremesso” contra o outro e se pu<strong>de</strong>rem evitar esses contactos, então irão fazer<br />
tu<strong>do</strong> o que estiver ao seu alcance para o conseguir.<br />
167
Embora essa hostilida<strong>de</strong>, felizmente, nem sempre leve à alienação<br />
parental, a verda<strong>de</strong> é que é frequentemente a causa <strong>de</strong> tal alienação. Isso é<br />
muito prejudicial para as crianças, bem como para o progenitor que não tem a<br />
guarda da criança (Johnston et al., 2001, 2005). Às vezes, como se disse, os excompanheiros<br />
continuam incompatibiliza<strong>do</strong>s entre si, mas dão-se conta, ao<br />
mesmo tempo, que têm responsabilida<strong>de</strong>s para com os seus filhos e, por isso,<br />
procuram assegurar a sua participação e a obrigação <strong>de</strong> criar os seus filhos,<br />
tanto quanto possível. No entanto, quan<strong>do</strong> essa hostilida<strong>de</strong> leva ao processo <strong>de</strong><br />
alienação, temos aí um problema, e os tribunais precisam <strong>de</strong> reconhecer o<br />
problema para agir <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a situação.<br />
É aqui que os tribunais têm <strong>de</strong> trabalhar em estreita colaboração com as<br />
equipas multidisciplinares <strong>de</strong> especialistas que tratam <strong>do</strong>s casos - seja um<br />
psicólogo ou um psiquiatra ou ainda os assistentes sociais – e tentar fazer a<br />
mediação entre as partes, sempre que possível, a fim <strong>de</strong> torná-las conscientes<br />
das suas responsabilida<strong>de</strong>s básicas para com seus filhos, e principalmente um<br />
para com o outro, nesse processo (Gardner, 1998; Lowenstein, 1998 e 2008;<br />
Heiliger, 2003). Nem to<strong>do</strong>s os pais interagem e participam <strong>de</strong> bom gra<strong>do</strong> (ou nem<br />
participam, em alguns casos) no processo <strong>de</strong> mediação, o qual tem o objetivo <strong>de</strong><br />
envolver os <strong>do</strong>is progenitores e que preten<strong>de</strong> assegurar que o contacto entre as<br />
crianças e o progenitor ausente seja regular e <strong>de</strong> uma natureza positiva (Palmer,<br />
2002).<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
A meto<strong>do</strong>logia a utilizar neste estu<strong>do</strong> é <strong>de</strong> caráter qualitativo que assenta<br />
numa meto<strong>do</strong>logia humanístico-interpretativa <strong>do</strong> fenómeno a estudar.<br />
Quanto ao propósito da investigação, esta é <strong>de</strong> caráter <strong>de</strong> pesquisa<br />
aplicada pois, no estu<strong>do</strong>, o que mais importa é analisar a legislação existente<br />
sobre o Po<strong>de</strong>r Paternal e as Responsabilida<strong>de</strong>s Parentais, ten<strong>do</strong> em conta a falta<br />
<strong>de</strong> regulamentação e conhecimento em termos <strong>de</strong> legislação comunitária, <strong>de</strong><br />
forma a po<strong>de</strong>r colmatar algumas lacunas que põem em causa direitos<br />
fundamentais. Pese embora, já exista legislação que preveja a situação da<br />
alienação parental e das responsabilida<strong>de</strong>s parentais como base jurídica<br />
168
fundamental, não existe um trabalho <strong>de</strong> investigação que analise em<br />
profundida<strong>de</strong> os factos que chegam aos tribunais e são relata<strong>do</strong>s na<br />
jurisprudência.<br />
Quanto ao méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, este é um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, “é carateriza<strong>do</strong><br />
por um estu<strong>do</strong> profun<strong>do</strong> e exaustivo <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a permitir um conhecimento<br />
<strong>de</strong>talha<strong>do</strong> e amplo po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aplicar-se sobre um contexto, um indivíduo, uma<br />
família, um grupo, uma instituição ou até uma comunida<strong>de</strong>”. (Antunes, 2016, p.<br />
17). Neste caso, em especial, será um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> processos e <strong>de</strong> jurisprudência<br />
no direito da família. Procura-se através <strong>de</strong>ste méto<strong>do</strong> uma interpretação da<br />
legislação aplicada nas diferentes situações e nas diversas respostas sociais,<br />
muitas vezes questionadas.<br />
Neste estu<strong>do</strong> em particular verifica-se como técnicas: a análise<br />
<strong>do</strong>cumental, que engloba to<strong>do</strong>s os diplomas jurídicos, registos <strong>de</strong> alguns<br />
processos judiciais e jurisprudência proferida, que tenham informações <strong>de</strong> relevo<br />
para este estu<strong>do</strong>.<br />
O tratamento meto<strong>do</strong>lógico das fontes investigadas, quer <strong>do</strong>s diplomas<br />
legais e <strong>do</strong>s acórdãos jurispru<strong>de</strong>nciais, constituiu-se como um elemento<br />
importantíssimo no processo <strong>de</strong> pesquisa. O cruzamento e confronto das fontes<br />
é uma operação indispensável nesta matéria para o que a leitura hermenêutica<br />
da <strong>do</strong>cumentação constitua uma operação importante <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />
investigação, já que nos possibilita uma leitura não apenas literal das<br />
informações contidas nos <strong>do</strong>cumentos, mas uma compreensão real,<br />
contextualizada pelo cruzamento entre fontes que se complementam, em termos<br />
explicativos.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Perante a falta <strong>de</strong> diplomas legais específicos que tutelem a matéria em<br />
mérito, tivemos necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer à jurisprudência contida em alguns<br />
acórdãos <strong>do</strong>s tribunais da relação, mais propriamente:<br />
- Tribunal da Relação <strong>de</strong> Guimarães,<br />
- Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto;<br />
169
- Tribunal da Relação Lisboa (to<strong>do</strong>s os Acórdãos respectivos foram<br />
obti<strong>do</strong>s através da Base Jurídico-<strong>do</strong>cumental, conforme consta da bibliografia).<br />
Importa, por isso, fazer uma análise <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>s Acórdãos que têm<br />
vin<strong>do</strong> a ser proferi<strong>do</strong>s pelos Tribunais da Relação em que abordam, <strong>de</strong> diferentes<br />
formas, o problema da alienação parental, principalmente, quan<strong>do</strong> a questão se<br />
discute no âmbito da regulação das responsabilida<strong>de</strong>s parentais, mais<br />
concretamente quan<strong>do</strong> é necessário <strong>de</strong>cidir-se sobre a guarda <strong>do</strong> menor, ou<br />
quan<strong>do</strong> se discute a alteração <strong>do</strong> regime previamente fixa<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> a questão<br />
é levantada.<br />
170
Tabela 1 – Síntese jurispru<strong>de</strong>ncial<br />
Tribunais Matéria <strong>de</strong> facto Decisão<br />
Tribunal da Relação <strong>de</strong> Recusa da menor visitar o Cumprimento <strong>do</strong> acor<strong>do</strong><br />
Guimarães<br />
Pai – Incumprimento <strong>do</strong><br />
acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> regulação<br />
celebra<strong>do</strong> quanto ao regime<br />
<strong>de</strong> visitas<br />
Tribunal da Relação <strong>de</strong> Menor confia<strong>do</strong> à mãe, com Menor confia<strong>do</strong> ao pai, com<br />
Lisboa<br />
visitas <strong>do</strong> pai<br />
visitas da mãe<br />
Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto Menores confia<strong>do</strong>s Menores confia<strong>do</strong>s<br />
provisoriamente à mãe <strong>de</strong>finitivamente ao pai.<br />
Fonte: Elaboração própria<br />
Em primeiro lugar convém salientar que a alienação parental não é uma<br />
questão <strong>de</strong> género, ou seja, se é mais praticada pelo pai ou pela mãe, é, antes,<br />
um fenómeno familiar e, <strong>de</strong>pois, jurídico, uma vez que só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> verifica<strong>do</strong> no<br />
seio da família, em que estão envolvi<strong>do</strong>s os progenitores e os filhos, é que a<br />
questão é discutida nos Tribunais.<br />
O problema da alienação parental mais não é, como se tem vin<strong>do</strong> a dizer,<br />
<strong>do</strong> que a transformação <strong>do</strong>s problemas conjugais em problemas <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s parentais.<br />
Tabela 2 - Síntese <strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> SAP<br />
Tipo Ligeiro<br />
Ligação afetiva <strong>do</strong> filho a ambos os<br />
progenitores, apesar <strong>do</strong><br />
reconhecimento <strong>do</strong>s conflitos entre<br />
eles.<br />
Tipo<br />
Deterioração da relação afetiva<br />
Mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong><br />
filho/progenitor aliena<strong>do</strong>, com hostilida<strong>de</strong><br />
para com a família alargada.<br />
Tipo Grave Progenitor aliena<strong>do</strong> é visto como<br />
“inimigo”. Aparecem sentimentos <strong>de</strong> ódio<br />
entre progenitor e o filho.<br />
Fonte: Elaboração própria<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
171
A problemática da alienação parental surge, normalmente, quan<strong>do</strong> os<br />
progenitores se separam e fica a existir entre eles alguma animosida<strong>de</strong> que não<br />
conseguem resolver, passan<strong>do</strong>, por isso, a utilizar as crianças como “armas <strong>de</strong><br />
arremesso” com o objetivo principal <strong>de</strong> o atingir, provocan<strong>do</strong>-lhe o maior dano<br />
possível.<br />
Ten<strong>do</strong> em conta este problema que tantas vezes se discute nos nossos<br />
tribunais e perante a falta <strong>de</strong> diplomas legais específicos que tutelem esta<br />
matéria em mérito, uma vez que a alienação parental não é uma <strong>do</strong>ença, mas<br />
um fenómeno social, recorremos à jurisprudência contida em alguns acórdãos<br />
<strong>do</strong>s tribunais da relação, para percebermos <strong>de</strong> que forma esta questão está a<br />
ser tratada nos processos <strong>de</strong> regulação das responsabilida<strong>de</strong>s parentais.<br />
Verificámos com o nosso estu<strong>do</strong> que a alienação parental não é uma<br />
questão <strong>de</strong> género, ou seja, se é mais praticada pelo pai ou pela mãe, é,<br />
primeiramente, um fenómeno familiar e, <strong>de</strong>pois, jurídico, isto porque só <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> verifica<strong>do</strong> no seio da família, é que a questão é discutida nos Tribunais.<br />
Para que esta questão possa ser melhor discutida e aceite nos tribunais,<br />
passan<strong>do</strong> a fazer parte <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico, é necessário que em primeiro<br />
lugar a alienação parental seja reconhecida como uma <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />
médico legal, pois só assim se po<strong>de</strong>rá legislar mais concretamente sobre o<br />
assunto. Sem esse reconhecimento teremos <strong>de</strong> continuar a analisar os<br />
comportamentos apenas através da influência negativa que eles têm na criança,<br />
pon<strong>do</strong> em causa o seu superior interesse.<br />
Como vimos nos acórdãos analisa<strong>do</strong>s, todas as <strong>de</strong>cisões que foram<br />
tomadas, basearam-se na análise <strong>do</strong>s comportamentos <strong>do</strong> progenitor alienante<br />
e na influência que eles tiveram no <strong>de</strong>senvolvimento das crianças, o que levou a<br />
que estas tenham si<strong>do</strong> retiradas e entregues aos progenitores aliena<strong>do</strong>s,<br />
aqueles se viram priva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> contacto com os filhos.<br />
Os comportamentos <strong>do</strong>s progenitores alienantes fundavam-se em<br />
situações <strong>de</strong> difamação e <strong>de</strong> falsas acusações da prática <strong>de</strong> crimes hedion<strong>do</strong>s,<br />
tais como o <strong>de</strong> abuso sexual, num <strong>do</strong>s casos.<br />
172
Concluímos que os tribunais estão agora a lançar mão das equipas<br />
multidisciplinares <strong>de</strong> apoio, compostas por técnicos da área da saú<strong>de</strong> e da área<br />
social para <strong>de</strong>cidirem melhor sobre esta questão em especial, respeitan<strong>do</strong>, cada<br />
vez mais, o superior interesse das crianças.<br />
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Portugal (2017) – Código Civil. Reimpressão da 8ª edição. Coimbra: Edições Almedina.<br />
Portugal (2017) – Código <strong>do</strong> Processo Civil. 31ª edição. Coimbra: Edições Almedina.<br />
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174
SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO: os direitos e o acesso à justiça<br />
TORRES, Maria Adriana<br />
Professora associada da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Serviço Social e vice coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Serviço<br />
Social (Mestra<strong>do</strong> e Doutora<strong>do</strong>) da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas – UFAL, Brasil. Pós-<strong>do</strong>utoranda em <strong>Direitos</strong><br />
Sociais pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salamanca, Espanha.<br />
mariaadrianatorres@hotmail.com<br />
RESUMO<br />
Este texto <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> iniciação à pesquisa científica sobre o” Esta<strong>do</strong><br />
social x Esta<strong>do</strong> penal: reflexões sobre os direitos sociais no Brasil”, no âmbito <strong>do</strong><br />
grupo <strong>de</strong> pesquisa: “Direito, Justiça e Socieda<strong>de</strong>” da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Alagoas – UFAL. Portanto, trata-se das primeiras reflexões fruto <strong>de</strong> uma<br />
pesquisa quali-qualitativa <strong>do</strong>cumental, mediante os aportes <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> histórico<br />
e crítico-reflexivo sobre o controle das massas da socieda<strong>de</strong> contemporânea,<br />
remeten<strong>do</strong> à compreensão <strong>do</strong> contexto brasileiro. Nesse viés, a criminalização<br />
<strong>de</strong>ssas massas associa-se às condições materiais <strong>de</strong> existência humana, à falta<br />
<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s iguais para to<strong>do</strong>s, às mudanças no cenário <strong>do</strong> trabalho em<br />
meio à introdução <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> flexibilização e tecnologias e à<br />
concentração <strong>de</strong> riqueza. No Brasil, as estatísticas são alarmantes em relação<br />
à população carcerária. Essa população “disfuncional” à socieda<strong>de</strong> recebe o<br />
tratamento da política e <strong>do</strong> Judiciário, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> contê-la, especificamente os<br />
jovens homens pobres, negros e analfabetos. As mudanças na socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
trabalho, o <strong>de</strong>semprego em massa, o trabalho precário e a retração da proteção<br />
social <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> fazem emergir estratégias para o disciplinamento <strong>de</strong> frações da<br />
classe trabalha<strong>do</strong>ra. Esse tratamento social torna-se mais ostensivo nos países<br />
<strong>de</strong> economia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que não vivenciaram um Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> bem-estar social,<br />
caracteriza<strong>do</strong>s pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social que, sem oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> emprego<br />
nem a proteção social <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, alimentam a criminalida<strong>de</strong>. Essa realida<strong>de</strong> é<br />
compreendida à luz da luta pela efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos humanos e sociais, que<br />
se contrapõe à concepção tradicional da justiça criminal e, nesse contexto, se<br />
tem uma melhor análise sobre a justiça social, o sistema carcerário e os limites<br />
postos à efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses direitos para assistir à população carcerária.<br />
Palavras-chave: Cárcere; <strong>Direitos</strong>; Justiça; Brasil.<br />
175
ABSTRACT<br />
This text stems from the initiation project to the scientific research on the "Social<br />
State x Criminal State: reflections on social rights in Brazil", within the research<br />
group: "Law, Justice and Society" of the Fe<strong>de</strong>ral University of Alagoas - UFAL.<br />
Therefore, the first reflections are the result of qualitative and qualitative<br />
<strong>do</strong>cumentary research, through the contributions of the historical and criticalreflexive<br />
method on the control of the masses of contemporary society, referring<br />
to the un<strong>de</strong>rstanding of the Brazilian context. In this bias, the criminalization of<br />
these masses is associated with the material conditions of human existence, the<br />
lack of equal opportunities for all, the changes in the work scenario amid the<br />
introduction of new forms of flexibilization and technologies and the concentration<br />
of wealth. In Brazil, statistics are alarming in relation to the prison population. This<br />
"dysfunctional" population of society receives the treatment of politics and the<br />
judiciary, in the sense of containing it, specifically the poor, black and illiterate<br />
young men. The changes in the labor society, mass unemployment, precarious<br />
work, and the retraction of state social protection, have emerged strategies for<br />
the disciplining of working class fractions. This social treatment becomes more<br />
evi<strong>de</strong>nt in countries of <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt economy that have not experienced a welfare<br />
state, characterized by social inequality that, without employment opportunities<br />
or social protection of the State, feed crime. This reality is un<strong>de</strong>rstood in the light<br />
of the struggle for the effectiveness of human and social rights, which contrasts<br />
with the traditional conception of criminal justice and, in this context, has a better<br />
analysis on social justice, the prison system and the limits placed on their<br />
effectiveness. to better assist the prison population.<br />
Keywords: Prison; Rights; Justice; Brazil.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A compreensão das condições precárias <strong>do</strong> cárcere no cenário<br />
contemporâneo brasileiro, <strong>de</strong>riva das expressões da acumulação <strong>do</strong> capital,<br />
mais especificamente, da crise contemporânea <strong>do</strong> capital e suas estratégias<br />
para a retomada <strong>de</strong> lucros, que <strong>de</strong>ixam marcas acentuadas nos países <strong>de</strong><br />
capitalismo periférico como o Brasil, cuja história é marcada por fortes laços <strong>de</strong><br />
176
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social. As formas <strong>de</strong> enfrentamento <strong>de</strong>ssa crise afetam os<br />
segmentos mais vulnerabiliza<strong>do</strong>s socialmente, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao avanço <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>semprego, da violência e da criminalização <strong>do</strong>s que estão alija<strong>do</strong>s da<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bem-estar social. Assim, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema carcerário brasileiro,<br />
revela os nexos com um contexto <strong>de</strong> pouca efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos humanos e<br />
sociais e, <strong>de</strong>ssa forma, se tem a emergência <strong>do</strong> que Wacquant <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong><br />
Esta<strong>do</strong> penal, que se situa na crise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social, ou seja, na crise <strong>do</strong> capital<br />
<strong>de</strong> 1970, afetan<strong>do</strong> todas as instâncias da vida social.<br />
No Brasil, o Esta<strong>do</strong> penal se institucionalizou com bases mais perversas<br />
<strong>de</strong> coação e controle societário, todavia a prisão possui configurações<br />
societárias <strong>de</strong> classe, gênero e étnico-raciais que só po<strong>de</strong>m ser compreendidas<br />
à luz da formação sócio-histórica da realida<strong>de</strong> mundial e da sua vinculação ao<br />
capitalismo <strong>de</strong>pe<strong>de</strong>nte.<br />
Compreen<strong>de</strong>r o sistema <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>s e o tratamento social da miséria<br />
e suas refrações às parcelas <strong>do</strong> subproletaria<strong>do</strong> requer o conhecimento das<br />
relações <strong>de</strong> subordinação coloniza<strong>do</strong>ra à estrutura econômica internacional e a<br />
conexão entre a questão criminal e a questão social. Logo, remete ao<br />
entendimento <strong>de</strong> que a justiça restaurativa po<strong>de</strong> contribuir para efetivar um<br />
tratamento mais humaniza<strong>do</strong> da população carcerária, respeitan<strong>do</strong> os direitos<br />
humanos e sociais inerentes ao processo <strong>de</strong> ressocialização.<br />
OBJETIVOS<br />
Este estu<strong>do</strong> tem como propósito maior elaborar uma análise sobre o<br />
Esta<strong>do</strong> criminal brasileiro, recuperan<strong>do</strong> sua historicida<strong>de</strong> e, especificamente, sua<br />
contemporaneida<strong>de</strong> para compreen<strong>de</strong>r a criminalização <strong>de</strong> segmentos sociais<br />
na complexa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> controle e punição <strong>do</strong> cárcere. Nesse ínterim, <strong>de</strong>monstrar<br />
como a justiça, nessa esfera, se distancia da efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos humanos e<br />
sociais da população carcerária por ser fundamentada em um viés punitivo com<br />
feições <strong>de</strong> uma “segunda justiça”, que alimenta práticas punitivas, vigilantes e<br />
controla<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>s pobres em contraposição a práticas restaurativas e <strong>de</strong><br />
ressocialização.<br />
177
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classes no século XXI tornaram-se insustentáveis.<br />
A elevação da taxa <strong>de</strong> lucro e a concentração <strong>de</strong> capital elevaram as taxas <strong>de</strong><br />
subalternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parcelas significativas da população mundial, produzin<strong>do</strong> um<br />
exército <strong>de</strong> “seres <strong>de</strong>scartáveis” para o merca<strong>do</strong>. Os “in<strong>de</strong>sejáveis” para o<br />
merca<strong>do</strong> são assisti<strong>do</strong>s pela racionalida<strong>de</strong> neoliberal e encontram no Esta<strong>do</strong><br />
repressor um espaço <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação e segregação mundial.<br />
A violência e as formas <strong>de</strong> repressão ao crime têm explicação nesse<br />
contexto econômico-social que marginaliza parcela significativa da população. A<br />
crise contemporânea <strong>do</strong> capital da década <strong>de</strong> 1970 <strong>de</strong>strói a força humana que<br />
trabalha, fragiliza os direitos sociais, marginaliza segmentos populacionais<br />
vulnerabiliza<strong>do</strong>s pelo trabalho mediante o <strong>de</strong>semprego estrutural e a<br />
precarização <strong>do</strong>s postos <strong>de</strong> trabalho e ainda fragiliza os sindicatos, agudizan<strong>do</strong><br />
as condições <strong>de</strong> vida e reprodução social da classe trabalha<strong>do</strong>ra (ANTUNES,<br />
1999).<br />
A partir <strong>de</strong>sse contexto, o capital <strong>de</strong>senvolve novas tecnologias <strong>de</strong><br />
produção em um processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva com vistas a garantir os<br />
superlucros e a sua reprodução ampliada; com isso, traz novas configurações<br />
para o Esta<strong>do</strong> mediante os <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos apresenta<strong>do</strong>s pelo neoliberalismo<br />
<strong>de</strong> finais <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1980. A liberalização econômica e a retração <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
campo social evi<strong>de</strong>nciam as formas <strong>de</strong> velar os efeitos <strong>de</strong>ssas mudanças<br />
societárias e, ao mesmo tempo, impõem novas regras ao jogo <strong>de</strong> controle das<br />
massas pauperizadas.<br />
A i<strong>de</strong>ologia da segurança, em <strong>de</strong>corrência da hipertrofia <strong>do</strong> capitalismo e<br />
da crise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-providência, estabelece o reforço ao controle da socieda<strong>de</strong><br />
pelo Esta<strong>do</strong> penal. Dessa forma, o Esta<strong>do</strong> social típico <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> europeu após<br />
a Segunda Gran<strong>de</strong> Guerra Mundial, a partir da década <strong>de</strong> 1980 assume a forma<br />
<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> penal, com a função <strong>de</strong> garantir a segurança da burguesia em relação<br />
à classe “perigosa”, os que se encontram, alija<strong>do</strong>s <strong>do</strong> acesso a bens e serviços<br />
da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe. Assim, a “parte pobre <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> terminou contribuin<strong>do</strong><br />
(novamente) para financiar a construção <strong>do</strong> bem-estar social na parte rica – uma<br />
178
espécie <strong>de</strong> transfusão <strong>de</strong> sangue às avessas, <strong>de</strong> organismos <strong>de</strong>bilita<strong>do</strong>s para<br />
corpos robustos” (TRINDADE, 2011, p. 199).<br />
O Esta<strong>do</strong> penal é contextualiza<strong>do</strong> nas obras <strong>de</strong> Loic Wacquant, como: Do<br />
Esta<strong>do</strong> Providência ao Esta<strong>do</strong> Penal (1998), As prisões da miséria (1999), As<br />
duas faces <strong>do</strong> gueto (2008), Punir os pobres: o governo neoliberal <strong>de</strong><br />
insegurança social (2009). Nelas há o questionamento sobre as estratégias <strong>de</strong><br />
esvaziamento das ações <strong>de</strong> proteção social estatal no contexto neoliberal e a<br />
emergência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> penal.<br />
O Esta<strong>do</strong> penal se sobrepõe ao Esta<strong>do</strong> social, que cessou ou diminuiu<br />
gastos com programas e políticas sociais. Isto se iniciou nos governos <strong>de</strong><br />
Margaret Thatcher, na Inglaterra, e <strong>de</strong> Ronald Reagan, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s;<br />
<strong>de</strong>senvolveu-se na América <strong>do</strong> Norte, <strong>de</strong>pois na Europa e, por fim, na América<br />
Latina e em outras regiões. Há um aparato repressor policial-penal que<br />
criminaliza a miséria, ou seja, os grupos sociais marginaliza<strong>do</strong>s (WACQUANT,<br />
1999). Cria-se também, em alguns países, o que se chama <strong>de</strong> justiça<br />
restaurativa, uma forma <strong>de</strong> acessar os sujeitos <strong>do</strong> crime e suas vítimas,<br />
contrapon<strong>do</strong>-se aos ritos da justiça punitiva <strong>de</strong> base positivista.<br />
A segregação societária é eivada <strong>de</strong> estigmas construí<strong>do</strong>s pelo tempo<br />
histórico, termo utiliza<strong>do</strong> pelos gregos, como as marcas no corpo <strong>do</strong> indivíduo<br />
que o distanciava <strong>do</strong> contato social (GOFFMAN, 1993). Contemporaneamente,<br />
trata-se <strong>de</strong> um termo que caracteriza o indivíduo mau para a socieda<strong>de</strong>, que por<br />
sua vez possui uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>teriorada. O termo estigma esten<strong>de</strong>-se aos<br />
grupos pela sua condição ética e social, por isso estão predispostos a ameaçar<br />
a socieda<strong>de</strong>, à or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> capital, seus objetivos e sua reprodução. Dessa forma,<br />
o Esta<strong>do</strong> penal criminaliza os grupos sociais pela condição <strong>de</strong> classe, gênero e<br />
etnia, aprofunda os efeitos <strong>de</strong>letérios da crise <strong>do</strong> capital e produz mais<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />
Já o conceito <strong>de</strong> criminalização é explica<strong>do</strong> como o ato <strong>de</strong> imputar crime<br />
ou o ato <strong>de</strong> tomar como crime a ação ou ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s grupos sociais.<br />
Contemporaneamente, a criminalização e o estigma assumem contornos raciais<br />
e étnicos, na medida em que jovens pobres e negros e a população <strong>de</strong> rua são<br />
ti<strong>do</strong>s como perigosos para a socieda<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s ameaça para a<br />
179
proprieda<strong>de</strong> privada e para a reprodução <strong>do</strong> capital. Portanto, os países que não<br />
vivenciaram as conquistas civilizatórias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social, que têm na sua<br />
formação um lastro <strong>de</strong> segregação societária <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o perío<strong>do</strong> da sua<br />
colonização, absorvem os novos contornos da acumulação <strong>do</strong> capital em razão<br />
<strong>de</strong> sua formação sócio-histórica.<br />
Os da<strong>do</strong>s da justiça brasileira têm <strong>de</strong>mostra<strong>do</strong> que o sistema prisional<br />
possui <strong>de</strong>ficiências estruturais e funcionais, a exemplo da <strong>de</strong>mora no julgamento<br />
<strong>do</strong>s presos, da superlotação carcerária e <strong>de</strong> condições <strong>de</strong>sumanas no <strong>de</strong>correr<br />
da custódia, revelan<strong>do</strong> que o Brasil <strong>de</strong>scumpre os acor<strong>do</strong>s manti<strong>do</strong>s com as<br />
convenções e trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> direitos humanos e as leis nacionais. A<br />
lógica <strong>de</strong> construção e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sses direitos no tempo histórico<br />
remete a uma história social “com vigilante senso crítico – para não se apaixonar<br />
pelos fatos ou por seus protagonistas, nem romper com eles antes <strong>de</strong> a narrativa<br />
completar-se” (TRINDADE, 2011, p. 16).<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Mesmo com o processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização no Brasil, que culminou com<br />
a Constituição <strong>de</strong> 1988, o país não conseguiu constituir um Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito. As<br />
mais <strong>de</strong> duas décadas <strong>de</strong> ditadura militar continuam a influenciar no<br />
funcionamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e na operacionalização da política <strong>de</strong> segurança<br />
pública. Em meio à violência urbana, aos conflitos promovi<strong>do</strong>s pelo crime<br />
organiza<strong>do</strong> e às lutas agrárias, a socieda<strong>de</strong> ten<strong>de</strong> a confundir os direitos<br />
humanos com a proteção à bandidagem e a cultura política permanece<br />
influenciada pelo autoritarismo e pelas relações <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação <strong>de</strong> classe.<br />
Desenvolver um Esta<strong>do</strong> penal volta<strong>do</strong> ao controle <strong>do</strong>s miseráveis, das<br />
minorias éticas e raciais, aos <strong>de</strong>spossuí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> emprego e da assistência por<br />
meio <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social, para respon<strong>de</strong>r às crises da<br />
socieda<strong>de</strong> capitalista e, consequentemente, controlar as massas mediante a<br />
repressão da polícia e <strong>do</strong> Judiciário, equivale ao que Wacquant (1999) chama<br />
<strong>de</strong> “uma verda<strong>de</strong>ira ditadura sobre os pobres”, cujo princípio da igualda<strong>de</strong> numa<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong>veria ser o funcionamento da lei para to<strong>do</strong>s.<br />
Há elementos que revelam a lógica escravocrata ainda presente na<br />
política criminal contemporânea da socieda<strong>de</strong> brasileira. O Esta<strong>do</strong> mostra-se<br />
180
pretensamente <strong>de</strong>mocrático, todavia os direitos e as garantias fundamentais não<br />
são estendi<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Assim, para os<br />
excluí<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssas oportunida<strong>de</strong>s resta o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> exceção ou Esta<strong>do</strong> penal, no<br />
qual a lógica <strong>de</strong> punição é direcionada à população pobre e marginalizada,<br />
estigmatizada por sua condição cultural, econômica e social. Os vínculos com o<br />
<strong>de</strong>terminismo e o preconceito ainda não foram rompi<strong>do</strong>s. Prevalecem no sistema<br />
prisional brasileiro, com suas <strong>de</strong>formações e <strong>de</strong>ficiências estruturais, condições<br />
<strong>de</strong>sumanas <strong>de</strong> custódia que têm impingi<strong>do</strong> ao Brasil a marca <strong>de</strong> um país que<br />
<strong>de</strong>srespeita os direitos humanos fundamentais.<br />
Para compreen<strong>de</strong>r o sistema prisional brasileiro, recuperam-se os da<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>s relatórios <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> justiça brasileiro que evi<strong>de</strong>nciam esse Esta<strong>do</strong> penal<br />
no Brasil, o terceiro país no mun<strong>do</strong> com a maior população carcerária, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />
somente para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e a China (INFOPEN, 2017). Ao recuperar os<br />
da<strong>do</strong>s sobre o perfil da população carcerária brasileira, verifica-se que se<br />
mantêm os segmentos excluí<strong>do</strong>s da socieda<strong>de</strong> como incluí<strong>do</strong>s no sistema<br />
prisional. Tal exclusão tem configurações societárias <strong>de</strong> classe, gênero e étnicoraciais<br />
que só po<strong>de</strong>m ser compreendidas à luz da formação sócio-histórica. Os<br />
da<strong>do</strong>s da população carcerária brasileira disponibiliza<strong>do</strong>s pelo Ministério da<br />
Justiça e Segurança Pública, mediante o Levantamento Nacional <strong>de</strong><br />
Informações Penitenciárias (Infopen) foram consulta<strong>do</strong>s, sistematiza<strong>do</strong>s e<br />
analisa<strong>do</strong>s à luz da literatura apresentada anteriormente. Somam-se a isso a<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira e as particularida<strong>de</strong>s e limites da justiça no campo<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> penal remeten<strong>do</strong> à compreensão <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> é um complexo<br />
social, assim como o Esta<strong>do</strong>, os <strong>Direitos</strong> e o acesso à justiça. Em Wacquant<br />
(1999) encontram-se as explicações sobre “as prisões da miséria” da socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea; seus escritos ajudam a <strong>de</strong>svendar como funciona o Esta<strong>do</strong>penal,<br />
a quem ele serve e por que ele existe e se mantém com tamanha<br />
<strong>de</strong>senvoltura e soberania.<br />
181
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Da<strong>do</strong>s e resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s até o momento revelam que no Brasil há<br />
726.712 pessoas privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e, aproximadamente, 40% das pessoas<br />
presas no Brasil, em julho <strong>de</strong> 2016, não haviam si<strong>do</strong> julgadas e con<strong>de</strong>nadas; No<br />
total, 38% da população con<strong>de</strong>nada, cumpre pena em regime fecha<strong>do</strong>; 32% das<br />
vagas existentes <strong>de</strong>stinam-se aos presos sem con<strong>de</strong>nação; 55% da população<br />
prisional é composta por jovens com menos <strong>de</strong> 29 anos, segun<strong>do</strong> o Estatuto da<br />
juventu<strong>de</strong>; 64% da populaçõ prisional é composta por pessoas negras;17% da<br />
populção prisional, não acessou o ensino médio; (INFOPEN, 2017).<br />
A população carcerária feminina no Brasil, correspon<strong>de</strong> a 42.355<br />
mulheres privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> em 2016. Há um déficit <strong>de</strong> vagas: 15.326, isso<br />
porque nos espaços com capacida<strong>de</strong> para 10 mulheres, encontram-se<br />
custodiadas 16 mulheres. Entre 2000 e 2016 a taxa <strong>de</strong> aprisionamento <strong>de</strong><br />
mulheres aumentou em 455%; e 45% das mulheres presas não haviam si<strong>do</strong><br />
julgadas e con<strong>de</strong>nadas. Os da<strong>do</strong>s revelam que 74% das unida<strong>de</strong>s prisionais<br />
<strong>de</strong>stinam-se aos homens, a arquitetura prisional e os serviços penais não foram<br />
planeja<strong>do</strong>s para o público feminino, posteriormente adapta<strong>do</strong>s para a custodia<br />
<strong>de</strong> mulheres, portanto são incapazes <strong>de</strong> observar as especificida<strong>de</strong>s das<br />
necessida<strong>de</strong>s cotidianas <strong>do</strong>s espaços e serviços <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s às mulheres<br />
(INFOPEN, 2018). A população prisional feminina é composta por 55% <strong>de</strong> jovens<br />
18 até 29 anos; 62% constituída por mulheres negras; 66% não acessou o ensino<br />
médio, ten<strong>do</strong> concluí<strong>do</strong>, no máximo, o ensino fundamental e, apenas 15%<br />
concluiu o ensino médio; 62% cometeu crimes relaciona<strong>do</strong>s ao tráfico <strong>de</strong> drogas<br />
(I<strong>de</strong>m). Apenas 14% das unida<strong>de</strong>s femininas ou mistas contam com berçário<br />
e/ou centro <strong>de</strong> referência materno-infantil, para bebês <strong>de</strong> até 2 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e,<br />
apenas, 3% das unida<strong>de</strong>s prisionais contam com serviço <strong>de</strong> creche. Todavia,<br />
70% das mulheres privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> têm filhos em ida<strong>de</strong> escolar.<br />
Ao longo da pesquisa foi possível perceber através <strong>do</strong>s relatórios <strong>do</strong><br />
Infopen e da literatura específica sobre o tema, que o esta<strong>do</strong> das prisões<br />
brasileiras se parece com “campos <strong>de</strong> concentração” para pobres ou com<br />
“empresas públicas para <strong>de</strong>pósito <strong>do</strong>s <strong>de</strong>jetos sociais”, <strong>do</strong> que com instituições<br />
para fins <strong>de</strong> reinserção. “O sistema penitenciário brasileiro acumula com efeito<br />
182
as taras das piores jaulas <strong>do</strong> Terceiro Mun<strong>do</strong> [..] o que se traduz por condições<br />
<strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> higiene abomináveis caracterizadas pela falta <strong>de</strong> espaço, luz,<br />
alimentos [...]” (WACQUANT, 2004, p. 7)<br />
Constata-se a frágil assistência (material, jurídica, social, educacional,<br />
religiosa e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>), <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o que regulamenta a Lei <strong>de</strong> Execução<br />
Penal – LEP, <strong>de</strong> 1984. Por isso, a criminalização <strong>do</strong>s pobres, obstrução <strong>do</strong><br />
princípio da legalida<strong>de</strong> e a distribuição <strong>de</strong>sigual <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> cidadão, com<br />
configurações alicerçadas nos mecanismos <strong>de</strong> difusão das penalida<strong>de</strong>s<br />
neoliberais reforça a suposta saída: o avanço <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Penal e o recuo <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> Social.<br />
Há, portanto, a redução <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Social via efetivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
direitos sociais e humanos e endurecimento da intervenção penal. O Esta<strong>do</strong><br />
Penal: criminaliza e estigmatiza indivíduos compreendi<strong>do</strong>s como “anormais” para<br />
o convívio societário (GOFFMAN, 1993). Constatan<strong>do</strong>-se que o sistema prisional<br />
brasileiro representa a instância <strong>de</strong> punição da criminalida<strong>de</strong>, em particular <strong>de</strong><br />
segmentos vulnerabiliza<strong>do</strong>s (principalmente homens e mulheres com baixa<br />
escolarida<strong>de</strong>, em ida<strong>de</strong> produtiva para o trabalho e com precário acesso aos<br />
direitos humanos e sociais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong>ntro e fora <strong>do</strong> sistema<br />
prisional).<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
A partir <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s analisa<strong>do</strong>s, verifica-se que não é apenas a liberda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> locomoção que é tolhida para a população carcerária, mas se interditam<br />
também o acesso a outros direitos humanos fundamentais. Assim, a justiça falha<br />
para os que estão encarcera<strong>do</strong>s e o máximo que se oferece são frágeis direitos,<br />
que não dão possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se construir outro tipo <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> senão a <strong>de</strong><br />
um sistema que classifica e estigmatiza os que já são antes <strong>de</strong>sclassifica<strong>do</strong>s<br />
pela sua condição social, raça e gênero.<br />
Por isso, a justiça aparece distante <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> mostrada pelos<br />
indica<strong>do</strong>res sociais, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> as <strong>de</strong>ficiências estruturais e funcionais <strong>do</strong><br />
sistema carcerário, a exemplo da <strong>de</strong>mora no julgamento <strong>do</strong>s presos, da<br />
superlotação carcerária e <strong>de</strong> condições <strong>de</strong>sumanas no <strong>de</strong>correr da custódia,<br />
183
evelan<strong>do</strong> que o Brasil <strong>de</strong>scumpre os acor<strong>do</strong>s manti<strong>do</strong>s com as convenções e<br />
trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> direitos humanos e as leis nacionais, como o Código<br />
Penal, a Lei <strong>de</strong> Execução Penal e a Constituição <strong>de</strong> 1988 .<br />
A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong> acesso à justiça agravou a proporção<br />
mesma em que a socieda<strong>de</strong> se tornou mais complexa e os conflitos sociais<br />
tornaram-se mais acentua<strong>do</strong>s. Assim, os direitos humanos e sociais e o sistema<br />
penal não acompanharam o ritmo <strong>do</strong>s novos tempos, porque mantiveram<br />
práticas tradicionais <strong>de</strong> controle social baseadas na punição das “classes<br />
perigosas”, na contramão da política <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos<br />
(ADORNO, 2006).<br />
Há, portanto, avanços no campo <strong>de</strong>mocrático no Brasil, mas que não<br />
lograram êxito, porque não romperam com as heranças <strong>do</strong> regime autoritário,<br />
ainda, pre<strong>do</strong>minante nas prisões pelo isolamento e segregação <strong>do</strong>s<br />
sentencia<strong>do</strong>s. Dessa forma, o Brasil revela um cenário <strong>de</strong> profundas e<br />
sucessivas violações <strong>de</strong> direitos.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ADORNO, Sérgio. Políticas <strong>de</strong> Segurança e Justiça Penal (Versão). Revista<br />
Iberoamericana. Universidad <strong>de</strong> Alcalá (espanha), 2016, p. 41-49.<br />
GOFFMAN, E. Estigma: la i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong>teriorada. 5. ed. Buenos Aires:<br />
Amorrortu, 1993.<br />
WACQUANT, L. As Prisões da Miséria. Tradução <strong>de</strong> André Telles. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Jorge Zahar, 1999.<br />
TRINDADE, José Damião <strong>de</strong> Lima. História social <strong>do</strong>s direitos humanos. 3.<br />
ed. São Paulo: Peirópolis, 2011.<br />
BRASIL. Decreto-lei n o 2.848, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1940. Presidência da<br />
República, Planalto, Brasília.<br />
______. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988. Presidência<br />
da República, Planalto, Brasília.<br />
______. Lei <strong>de</strong> Execução Penal. Lei nº 7.210, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1984.<br />
Presidência da República, Planalto, Brasília.<br />
184
INFOPEN – Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional <strong>de</strong><br />
Informações Penitenciárias. Ministério da Justiça e Segurança Pública –<br />
Atualização julho <strong>de</strong> 2016. Brasília/DF, 2017.<br />
_____. Levantamento Nacional <strong>de</strong> Informações Penitenciárias – Infopen<br />
Mulheres. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Brasília/DF, 2. Ed., 2018.<br />
185
RESUMO<br />
TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS E OS RISCOS A DIREITOS<br />
FUNDAMENTAIS NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA<br />
BARBOSA, Gabriel Henrique Vieira<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
gh.barbosa@gmail.com<br />
SOUZA, Marcia Cristina Xavier <strong>de</strong><br />
Orienta<strong>do</strong>ra - Doutora<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
marciasouza@direito.ufrj.br<br />
Inteligências Artificiais geralmente evocam ficção científica ou algum gênero <strong>de</strong><br />
fantasia; no entanto, essas tecnologias já são uma realida<strong>de</strong> em nosso dia a dia,<br />
ainda que não sejam muito aparentes na rotina e já <strong>de</strong>finem diversos aspectos<br />
<strong>de</strong> nossas vidas. Totalmente distintas <strong>do</strong>s simpáticos ou maléficos robôs<br />
representa<strong>do</strong>s em filmes <strong>de</strong> Hollywood, se parecen<strong>do</strong> mais com gran<strong>de</strong>s salas<br />
<strong>de</strong> supercomputa<strong>do</strong>res programa<strong>do</strong>s com algoritmos que realizam tarefas, as<br />
chamadas IA’s, trabalham <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidin<strong>do</strong> qual o anúncio mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> que<br />
aparecerá em re<strong>de</strong>s sociais até quais as melhores estratégias processuais a<br />
serem buscadas por escritórios <strong>de</strong> advocacia.<br />
O Direito vem, cada vez mais, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> suas barreiras para essas novas<br />
tecnologias em seu exercício, realizan<strong>do</strong> tarefas até então inimagináveis, pon<strong>do</strong><br />
em perspectiva uma mudança na realida<strong>de</strong> da mão <strong>de</strong> obra na advocacia;<br />
entretanto, quan<strong>do</strong> alcançam o campo da ativida<strong>de</strong> jurisdicional estatal estes<br />
softwares colocam em xeque uma ampla gama <strong>de</strong> paradigmas e <strong>de</strong>safios ainda<br />
não analisa<strong>do</strong>s pela <strong>do</strong>utrina tradicional.<br />
Mesmo que limitadas a não proferir sentenças, o uso Inteligências Artificiais em<br />
funcionamento em tribunais superiores brasileiros como o STF (Supremo<br />
Tribunal Fe<strong>de</strong>ral) acaba por <strong>do</strong>tar esses algoritmos <strong>de</strong> uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória<br />
residual. E, a falta da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auditabilida<strong>de</strong> das mesmas ou mesmo a<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se culpabilizar a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um software fazem emergir<br />
questionamentos sobre a garantia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> Fundamentais e Princípios<br />
Processuais, lançan<strong>do</strong> sombras e dúvidas se estamos prontos para uma nova<br />
era tecnológica sem que, no processo, acabemos por ferir princípios basilares<br />
<strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito.<br />
186
Palavras-chave: Inteligência Artificial; Suprema Corte Brasileira; Direito<br />
Processual; <strong>Direitos</strong> Fundamentais; <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>.<br />
ABSTRACT<br />
Artificial Intelligence (AI) is a term that often evokes genres such as science<br />
fiction or fantasy. However, these technologies are already a reality in everyday<br />
life, <strong>de</strong>fining several aspects of our lives <strong>de</strong>spite not being very evi<strong>de</strong>nt on a daily<br />
basis. Totally distinct from the friendly or evil robots portrayed in Hollywood films,<br />
AIs resemble large supercomputer centers, programmed with task-performing<br />
algorithms. Their job ranges from <strong>de</strong>ciding which are the most appropriate social<br />
media advertisements to helping law firms find the best strategies in procedural<br />
law.<br />
The legal field has been increasingly breaking <strong>do</strong>wn barriers in or<strong>de</strong>r to insert<br />
these new technologies into its practices: often given innocent names, they are<br />
capable of completing tasks that were inconceivable up until now, putting a<br />
change in lawyers' labor force reality into perspective. Nonetheless, when it<br />
comes to jurisdictional activity, these softwares face a wi<strong>de</strong> spectrum of<br />
paradigms and challenges that have yet to be analyzed by most jurists.<br />
Regardless of not being able to ren<strong>de</strong>r a judgement, AIs have been en<strong>do</strong>wed<br />
with a residual <strong>de</strong>cision-making capacity through their algorithms after being<br />
used in higher courts, such as the Brazilian Supreme Fe<strong>de</strong>ral Court (STF). On<br />
the other hand, their lack of practical auditability, as well as the nearly impossible<br />
obstacles when it comes to holding softwares responsible for their <strong>de</strong>cisions, put<br />
fundamental rights and procedural principles into jeopardy and bring out <strong>do</strong>ubts<br />
about our ability to face a new technological age without violating fundamental<br />
principles and the rule of law throughout this process.<br />
Keywords: Artificial Intelligence; Brazilian Supreme Court; Procedure Law;<br />
Fundamental Rights; Human Rights.<br />
187
INTRODUÇÃO<br />
Tecnologias que são capazes <strong>de</strong> promover uma ruptura <strong>de</strong> pensamento<br />
e mudam o entendimento sobre <strong>de</strong>terminada prática, crian<strong>do</strong> uma nova cultura<br />
ao entorno <strong>de</strong> si que não po<strong>de</strong> ser comparada a nada anteriormente realiza<strong>do</strong><br />
são chamadas <strong>de</strong> Disruptivas. As Inteligências Artificiais construídas a partir <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>s neurais e <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> uma capacida<strong>de</strong> comumente chamada Machine<br />
Learning po<strong>de</strong>m ser classificadas <strong>de</strong>ssa maneira, uma vez que têm uma infinita<br />
e ainda muito pouco mapeada potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar tarefas antes realizadas<br />
apenas por humanos, principalmente em sua altíssima capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta<br />
a problemas até então ti<strong>do</strong>s como impossíveis <strong>de</strong> serem respondi<strong>do</strong>s<br />
computacionalmente.<br />
A revolução trazida por esse tipo <strong>de</strong> tecnologia resi<strong>de</strong> na aptidão <strong>de</strong>sses<br />
algoritmos, quan<strong>do</strong> acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> hardwares <strong>de</strong> enorme capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
processamento, <strong>de</strong> não apenas apresentarem uma resposta não programada<br />
por completo como <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r novas práticas durante o processamento <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, além <strong>de</strong> se conseguirem se condicionar a bases<br />
<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s previamente processadas como mo<strong>de</strong>lo.<br />
Tais práticas po<strong>de</strong>m parecer totalmente a<strong>de</strong>quadas ao pensamento<br />
jurídico atual e na obtenção <strong>de</strong> auxílio, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> tarefas que<br />
<strong>de</strong>safogam as <strong>de</strong>mandas processuais. Ten<strong>do</strong> em vista que esses softwares<br />
po<strong>de</strong>m realizar em segun<strong>do</strong>s uma tarefa que atualmente um assessor jurídico<br />
ou mesmo o próprio magistra<strong>do</strong> leva preciosas horas; situação que <strong>de</strong>senvolve<br />
especial significa<strong>do</strong> ao se pensar no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro e sua<br />
colossal fila processual.<br />
Neste momento os exemplos trazi<strong>do</strong>s pelos escritórios <strong>de</strong> advocacia e os<br />
impressionantes da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> rendimento e economia <strong>de</strong> tempo são sedutores. A<br />
IA Ross, <strong>de</strong>senvolvida pela IBM e já em uso no Brasil 1 , é capaz <strong>de</strong> diminuir em<br />
até 30% 2 o gasto <strong>de</strong> tempo realiza<strong>do</strong> pelos profissionais; o mesmo caso da IA<br />
1<br />
AGRELA, Lucas. Inteligência artificial da IBM já ajuda advoga<strong>do</strong>s brasileiros – Exame.<br />
Disponível em https://exame.abril.com.br/tecnologia/inteligencia-artificial-da-ibm-ja-ajudaadvoga<strong>do</strong>s-brasileiros/.<br />
Acesso em: 13. Nov. 2018<br />
2<br />
BECKER, Daniel; LAMEIRÃO, Pedro. Better call ROSS – Associação Brasileira <strong>de</strong> Lawtechs<br />
& Legaltechs. Disponível em https://www.ab2l.org.br/better-call-ross/. Acesso em 13. Nov. 2018<br />
188
Coin, <strong>de</strong>senvolvida pela JPMorgan, que, por sua vez, realiza em um ano o que<br />
um humano levaria 360 mil horas <strong>de</strong> trabalho 3 , sen<strong>do</strong> o equivalente ao trabalho<br />
anual <strong>de</strong> 202 funcionários.<br />
Os números analisa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma fria chocam e geram uma tendência <strong>de</strong><br />
aceitação pelo uso <strong>de</strong>ssas tecnologias em tribunais, contu<strong>do</strong>, há <strong>de</strong> se salientar<br />
uma diferença fundamental no uso <strong>de</strong> tais ferramentas como parte da estratégia<br />
da advocacia em relação a seu uso no Juízo: Advoga<strong>do</strong>s atuam na esfera<br />
particular tanto no que tange ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estratégias quanto nos<br />
contratos com clientes propriamente ditos, uma vez que a prática da advocacia,<br />
em geral, é meramente satisfatória. Em caso <strong>de</strong> erros ou mesmo <strong>de</strong> insatisfação<br />
<strong>do</strong> cliente, as consequências são apenas entre as partes <strong>do</strong> contrato e po<strong>de</strong>m<br />
ser sanadas <strong>de</strong> diversas formas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que o advoga<strong>do</strong> se resguarda no uso<br />
das tecnologias, sob pena <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> cliente em caso <strong>de</strong> uso indiscrimina<strong>do</strong> ou<br />
erro <strong>de</strong> software. Quan<strong>do</strong> trazidas para a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Juízo as consequências<br />
geralmente vão além <strong>do</strong> caso em questão e os erros po<strong>de</strong>m gerar mais custos<br />
ao Esta<strong>do</strong>, pon<strong>do</strong> em risco o patrimônio, a liberda<strong>de</strong> ou outros direitos<br />
fundamentais das partes envolvidas no litígio.<br />
OBJETIVOS<br />
Os objetivos <strong>do</strong> presente artigo são, inicialmente, realizar um<br />
mapeamento das funções atuais e planejadas para a Inteligência Artificiai da<br />
Suprema Corte brasileira. Isto posto, efetuar uma análise <strong>de</strong>ssas funções a partir<br />
<strong>do</strong>s princípios que regem a Teoria Geral <strong>do</strong> Processo no que tange à<br />
manutenção e efetivação <strong>do</strong>s direitos fundamentais das partes. Por fim,<br />
questionar se é possível que tais algoritmos já sejam capazes <strong>de</strong> realizar suas<br />
tarefas <strong>de</strong> maneira satisfatória resguardan<strong>do</strong> as garantias previstas na<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira ou quais são os paradigmas e <strong>de</strong>safios a serem<br />
enfrenta<strong>do</strong>s pelo direito ante a implementação <strong>de</strong>sses algoritmos no processo.<br />
3<br />
BICUDO, Lucas. Robô faz em segun<strong>do</strong>s o que <strong>de</strong>morava 360 mil horas para um advoga<strong>do</strong> –<br />
Startse. Disponível em https://startse.com/noticia/software-<strong>do</strong>-jpmorgan. Acesso em: 13. Nov.<br />
2018<br />
189
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
A teoria que norteia o funcionamento e <strong>de</strong>senvolvimento das Inteligências<br />
Artificiais, trazida por Simon Haykin (2008), sobre a forma que se comportam<br />
algoritmos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Machine Learning, sua incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auditabilida<strong>de</strong><br />
completa e <strong>de</strong> busca por <strong>de</strong>cisões padronizadas que não necessariamente<br />
seguem limites morais postos, ten<strong>do</strong> por efeito apenas uma perpetuação <strong>do</strong><br />
treinamento ou constante mudança a partir <strong>do</strong>s com o qual se alimenta o<br />
sistema, <strong>de</strong>monstra que; posto por visão principiológica <strong>de</strong> Direito Processual,<br />
conforme Fredie Didier Jr. (2017); Lênio Streck (2017); Leonar<strong>do</strong> Greco (2015)<br />
e Nelson Nery Jr. (2018) po<strong>de</strong>rá haver o surgimento <strong>de</strong> diversas lacunas e<br />
flexibilizações nas garantias e direitos fundamentais quan<strong>do</strong> no transcorrimento<br />
<strong>de</strong> processos por meio <strong>de</strong> tais gêneros <strong>de</strong> software. Esta situação po<strong>de</strong>rá ser<br />
agravada quan<strong>do</strong> seu uso estiver generaliza<strong>do</strong> na mais alta corte <strong>do</strong> Brasil, o<br />
Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que ostenta a posição <strong>de</strong> ser tribunal constitucional<br />
e, também, a última corte recursal. Aos objetivos <strong>do</strong> presente trabalho se mostra<br />
a<strong>de</strong>quada a análise da utilização da IA utilizada pelo STF, <strong>de</strong>nominada Victor,<br />
suscitan<strong>do</strong> a discussão se seria realmente a<strong>de</strong>quada a forma <strong>de</strong> instalação e<br />
uso <strong>de</strong> Inteligências Artificiais no juízo brasileiro partin<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> instâncias<br />
superiores.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
A pesquisa se realiza por meio <strong>de</strong> análise bibliográfica <strong>do</strong>utrinária sobre<br />
garantias processuais e constitucionais, bem como por estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
funcionamento e aprendizagem das IA’s atualmente empregadas em tribunais;<br />
posteriormente, o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> casos ilustrativos e consolida<strong>do</strong>s sobre o tema em<br />
conjunto com a observação <strong>do</strong> funcionamento e resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> algoritmo<br />
emprega<strong>do</strong> no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Com base em to<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s<br />
coleta<strong>do</strong>s, objetiva-se realizar um diagnóstico sobre o funcionamento à luz da<br />
<strong>do</strong>utrina jurídica atual realizan<strong>do</strong> uma comparação entre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> agir da<br />
máquina ante o procedimento que era realiza<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> sua implementação.<br />
190
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
As consequências <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> Inteligências Artificiais na atuação <strong>de</strong><br />
tribunais po<strong>de</strong>m ser entendidas em meio a exemplos estrangeiros que tornam<br />
cristalinos alguns <strong>do</strong>s riscos à direitos fundamentais que as limitações <strong>de</strong>ssa<br />
tecnologia ainda são capazes <strong>de</strong> trazer ao <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal.<br />
Nos EUA a ONG Propublica trouxe à público em 2016 4 um estu<strong>do</strong> sobre<br />
a COMPAS (Correctional Offen<strong>de</strong>r Management Profiling for Alternative<br />
Sanctions) uma Inteligência Artificial <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> Machine Learning e que tem por<br />
função traçar a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reincidência <strong>de</strong> réus em diversos Esta<strong>do</strong>s e,<br />
com ajuda <strong>de</strong>sses números, os juízes proferem sentenças. A Inteligência<br />
Artificial toma por base, entre outros, a jurisprudência, casos <strong>de</strong> reincidência e<br />
da<strong>do</strong>s sociais da região <strong>de</strong> residência <strong>do</strong> réu, para, <strong>de</strong>sta forma, traçar a chance<br />
<strong>de</strong> reincidência; entretanto, foi constata<strong>do</strong> no estu<strong>do</strong> que IA atua <strong>de</strong> maneira a<br />
ter uma avaliação mais negativa para homens negros em uma discrepância que<br />
chega ao <strong>do</strong>bro da <strong>de</strong> homens na mesma situação.<br />
Em um primeiro momento esta avaliação po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sconcertante, mas,<br />
à luz <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> funcionamento <strong>de</strong>sses algoritmos essa conclusão se torna<br />
menos surpreen<strong>de</strong>nte, uma vez que Inteligências Artificiais como a COMPAS<br />
são <strong>de</strong>senvolvidas para i<strong>de</strong>ntificar e dar uma resposta a padrões e<br />
comportamentos, as quais se inserem os preconceitos.<br />
Quan<strong>do</strong> se parte <strong>de</strong> uma base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s formada por comportamentos<br />
humanos, como a jurisprudência, certos padrões se perpetuam no tempo, no<br />
caso acima, esse padrão é o preconceito racial que assola a socieda<strong>de</strong> norte<br />
americana. Ao se ver diante <strong>de</strong>ste padrão a IA ten<strong>de</strong> a repeti-lo uma vez que<br />
numa análise <strong>de</strong> <strong>de</strong>sse gênero não se processa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação<br />
e senso crítico da máquina ou mesmo a argumentação utilizada pelos<br />
advoga<strong>do</strong>s, esses preceitos são postos <strong>de</strong> la<strong>do</strong> em troca <strong>de</strong> se formar o<br />
chama<strong>do</strong> Big Data, um banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>codifica em números os mais<br />
diversos comportamentos humanos.<br />
4<br />
LARSON, Jeff; ANGWIN, Julia; KIRCHNER, Lauren; MATTU, Surya. Machine Bias: There’s<br />
software used acorss the country to predict future criminals. And it’s biased against blacks. –<br />
ProPublica. Disponível em https://www.propublica.org/article/machine-bias-risk-assessments-incriminal-sentencing.<br />
Acesso em: 11. nov. 2018<br />
191
Ao tentar funcionar como o cérebro humano, uma IA incorre em erros<br />
humanos, no entanto, há uma diferença. Um humano po<strong>de</strong> ser culpabiliza<strong>do</strong> por<br />
seus atos, enquanto um software não po<strong>de</strong> sofrer qualquer tipo <strong>de</strong> sanção, <strong>de</strong><br />
mo<strong>do</strong> que seus erros ten<strong>de</strong>m a ter consequências ainda não mapeadas na<br />
efetivação <strong>do</strong>s direitos fundamentais das partes envolvidas.<br />
Devi<strong>do</strong> ao caso COMPAS, começa a se tornar claro que as <strong>de</strong>stacadas<br />
capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong> e <strong>de</strong> respostas “imprevisíveis” 5 por parte <strong>do</strong>s<br />
Softwares <strong>de</strong> Inteligência Artificial po<strong>de</strong>m gerar lacunas legais ou até mesmo<br />
transgredir liberda<strong>de</strong>s individuais quan<strong>do</strong> utilizadas nos tribunais.<br />
Cabe aqui ressaltar que a imprevisibilida<strong>de</strong> dita não é aquela proveniente<br />
<strong>de</strong> uma aleatorieda<strong>de</strong>, mas sim <strong>de</strong> ser uma resposta diferente <strong>de</strong> uma<br />
anteriormente dada: quan<strong>do</strong> lidamos com algoritmos comuns, a programação é<br />
no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se mapear to<strong>do</strong> e qualquer tipo <strong>de</strong> situação possível <strong>de</strong> ser<br />
resolvi<strong>do</strong> pelo programa e a partir disso ele dará uma resposta mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />
com a pensada pelo programa<strong>do</strong>r. Por exemplo, ao se apertar a tecla com o<br />
<strong>de</strong>senho “X” seu smartphone ou computa<strong>do</strong>r saberá que <strong>de</strong>ve colocar uma letra<br />
“X” no texto que o usuário está redigin<strong>do</strong>, limitan<strong>do</strong> as respostas ao número <strong>de</strong><br />
teclas <strong>do</strong> tecla<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> receber <strong>de</strong> estímulo. Todavia, um software <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
“Machine Learning” criará, assim como o cérebro humano, uma resposta a partir<br />
<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s que foram recebi<strong>do</strong>s e, através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> treinamento,<br />
<strong>de</strong>senvolverá o aprendiza<strong>do</strong> necessário para a realização da tarefa. Esta<br />
capacida<strong>de</strong> o faz capaz <strong>de</strong> escrever um texto sobre qualquer tema sem que um<br />
ser humano precise efetuar digitação relativa ao assunto a ser aborda<strong>do</strong>. Desta<br />
forma, cria-se um salto <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> entre o que seria <strong>de</strong>corrente meramente<br />
<strong>de</strong> resposta para um aprendiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> certa forma próximo ao humano, porém,<br />
em um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> tempo muito menor que a curva <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> uma<br />
inteligência natural.<br />
Como consequência <strong>de</strong>sses aspectos <strong>de</strong> funcionamento, uma Inteligência<br />
Artificial também po<strong>de</strong> trabalhar por analogia, buscan<strong>do</strong> em diversos conjuntos<br />
5<br />
FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel; WOLFKART, Erik Navarro. “Arbitrium ex machina”:<br />
panorama, riscos e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulação da <strong>de</strong>cisões informadas por algoritmos – São<br />
Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, v. 107, n. 995, p. 635-655, set. 2018.<br />
192
<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s algum tipo <strong>de</strong> semelhança e <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> uma resposta, tal qual um<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jurisprudência, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> condicionada a um padrão imposto por<br />
da<strong>do</strong>s apreendi<strong>do</strong>s anteriormente.<br />
Essas duas capacida<strong>de</strong>s em especial são as que mais geram impacto<br />
quan<strong>do</strong> trazidas para o Direito. É importante salientar que, em usos distintos <strong>do</strong><br />
jurídico, geralmente, pouco importa ao usuário final <strong>do</strong> software, o caminho<br />
percorri<strong>do</strong> e os pressupostos leva<strong>do</strong>s em consi<strong>de</strong>ração pela Inteligência<br />
Artificial, além <strong>do</strong>s conjuntos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s iniciais até uma <strong>de</strong>terminada resposta<br />
contanto que se alcancem os resulta<strong>do</strong>s almeja<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> uma IA é<br />
alimentada com uma série <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> animais, por exemplo, e é questionada<br />
quais <strong>de</strong>ssas são <strong>de</strong> gatos, pouco importa o conceito que este software <strong>de</strong>fine<br />
para o que seria um gato, ou mesmo qual seria exatamente o méto<strong>do</strong> para<br />
encontrá-lo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam gatos na resposta, e esse fosse o único objetivo,<br />
ele estaria alcança<strong>do</strong>. No pensamento jurídico, tão importantes quanto os<br />
resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s são a forma e a fundamentação utiliza<strong>do</strong>s para se chegar<br />
aquele ponto.<br />
O que po<strong>de</strong>mos nomear como o fundamento da resposta <strong>de</strong> uma<br />
Inteligência Artificial é algo irrastreável: sabe-se quais da<strong>do</strong>s são forneci<strong>do</strong>s à<br />
máquina e tem-se a informação <strong>de</strong> quais resulta<strong>do</strong>s são obti<strong>do</strong>s; mas ao se<br />
utilizar os princípios <strong>do</strong> Machine Learning em um programa, não se tem uma<br />
noção completa <strong>de</strong> como a máquina utilizou esses da<strong>do</strong>s para a obtenção <strong>do</strong>s<br />
resulta<strong>do</strong>s, o que, no caso <strong>do</strong> Direito, po<strong>de</strong> levar a violações <strong>de</strong> direitos<br />
fundamentais <strong>do</strong> ser humano.<br />
Ten<strong>do</strong> em vista a forma <strong>de</strong> funcionamento das inteligências artificiais e<br />
toman<strong>do</strong> por partida os primeiros paradigmas mapea<strong>do</strong>s ainda na fase<br />
introdutória <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, a discussão começa a tomar corpo quan<strong>do</strong> se toma<br />
conhecimento <strong>de</strong> Victor, o nome que guarda o po<strong>de</strong>roso sistema em<br />
implementação no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF) em parceria com a<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Nomeada em homenagem a Victor Nunes Leal 6 ,<br />
6<br />
//DG. Inteligência artificial vai agilizar a tramitação <strong>de</strong> processos no STF – Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral. Disponível em<br />
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu<strong>do</strong>=380038. Acesso em: 10.<br />
Nov. 2018<br />
193
Magistra<strong>do</strong> que criou e implementou as súmulas vinculantes, Victor é uma<br />
Inteligência Artificial com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar diversas tarefas <strong>do</strong> Tribunal ao<br />
mesmo tempo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> leitura e processamento <strong>de</strong> textos até análise e <strong>de</strong>scrição<br />
<strong>de</strong> imagens. Também é capaz <strong>de</strong> realizar classificações e até mesmo <strong>de</strong>finir se<br />
<strong>de</strong>terminadas peças assumem certas características esperadas para que sejam<br />
admitidas no STF, tecnicamente poupan<strong>do</strong> tempo e horas <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>s<br />
servi<strong>do</strong>res da instituição que, segun<strong>do</strong> informou a então presi<strong>de</strong>nte da casa,<br />
Ministra Carmen Lúcia, serão realoca<strong>do</strong>s para outras tarefas <strong>de</strong>ntro da<br />
organização <strong>do</strong> Tribunal.<br />
Inician<strong>do</strong> seus trabalhos no dia 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2018 7 como a primeira<br />
Inteligência Artificial a atuar diretamente em tribunais <strong>do</strong> país, Victor tem por<br />
tarefa, inicialmente, realizar o processamento; separação <strong>de</strong> inicio e fim <strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>cumentos e classificação por matéria da gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s recursos<br />
extraordinários recepciona<strong>do</strong>s pelo Tribunal (atualmente em torno <strong>de</strong> 95% <strong>do</strong>s<br />
temas são analisa<strong>do</strong>s), sem, segun<strong>do</strong> a ministra, proferir qualquer tipo <strong>de</strong><br />
sentença. No entanto, faz o juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinário,<br />
<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> se tal recurso é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> ou não <strong>de</strong> repercussão geral, ten<strong>do</strong>, portanto,<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória residual em relação a distribuição <strong>do</strong>s RE’s; além disso, é<br />
espera<strong>do</strong> pela equipe que gere o projeto que, em breve, to<strong>do</strong>s os tribunais <strong>do</strong><br />
país po<strong>de</strong>rão se usar <strong>de</strong> Victor para realizar o processamento <strong>de</strong> seus<br />
respectivos Recursos Extraordinários.<br />
A partir <strong>de</strong>stas atribuições <strong>de</strong> tarefas e ten<strong>do</strong> em vista os conceitos <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>s neurais, é possível realizar uma análise com base nos princípios<br />
processuais que são perpassa<strong>do</strong>s durante os procedimentos realiza<strong>do</strong>s por<br />
Victor e quais os riscos impostos à garantia <strong>do</strong>s direitos fundamentais diante das<br />
capacida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> software em realizar tais tarefas <strong>de</strong> maneira satisfatória.<br />
7<br />
PR/AD. Ministra Cármen Lúcia anuncia início <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> Projeto Victor, <strong>de</strong><br />
inteligência artificial – Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Disponível em<br />
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu<strong>do</strong>=388443. Acesso em: 10.<br />
out. 2018<br />
194
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Ainda não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> possível realizar to<strong>do</strong> o mapeamento <strong>de</strong> impacto <strong>do</strong><br />
uso <strong>de</strong> Victor enquanto ferramenta da Suprema Corte brasileira, foi, até o<br />
momento, chegar às seguintes conclusões e questionamentos:<br />
O primeiro direito fundamental afeta<strong>do</strong> diretamente é o <strong>de</strong> acesso à<br />
informação, já que, lastrea<strong>do</strong> pelo princípio da fundamentação judicial e da<br />
publicida<strong>de</strong>, toda e qualquer <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> juízo, mesmo que não sen<strong>do</strong> uma<br />
sentença, <strong>de</strong>veria ser tornada pública acompanhada <strong>do</strong>s fundamentos que<br />
motivaram a tomada da mesma, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> processual ou mesmo<br />
responsabilização <strong>do</strong> membro <strong>do</strong> juízo que a <strong>de</strong>terminou. Quan<strong>do</strong> recai sobre<br />
um algoritmo a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar tanto se é um caso <strong>de</strong><br />
repercussão geral quanto qual o tema que o acompanha, há nessa <strong>de</strong>cisão uma<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentação e <strong>de</strong> entendimento das motivações que levaram<br />
o algoritmo a pensar <strong>de</strong>ssa maneira para caso <strong>de</strong> um questionamento via recurso<br />
ou mesmo <strong>de</strong> validação humana <strong>do</strong> procedimento. Entretanto, como já<br />
observa<strong>do</strong>, a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auditabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão coloca em xeque essa<br />
possibilida<strong>de</strong>, inclusive geran<strong>do</strong> obstáculos para o livre exercício <strong>do</strong><br />
contraditório, pois não fornece ao impetrante material o bastante para<br />
entendimento <strong>do</strong> ato e argumentação em senti<strong>do</strong> oposto.<br />
Ao não se ser capaz <strong>de</strong> realizar a auditoria <strong>do</strong> algoritmo, atingimos um<br />
novo nível <strong>de</strong> problemática no procedimento realiza<strong>do</strong>, pois nesse momento o<br />
comportamento da IA não po<strong>de</strong> ser audita<strong>do</strong> por agir tal qual um cérebro<br />
humano, no entanto, ainda que não sejam auditáveis, humanos são<br />
culpabilizáveis. Tal característica proporciona um bom andamento <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />
processo legal uma vez que há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um recurso ou reexame da<br />
<strong>de</strong>cisão por parte <strong>do</strong> juízo, a exemplo <strong>de</strong> procedimentos com os Embargos <strong>de</strong><br />
Declaração, contu<strong>do</strong>, não há no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro qualquer tipo <strong>de</strong><br />
recurso que tenha em vista o questionamento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão que não tenha<br />
si<strong>do</strong> tomada por um ser humano e tal possibilida<strong>de</strong> evoca uma série <strong>de</strong><br />
consequências <strong>do</strong>utrinárias; seria uma Inteligência Artificial capaz <strong>de</strong> ser<br />
igualada a um ser humano a ponto <strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> recurso? Neste caso, seriam<br />
necessárias Alterações ao Artigo 5º inciso LIII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que<br />
195
<strong>de</strong>fine o princípio <strong>do</strong> Juiz Natural, para abarcar também os algoritmos?<br />
Perguntas até o momento com respostas latentes em nossa experiência jurídica.<br />
À exemplo da COMPAS, ainda recai sobre Victor uma série <strong>de</strong> dúvidas<br />
sobre como seriam suas respostas aos comportamentos da corte a partir <strong>de</strong> <strong>do</strong>is<br />
aspectos principais: 1) Como ocorreria a organicida<strong>de</strong> na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e<br />
mudança <strong>de</strong> entendimento por parte <strong>do</strong>s ministros enquanto órgão colegia<strong>do</strong> em<br />
relação com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> treinamento da Inteligência Artificial e como<br />
introduzir novos padrões a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão vinculante da corte?; 2) quais<br />
ferramentas tanto <strong>de</strong> programação quanto jurídicas capazes <strong>de</strong> evitar com que<br />
Vitor reproduza em seus diagnósticos os mesmos vícios nota<strong>do</strong>s no<br />
comportamento <strong>do</strong> Software estaduni<strong>de</strong>nse? ; questões ainda nebulosas diante<br />
da necessida<strong>de</strong> constante <strong>de</strong> busca por padrões como força motora <strong>do</strong><br />
funcionamento <strong>de</strong>sses algoritmos.<br />
REFERÊNCIAS<br />
DIDIER JR, Fredie. Curso <strong>de</strong> direito processual civil: introdução ao direito<br />
processual civil, parte geral e processo <strong>de</strong> conhecimento/Fredie Didier Jr. – 19.<br />
Ed. – Salva<strong>do</strong>r: Ed. Jus Podivm, 2017. V.1. 880p<br />
NUNES, Dierle; STRECK, Lenio Luiz; CUNHA, Leonar<strong>do</strong> Carneiro da.<br />
Comentários Ao Código De Processo Civil . 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017<br />
GRECO, Leonar<strong>do</strong>. Instituições <strong>de</strong> Processo Civil. Introdução ao Direito<br />
Processual Civil - Volume I: Volume 1. 5ª Ed. rev. e atual. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Forense, 2015.<br />
NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Código De Processo Civil<br />
Comenta<strong>do</strong>. 17ª Ed. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2018.<br />
HAYKIN, S. O. Neural Networks and Learning Machines. 3 Ed. Ontario: Prentice<br />
Hall, 2008.<br />
196
FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel; WOLFKART, Erik Navarro. “Arbitrium ex<br />
machina”: panorama, riscos e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulação da <strong>de</strong>cisões<br />
informadas por algoritmos – São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, v. 107, n. 995, p.<br />
635-655, set. 2018.<br />
197
UMA NOVA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO DE ACESSO À<br />
JUSTICA, ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E CIDADANIA<br />
RESUMO<br />
MONTEIRO, Susana Isabel da Cunha Sardinha<br />
Doutora em Direito<br />
IJP - Politécnico <strong>de</strong> Leiria<br />
susana.monteiro@ipleiria.pt<br />
CEBOLA, Cátia Sofia Marques<br />
Doutora em Direito<br />
IJP – Politécnico <strong>de</strong> Leiria<br />
catia.cebola@ipleiria.pt<br />
O direito <strong>de</strong> acesso aos Tribunais constitui um direito fundamental que encontra<br />
consagração expressa em Constituições e leis fundamentais <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>rnos<br />
Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mocráticos, bem como nos principais textos internacionais <strong>de</strong><br />
proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Destacamos, neste âmbito, o art. 6.º da<br />
Convenção Europeia <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem (CEDH). Não obstante o conteú<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>sta norma, enten<strong>de</strong>-se que po<strong>de</strong>m existir limitações ao direito <strong>de</strong> acesso aos<br />
tribunais na medida em que essas limitações sejam justificadas. O mo<strong>de</strong>lo<br />
tradicional <strong>de</strong> Administração da Justiça, assente num quase monopólio da<br />
atuação <strong>do</strong>s Tribunais, não se coaduna com o atual conceito <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito<br />
<strong>de</strong>mocrático nem com um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cidadania. Uma cidadania ativa,<br />
participativa e responsável que reclama uma maior intervenção no espaço<br />
público e, consequentemente, no acesso à Justiça. Ora, os meios extrajudiciais<br />
<strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos não terão <strong>de</strong> contrariar o art. 6.º da CEDH, mas antes<br />
afirmam-se como concretiza<strong>do</strong>res da justiça <strong>de</strong> cada caso.<br />
Palavras-chave: <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>; Acesso à Justiça; Cidadania; MARL<br />
ABSTRACT<br />
The right of access to the Courts is a fundamental right that is established in<br />
Constitutions and fundamental laws of mo<strong>de</strong>rn <strong>de</strong>mocratic states, as well as in<br />
the main international texts for the protection of Human Rights. In this specific<br />
context we highlight, art. 6 of the European Convention on Human Rights<br />
(ECHR).<br />
198
Despite the content of this legal standard, it is commonly un<strong>de</strong>rstood that there<br />
may be limitations to the right of access to the courts as far as such limitations<br />
are justified. The traditional mo<strong>de</strong>l of Administration of Justice, based on an<br />
almost exclusively Courts' jurisdiction, is not in line with the current concept of a<br />
<strong>de</strong>mocratic State of Law or even with a new mo<strong>de</strong>l of citizenship. An active,<br />
participatory and responsible citizenship that <strong>de</strong>mands greater intervention in the<br />
public sphere, including the access to justice. However, the implementation of<br />
alternative dispute resolution mechanisms <strong>do</strong>es not necessary implied a violation<br />
of the art. 6 of the ECHR, but rather stand as an a<strong>de</strong>quate mean of establishing<br />
justice in each matter.<br />
Keywords: Human rights; Access to justice; Citizenship; ADR<br />
1. O reconhecimento e a proclamação <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na Europa e<br />
no Mun<strong>do</strong>: fundamentos, princípios e evolução<br />
De origem cristã, os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> 1 são atualmente um símbolo não<br />
apenas da Europa, mas também um símbolo mundial, ou pelo menos um<br />
símbolo para o mun<strong>do</strong> oci<strong>de</strong>ntal. De tal forma que os direitos fundamentais, civis,<br />
políticos, económicos, sociais e culturais, assim como as liberda<strong>de</strong>s<br />
fundamentais que se encontram, hoje, consagradas nas Constituições da maior<br />
parte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s da comunida<strong>de</strong> internacional, bem como em diversos<br />
instrumentos jurídicos internacionais (Cartas, Convenções, Declarações, Pactos<br />
e Protocolos Internacionais) não são mais <strong>do</strong> que o reflexo das vicissitu<strong>de</strong>s e<br />
contingências da evolução histórica da humanida<strong>de</strong>. São o resulta<strong>do</strong> da luta e<br />
conquista <strong>do</strong> Homem por um conjunto <strong>de</strong> valores e princípios consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />
essenciais e básicos aos olhos <strong>do</strong>s cidadãos <strong>do</strong> século XXI. Valores e princípios<br />
1<br />
Os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> são os direitos <strong>do</strong> Homem, intemporais e váli<strong>do</strong>s para to<strong>do</strong>s os povos<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> assumin<strong>do</strong>, assim, a dimensão <strong>de</strong> direito natural. Resultam da própria essência<br />
humana, sen<strong>do</strong> portanto uma i<strong>de</strong>ia, um conceito que transcen<strong>de</strong> instituições, organizações e o<br />
próprio Esta<strong>do</strong>. Valem por si mesmos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer positivação, pelo que<br />
sem ela o Homem <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> o ser, razão pela qual quan<strong>do</strong> se fala em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong><br />
estamos perante um conceito que transcen<strong>de</strong> a relação Esta<strong>do</strong>/Individuo, assumin<strong>do</strong> foros<br />
internacionais na medida em que nos reportamos ao núcleo duro da dignida<strong>de</strong> da pessoa<br />
humana.<br />
199
como a dignida<strong>de</strong>, a liberda<strong>de</strong>, a igualda<strong>de</strong>, a solidarieda<strong>de</strong> que, por sua vez, se<br />
baseiam noutros como os da responsabilida<strong>de</strong>, da autorida<strong>de</strong> e da<br />
universalida<strong>de</strong> 2 .<br />
Mas o reconhecimento, a proclamação, a institucionalização e a difusão<br />
<strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais não se concretizaram num<br />
curto espaço <strong>de</strong> tempo, nem <strong>de</strong> forma simultânea. Foram o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />
longa luta e evolução <strong>do</strong>s homens pela liberda<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />
os seres humanos. Mais longa ainda, foi a interiorização e aceitação, pelas<br />
socieda<strong>de</strong>s politicamente organizadas, da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os direitos <strong>de</strong> alguns<br />
<strong>de</strong>viam ser os direitos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, ou seja, <strong>do</strong> princípio da universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses<br />
mesmos direitos. Para tal foi necessário ultrapassar muitos e varia<strong>do</strong>s<br />
obstáculos, impedimentos e resistências.<br />
As atrocida<strong>de</strong>s cometidas durante a II Guerra Mundial, nomeadamente o<br />
genocídio <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us, fizeram aumentar as preocupações com a<br />
salvaguarda <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> o que impôs uma atenção especial por parte<br />
da comunida<strong>de</strong> internacional, pela sua consagração e consequente proteção.<br />
A Organização das Nações Unidas (ONU) <strong>de</strong>sempenhou um<br />
importantíssimo papel na proclamação e salvaguarda <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e<br />
das liberda<strong>de</strong>s fundamentais. Neste senti<strong>do</strong> e como forma <strong>de</strong> assegurar a paz e<br />
a segurança internacional, a ONU enten<strong>de</strong>u equacionar e codificar os princípios<br />
e as regras fundamentais inerentes aos <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> aprovada<br />
pela Assembleia Geral da ONU, a 10 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1948, a Declaração<br />
Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem. Logo no Preâmbulo a Assembleia Geral<br />
consi<strong>de</strong>ra que “o <strong>de</strong>sconhecimento e o <strong>de</strong>sprezo <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem<br />
conduziram a actos <strong>de</strong> barbárie que revoltam a consciência da humanida<strong>de</strong>” e<br />
que “um mun<strong>do</strong> em que os serem humanos sejam livres <strong>de</strong> falar e <strong>de</strong> crer,<br />
libertos <strong>do</strong> terror e da miséria foi proclamada como a mais alta inspiração <strong>do</strong><br />
homem”. Proclama, ainda, a “fé nos direitos fundamentais <strong>do</strong> homem, na<br />
2<br />
Os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> são concebi<strong>do</strong>s como realida<strong>de</strong>s universais e eternas. São inerentes à<br />
natureza humana. To<strong>do</strong>s os homens têm to<strong>do</strong>s os direitos e <strong>de</strong>veres. São universais (pois<br />
dizem respeito a to<strong>do</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sua condição ou situação); são originários e<br />
inalienáveis, porque nascem com o ser humano e referem-se-lhe quase geneticamente.<br />
200
dignida<strong>de</strong> e no valor da pessoa humana, na igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos <strong>do</strong>s homens e<br />
mulheres”.<br />
Após a tomada <strong>de</strong> posição da ONU, a Europa, principal vítima das<br />
atrocida<strong>de</strong>s cometidas durante a II Guerra Mundial, procurou a sua própria via,<br />
no senti<strong>do</strong> da proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Destaca-se a atuação <strong>do</strong><br />
Conselho da Europa 3 cuja criação se encontra indissociavelmente ligada à<br />
implementação <strong>de</strong> um espaço europeu <strong>de</strong> reconhecimento, valorização e<br />
proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Sob os seus auspícios foi a<strong>do</strong>tada em Roma,<br />
em Maio <strong>de</strong> 1950, a Convenção Europeia <strong>de</strong> Salvaguarda <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong><br />
Homem e das Liberda<strong>de</strong>s Fundamentais (CEDH), que entrou em vigor a 3 <strong>de</strong><br />
Setembro <strong>de</strong> 1953. Assente numa base i<strong>de</strong>ológica comum centrada na <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, na <strong>de</strong>mocracia pluralista e no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, bem<br />
como na valorização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e diversida<strong>de</strong> da Europa, o Conselho<br />
da Europa assumiu-se como o principal fórum europeu <strong>de</strong> implementação e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong> um<br />
espaço <strong>de</strong> valorização e reconhecimento <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, que se<br />
esten<strong>de</strong>u muito para além das fronteiras geográficas da Europa 4 .<br />
Não é nosso propósito, ten<strong>do</strong> em conta o tema central da presente<br />
investigação e o espaço forçosamente restrito <strong>de</strong>ste trabalho, apresentar uma<br />
exposição exaustiva <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Limitar-nos-emos a traçar, em<br />
termos gerais, a consagração <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> acesso à justiça, no âmbito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Direito.<br />
2. O direito <strong>de</strong> acesso à justiça – da sua evolução conceptual<br />
O conceito <strong>de</strong> acesso ao direito e à justiça foi ganhan<strong>do</strong> diferentes<br />
<strong>de</strong>nsificações por influência das i<strong>de</strong>ologias políticas e sociais vigentes ao longo<br />
3<br />
O Conselho da Europa, organização <strong>de</strong> cooperação europeia, foi instituí<strong>do</strong> pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Londres, assina<strong>do</strong> em 4 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1949.<br />
4<br />
A CEDH serviu <strong>de</strong> referência para os textos <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s noutros<br />
continentes, especialmente África e América. A nível da Organização <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Americanos<br />
e da União Africana, foram a<strong>do</strong>tadas a Convenção Americana sobre os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>,<br />
assinada a 22 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1969 em São José da Costa Rica (1969) e a Carta Africana <strong>do</strong>s<br />
<strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem e <strong>do</strong>s Povos a<strong>do</strong>tada em 1981 e entrada em vigor a 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986.<br />
201
da sua evolução. Seguin<strong>do</strong> <strong>de</strong> perto o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cappelletti e Garth (1978, pp.<br />
6-7), nos Esta<strong>do</strong>s Liberais <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XVIII e <strong>do</strong> século XIX, o direito <strong>de</strong><br />
acesso à justiça era concebi<strong>do</strong> como um direito natural, não necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> suficiente que este não permitisse sua violação.<br />
Após a II Guerra Mundial, consoli<strong>do</strong>u-se uma nova tendência <strong>de</strong><br />
reconhecimento <strong>de</strong> direitos e obrigações sociais que os governos <strong>de</strong>veriam<br />
concretizar, sen<strong>do</strong> frequente a alusão ao Esta<strong>do</strong> Providência ou Welfare State.<br />
Neste contexto, o direito <strong>de</strong> acesso à justiça torna-se uma obrigação estatal que<br />
<strong>de</strong>ve ser assegura<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s os cidadãos, exigin<strong>do</strong>-se a eliminação <strong>de</strong> quaisquer<br />
barreiras que impeçam a sua realização.<br />
A promoção <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> acesso à justiça conduziu a um enorme<br />
crescimento da litigiosida<strong>de</strong> a que os tribunais judiciais não <strong>de</strong>ram a resposta<br />
necessária, em concreto pela crescente e evi<strong>de</strong>nte morosida<strong>de</strong> na resolução das<br />
<strong>de</strong>mandas colocadas pelos cidadãos (Cebola, 2013, pp. 44-48). Começa então<br />
a florescer a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, juntamente com os tribunais, <strong>de</strong>vem emergir e ser<br />
implementadas outras vias <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos. Surge, assim, uma nova<br />
tendência <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> meios alternativos aos tribunais que assume nos<br />
EUA a <strong>de</strong>signação Alternative Dispute Resolution (ADR) e que hoje tem a<strong>de</strong>são<br />
e repercussão em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />
O direito <strong>de</strong> acesso à justiça paulatinamente <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> restringir-se à<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer cidadão po<strong>de</strong>r recorrer a um tribunal judicial, para se<br />
concretizar na realização da justiça <strong>do</strong> caso concreto, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> garantir-se a<br />
efetiva igualda<strong>de</strong> das partes e a imparcialida<strong>de</strong> na administração da justiça, seja<br />
qual for a via seguida para a resolução <strong>de</strong> um conflito 5 . Verificou-se, portanto, a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> justiça, integran<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os meios<br />
legítimos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos jurídicos 6 .<br />
5<br />
Neste senti<strong>do</strong> Paula Costa e Silva afirma que “o direito <strong>de</strong> acesso ao Direito, pilar<br />
fundamental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, vem sofren<strong>do</strong> profundas transformações. Deixou <strong>de</strong> ser um<br />
direito <strong>de</strong> acesso ao Direito através <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> acesso aos tribunais para passar a ser um<br />
direito <strong>de</strong> acesso ao direito, <strong>de</strong> preferência sem contacto ou sem passagem pelos tribunais”<br />
(Silva, 2009, p. 19). Também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que os ADR estão incluí<strong>do</strong>s no conceito <strong>de</strong> acesso à<br />
justiça, veja-se Francioni, 2007, pp. 4-5.<br />
6<br />
Como refere Pedroso (2002, p.12) “O novo sistema integra<strong>do</strong> <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> litígios, <strong>de</strong>ve<br />
ter como consequência a assunção e reconhecimento pelo Esta<strong>do</strong> duma política pública <strong>de</strong><br />
202
3. Os meios extrajudiciais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos e a Convenção<br />
Europeia <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem<br />
Em termos europeus, o direito <strong>de</strong> acesso à justiça está consagra<strong>do</strong> no art.<br />
6.º, n.º 1 da CEDH. Com esta norma preten<strong>de</strong>-se garantir a to<strong>do</strong>s o direito a que<br />
um tribunal conheça e aprecie qualquer questão ou pretensão relativa a direitos<br />
e obrigações <strong>de</strong> carácter civil. Assim sen<strong>do</strong>, importa analisar a conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
art. 6.º, n.º 1 da CEDH, com a existência e implementação <strong>de</strong> meios extrajudiciais<br />
<strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos, uma vez que estes visam a solução <strong>do</strong> conflito sem<br />
recurso a um tribunal, o que, à primeira vista, parece contrariar aquela regra.<br />
Pois bem, nesta questão, o Tribunal Europeu <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem<br />
(TEDH) <strong>de</strong>clarou, em diversas ocasiões, que o direito <strong>de</strong> acesso à justiça não é<br />
absoluto, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sofrer limitações, uma vez que a sua natureza exige<br />
regulamentação por parte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, o que po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> tempo<br />
e <strong>do</strong> lugar ou <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s e recursos da comunida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s<br />
indivíduos em questão. Essas limitações não po<strong>de</strong>m, todavia, privar totalmente<br />
o indivíduo <strong>do</strong> acesso a um tribunal e, por outro la<strong>do</strong>, só serão consi<strong>de</strong>radas<br />
válidas se buscarem objetivos legítimos e forem proporcionais ao alcance<br />
<strong>de</strong>sses objetivos.<br />
Com base nessas premissas, o TEDH enten<strong>de</strong>u, por exemplo, que os<br />
Esta<strong>do</strong>s Contratantes não são obriga<strong>do</strong>s a submeter conflitos <strong>de</strong> natureza civil a<br />
procedimentos que sejam leva<strong>do</strong>s a cabo em cada um <strong>do</strong>s seus estádios <strong>de</strong><br />
resolução perante "tribunais". Assim, o TEDH consi<strong>de</strong>rou que imperativos <strong>de</strong><br />
flexibilida<strong>de</strong> e eficácia, totalmente compatíveis com a proteção <strong>do</strong>s direitos<br />
humanos, po<strong>de</strong>m justificar a intervenção prévia <strong>de</strong> órgãos administrativos ou não<br />
jurisdicionais 7 .<br />
No processo Deweer vs. Bélgica, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1980, o TEDH<br />
analisou precisamente a conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meios extrajudiciais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong><br />
conflitos com o art. 6 da CEDH, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> que cláusulas compromissórias<br />
justiça, que inclui os tribunais judiciais e o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “pluralismo jurídico e judicial”, ou seja,<br />
que reconhece também aos meios não judiciais legitimida<strong>de</strong> para dirimir conflitos”.<br />
7<br />
Veja-se, entre outras, as Sentenças <strong>do</strong> TEDH nos casos Lithgow e outros vs. Reino Uni<strong>do</strong> (8<br />
<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1986) e Philis vs. Grécia (27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1991).<br />
203
em contratos ou, no âmbito penal, o pagamento <strong>de</strong> multas acordadas pelas<br />
partes são, em princípio, soluções válidas, uma vez que revelam vantagens tanto<br />
para os cidadãos, como para a administração da justiça.<br />
A título <strong>de</strong> conclusão, enten<strong>de</strong>-se que po<strong>de</strong>m existir limitações ao direito<br />
<strong>de</strong> acesso à justiça na medida em que essas limitações sejam justificadas, pelo<br />
que os MARL não terão <strong>de</strong> contrariar o art. 6.º <strong>do</strong> TEDH.<br />
4. Em torno <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> cidadania<br />
Enten<strong>de</strong>-se por cidadania o conjunto <strong>de</strong> direitos e obrigações, civis e<br />
políticas, que ligam o indivíduo ao respetivo Esta<strong>do</strong>. Citamos Moura Ramos para<br />
quem “[a] cidadania (status civitatis <strong>do</strong>s Romanos) é o vínculo jurídico-político<br />
que, traduzin<strong>do</strong> a pertinência <strong>de</strong> um indivíduo a um Esta<strong>do</strong>, liga um indivíduo a<br />
um Esta<strong>do</strong>, o constitui perante este num particular conjunto <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong><br />
obrigações” (Ramos, 1983, p. 824-825).<br />
Este vínculo permite ao seu titular participar, direta ou indiretamente, nas<br />
<strong>de</strong>cisões soberanas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. O referi<strong>do</strong> vínculo confere-lhe três níveis <strong>de</strong><br />
direitos: primeiro, o direito que garante a igualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos perante a lei;<br />
segun<strong>do</strong>, direitos políticos, que permitem ao indivíduo participar no exercício da<br />
soberania nacional; e, terceiro, os direitos sociais que são o marco final <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento da cidadania.<br />
A cidadania não é uma abstração, mas é um conceito in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, com<br />
múltiplas facetas e em torno <strong>do</strong> qual se circunscreve o espaço cívico. O cidadão<br />
é o homem universal <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> “direitos naturais, sagra<strong>do</strong>s e inalienáveis” 8 . A<br />
cidadania permite, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a participação, direta ou indireta, no exercício <strong>do</strong><br />
po<strong>de</strong>r político. Mas é mais <strong>do</strong> que isso, pelo que reduzir a cidadania ao direito<br />
<strong>de</strong> participação política, ao direito <strong>de</strong> voto, seria <strong>de</strong>formar a dimensão<br />
fundamental sociocultural <strong>do</strong> homem enquanto ente social com múltiplas<br />
dimensões e pertenças: territoriais, comunitárias, culturais.<br />
Foi com a formação e consolidação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um<br />
po<strong>de</strong>r soberano, supremo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (sem paralelo na or<strong>de</strong>m interna, nem<br />
8<br />
Preâmbulo da DUDH.<br />
204
igual na or<strong>de</strong>m externa) que o conceito <strong>de</strong> cidadania se foi <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong>,<br />
ganhan<strong>do</strong> projeção e se aproximou <strong>do</strong> seu conceito atual. Foi-se amplian<strong>do</strong> o<br />
círculo <strong>do</strong>s beneficiários <strong>do</strong>s direitos <strong>de</strong> cidadania, na medida em que se foram<br />
reduzin<strong>do</strong> as categorias <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> participar nos assuntos políticos <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong>. A cidadania surge com as primeiras disposições legais que conferem<br />
direitos cívicos aos indivíduos e alarga-se aos direitos políticos com a<br />
implantação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mocráticos.<br />
Torna-se assim claro que a história e evolução <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> cidadania<br />
está indissociavelmente ligada à história e à evolução da <strong>de</strong>mocracia. As<br />
garantias da cidadania são a base, o fundamento, o sustentáculo <strong>de</strong> um sistema<br />
<strong>de</strong>mocrático. Relembramos as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles que <strong>de</strong>fendia ser nas<br />
<strong>de</strong>mocracias que se encontra o protótipo <strong>do</strong> cidadão. A cidadania refere-se a um<br />
conjunto <strong>de</strong> direitos, em especial aos direitos humanos e civis, e ao facto <strong>de</strong> nas<br />
<strong>de</strong>mocracias mo<strong>de</strong>rnas a soberania ter si<strong>do</strong> concebida como residin<strong>do</strong> no povo,<br />
<strong>de</strong>finida como o conjunto <strong>do</strong>s seus nacionais. Assim, não é possível a existência<br />
<strong>de</strong> uma cidadania real, sem ser no seio <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática na qual<br />
os cidadãos são os principais atores políticos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos inalienáveis à<br />
participação, proteção e providência. Estes direitos também sugerem, embora<br />
em termos menos rígi<strong>do</strong>s, direitos iguais, formalmente iguais a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />
grau <strong>de</strong> pertença da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> reconhecimento e <strong>de</strong> integração.<br />
O mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> cidadania pren<strong>de</strong>-se com o mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>mocrático. Representa a revolução da igualda<strong>de</strong> e incorpora<br />
o princípio da valorização da responsabilida<strong>de</strong> individual. Não se coaduna com<br />
a visão clássica da cidadania cívico-política, uma cidadania passiva, limitada, no<br />
seu alcance e efeitos.<br />
O mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> cidadania <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> alargamento da sua base <strong>de</strong><br />
sustentação a novos <strong>do</strong>mínios da vida social, económica, associativa, jurídica e<br />
judicial. Impõe-se, para tal, <strong>de</strong>senvolver e estimular uma cidadania prática, ativa,<br />
informada, crítica, participativa, vigilante, empenhada e responsável. Um novo<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cidadania em que se estimule e incentive a sua participação nos<br />
processos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão que, direta ou indiretamente, o afetam.<br />
205
5. Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito <strong>de</strong>mocrático, cidadania e acesso à justiça<br />
Socorremo-nos das <strong>do</strong>utas palavras <strong>de</strong> Gomes Canotilho que carateriza<br />
Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito como “(…) um Esta<strong>do</strong> ou uma forma <strong>de</strong> organização políticoestadual<br />
cuja activida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>terminada e limitada pelo direito” (Canotilho, 1999,<br />
p. 13) e que se caracteriza por um “governo <strong>de</strong> leis (e não <strong>de</strong> homens!) gerais e<br />
racionais, organização <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r segun<strong>do</strong> o princípio da divisão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res,<br />
prima<strong>do</strong> <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, garantia <strong>de</strong> tribunais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, reconhecimento <strong>de</strong><br />
direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias, pluralismo político, funcionamento <strong>do</strong> sistema<br />
organizatório estadual subordina<strong>do</strong> aos princípios da responsabilida<strong>de</strong> e <strong>do</strong><br />
controlo, exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r estadual através <strong>de</strong> instrumentos jurídicos<br />
constitucionalmente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s” (Canotilho, 1999, p. 22).<br />
Na caracterização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito e relaciona<strong>do</strong> com o objeto <strong>de</strong>ste<br />
nosso estu<strong>do</strong>, importa fazer uma menção particular aos tribunais, órgãos <strong>de</strong><br />
soberania, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, imparciais e passivos, aos quais compete, em<br />
cumprimento <strong>do</strong> princípio da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e no exercício da função<br />
jurisdicional “administrar a justiça em nome <strong>do</strong> povo” 9 . Gomes Canotilho precisa<br />
a este propósito que “[n]um Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito pertence aos tribunais, através <strong>de</strong><br />
juízes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, dizer o direito. Num Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito <strong>de</strong>mocrático cabe<br />
aos magistra<strong>do</strong>s judicias dizer o direito em nome <strong>do</strong> povo” (Canotilho, 1999, p.<br />
71).<br />
Neste mesmo senti<strong>do</strong> Bacelar <strong>de</strong> Vasconcelos sustenta ser possível <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scortinar na justiça um senti<strong>do</strong> mais técnico, com um núcleo mais restrito <strong>de</strong><br />
funções, na medida em que “(…) a justiça se ocupa <strong>de</strong> certos conflitos que os<br />
cidadãos não são capazes <strong>de</strong> resolver sozinhos e que, por isso, o Direito<br />
submeteu à <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> incontestável, imparcial e tecnicamente<br />
apetrechada: o po<strong>de</strong>r judicial”. (Vasconcelos, 1998, p. 10).<br />
Assim, no tradicional mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Administração <strong>de</strong> Justiça cabe aos<br />
tribunais o exclusivo da função jurisdicional que se traduz na “(…) activida<strong>de</strong> que<br />
o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolve, normalmente a solicitação <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s, para resolver<br />
os conflitos <strong>de</strong> interesses” (Fernan<strong>de</strong>s, 2010, p. 114).<br />
9<br />
Art. 202.º da CRP.<br />
206
Mas hoje, e cada vez menos, os cidadãos se revêm neste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
Justiça. Uma Justiça <strong>do</strong>minada por terceiros, advoga<strong>do</strong>s e juízes, assente num<br />
mo<strong>de</strong>lo impositivo e na dialética entre direitos e <strong>de</strong>veres. Um mo<strong>de</strong>lo que não<br />
integra os cidadãos, que reduz ao mínimo a sua participação, levan<strong>do</strong>-os a<br />
questionarem a respetiva legitimida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong> (<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judicial). Uma<br />
justiça que assenta na igualda<strong>de</strong> absoluta entre os cidadãos, em matérias como<br />
os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o acesso aos tribunais, mas que enferma <strong>de</strong> uma<br />
contradição <strong>de</strong> base <strong>de</strong>corrente das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso à justiça<br />
(tradicional) <strong>de</strong>terminadas pela riqueza e pelo po<strong>de</strong>r.<br />
Um mo<strong>de</strong>lo que está afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cidadãos, daquilo que é a essência da<br />
cidadania – a participação. Cidadãos que reclamam uma maior intervenção na<br />
justiça; que estan<strong>do</strong> mais conscientes <strong>do</strong>s seus direitos, reclamam o seu<br />
cumprimento (ainda que nem sempre <strong>de</strong> forma informada e esclarecida); que<br />
exigem uma justiça mais eficaz e mais próxima das suas necessida<strong>de</strong>s.<br />
A Justiça não é, e não po<strong>de</strong> ser “um <strong>de</strong>sígnio exclusivo <strong>do</strong>s tribunais. (…)<br />
A justiça é tarefa comum <strong>do</strong> parlamento, <strong>do</strong> governo, <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r local, da<br />
administração central e das polícias. Das autorida<strong>de</strong>s públicas e também <strong>do</strong>s<br />
cidadãos” (Vasconcelos, 1998, p. 9).<br />
Sustentamos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver e implementar um novo<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Administração da Justiça que, ao contrário <strong>do</strong> tradicional, não só<br />
envolva eficazmente os cidadãos, mas estimule a sua participação direta, efetiva<br />
e responsável. Um mo<strong>de</strong>lo integra<strong>do</strong> e integra<strong>do</strong>r (com os MRAL), responsável<br />
e responsabiliza<strong>do</strong>r (<strong>do</strong>s diversos intervenientes judiciais e inclusivamente <strong>do</strong>s<br />
cidadãos). Um mo<strong>de</strong>lo no seio <strong>do</strong> qual os cidadãos sejam, não só parte<br />
interessada num processo, mas participantes diretos no seu andamento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o início até ao resulta<strong>do</strong> final.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
1. O tradicional mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Administração da Justiça assente no po<strong>de</strong>r<br />
jurisdicional <strong>do</strong>s tribunais não se coaduna com um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
cidadania, ativa, participativa e responsável.<br />
207
2. Os cidadãos reclamam um maior controlo das suas vidas e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />
uma intervenção direta nos processos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que, direta<br />
ou indiretamente, os afetam.<br />
3. Num mo<strong>de</strong>rno Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>mocrático impõe-se um novo<br />
entendimento <strong>do</strong> Direito Humano <strong>de</strong> acesso à justiça que não se restrinja<br />
à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso aos tribunais judiciais, mas que se concretize<br />
na realização da justiça <strong>do</strong> caso concreto, seja através <strong>de</strong> meios judiciais<br />
ou extrajudiciais.<br />
4. Analisan<strong>do</strong> a conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong> art. 6.º, n.º 1 da CEDH, com a existência e<br />
implementação <strong>de</strong> meios extrajudiciais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos, uma vez<br />
que estes visam a solução <strong>do</strong> conflito sem recurso a um tribunal, o que, à<br />
primeira vista, parece contrariar aquela norma, conclui-se que po<strong>de</strong>m<br />
existir limitações ao direito <strong>de</strong> acesso à justiça na medida em que essas<br />
limitações sejam justificadas, pelo que os ADR não terão <strong>de</strong> contrariar o<br />
art. 6.º <strong>do</strong> TEDH.<br />
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208
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Lisboa, CasaComum.org. Disponível HTTP:<br />
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_160343 (2018-11-12).<br />
209
A COLABORAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE COMBATE EFICAZ À<br />
CORRUPÇÃO<br />
BRITTO, Nara Pinheiro Reis Ayres <strong>de</strong><br />
Advogada, Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universida<strong>de</strong> Autónoma <strong>de</strong> Lisboa (Portugal) – UAL. Bacharel em<br />
Direito pelo Centro Universitário <strong>de</strong> Brasília – UNICEUB<br />
nara.ayresbritto@gmail.com<br />
RESUMO<br />
RODRIGUES, Natuzza Pereira<br />
Advogada, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário <strong>de</strong> Brasília – UNICEUB<br />
natuzzarodrigues@gmail.com<br />
CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />
Advogada, Doutoranda, Universida<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Mar Del Plata<br />
palomagurgel_adv@hotmail.com<br />
A legislação brasileira prevê o instituto da colaboração premiada na Lei n.<br />
12.850/2013, Lei <strong>de</strong> Organização Criminosa. O objeto <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong> visa<br />
analisar o instituto da colaboração premiada no Brasil. A justificativa da<br />
relevância temática está na inclusão da colaboração premiada como um meio<br />
eficaz para o combate à corrupção. A meto<strong>do</strong>logia da pesquisa é bibliográfica,<br />
publicações físicas e virtuais, bem como <strong>de</strong> obras literárias e artigos científicos.<br />
O presente trabalho tem como objetivo aprimorar o <strong>de</strong>bate acerca <strong>do</strong> tema da<br />
colaboração premiada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a análise <strong>do</strong> seu contexto histórico até a<br />
implementação <strong>do</strong> instituto pela Lei Nacional que trata da Organização<br />
Criminosa. Nessa análise, concluímos que instituto da <strong>de</strong>lação premiada tem<br />
si<strong>do</strong> um forte instrumento nas investigações criminosas e um meio eficiente para<br />
auxiliar as autorida<strong>de</strong>s investigativas a combater os crimes <strong>de</strong> corrupção por um<br />
meio legítimo <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a combater a criminalida<strong>de</strong> e a violência organizada em<br />
todas as esferas sociais.<br />
Palavras-chave: Corrupção; Organização Criminosa; Colaboração Premiada;<br />
Brasil.<br />
ABSTRACT<br />
The Brazilian legislation provi<strong>de</strong>s for the institute of collaboration awar<strong>de</strong>d in Law<br />
n. 12,850/2013, Criminal Organization Act. The objective of the present study is<br />
to analyze the institute of the collaboration awar<strong>de</strong>d in Brazil. The justification for<br />
210
thematic relevance lies in the inclusion of award-winning collaboration as an<br />
effective means of combating corruption. The metho<strong>do</strong>logy of the research is<br />
bibliographical, physical and virtual publications, as well as of literary works and<br />
scientific articles. This paper aims to improve the <strong>de</strong>bate about the topic of the<br />
award-winning collaboration, from the analysis of its historical context to the<br />
implementation of the institute by the National Law that <strong>de</strong>als with the Criminal<br />
Organization. In this analysis, we conclu<strong>de</strong> that the prize-giving institute has been<br />
a strong tool in criminal investigations and an efficient means to assist<br />
investigating authorities to combat crimes of corruption by a legitimate means in<br />
or<strong>de</strong>r to combat organized crime and violence in all spheres social policies.<br />
Keywords: Corruption; Criminal Organization; Prize Collaboration; Brazil.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Atualmente, um <strong>do</strong>s efeitos da globalização, fenômeno que toma conta da<br />
vida humana como uma avalanche é o <strong>de</strong> tornar crimes cada vez mais<br />
complexos. Dentre eles está a corrupção, que será tratada com afinco no<br />
presente trabalho.<br />
A corrupção é um <strong>do</strong>s mais claros indícios <strong>de</strong> que a estrutura política,<br />
social e econômica <strong>de</strong> um país não vai bem. Por trás <strong>de</strong>ste crime, estão grupos<br />
<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s, com po<strong>de</strong>r e influência em suas mãos, benefician<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> suas<br />
condutas ardilosas que criam rombos significativos aos cofres públicos.<br />
Em função <strong>de</strong> tamanha complexida<strong>de</strong> que carregam os crimes <strong>de</strong><br />
corrupção na atualida<strong>de</strong>, a Justiça tem encontran<strong>do</strong> cada vez mais dificulda<strong>de</strong>s<br />
em elucidar casos como estes, tornan<strong>do</strong>-se quase impossível comprovar com<br />
exatidão a materialida<strong>de</strong> e, principalmente, a autoria <strong>de</strong>sses crimes.<br />
Diante <strong>do</strong> cenário apresenta<strong>do</strong>, qual solução po<strong>de</strong>ria ser encontrada<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico para reverter este quadro? Ou seja, que<br />
instrumentos utilizar para que haja efetivo sucesso na investigação <strong>de</strong> crimes tão<br />
complexos? Vislumbran<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar méto<strong>do</strong>s eficazes para<br />
combater e elucidar tais crimes, o legisla<strong>do</strong>r trouxe a chamada colaboração<br />
211
premiada ao or<strong>de</strong>namento jurídico, ferramenta que vem sen<strong>do</strong> amplamente<br />
utilizada no Brasil.<br />
O presente trabalho trará um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> <strong>do</strong> instituto da <strong>de</strong>lação<br />
premiada no Brasil, analisan<strong>do</strong>-se seu panorama histórico, entendimentos<br />
<strong>do</strong>utrinários, empregos em leis, aplicações a casos concretos e prejuízos que<br />
sua não aplicação po<strong>de</strong> acarretar, objetivan<strong>do</strong>-se, por fim, uma conclusão bem<br />
fundamentada acerca <strong>de</strong> sua importância como meio <strong>de</strong> combate eficaz à<br />
corrupção, à violência e ao crime organiza<strong>do</strong>.<br />
OBJETIVOS<br />
O presente estu<strong>do</strong> objetiva analisar, à luz da legislação brasileira, o<br />
instituto da colaboração premiada no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,<br />
possibilitan<strong>do</strong>, nessa análise, uma perspectiva que se enten<strong>de</strong> útil para o<br />
combate eficaz à corrupção <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />
Direito, tema que merece investigação, análise e submissão ao escrutínio<br />
acadêmico.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Tem-se registro <strong>do</strong> instituto da colaboração premiada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios<br />
bíblicos, percorren<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong> Clássica, a Ida<strong>de</strong> Média, a Era da<br />
Revolução Industrial até chegar à Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. (MENDRONI, 2007, p. 37).<br />
Em princípio, no Brasil, o instituto da colaboração premiada tem origem<br />
no acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> entre as partes, reportan<strong>do</strong>-se às chamadas Or<strong>de</strong>nações<br />
Filipinas, que se tratava <strong>de</strong> um compila<strong>do</strong> jurídico português que <strong>de</strong>u início à<br />
história jurídico-positiva <strong>do</strong> Direito brasileiro. Vigente à época <strong>do</strong> Brasil-Colônia,<br />
o cita<strong>do</strong> diploma era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> dispositivos penais altamente severos, injustos e<br />
parciais. (MENDRONI, 2007, p. 37).<br />
Na referida época, os meios investigativos não eram suficientes para uma<br />
apuração efetiva <strong>do</strong>s fatos criminosos, portanto, qualquer <strong>de</strong>núncia oferecida<br />
pela população era <strong>de</strong> singular importância. Assim, diante <strong>de</strong> tamanha escassez<br />
no âmbito probatório, “aquele que primeiro <strong>de</strong>latasse atos que <strong>de</strong>notassem crime<br />
<strong>de</strong> lesa majesta<strong>de</strong> recebia o perdão e recompensas da realeza e, no caso <strong>do</strong>s<br />
212
inconfi<strong>de</strong>ntes, ren<strong>de</strong>u ao <strong>de</strong>lator a remissão <strong>de</strong> suas dívidas pessoais”.<br />
(FERREIRA, 2009, p.80).<br />
Posteriormente, a colaboração premiada ganhou impulso e se mostrou<br />
indispensável na aplicação e resolução <strong>de</strong> diversos casos <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong>. Dentre eles, alguns movimentos histórico-políticos que marcaram o<br />
Brasil, como: a Inconfidência Mineira, em 1798, em que o conjura<strong>do</strong> Coronel<br />
Joaquim Silvério <strong>do</strong>s Reis <strong>de</strong>latou seus companheiros, obten<strong>do</strong> em troca o<br />
perdão <strong>de</strong> suas dívidas; e a Conjuração Baiana, em 1798, em que, da mesma<br />
forma, em troca <strong>de</strong> vantagens, um capitão <strong>de</strong>latou seu solda<strong>do</strong>, culminan<strong>do</strong> na<br />
morte <strong>de</strong>ste. (REIS, 2005, p. 52).<br />
Mais recentemente, durante o Golpe Militar <strong>de</strong> 1964, não raro ocorria a<br />
<strong>de</strong>lação <strong>de</strong> relevantes personalida<strong>de</strong>s da política brasileira, com o fito ordinário<br />
<strong>de</strong> safar-se <strong>de</strong> uma prisão ou tortura.<br />
Quase 400 anos <strong>de</strong>pois das Or<strong>de</strong>nações Filipinas, pela primeira vez a<br />
figura da colaboração premiada foi positivada em lei no Brasil, mais<br />
especificamente a Lei 8.072/1990. O referi<strong>do</strong> diploma legal, além <strong>de</strong> arrolar<br />
taxativamente os <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s crimes hedion<strong>do</strong>s, também trouxe a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o participante ou associa<strong>do</strong> que <strong>de</strong>nunciar à autorida<strong>de</strong> a<br />
organização criminosa, possibilitan<strong>do</strong> seu <strong>de</strong>smantelamento, terá pena reduzida<br />
<strong>de</strong> um a <strong>do</strong>is terços. (BITTAR, 2011).<br />
Des<strong>de</strong> então, diversos diplomas legais brasileiros passaram a prever em<br />
seu texto o instituto em comento, como analisaremos adiante, <strong>de</strong> maneira<br />
cronologicamente or<strong>de</strong>nada.<br />
Cite-se a Lei 9.034/95, surgida em razão da necessida<strong>de</strong> emergencial <strong>do</strong><br />
país em se adaptar aos novos crimes que se estabeleciam no nosso sistema.<br />
Assim, previu em seu art. 6º a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação da <strong>de</strong>lação premiada<br />
nos crimes pratica<strong>do</strong>s por organizações criminosas.<br />
Já as leis 7.492/86 (art. 25, §2º) e 8.137/90 (art. 16, parágrafo único)<br />
sofreram modificação pela Lei 9.080/95, que a elas incorporou o instituto premial,<br />
passan<strong>do</strong> este, então, a ser aplica<strong>do</strong> aos crimes contra a or<strong>de</strong>m tributária e<br />
econômica, e contra o sistema financeiro nacional.<br />
213
O Código Penal, em seu art. 159, §4º, permite a <strong>de</strong>lação premiada no<br />
crime <strong>de</strong> extorsão mediante sequestro, condicionan<strong>do</strong> sua aplicação à facilitação<br />
para a libertação <strong>do</strong> sequestra<strong>do</strong>.<br />
O advento da Lei 9.613/98 trouxe uma novida<strong>de</strong> ao or<strong>de</strong>namento jurídico<br />
pátrio quanto aos benefícios oferta<strong>do</strong>s ao <strong>de</strong>lator: além da redução <strong>de</strong> pena,<br />
agora o <strong>de</strong>lator po<strong>de</strong>rá iniciá-la em regime mais bran<strong>do</strong> e, melhor ainda, po<strong>de</strong><br />
ter o perdão judicial aplica<strong>do</strong> em seu favor. O menciona<strong>do</strong> diploma serviu,<br />
inclusive, como referência para outras leis, que <strong>de</strong>vem, por respeito ao escorço<br />
histórico, ser citadas. (SILVA, 2017, 5).<br />
Em análise <strong>de</strong>tida à Lei <strong>de</strong> Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei nº<br />
9.087/99), nota-se relevante avanço quanto à previsão <strong>do</strong> instituto em comento.<br />
Nela, também há previsão <strong>do</strong> perdão judicial, porém com concessão<br />
condicionada ao cumprimento <strong>de</strong> certos requisitos (art. 13, caput e parágrafo<br />
único), senão, será agracia<strong>do</strong> com mera redução <strong>de</strong> pena (art. 14). Ressalte-se<br />
a preocupação <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> diploma legal com a segurança daquele que <strong>de</strong>lata seus<br />
parceiros <strong>de</strong> crime ao estabelecer medidas especiais <strong>de</strong> proteção em seu favor<br />
(art. 15).<br />
A Lei <strong>de</strong> Drogas (11.343/06) prevê unicamente a redução da pena como<br />
benefício ao <strong>de</strong>lator eventualmente con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>. Para tanto, <strong>de</strong>termina-se,<br />
também, o atendimento cumulativo a alguns requisitos. São eles: i) existência <strong>de</strong><br />
inquérito e/ou processo criminal contra o <strong>de</strong>lator; ii) colaboração voluntária, ou<br />
seja, livre <strong>de</strong> coações; iii) concurso <strong>de</strong> pessoas; iv) recuperação total ou parcial<br />
<strong>do</strong> produto <strong>do</strong> crime.<br />
Por sua vez, a Lei 12.529/11 traz o chama<strong>do</strong> programa <strong>de</strong> leniência,<br />
possibilitan<strong>do</strong>, em seu art. 86, a celebração <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> leniência, com a<br />
extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução <strong>de</strong> um a <strong>do</strong>is<br />
terços da pena, com os autores (pessoas físicas ou jurídicas) <strong>de</strong> infração à<br />
or<strong>de</strong>m econômica.<br />
A exemplo, cite-se a previsão mais recente da figura da <strong>de</strong>lação premiada,<br />
presente na Lei 12.850/13. No referi<strong>do</strong> diploma, o instituto premial ganha Seção<br />
própria, <strong>de</strong>nominada “Da Colaboração Premiada”, on<strong>de</strong> se discorre com muito<br />
214
mais <strong>de</strong>talhes sobre o mesmo e se nota maior preocupação na eficácia <strong>de</strong> sua<br />
aplicação.<br />
Deveras, a insegurança na aplicação da colaboração premiada ao longo<br />
<strong>do</strong> tempo gerou numerosas falhas e manipulações, tanto em favor quanto em<br />
<strong>de</strong>sfavor <strong>do</strong> <strong>de</strong>lator, razão pela qual a Lei 12.850/2013, que revogou a Lei<br />
9.034/1995, representou vultoso esclarecimento na sistemática processual, uma<br />
vez que disciplinou <strong>de</strong>talhadamente a <strong>de</strong>lação premiada, arrematan<strong>do</strong>, por<br />
exemplo, a celeuma sobre sua natureza jurídica. (SILVA, 2017, p. 5).<br />
Após tortuoso caminho percorri<strong>do</strong> pela colaboração premiada,<br />
notadamente, a persistência em sua aplicação como meio <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> prova,<br />
ao longo <strong>do</strong> tempo, surtiu consi<strong>de</strong>ráveis aprimoramentos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, como<br />
afirma o renoma<strong>do</strong> jurista Carlos Ayres Britto, tal instituto tem cumpri<strong>do</strong> um papel<br />
eficaz e eficiente, embora ainda esteja sen<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong> no aspecto da qualida<strong>de</strong><br />
jurídica (BRITTO, 2016).<br />
A corrupção po<strong>de</strong> ser conceituada como o atenta<strong>do</strong> à normas, princípios<br />
e valores jurídicos ou sociais. O termo revela algo não só corrompi<strong>do</strong>, como<br />
<strong>de</strong>smoraliza<strong>do</strong> e perverti<strong>do</strong>, o que permite <strong>de</strong>duzir que a pessoa corrupta rompe<br />
com as finalida<strong>de</strong>s e interesses da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> o que se tem como<br />
unida<strong>de</strong> social <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> valores. (CARMO, 2005).<br />
Quanto à origem <strong>de</strong>sta atitu<strong>de</strong> apodrecida e pecaminosa, e sob um viés<br />
filosófico, como bem sugere o inglês Thomas Hobbes no clássico “Leviatã”, o ser<br />
humano possui uma condição natural atrelada ao esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> guerra, precisan<strong>do</strong><br />
ter suas necessida<strong>de</strong>s atendidas a qualquer custo, mesmo que o faça <strong>de</strong><br />
maneira violenta e egoísta. (HOBBES, 2006).<br />
Tal realida<strong>de</strong> conflituosa da natureza <strong>do</strong>s indivíduos é confirmada por<br />
Nicolau Maquiavel na obra “O Príncipe” (1513), on<strong>de</strong> pontifica que a condução<br />
<strong>do</strong> governo se orienta pelas pon<strong>de</strong>rações <strong>do</strong> governante, que <strong>de</strong>veria aban<strong>do</strong>nar<br />
os pressupostos morais e éticos para imperar e garantir a preservação <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong>. (MAQUIAVEL, 2013)<br />
Assim, a estrutura estatal, instrumento <strong>de</strong> freio para o ser humano<br />
intrinsecamente mau, precisa <strong>de</strong> organização e cooperação da coletivida<strong>de</strong>, mas<br />
esse mo<strong>de</strong>lo coletivista, como é sabi<strong>do</strong>, possui um sistema <strong>de</strong> repartição <strong>de</strong><br />
215
iquezas injusto, em que a i<strong>de</strong>ologia da igualda<strong>de</strong> não se aplica na realida<strong>de</strong>. Se<br />
<strong>de</strong> um la<strong>do</strong> o homem precisa ser governa<strong>do</strong> para que se imponha limites às suas<br />
atitu<strong>de</strong>s tidas como perigosas, <strong>de</strong> outro, os governantes também são homens<br />
falhos, que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r e, em razão <strong>do</strong> seu caráter, po<strong>de</strong>m transformar este<br />
po<strong>de</strong>r em arma contra o bem comum.<br />
A corrupção, portanto, tem início no caráter <strong>do</strong> ser humano e se exterioriza<br />
na socieda<strong>de</strong>, configuran<strong>do</strong>-se uma patologia cíclica. Trata-se <strong>de</strong> conduta<br />
extremamente gravosa, não importan<strong>do</strong> se provém <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, social<br />
ou político-estatal. (CARMO, 2005).<br />
O Índice <strong>de</strong> Percepções <strong>de</strong> Corrupção, publica<strong>do</strong> anualmente pela<br />
Transparency International - TI, é, atualmente, a principal ferramenta indica<strong>do</strong>ra<br />
<strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> corrupção no setor público <strong>de</strong> 176 países. (EXPRESSO, 2017).<br />
Segun<strong>do</strong> o índice <strong>de</strong> 2016, Portugal ocupa a 29ª posição, ten<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong><br />
uma posição com relação ao ano anterior. Contu<strong>do</strong>, uma análise <strong>do</strong>s últimos<br />
cinco anos indica uma tendência à estagnação <strong>do</strong> país na busca pelo combate<br />
à corrupção. Em comentário aos resulta<strong>do</strong>s, a direção da TIAC - Transparência<br />
e Integrida<strong>de</strong>, Associação Cívica -, que representa a TI em Portugal, consi<strong>de</strong>rou<br />
que o país per<strong>de</strong>, anualmente, oportunida<strong>de</strong>s em avançar no combate à<br />
corrupção e em ganhar confiança <strong>de</strong> investi<strong>do</strong>res <strong>do</strong> exterior, fatores estes<br />
relevantes para a recuperação e o <strong>de</strong>senvolvimento social <strong>de</strong> Portugal.<br />
O Brasil, por seu turno, ocupa o 79º lugar no cita<strong>do</strong> índice, ten<strong>do</strong> caí<strong>do</strong><br />
significativamente no ranking nos últimos anos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a escândalos <strong>de</strong><br />
corrupção envolven<strong>do</strong> autorida<strong>de</strong>s políticas e gran<strong>de</strong>s empresários. No entanto,<br />
conforme observação da TI, no último ano o Brasil mostrou que, por meio <strong>do</strong><br />
trabalho in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s incumbidas da responsável aplicação da lei,<br />
responsabilizar autorida<strong>de</strong>s antes consi<strong>de</strong>radas intocáveis é tarefa plenamente<br />
possível. (SALOMÃO, 2016).<br />
O Brasil, mesmo envolto em vícios no combate aos esquemas <strong>de</strong><br />
corrupção, utiliza a colaboração premiada como importante ferramenta para<br />
auxiliar nesta tarefa. A relevância <strong>de</strong> tal instrumento tomará as próximas linhas<br />
<strong>do</strong> presente trabalho, numa tentativa <strong>de</strong> apresentar como se dá sua aplicação e<br />
efetivida<strong>de</strong> no Brasil, como exposto a seguir.<br />
216
O instituto da colaboração premiada está em <strong>de</strong>staque no cenário jurídicopolítico<br />
brasileiro, uma vez que, atualmente, gran<strong>de</strong>s processos estão se<br />
valen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta ferramenta. O caso em maior evidência no momento é a Operação<br />
Lava Jato, que, iniciada em 2014, investiga e processa crimes no âmbito da<br />
Petrobrás, em que alguns réus já celebraram Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Delação Premiada junto<br />
ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2018).<br />
Num cenário normal, para contratar com a Petrobrás, empreiteiras<br />
concorreriam entre si em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação e a estatal contrataria a empresa<br />
usan<strong>do</strong> o critério <strong>do</strong> menor preço ofereci<strong>do</strong>. Agin<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira ilícita, as<br />
empreiteiras formaram um cartel, fazen<strong>do</strong> uma concorrência aparente parecer<br />
real.<br />
Os preços ofereci<strong>do</strong>s à Petrobras eram ajusta<strong>do</strong>s em reuniões em que se<br />
<strong>de</strong>liberava quem ganharia o contrato e por qual preço, infla<strong>do</strong> em benefício<br />
priva<strong>do</strong> e em prejuízo <strong>do</strong>s cofres da estatal.<br />
Os funcionários da Petrobrás garantiam que só participassem das<br />
licitações as empresas envolvidas no cartel. Os funcionários se omitiam sobre o<br />
cartel e o favoreciam, limitan<strong>do</strong> convida<strong>do</strong>s e incluin<strong>do</strong> a ganha<strong>do</strong>ra entre as<br />
empresas participantes da licitação.<br />
Por sua vez, os opera<strong>do</strong>res financeiros intermediavam o pagamento da<br />
propina com dinheiro já lava<strong>do</strong> e os agentes políticos, pessoas com prerrogativa<br />
<strong>de</strong> função, eram os responsáveis por indicar e manter os diretores da Petrobrás.<br />
Desta forma, possuíam influência direta sobre os indica<strong>do</strong>s a estes cargos.<br />
Importante salientar que os agentes políticos foram cita<strong>do</strong>s na operação<br />
por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>lações premiadas ocorridas na primeira instância. Depois disto,<br />
vários foram os <strong>de</strong>latores que obtiveram a premiação <strong>de</strong> diminuição da pena e<br />
outros benefícios, contribuin<strong>do</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento das investigações, com<br />
elucidações relevantes e satisfatórias.<br />
É cediço que o instituto premial tornou-se ferramenta imprescindível para<br />
o alcance da solução <strong>de</strong> crimes envolven<strong>do</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organizações criminosas<br />
mas, por outro la<strong>do</strong>, ainda apresenta clara insegurança por, em alguns casos,<br />
aparentar ferir a ética e algumas normas <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento pátrio.<br />
217
Neste senti<strong>do</strong> é o entendimento <strong>do</strong> professor Luiz Flávio Gomes (GOMES,<br />
2015):<br />
“A <strong>de</strong>lação premiada, na medida em que implica uma traição e<br />
“<strong>de</strong>duragem” <strong>de</strong> terceiras pessoas, é (eticamente) uma imoralida<strong>de</strong>, mas que se<br />
tornou útil e até mesmo necessária (dizem seus sectários) naqueles países com<br />
capacida<strong>de</strong> investigativa falida ou sensivelmente enfraquecida (como o Brasil)”.<br />
Quan<strong>do</strong> os países se <strong>de</strong>param com a impotência ao <strong>de</strong>scobrir seus mais<br />
hedion<strong>do</strong>s crimes contra a coletivida<strong>de</strong>, principalmente os cometi<strong>do</strong>s por<br />
po<strong>de</strong>rosos, eles se unem ao criminoso com o objetivo <strong>de</strong> captar sua prestimosa<br />
colaboração. Assim, consequência inevitável é que, pela ineficiência <strong>do</strong> próprio<br />
sistema, o “colarinho branco” acaba ten<strong>do</strong> uma carta na manga com a <strong>de</strong>lação<br />
premiada.<br />
Para que a colaboração seja efetiva, é necessário que esta produza<br />
resulta<strong>do</strong> concreto e positivo ao longo da investigação ou <strong>do</strong> processo criminal,<br />
sen<strong>do</strong> o prêmio concedi<strong>do</strong> conforme a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta colaboração.<br />
Como já cita<strong>do</strong>, o instituto em comento é inevitável e sua aplicação já<br />
tomou conta <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro no que diz respeito ao auxílio à<br />
persecução e solução <strong>de</strong> crimes. Os acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>lação premiada têm si<strong>do</strong> uma<br />
das mais relevantes ferramentas da polícia e <strong>do</strong> MP nos processos que<br />
investigam casos <strong>de</strong> corrupção, a exemplo da já citada Operação Lava Jato.<br />
É por isso que, conforme o jurista Ayres Britto afirma, apesar da<br />
importância da <strong>de</strong>lação premiada, a medida <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como apenas<br />
mais um <strong>do</strong>s elementos <strong>de</strong> uma investigação, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, sozinha, servir para<br />
con<strong>de</strong>nar alguém. Ela precisa se fazer acompanhar <strong>de</strong> elementos probatórios,<br />
configuran<strong>do</strong> instrumento auxiliar, jamais central. (BRITTO, 2015).<br />
Sua aplicação <strong>de</strong>ve se dar com extrema cautela <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às nuances já<br />
mencionadas. Mas além <strong>de</strong> acentua<strong>do</strong> seu caráter <strong>de</strong> meio <strong>de</strong> prova, também<br />
serve como inibi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> esquemas ilícitos hábeis a vicejar em organizações<br />
criminosas que esten<strong>de</strong>m seus tentáculos sobre <strong>de</strong>sonra<strong>do</strong>s agentes estatais.<br />
218
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
A meto<strong>do</strong>logia a<strong>do</strong>tada para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> presente trabalho foi<br />
realizada por meio <strong>de</strong> artigos científicos, publicações físicas e virtuais, além <strong>de</strong><br />
revisão bibliográfica, obras literárias. Na fase <strong>de</strong> abordagem foi emprega<strong>do</strong> o<br />
méto<strong>do</strong> indutivo para aprimorar o conhecimento em face das constatações assim<br />
como das indagações <strong>do</strong>s autores no presente estu<strong>do</strong>.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Extrai-se <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong> que o instituto legal da colaboração<br />
premiada previsto na legislação brasileira e, mais recentemente, na Lei nº<br />
12.850, conhecida como Lei <strong>de</strong> Organizações Criminosas, auxilia o combate<br />
eficaz à corrupção. Exemplo <strong>de</strong>sse resulta<strong>do</strong> é o índice <strong>de</strong> Percepções <strong>de</strong><br />
Corrupção, publica<strong>do</strong> pela Transparency International – TI, que constata que o<br />
Brasil caiu o seu ranking <strong>de</strong> entre os países com mais corrupção no mun<strong>do</strong> e<br />
isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que as entida<strong>de</strong>s públicas incumbidas <strong>de</strong> aplicar a lei,<br />
têm-se utiliza<strong>do</strong> <strong>de</strong> instrumentos normativos para o combate à corrupção, a<br />
violência e os crimes organiza<strong>do</strong>s e a colaboração premiada é, notadamente, um<br />
<strong>de</strong>sses instrumentos.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Do extraí<strong>do</strong> no trabalho, há <strong>de</strong> se perceber que a corrupção é um mal que<br />
assola a economia, a política e a socieda<strong>de</strong> em si, precisan<strong>do</strong> ser combatida<br />
com afinco, e a <strong>de</strong>lação premiada mostra-se arma fundamental nesta batalha. É<br />
imprescindível que o sistema persecutório seja rígi<strong>do</strong> e eficaz na luta contra<br />
crimes, principalmente aqueles que envolvem o patrimônio público.<br />
Nota-se que Brasil tem um sistema processual que visa punir as condutas<br />
criminosas, mas que algumas <strong>de</strong>las levam muito tempo para serem<br />
solucionadas. Operações e investigações minuciosas po<strong>de</strong>m tomar muito tempo,<br />
como é o caso da “Operação Lava Jato” e <strong>do</strong> caso <strong>de</strong> José Sócrates, que<br />
perduram há anos. No entanto, nota-se gran<strong>de</strong> diferença no caminhar <strong>de</strong> ambos<br />
os processos, porquanto aquele utiliza-se amplamente da colaboração<br />
premiada, o que tem mostra<strong>do</strong> efetivida<strong>de</strong> na solução <strong>do</strong> caso, enquanto este,<br />
219
investiga<strong>do</strong> em país com resistência à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> tal instituto, parece andar em<br />
círculos, sem perspectiva <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> sua autoria.<br />
É importante mencionar que encerrar a investigação põe fim à<br />
insegurança jurídica e à insegurança da coletivida<strong>de</strong> em si, colocan<strong>do</strong>-a<br />
novamente em equilíbrio e restauran<strong>do</strong> a confiança <strong>de</strong> um povo que já está<br />
<strong>de</strong>sgasta<strong>do</strong> com a falência <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> governo que <strong>de</strong>moram a punir e<br />
solucionar conflitos.<br />
Sen<strong>do</strong> assim, <strong>de</strong>ve-se notar a importância e gran<strong>de</strong>za <strong>do</strong> assunto<br />
estuda<strong>do</strong>, uma vez que, a <strong>de</strong>lação premiada, quan<strong>do</strong> empregada com cautela,<br />
auxilia e reduz o tempo <strong>de</strong> investigação, aumentan<strong>do</strong> a eficácia e a segurança<br />
das provas, trazen<strong>do</strong> ao direito uma importante nova e ferramenta jurídica e<br />
manten<strong>do</strong> a paz social, importante alicerce para uma socieda<strong>de</strong>, seja <strong>de</strong><br />
Portugal, seja <strong>do</strong> Brasil, ou <strong>de</strong> qualquer lugar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
Portanto, o direito premial mostra-se um revés ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> agir corrupto,<br />
<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser utiliza<strong>do</strong> como medida eficaz <strong>de</strong> combate à corrupção e à<br />
criminalida<strong>de</strong> em geral, principalmente quan<strong>do</strong> esta avança contra o patrimônio<br />
público, como se presencia frequentemente nos últimos anos da história política<br />
<strong>do</strong> Brasil.<br />
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2017.<br />
221
LINCHAMENTOS NO MARANHÃO, POLÍTICA CRIMINAL E<br />
INVISIBILIDADE DO FENÔMENO: uma análise sobre a mitigação <strong>do</strong>s<br />
RESUMO<br />
direitos humanos fundamentais no esta<strong>do</strong> brasileiro pós-1988<br />
MACEDO, Marcos Vinícius Boaes<br />
Graduan<strong>do</strong> <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Direito<br />
da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>do</strong> Maranhão (BRASIL). Bolsista PIBIC/UEMA/FAPEMA.<br />
vinijb4@hotmail.com<br />
JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong><br />
Doutor em Políticas Públicas pela UFMA. Professor Adjunto <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>do</strong><br />
Maranhão – UEMA e da Universida<strong>de</strong> Ceuma (BRASIL).<br />
Orienta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Iniciação Científica.<br />
t_allisson@hotmail.com<br />
Analisa a sistemática violação <strong>de</strong> direitos humanos fundamentais, perpetrada<br />
nos fenômenos <strong>de</strong> linchamentos ocorri<strong>do</strong>s no Maranhão (Brasil), no contexto <strong>de</strong><br />
um suposto Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, este com um amplo quadro <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ologias que se influenciam reciprocamente <strong>de</strong> maneira efervescente em<br />
conformida<strong>de</strong> com diversas conjunturas. Para tanto, faz-se uma análise acerca<br />
da afirmação histórica <strong>de</strong>sses direitos no plano normativo em concurso com o<br />
mascaramento <strong>do</strong>s suplícios na justiça criminal, constatan<strong>do</strong>-se uma quase total<br />
incoerência entre o plano <strong>do</strong> ser e <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver ser. Além disso, consi<strong>de</strong>ra-se os<br />
linchamentos como a <strong>de</strong>núncia da crise <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pressupostos <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, este que falha em conter os altos índices <strong>de</strong> violência, geran<strong>do</strong><br />
o me<strong>do</strong> e revolta na população que age <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>senfreada para punir aqueles<br />
que são alcança<strong>do</strong>s pelos rótulos <strong>do</strong> preconceito, sen<strong>do</strong> assim, frutos <strong>do</strong><br />
processo <strong>de</strong> exclusão social que coisifica os sujeitos, retiran<strong>do</strong> <strong>de</strong>stes o próprio<br />
direito <strong>de</strong> ser humano, portanto, <strong>de</strong>stituin<strong>do</strong>-os <strong>do</strong> direito a personalida<strong>de</strong>, num<br />
processo <strong>de</strong> espetacularização <strong>do</strong>s suplícios.<br />
Palavras-chave: Linchamentos; <strong>Direitos</strong>; Mitigação.<br />
ABSTRACT<br />
Analyze the systematic violation of fundamental human rights, perpetrated<br />
through the phenomena of lynchings occurred in the state of Maranhão (Brazil),<br />
in the context of an alleged Democratic State of Law, the latter inserted in a broad<br />
context of i<strong>de</strong>ologies that influence each other in an effervescent way in<br />
222
accordance with different circumstances. Therefore, an analysis is ma<strong>de</strong> of the<br />
historical affirmation of these rights in the normative plan at the same time in<br />
which the masking of tortures in the criminal justice system, finding an almost<br />
total incoherence between the plane of "is" and of "ought". In addition, lynchings<br />
are consi<strong>de</strong>red as the <strong>de</strong>nouncement of the legitimacy crisis related to<br />
presuppositions of the mo<strong>de</strong>rn State, which fails to contain the high numbers of<br />
violence, generating fear and riot among the population which acts rampantly to<br />
punish those reached by the labels of prejudice, and are thus fruits of the process<br />
of social exclusion that objetifies individuals, withdrawing from them the very right<br />
to be treated as humans, therefore, <strong>de</strong>priving them of the right to personality, in<br />
a process of spectacularization of tortures.<br />
Keywords: Lynchings; Rights; Mitigations<br />
INTRODUÇÃO<br />
Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma pesquisa em andamento, financiada pelo Programa<br />
Institucional <strong>de</strong> Bolsas <strong>de</strong> Iniciação Científica (PIBIC/FAPEMA/Brasil), a partir da<br />
qual <strong>de</strong>senvolve-se uma análise acerca da mitigação <strong>do</strong>s direitos humanos<br />
fundamentais, no contexto que envolve o fenômeno <strong>do</strong>s linchamentos e as<br />
relações entre as verda<strong>de</strong>s construídas por diversos sujeitos <strong>de</strong> conhecimento e<br />
ali entrelaça<strong>do</strong>s (FOUCAULT, 2002). Assim constituí<strong>do</strong>, cabe <strong>de</strong>limitar que esse<br />
fenômeno encontra-se no terreno <strong>de</strong> um dito Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito,<br />
aquele representa<strong>do</strong> pelas promessas não cumpridas (BOBBIO, 2015). O<br />
suposto Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito que configura a base <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>ste<br />
trabalho é aquele em que impera a representação parlamentar <strong>de</strong> interesses<br />
particulares; em que persistem as oligarquias; que não ocupa to<strong>do</strong>s os espaços<br />
da socieda<strong>de</strong>; que se sustenta à pífia educação para a cidadania e afirmação <strong>de</strong><br />
direitos; e que ocupa os pódios <strong>do</strong>s rankings em violação <strong>de</strong> direitos, ou seja,<br />
afiguran<strong>do</strong> como o Esta<strong>do</strong> que se tem e não o Esta<strong>do</strong> que se espera(ou)<br />
(BOBBIO, 2015). Percebe-se, também, que a afirmação <strong>do</strong>s direitos humanos<br />
foi e continua sen<strong>do</strong> um processo lento e longe <strong>de</strong> ser gradual, marca<strong>do</strong> por<br />
<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s. Depreen<strong>de</strong>-se ser o sistema político mo<strong>de</strong>rno, parcamente<br />
garanti<strong>do</strong>r <strong>do</strong> gozo <strong>do</strong> direito às diferenças e <strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s da cultura <strong>de</strong> paz e<br />
223
da comunicação não-violenta, é uma “fórmula política encontrada pela burguesia<br />
para extinguir os antigos privilégios <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is principais estamentos <strong>do</strong> antigo<br />
regime– o clero e a nobreza – e tornar o governo responsável perante a classe<br />
burguesa” (COMPARATO, 2010, p. 63). Observa-se então os <strong>de</strong>scompassos em<br />
um lento processo <strong>de</strong> afirmação <strong>do</strong>s direitos humanos no contexto <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong> capitalista e neoliberal. Portanto, enquanto a<br />
lógica humanitária <strong>de</strong> base kantiana afirma, no plano i<strong>de</strong>al, que “o princípio <strong>de</strong><br />
toda a ética é o <strong>de</strong> que o ser humano e, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, to<strong>do</strong> ser racional, existe<br />
como um fim em si mesmo” (KANT, Apud COMPARATO, 2010, p. 33); admitese,<br />
ao mesmo tempo, no plano real, a coisificação <strong>do</strong> ser humano e a <strong>de</strong>stituição<br />
<strong>de</strong> suas subjetivida<strong>de</strong>s em uma nítida lógica punitivista e aviltante. Nessa esteira<br />
<strong>de</strong> raciocínio, a presente análise não se propõe a apenas investigar o <strong>de</strong>senrolar<br />
<strong>do</strong>s linchamentos na sua dimensão física ou, como <strong>de</strong>scrito por José <strong>de</strong> Souza<br />
Martins, na sua dimensão ritual (MARTINS, 2015), e apontar os <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong>s<br />
entre os direitos humanos fundamentais. Entretanto, eleva-se ao foco da ‘luneta<br />
científica “um composto <strong>de</strong> impulsos e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns totalizantes diversas”<br />
(GIDDENS, 1997, p. 17) em que se insere o fenômeno no Maranhão, um <strong>do</strong>s<br />
esta<strong>do</strong>s mais pobres <strong>do</strong> Brasil, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se que o cenário é complexo,<br />
marca<strong>do</strong> por (<strong>de</strong>s)continuida<strong>de</strong>s e por discursos punitivos <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
coerência e <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> (ZAFFARONI, 2001). Assim, analisar-se-á o fenômeno<br />
<strong>do</strong>s linchamentos, que representam a violação sistemática <strong>de</strong> diversos direitos<br />
que são ti<strong>do</strong>s como fundamentais pelo Esta<strong>do</strong>, pelos diversos sujeitos,<br />
institucionaliza<strong>do</strong>s ou não.<br />
OBJETIVOS<br />
Analisar, sociológica e juridicamente, as diversas violações <strong>de</strong> direitos<br />
humanos fundamentais e suas transversalida<strong>de</strong>s referentes aos linchamentos,<br />
contextualizan<strong>do</strong> o fenômeno no Or<strong>de</strong>namento Jurídico Brasileiro e nos estu<strong>do</strong>s<br />
da axiologia contemporânea.<br />
224
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
O Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, aquele i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> na Constituição da<br />
República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988, tem por função principal a garantia <strong>do</strong>s<br />
direitos humanos fundamentais (BARROSO, 2010). Por direitos humanos<br />
fundamentais, enten<strong>de</strong>-se os direitos humanos reconheci<strong>do</strong>s como tais pelas<br />
autorida<strong>de</strong>s às quais se atribui o po<strong>de</strong>r político <strong>de</strong> editar normas, tanto no âmbito<br />
interno <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s quanto no plano internacional (COMPARATO, 2010, p.52).<br />
Além disso, um ponto fundamental é a constatação <strong>de</strong> que os governantes<br />
<strong>de</strong>vem agir em benefício <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>s e não em benefício próprio, pois os<br />
direitos humanos fundamentais “são inerentes à própria condição humana,<br />
<strong>de</strong>vem ser reconheci<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s e não po<strong>de</strong>m ser havi<strong>do</strong>s como mera<br />
concessão <strong>do</strong>s que exercem o po<strong>de</strong>r” (COMPARATO, 2010, p. 53). Todavia, “as<br />
constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem<br />
violadas, tu<strong>do</strong> em proveito <strong>de</strong> indivíduos e oligarquias, são fenômeno corrente<br />
em toda a história da América <strong>do</strong> Sul” (HOLANDA, Apud BERCOVICI, 1999).<br />
Logo, “na medida em que se amplia a falta <strong>de</strong> concretização constitucional, com<br />
as responsabilida<strong>de</strong>s e respostas sempre transferidas para o futuro, intensificase<br />
o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança e <strong>de</strong>scrédito no Esta<strong>do</strong>” (NEVES, Apud BERCOVICI,<br />
1999). O que se observa, pois, é a “crescente ingovernabilida<strong>de</strong> das socieda<strong>de</strong>s<br />
complexas” (BOBBIO, 2015), a exemplo da socieda<strong>de</strong> brasileira. Por<br />
conseguinte, mais <strong>do</strong> que uma crise constitucional, há uma crise da socieda<strong>de</strong>,<br />
<strong>do</strong> governo e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (BONAVIDES, Apud BERCOVICI, 1999). A<strong>de</strong>mais,<br />
percebe-se que as instituições <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong> justiça falham em cumprir o<br />
seu papel constitucional estimulan<strong>do</strong> à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> soluções privadas para<br />
conflitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social (ADORNO, 2015). Portanto, como José <strong>de</strong> Souza<br />
Martins já bem <strong>de</strong>stacara, “o linchamento não é uma manifestação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m,<br />
mas <strong>de</strong> questionamento da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m” (MARTINS, 2015, p.27), corroboran<strong>do</strong><br />
que “a prática da violência como toda ação, transforma o mun<strong>do</strong>, mas a<br />
transformação mais provável é em um mun<strong>do</strong> mais violento” (ARENDT, 1994).<br />
225
METODOLOGIA<br />
Com base na sociologia reflexiva, articulan<strong>do</strong> referenciais teóricos<br />
meto<strong>do</strong>lógicos para a investigação <strong>de</strong>sse profícuo campo <strong>de</strong> luta por meio <strong>de</strong>ssa<br />
pesquisa <strong>de</strong> natureza exploratória, foram utilizadas técnicas <strong>de</strong> análise <strong>de</strong><br />
discurso (FOUCAULT, 2009) e <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> (BARDIN, 2009), bem como<br />
levantamento bibliográfico em literaturas nacionais e internacionais que tratam<br />
<strong>do</strong> fenômeno <strong>do</strong>s linchamentos e das categorias Violências, Esta<strong>do</strong> Democrático<br />
<strong>de</strong> Direito, <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> Fundamentais, Linchamentos, entre outras<br />
correlatas ao objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>. Além disso, <strong>de</strong>senvolveram-se pesquisas <strong>de</strong><br />
campo através <strong>do</strong> uso da técnica <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> questionários e realização <strong>de</strong><br />
entrevistas semi-estruturada, pois, é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialogar que “permite<br />
ultrapassar o plano das conveniências preconceituosas interessadas em<br />
<strong>de</strong>smoralizar o ‘outro’” (DAMATTA, 2010). Assim sen<strong>do</strong>, a análise foi construída,<br />
ten<strong>do</strong> em vista que “cada momento da vida social carrega a marca da totalida<strong>de</strong>”<br />
(GIDDENS, 1997, p. 17), mas, “a totalida<strong>de</strong> não é, porém, uma ‘socieda<strong>de</strong>’<br />
abrangente e limitada, mas um composto <strong>de</strong> impulsos e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns totalizantes<br />
diversas” (GIDDENS, 1997). Partiu-se da hipótese que “a população lincha para<br />
punir; mas, sobretu<strong>do</strong> para indicar seu <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com alternativas <strong>de</strong> mudança<br />
social que violam concepções, valores e normas <strong>de</strong> conduta tradicionais,<br />
relativas a uma certa concepção <strong>do</strong> humano” (MARTINS, 2015).<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
No último século, tivemos um gran<strong>de</strong> avanço na afirmação <strong>de</strong> direitos<br />
humanos fundamentais como a vida, a liberda<strong>de</strong>, a igualda<strong>de</strong>, a segurança, a<br />
proprieda<strong>de</strong>, a honra, a imagem, a privacida<strong>de</strong> e as limitações ao po<strong>de</strong>r punitivo<br />
estatal (art. 5º, caput, CR/88), assim como outros que formam o conjunto <strong>do</strong>s<br />
direitos humanos fundamentais, <strong>de</strong>nso acervo jurídico <strong>de</strong> proteção à pessoa<br />
humana. No entanto, os acontecimentos históricos que acompanham esse<br />
avanço <strong>de</strong>monstraram que trata-se ainda <strong>de</strong> uma afirmação mais no plano<br />
teórico/normativo <strong>do</strong> que no plano ontológico, que revolucione discursos,<br />
práticas e mentalida<strong>de</strong>s. Além disso, no Brasil e no Maranhão, ainda hoje,<br />
constatam-se inúmeras práticas afrontosas a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e aos<br />
226
direitos fundamentais. Empiricamente, “a região metropolitana <strong>de</strong> São Luís<br />
manteve a média mensal <strong>de</strong> um linchamento com vítima fatal por mês (12 casos,<br />
com 12 mortes), tendência verificada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2013. Números que <strong>de</strong>vem ser<br />
soma<strong>do</strong>s ainda a várias <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> espancamentos e agressões que não<br />
resultaram em morte, que se disseminaram em efeito cascata, muito<br />
especialmente após a repercussão nacional <strong>do</strong> linchamento <strong>de</strong> Clei<strong>de</strong>nilson<br />
Pereira da Silva, no bairro <strong>do</strong> São Cristóvão, no mês <strong>de</strong> julho. Apesar <strong>de</strong><br />
promessas e comissões criadas, nada <strong>de</strong> efetivo foi feito para modificar o ciclo<br />
vicioso <strong>de</strong> me<strong>do</strong>, ódio e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança, que se ampliou nos últimos meses.”<br />
(SMDH, 2015). Houve ocorrências <strong>de</strong> linchamentos, ainda a partir <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />
sistematiza<strong>do</strong>s pela Socieda<strong>de</strong> Maranhense <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, em diversos<br />
municípios <strong>de</strong>sse que é um <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mais pobres <strong>do</strong> Brasil, a saber:<br />
Imperatriz; Codó; Zé Doca; São João <strong>do</strong> Sóter; Santa Quitéria; Bom Jardim;<br />
Matinha; São Bernar<strong>do</strong> (SMDH, 2015). Todavia, cabe <strong>de</strong>stacar, assim como<br />
fizera José <strong>de</strong> Sousa Martins, que o número <strong>de</strong> casos noticia<strong>do</strong>s é<br />
significativamente menor <strong>do</strong> que a quantida<strong>de</strong> que <strong>de</strong> fato ocorre (MARTINS,<br />
2015), <strong>de</strong>notan<strong>do</strong> a nítida cifra oculta, <strong>de</strong>marcada em invisibilida<strong>de</strong>s e<br />
indiferença a esse complexo fenômeno. A quantida<strong>de</strong> noticiada <strong>de</strong>sproporcional<br />
ao número real <strong>de</strong> casos ocorre por diversos motivos, mas três são os mais<br />
aparentes. O primeiro é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m intrínseca ao próprio fenômeno <strong>de</strong> linchamento<br />
pois “resulta da <strong>de</strong>cisão quase sempre repentina, impensada, <strong>de</strong> motivação<br />
súbita e, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, imprevisível.” (MARTINS, 2015, p. 22). O segun<strong>do</strong> e o<br />
terceiro, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m externa, estão relaciona<strong>do</strong>s com os interesses <strong>do</strong>s noticiários<br />
sobre os casos e a localização geográfica <strong>do</strong> fatídico. Entretanto, mesmo com a<br />
possível não compatibilida<strong>de</strong> entre os da<strong>do</strong>s e o número real <strong>de</strong> casos; no ano<br />
<strong>de</strong> 2016, o número <strong>de</strong> mortes por linchamentos mais que quadriplicou em relação<br />
aos da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2013. Em 2016, o Maranhão foi palco <strong>de</strong> quarenta e duas<br />
mortes por linchamentos (SMDH, 2017); não obstante existir autorida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> que pontuam “que linchamentos não são comuns no Maranhão” (G1,<br />
2015). As perguntas para anaálise partem das premissas que a vida <strong>do</strong>s que se<br />
‘foram’ não <strong>de</strong>ve ser avaliada em números, pressupon<strong>do</strong> que “To<strong>do</strong> homem tem<br />
dignida<strong>de</strong> e não um preço, como as coisas. A humanida<strong>de</strong> como espécie, e cada<br />
227
ser humano em sua individualida<strong>de</strong>, é propriamente insubstituível: não tem<br />
equivalente, não po<strong>de</strong> ser troca<strong>do</strong> por coisa alguma.” (COMPARATO, 1999, p.<br />
34, grifo <strong>do</strong> autor). As noventa e cinco pessoas que morreram <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2013<br />
ao ano <strong>de</strong> 2016 e que foram vítimas <strong>de</strong> linchamentos não possuem equivalente<br />
em lugar nenhum no mun<strong>do</strong>, pois “é radicalmente impossível assumir a<br />
experiência existencial da morte alheia.” (HEIDEGGER, Apud COMPARATO,<br />
1999, p. 40). Todavia, cabe pontuar que a vida não po<strong>de</strong> ser valorada através <strong>de</strong><br />
meras disputas hermenêuticas. Sob as bases <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático que se<br />
espera, segun<strong>do</strong> o caput <strong>do</strong> artigo 5º, apregoou-se que “to<strong>do</strong>s são iguais perante<br />
a lei, sem distinção <strong>de</strong> qualquer natureza, garantin<strong>do</strong>-se aos brasileiros e aos<br />
estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no País a inviolabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito à vida”. A vida,<br />
portanto, constitui umas das razões <strong>de</strong> existência <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong> (HOBBES,<br />
Apud Sarlet, 2012), sen<strong>do</strong> um direito que atrai diversas garantias, entre as quais<br />
a que po<strong>de</strong> sofrer limitações somente em casos <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>clarada (art. 5.º,<br />
XLVII, a). Depreen<strong>de</strong>u-se, ainda, a partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> questionário aplica<strong>do</strong><br />
no Centro <strong>de</strong> Ensino João Paulo II (Apêndice B), na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />
Luís/MA/Brasil, que uma quantida<strong>de</strong> significativa das respostas <strong>de</strong>monstra um<br />
conflito com as disposições constitucionais. A exemplo, quan<strong>do</strong> se questionou:<br />
“O que <strong>de</strong>ve acontecer com quem comete um crime?”, as respostas, que a<br />
pesquisa <strong>de</strong>monstrará em tabulação e trato a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> no texto final <strong>de</strong>sse<br />
trabalho, foram no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que quem comete um crime <strong>de</strong>ve ser julga<strong>do</strong>,<br />
preso; outros respon<strong>de</strong>ram que <strong>de</strong>veriams ser preso e “sofrer amargamente”; e<br />
tantos apontaram que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> crime, <strong>de</strong>ve ser “preso ou morto” e, para<br />
alguns outros que respon<strong>de</strong>ram o questionário, quem comete um crime <strong>de</strong>ve<br />
“levar um tiro na mão” ou receber <strong>de</strong> volta exatamente o que fez (“pagar na<br />
mesma moeda”). Ainda, com base no questionário, observou-se como o sistema<br />
educacional <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> Maranhão falhou em promover uma educação voltada<br />
ao respeito aos direitos e garantias fundamentais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />
Direito e para a cultura <strong>de</strong> paz, alterida<strong>de</strong> e comunicação não-violenta, ainda que<br />
quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong>s sobre o nível <strong>de</strong> conhecimento a respeito <strong>do</strong>s direitos<br />
humanos, mais <strong>de</strong> 80% das pessoas auto avaliou-se com conhecimento regular<br />
ou abaixo disso. Reiterou-se a hipótese central <strong>de</strong>sse trabalho a partir <strong>do</strong> qual o<br />
228
linchamento representa uma “legitimida<strong>de</strong> alternativa, que escapa das regras <strong>do</strong><br />
direito [...] sonega à vítima o direito <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e o <strong>de</strong> ser julgada por um juiz<br />
imparcial, além <strong>de</strong> sonegar o direito ao recurso e a novo julgamento em face <strong>de</strong><br />
um juízo que, <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong>, possa ser parcial. O julgamento da vítima <strong>de</strong><br />
linchamento é <strong>de</strong>finitivo e sem apelo. [...] Nega à vítima o direito a uma pena<br />
relativa e restitutiva para o <strong>de</strong>lito eventualmente cometi<strong>do</strong>: to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>litos são<br />
iguala<strong>do</strong>s – tanto o pequeno roubo quanto o assassinato” (MARTINS, 2015, pp.<br />
50-51), sen<strong>do</strong> um fenômeno complexo, manifestação <strong>de</strong> uma mentalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
uma cultura <strong>de</strong> punição.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS<br />
Percebeu-se que os linchamentos <strong>de</strong>nunciam a crise <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong>, afiguran<strong>do</strong>-se para a população como uma forma alternativa e “legítima”<br />
<strong>de</strong> combater as violências no Maranhão. Porém, embora os linchamentos sejam<br />
contrários aos postula<strong>do</strong>s normativos que compõem os preceitos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
Democrático <strong>de</strong> Direito, ainda compartilham da mesma lógica penal <strong>do</strong> ‘real’<br />
Esta<strong>do</strong>, lógica construída através <strong>de</strong> discursos punitivistas, <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
coerência e <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> (ZAFFARONI, 2001). Tal fenômeno é um processo <strong>de</strong><br />
coisificação <strong>do</strong> sujeito (<strong>de</strong>s)enquadra<strong>do</strong> nos mol<strong>de</strong>s da ‘pureza’, no qual aqueles<br />
con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s a serem lincha<strong>do</strong>s são como os ‘agentes polui<strong>do</strong>res’, reais coisas<br />
fora <strong>do</strong> lugar (BAUMAN, 1998, p. 29). São, com efeito, sujeitos que tem seus<br />
direitos viola<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> inquisição social, <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s<br />
e alvos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> vingança oriun<strong>do</strong>s da socieda<strong>de</strong>, refém <strong>do</strong> me<strong>do</strong> e<br />
distantes da racionalida<strong>de</strong> jurídica em conformida<strong>de</strong> com os valores <strong>de</strong> proteção<br />
à pessoa humana, apregoa<strong>do</strong>s pela Constituição. Portanto, os direitos<br />
fundamentais afirma<strong>do</strong>s na Constituição <strong>de</strong> 1988 ainda estão longe <strong>de</strong> serem<br />
efetiva<strong>do</strong>s num grau satisfatório. Os sujeitos envolvi<strong>do</strong>s na trama <strong>do</strong>s<br />
linchamentos são aqueles historicamente esqueci<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong>: De um la<strong>do</strong><br />
são aqueles que são joga<strong>do</strong>s para o “lixo social” e <strong>do</strong> outro uma população que,<br />
erguen<strong>do</strong> valores morais, <strong>de</strong>scontam seus sentimentos <strong>de</strong> insegurança, me<strong>do</strong>,<br />
revolta e insatisfação perante a indiferença estatal, configuran<strong>do</strong> um fenômeno<br />
marca<strong>do</strong> pela barbárie, supostamente superada nos discursos das ‘mo<strong>de</strong>rnas’<br />
229
constituições. Nesse senti<strong>do</strong>, conclui-se que os linchamentos ocorri<strong>do</strong>s nos<br />
últimos 10 anos no Maranhão foram o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> fracasso das instituições<br />
públicas na implementação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> segurança e justiça e da<br />
potencialização da cultura <strong>do</strong> ódio, <strong>do</strong> me<strong>do</strong> e da punição, o que estimulou a<br />
naturalização das violências no contexto da conflituosida<strong>de</strong> social. Portanto, o<br />
fenômeno, mais <strong>do</strong> que um complexo ato <strong>de</strong> barbárie, coloca em evidência a<br />
revolta social contra a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m integrada e a perda da legitimida<strong>de</strong> estatal<br />
nesse histórico processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação social.<br />
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232
AGENDA 2030 PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A<br />
TEORIA DA EQUIDADE INTERGERACIONAL: estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Piauí<br />
GALVÃO, Débora Gomes<br />
Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos (UNISANTOS). Mestre em<br />
Ciência Política, pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Piauí. Bolsista Capes Prosup, tem experiência na área <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong><br />
Ciência Política, atualmente, trabalha com consultoria e <strong>de</strong>senvolve pesquisa em Direito Ambiental Internacional,<br />
atuan<strong>do</strong> principalmente nos seguintes temas: Governança <strong>Global</strong>, Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030,<br />
Paradiplomacia Ambiental e Implementação <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />
Pesquisa<strong>do</strong>ra conveniada com o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí no Projeto BRA/16/024. Email: <strong>de</strong>boragalvao@unisantos.br.<br />
RESUMO<br />
A presente pesquisa aborda a institucionalização da Agenda 2030 para um<br />
Desenvolvimento Sustentável, um plano <strong>de</strong> ação para erradicar a pobreza,<br />
proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperida<strong>de</strong>.<br />
Com uma análise da Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional, que estabelece que as<br />
gerações humanas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da época que vivam, têm iguais direitos ao<br />
meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>. Com objetivo principal <strong>de</strong> examinar,<br />
oo caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, que atualmente, <strong>de</strong>senvolve Projeto BRA/16/024<br />
com apoio <strong>do</strong> Programa das Nações Unidas, com o objetivo <strong>de</strong> formular,<br />
implementar políticas voltadas para o Desenvolvimento Territorial e para<br />
concretização <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS) e elevar o<br />
Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano – IDH <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos. Tal<br />
Esta<strong>do</strong> é um entesubnacional brasileiro que tem atuação paradiplomática com<br />
intuito <strong>de</strong> implementar a Agenda 2030, fenômeno que vem sen<strong>do</strong> nota<strong>do</strong> com a<br />
a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> projetos com repercusão internacional por outros entes subnacionais<br />
no Brasil e no mun<strong>do</strong>. O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolveu-se com uma pesquisa classificada<br />
quanto à natureza, como qualitativa teórica, <strong>de</strong> caráter bibliográfico, por<br />
intermédio da análise <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s internacionais, legislação nacional, <strong>do</strong>utrina<br />
nacional e estrangeira sobre o tema, levantamento <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos e estu<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí. Por fim, foi realiza<strong>do</strong> um panorama <strong>do</strong> avanço da<br />
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Teoria da Equida<strong>de</strong><br />
Intergeracional, com ênfase no caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />
233
Palavras-chave: Agenda 2030; Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional; Objetivos<br />
<strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável; Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano; Esta<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> Piauí.<br />
ABSTRACT<br />
This research addresses the institutionalization of Agenda 2030 for Sustainable<br />
Development, a plan of action to eradicate poverty, protect the planet and ensure<br />
that people achieve peace and prosperity. With an analysis of the Theory of<br />
Intergenerational Equity, which establishes that human generations, regardless<br />
of the time they live, have equal rights to the ecologically balanced environment.<br />
With the main objective of examining the case of the State of Piauí, which is<br />
currently <strong>de</strong>veloping Project BRA / 16/024 with the support of the United Nations<br />
Program, with the objective of formulating, implementing policies aimed at<br />
Territorial Development and attaining the Sustainable Development (ODS) and<br />
raise the HDI Human Development In<strong>de</strong>x of Piauí in the next 10 years. This State<br />
is a Brazilian entity that acts paradiplomatically in or<strong>de</strong>r to implement Agenda<br />
2030, a phenomenon that has been noticed with the a<strong>do</strong>ption of projects with<br />
international repercussions by other subnational entities in Brazil and in the world.<br />
The study was <strong>de</strong>veloped with a classification of the nature, as theoretical<br />
qualitative, of bibliographical character, through the analysis of international<br />
agreements, national legislation, national and foreign <strong>do</strong>ctrine on the subject,<br />
collection of <strong>do</strong>cuments and case study of the State of Piauí. Finally, an overview<br />
of the progress of the Agenda 2030 for Sustainable Development of the Theory<br />
of Intergenerational Equity was carried out, with emphasis on the case of the<br />
State of Piauí.<br />
Keywords: Agenda 2030; Theory of Intergenerational Equity; Sustainable<br />
Development Objectives; Human <strong>de</strong>velopment In<strong>de</strong>x; State of Piauí.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A Organização das Nações Unidas (ONU), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1972, passou a<br />
promover, periodicamente, conferências versan<strong>do</strong> sobre o Meio Ambiente.<br />
Estimulan<strong>do</strong> representantes <strong>de</strong> vários países, tais conferências <strong>de</strong>sempenham<br />
234
papel fundamental para conscientização <strong>de</strong> problemáticas, introduzin<strong>do</strong> nas<br />
agendas <strong>do</strong>s países a preocupação com o Meio Ambiente, através <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />
políticas internas e externas.<br />
A organização <strong>de</strong>ssas conferências é fruto <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates entre órgãos e a<br />
percepção <strong>de</strong> atores <strong>de</strong> diversos países quanto à gravida<strong>de</strong> da crise ambiental.<br />
Dentre as questões tratadas nas conferências, o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />
teve sua relevância consagrada expressamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Declaração <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro e a Agenda 21.<br />
Em setembro <strong>de</strong> 2015, lí<strong>de</strong>res mundiais congregaram-se na se<strong>de</strong> da<br />
ONU, em Nova York, e <strong>de</strong>cidiram um plano <strong>de</strong> ação para erradicar a pobreza,<br />
proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperida<strong>de</strong>:<br />
a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a qual contém o conjunto<br />
<strong>de</strong> 17 Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS).<br />
A análise da evolução <strong>do</strong> Discurso <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável na<br />
Conferência das Nações Unidas, com ênfase na implantação <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável, e, a Agenda 2030, especialmente sua aplicação<br />
no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí é o objeto central da presente pesquisa.<br />
Busca-se compreen<strong>de</strong>r como essa i<strong>de</strong>ia tem si<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> criar projetos<br />
visan<strong>do</strong> o cumprimento <strong>de</strong> metas e tarefas entre os atores, traçan<strong>do</strong> ainda, uma<br />
análise da Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional, que surge com a preocupação<br />
com a justiça para as gerações futuras em relação ao Meio Humano.<br />
A teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional tem amparo na ciência jurídica,<br />
sen<strong>do</strong> implementada através <strong>de</strong> instrumentos legais internacionais e nacionais,<br />
positivan<strong>do</strong> a proteção <strong>do</strong>s recursos ambientais para com as futuras gerações.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a fim <strong>de</strong> alcançar metas para o equilíbrio <strong>do</strong> Meio Humano,<br />
e para a institucionalização da Agenda 2030 para a concretização <strong>do</strong>s objetivos<br />
<strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí (PI), ênfase <strong>de</strong>ste<br />
trabalho, preten<strong>de</strong> ser implantar tal agenda por intermédio <strong>de</strong> um projeto com<br />
apoio <strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong><br />
PNUD (2015).<br />
O projeto é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> entendimento, assina<strong>do</strong> em<br />
outubro <strong>de</strong> 2016, que estabelece o marco para cooperação técnica entre o<br />
235
Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí e o PNUD, e encontra-se fundamenta<strong>do</strong> sob a égi<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> Básico <strong>de</strong> Cooperação Técnica <strong>de</strong> 29/12/64, promulga<strong>do</strong> pelo Decreto<br />
n.º 59.308/1966, que prevê o estabelecimento <strong>de</strong> arranjos para a assistência<br />
técnica entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas e suas Agências<br />
Especializadas.<br />
O Piauí possui áreas propícias ao: agronegócio, mineração, investimento<br />
em energia renovável e gás natural e turismo. Para tanto, questiona-se: Qual o<br />
papel da teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional no avanço <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate nas<br />
conferências internacionais? Terá o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, ente subnacional brasileiro,<br />
meios <strong>de</strong> implementação da Agenda 2030 e aumento <strong>do</strong> Índice <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Humano (IDH) nos próximos 10 anos?<br />
Por fim, consegue-se traçar um paralelo entre avanço das conferências<br />
para institucionalização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável,<br />
da Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional, para presentes e futuras gerações, ten<strong>do</strong><br />
como foco o caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />
OBJETIVOS<br />
O Objetivo Geral da presente pesquisa é analisar o caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
Piauí, que firmou Projeto BRA/16/024, com apoio <strong>do</strong> Programa das Nações<br />
Unidas, com o objetivo <strong>de</strong> formular, implementar políticas voltadas para o<br />
Desenvolvimento Territorial e para concretização <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável (ODS) e elevar o Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos.<br />
Para isso, como objetivos específicos, pecorre-se o caminho <strong>de</strong><br />
construção da teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional, e <strong>do</strong> avanço das conferências<br />
internacionais até ser firmada pelos lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> países em 2015, a Agenda 2030<br />
com 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Na trajetória da vida <strong>do</strong> homem este interagiu com o meio ambiente, na<br />
busca <strong>de</strong> sua subsistência e <strong>de</strong>senvolvimento. Consoante Veiga (2010), “é da<br />
236
combinação <strong>de</strong> dádivas da natureza com trabalho humano que surge o recurso<br />
inicial da economia <strong>de</strong> qualquer comunida<strong>de</strong>”.<br />
A expansão capitalista não se incomo<strong>do</strong>u com as questões ambientais,<br />
tratan<strong>do</strong> o meio ambiente como um recurso infinito e inesgotável. Segun<strong>do</strong> Porto<br />
Gonçalves (2013), a crença era <strong>de</strong> que a natureza é uma fonte inesgotável <strong>de</strong><br />
recursos e que sua exploração não geraria efeitos nocivos.<br />
Como uma resposta à industrialização começou o movimento ambiental,<br />
em 1972 a ONU convocou a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente<br />
Humano, em Estocolmo (Suécia): “Defen<strong>de</strong>r e melhorar o meio ambiente para<br />
as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a<br />
humanida<strong>de</strong>” (ESTOCOLMO, 1972, s.p.), parágrafo 6. 10<br />
De acor<strong>do</strong> com Brown (1991), a Conferência <strong>de</strong> Estocolmo que culminou<br />
com a criação <strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),<br />
com a preocupação veemente com as gerações futuras e a melhoria <strong>do</strong> meio<br />
ambiente, contribuiu para o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> direito internacional<br />
nesta área.<br />
A teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional encontra forte alicerce na ciência<br />
jurídica, sen<strong>do</strong> implementada através <strong>de</strong> instrumentos legais internacionais e<br />
nacionais, positivan<strong>do</strong> a proteção <strong>do</strong>s recursos ambientais para com as futuras<br />
gerações.<br />
Em 1983, o Secretário-Geral da ONU convi<strong>do</strong>u Gro Harlem Brundtland, a<br />
ex-Primeira Ministra da Noruega, para estabelecer e presidir a Comissão Mundial<br />
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.<br />
10<br />
Chegamos a um momento da história em que <strong>de</strong>vemos orientar nossos atos em to<strong>do</strong><br />
o mun<strong>do</strong> com particular atenção às consequências que po<strong>de</strong>m ter para o meio ambiente.<br />
Por ignorância ou indiferença, po<strong>de</strong>mos causar danos imensos e irreparáveis ao meio<br />
ambiente da terra <strong>do</strong> qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m nossa vida e nosso bem-estar. Ao contrário, com<br />
um conhecimento mais profun<strong>do</strong> e uma ação mais pru<strong>de</strong>nte, po<strong>de</strong>mos conseguir para<br />
nós mesmos e para nossa posterida<strong>de</strong>, condições melhores <strong>de</strong> vida, em um meio<br />
ambiente mais <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s e aspirações <strong>do</strong> homem. (…) A <strong>de</strong>fesa<br />
e o melhoramento <strong>do</strong> meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras se<br />
converteram na meta imperiosa da humanida<strong>de</strong>, que se <strong>de</strong>ve perseguir, ao mesmo<br />
tempo em que se mantém as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico e social em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, e em conformida<strong>de</strong> com elas.<br />
(ESTOCOLMO, 1972), parágrafo 6.<br />
237
A Comissão Brundtlant ou Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e<br />
Desenvolvimento (CMMAD) auxiliou a nova interpretação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<br />
conti<strong>do</strong> no relatório “Nosso Futuro Comum”, também reputa<strong>do</strong> Relatório<br />
Brundtlant (1987), que estabeleceu uma nova orientação <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
assentada em três dimensões fundamentais a serem cumpridas: dimensão<br />
econômica, ambiental e equida<strong>de</strong> social. A expressão <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável tornou-se universal a partir da publicação <strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> relatório<br />
“Nosso Futuro Comum”.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento sustentável é aquele que aten<strong>de</strong> “às necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />
presente sem comprometer a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as gerações futuras aten<strong>de</strong>rem<br />
as suas próprias necessida<strong>de</strong>s” (CMMAD, 1991, p. 46).<br />
As discussões e orientações tratadas na Comissão Brundtlant<br />
acarretaram à realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio<br />
Ambiente e o Desenvolvimento, que colocou o assunto na agenda pública. A<br />
“Cúpula da Terra”, ocorrida no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1992, a<strong>do</strong>tou a “Agenda 21’,<br />
que é uma <strong>de</strong>lineação da proteção <strong>do</strong> nosso planeta e seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável.<br />
Na Agenda 21, os governos traçaram formas <strong>de</strong> mudar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
crescimento econômico em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> meio ambiente, apontan<strong>do</strong> para<br />
ativida<strong>de</strong>s que protejam os recursos ambientais.<br />
Assim, o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável adquiriu importância para o Direito<br />
Internacional <strong>do</strong> Meio Ambiente ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> expressamente em textos<br />
internacionais, tais como a Declaração <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro e a Agenda 21, e com<br />
fundamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> com as gerações futuras.<br />
Dentre as inúmeras interpretações que o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />
apresenta, quatro postula<strong>do</strong>s são elementares: a equida<strong>de</strong> intergerações e<br />
intragerações, a utilização sustentável <strong>do</strong>s recursos naturais e a idéia <strong>de</strong><br />
integração.<br />
A equida<strong>de</strong> é axiomática no conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento no relatório<br />
Brundtland, na Declaração Final das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e<br />
na Declaração <strong>do</strong> Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, já que estes<br />
<strong>de</strong>monstram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar no bem-estar da geração atual, mas sem<br />
238
prejudicar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das gerações futuras (OLIVEIRA e ALVERNE,<br />
2015).<br />
O princípio 3 da Declaração <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro estabelece expressamente<br />
que “O direito ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve ser exerci<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a permitir que<br />
sejam atendidas equitativamente as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong><br />
meio ambiente das gerações presentes e futuras.”<br />
Portanto, é preciso zelar para que a exploração para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da geração atual, não venha a comprometer os recursos para uma geração<br />
futura.<br />
Em 2002, durante a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento<br />
Sustentável, realizada em Johannesburgo, <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois da Rio 92, com a<br />
participação <strong>de</strong> 193 países, foram aprova<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos oficiais, que<br />
dispõe <strong>de</strong> três pilares para o Desenvolvimento Sustentável (Declaração <strong>de</strong><br />
Joanesburgo e o seu Plano <strong>de</strong> Implementação).<br />
Posteriormente, em 2012, ocorreu a então conhecida como Rio+20, com<br />
o objetivo <strong>de</strong> repisar o compromisso <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s com o Desenvolvimento<br />
Sustentável. Neste evento, houve o estabelecimento <strong>do</strong>s objetivos para o<br />
Desenvolvimento Sustentável (ODS), em substituição aos objetivos <strong>do</strong> milênio<br />
da ONU, a partir <strong>de</strong> 2015.<br />
Em continuida<strong>de</strong> e ainda no mesmo contexto, os chefes <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong><br />
Governo e altos representantes, reuni<strong>do</strong>s na se<strong>de</strong> das Nações Unidas em Nova<br />
York <strong>de</strong> 25 a 27 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2015 <strong>de</strong>cidiram sobre os novos Objetivos <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável globais.<br />
A nova Agenda, aprovada no evento <strong>de</strong> 2015, tem 17 Objetivos <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável e 169 metas, sen<strong>do</strong> um <strong>de</strong>safio global e um plano<br />
<strong>de</strong> ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperida<strong>de</strong>. Ela também<br />
busca fortalecer a paz universal com mais liberda<strong>de</strong>.<br />
Portanto, a Agenda <strong>de</strong> 2030 se propõe a trazer noções e diretrizes para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2016 a 2030.<br />
De acor<strong>do</strong> com os objetivos e metas, são previstas ações mundiais nas<br />
áreas <strong>de</strong> erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saú<strong>de</strong>,<br />
educação, igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, energia, água e<br />
239
saneamento, padrões sustentáveis <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> consumo, mudança <strong>do</strong><br />
clima, cida<strong>de</strong>s sustentáveis, proteção e uso sustentável <strong>do</strong>s oceanos e <strong>do</strong>s<br />
ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura,<br />
industrialização, entre outros.<br />
Diante <strong>do</strong> cenário internacional <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças urgentes,<br />
consagra-se a necessida<strong>de</strong> da preocupação com as futuras gerações. No Brasil,<br />
ten<strong>do</strong> como sua principal disposição elencada no art. 225 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, em conformida<strong>de</strong> com a teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional.<br />
Nesse contexto <strong>de</strong> observância <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s traça<strong>do</strong>s em conferências<br />
internacionais, o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, que criou territórios para <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Lei Complementar N° 87 <strong>de</strong> 2007 (BRASIL, 2007), preten<strong>de</strong> através <strong>de</strong><br />
um Projeto <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> BRA/16/024, implantar a Agenda 2030 com vistas à<br />
concretização <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS), com apoio<br />
<strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).<br />
O Projeto Desenvolvimento Territorial e Agenda ODS <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí<br />
(00101444 - BRA/16/024), visa apoiar o Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí na<br />
avaliação, formulação e implementação <strong>de</strong> políticas voltadas para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento territorial, com foco nos Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento<br />
Sustentável e na Agenda 2030, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se elevar o Índice <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Humano <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos.<br />
O projeto é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> entendimento, assina<strong>do</strong> em<br />
outubro <strong>de</strong> 2016, que estabelece o marco para cooperação técnica entre o<br />
Governo e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, e encontrase<br />
fundamenta<strong>do</strong> sob a égi<strong>de</strong> <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> Básico <strong>de</strong> Cooperação Técnica <strong>de</strong><br />
29/12/64, promulga<strong>do</strong> pelo Decreto n.º 59.308/1966, que prevê o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> arranjos para a assistência técnica entre o Brasil e a<br />
Organização das Nações Unidas e suas Agências Especializadas.<br />
Almeja-se, então, estimular a cooperação entre Esta<strong>do</strong>, socieda<strong>de</strong> e<br />
organizações sociais e privadas, na construção <strong>de</strong> soluções que influenciem a<br />
trajetória <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da localida<strong>de</strong> em que se inserem, promoven<strong>do</strong> o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento humano e sustentável, garantin<strong>do</strong> a consolidação e ampliação<br />
das ações governamentais na melhoria da gestão e das políticas públicas.<br />
240
METODOLOGIA<br />
A meto<strong>do</strong>logia empregada para o estu<strong>do</strong> foi classificada quanto à<br />
natureza, como qualitativa teórica, <strong>de</strong> caráter bibliográfico, com com estu<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />
Segun<strong>do</strong> Triviños (1987), a abordagem <strong>de</strong> cunho qualitativo trabalha os<br />
da<strong>do</strong>s buscan<strong>do</strong> seu significa<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> como base a percepção <strong>do</strong> fenômeno<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> seu contexto. O uso da <strong>de</strong>scrição qualitativa procura captar não só a<br />
aparência <strong>do</strong> fenômeno como também suas essências, procuran<strong>do</strong> explicar sua<br />
origem, relações e mudanças, e tentan<strong>do</strong> intuir as conseqüências.<br />
Para tanto, será realiza<strong>do</strong> um levantamento da <strong>do</strong>utrina, jurisprudência,<br />
normas nacionais e estrangeiras, e <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumento, especialmente o Projeto<br />
BRA/16/024.<br />
Buscou-se com o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, não a generalização <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s,<br />
mas sim compreen<strong>de</strong>r e interpretar os fatos e fenômeno específicos.<br />
RESULTADOS PRELIMINARES<br />
Para alcançar os resulta<strong>do</strong>s almeja<strong>do</strong>s, o Projeto BRA/16/024 <strong>de</strong>ve<br />
pecorrer etapas como subsídios para a institucionalização da Agenda 2030 para<br />
o Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />
Sen<strong>do</strong> estas: Elaborar mapeamento <strong>de</strong> boas práticas, estu<strong>do</strong>s técnicos e<br />
recomendações para formulação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> arranjo institucional <strong>de</strong><br />
monitoramento estadual <strong>do</strong>s ODS; Capacitar integrantes <strong>do</strong> arranjo institucional<br />
ODS para a utilização <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> implementação, monitoramento,<br />
avaliação e financiamento da Agenda 2030; Formular Linha <strong>de</strong> base; Elaborar<br />
estu<strong>do</strong>s técnicos e recomendações meto<strong>do</strong>lógicas para subsidiar Relatório<br />
Estadual ODS; Elaborar e implementar capacitações sobre temas prioritários<br />
aponta<strong>do</strong>s no Relatório Estadual ODS; Produzir informações e estu<strong>do</strong>s que<br />
contribuam para o alcance <strong>do</strong>s ODS com base nos diagnósticos conduzi<strong>do</strong>s bem<br />
como Relatório Estadual; Elaborar mapeamento <strong>de</strong> boas práticas, estu<strong>do</strong>s<br />
técnicos e recomendações para o arranjo meto<strong>do</strong>lógico, organizativo, jurídico e<br />
institucional <strong>do</strong> Prêmio ODS Piauí; Elaborar mapeamento <strong>de</strong> boas práticas,<br />
estu<strong>do</strong>s técnicos e recomendações para estabelecimento <strong>do</strong> arranjo<br />
241
organizativo, jurídico e institucional da Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Especialistas ODS; Capacitar<br />
agentes <strong>de</strong> órgãos <strong>de</strong> pesquisa, gestão e planejamento em ODS e seus<br />
indica<strong>do</strong>res; Implementar um piloto <strong>de</strong> Mesas <strong>de</strong> Diálogos ODS.<br />
Verifica-se ser necessário,ainda, analisar capacida<strong>de</strong>s institucionais <strong>de</strong><br />
planejamento e gestão <strong>de</strong> governos e socieda<strong>de</strong> civil no âmbito estadual,<br />
territorial e municipal, mapean<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> alinhamento <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong><br />
planejamento e gestão estadual, territorial e municipal com a Agenda 2030,<br />
elaboran<strong>do</strong> recomendações técnicas para aprimoramento <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong><br />
planejamento e gestão estadual, territorial e municipal para o alcance <strong>do</strong>s ODS<br />
e implementan<strong>do</strong> capacitações sobre territorialização <strong>de</strong> Agenda 2030 e ODS<br />
para gestores e li<strong>de</strong>ranças sociais estaduais, territorial e municipais.<br />
Almeja-se que se tenha asseguradas uma comunicação e gestão <strong>do</strong><br />
Projeto eficientes, por intermédio das fases a seguir: Elaborar plano <strong>de</strong><br />
comunicação e subsídios para o estabelecimento <strong>de</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />
conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> comunicação; Realizar ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> quality assurance e avaliação;<br />
Capacitar equipe para gestão e fazer relatório <strong>de</strong> sistematização <strong>de</strong> lições<br />
aprendidas e recomendações meto<strong>do</strong>lógicas para o aprimoramento da<br />
implementação da agenda.<br />
Para tal, será utiliza<strong>do</strong> como fonte principal o Projeto BRA/16/024, que se<br />
aprimora<strong>do</strong> nos estágios essenciais elenca<strong>do</strong>s, terá como resulta<strong>do</strong> a<br />
institucionalização da Agenda 2030, com avanço na implementação <strong>do</strong>s 17<br />
Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável e consequente melhora no Índice <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Humano (IDH).<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS<br />
A Agenda 2030 foi resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um refinamento <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> todas<br />
as gran<strong>de</strong>s conferências e cúpulas das Nações Unidas que estabeleceram uma<br />
base sólida, com aprovação <strong>do</strong>s 17 Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável<br />
que buscam concretizar os direitos humanos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> integra<strong>do</strong>s e<br />
indivisíveis, equilibran<strong>do</strong> as três dimensões <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável: a<br />
econômica, a social e a ambiental.<br />
242
Os <strong>de</strong>safios e engajamentos constantes nestas gran<strong>de</strong>s conferências e<br />
cúpulas são inter-relaciona<strong>do</strong>s e exigem soluções integradas. Assim, temos que<br />
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento exerce mundialmente<br />
um papel importante na construção <strong>de</strong> consensos.<br />
Infere-se que este trabalho sugere uma estrutura normativa em que, fruto<br />
<strong>de</strong> conferências e <strong>de</strong>bates internacionais, se for a<strong>do</strong>tada e internalizada por<br />
instituições políticas e sociais, po<strong>de</strong> assegurar que as futuras gerações her<strong>de</strong>m<br />
uma parcela justa <strong>de</strong> herança ambiental global.<br />
Consoante teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional, impõe-se a cada geração<br />
a preservação da diversida<strong>de</strong>, da base <strong>de</strong> recursos para que as gerações futuras<br />
recebam o planeta em condições melhores que a geração atual.<br />
Nesse contexto <strong>de</strong> atenção com as próximas gerações, o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí,<br />
ente subnacional brasileiro com ativida<strong>de</strong> paradiplomática, firmou Projeto<br />
BRA/16/024, visan<strong>do</strong> a formulação e implementação <strong>de</strong> políticas voltadas para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento territorial, com foco nos Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento<br />
Sustentável e na Agenda 2030, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se elevar o Índice <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Humano <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos.<br />
Reflete-se através da pesquisa, que o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, ente subnacional<br />
brasileiro, enfrenta <strong>de</strong>safios para obter meios <strong>de</strong> implementação da Agenda<br />
2030 e aumento <strong>do</strong> Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano (IDH), <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> inserirse<br />
na vida econômica <strong>do</strong> país e <strong>do</strong> Nor<strong>de</strong>ste, crian<strong>do</strong> bases para promover<br />
políticas públicas que estimulem a força empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s piauienses, além<br />
<strong>de</strong> atrair empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>res <strong>de</strong> fora <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />
Destaca-se que o Piauí possui áreas propícias ao: agronegócio,<br />
mineração, investimento em energia renovável e gás natural e turismo, contan<strong>do</strong><br />
com gran<strong>de</strong>s projetos <strong>de</strong> infraestrutura como a Ferrovia Transor<strong>de</strong>stina, Portos,<br />
Barragens, usina fotovoltaica que se combina<strong>do</strong>s com uma estratégia <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento territorial sustentável proposta no menciona<strong>do</strong> projeto, po<strong>de</strong>rá<br />
aliar crescimento econômico, com inclusão social e proteção ambiental e levar o<br />
Esta<strong>do</strong> ao alcance <strong>de</strong> um IDHM alto e <strong>do</strong>s ODS.<br />
Tal Esta<strong>do</strong>, tem uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atrair investimentos públicos ou<br />
<strong>de</strong>senvolver parcerias com o setor priva<strong>do</strong>, por intermédio <strong>de</strong> ações<br />
243
paradiplomáticas, para a institucionalização da Agenda 2030 e <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável, asseguran<strong>do</strong> as futuras gerações um Meio<br />
Humano Equilibra<strong>do</strong>.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BRASIL, Lei Complementar N° 87 <strong>de</strong> 2007. Disponível em:<br />
. Acesso em setembro<br />
<strong>de</strong> 2018.<br />
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO<br />
(CMMAD). Nosso Futuro Comum. 2. Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora da Fundação<br />
Getúlio Vargas, 1991.<br />
OLIVEIRA, Liziane; ALVERNE, Tarin. A Evolução da Noção <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável Nas Conferências Das Nações Unidas. In: REI,<br />
Fernan<strong>do</strong> e GRANZIEIRA, Maria Luiza Macha<strong>do</strong> (coord). Direito Ambiental<br />
Internacional – Avanços e Retrocessos - 40 anos <strong>de</strong> Conferências das Nações<br />
Unidas. São Paulo: Atlas, 2015.<br />
PNUD. Transforman<strong>do</strong> Nosso Mun<strong>do</strong>: A Agenda 2030 para o<br />
Desenvolvimento Sustentável. 2015. Disponível em:<br />
. Acesso em<br />
out. 2018.<br />
PORTO-GONÇALVES, C. W. A <strong>Global</strong>ização da Natureza e a Natureza da<br />
<strong>Global</strong>ização. 5. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.<br />
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a<br />
pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.<br />
VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> século XXI. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Garamond, 2010.<br />
WEISS, E. B. Our rights and obligations to future generation for the<br />
environment. Revista Instituto Interamericano <strong>de</strong> Derechos <strong>Humanos</strong>. São<br />
José (Costa Rica), v. 13, p.21-33, jan./jun. 1991. Disponível em:<br />
.<br />
Acesso em: 11 maio 2018.<br />
244
EL NUEVO MARCO DE ORDENACIÓN DEL ESPACIO MARÍTIMO<br />
ESPAÑOL<br />
FUENTES I GASÓ, Josep Ramon<br />
Profesor Titular <strong>de</strong> Derecho Administrativo<br />
Centre d’Estudis <strong>de</strong> Dret Ambiental <strong>de</strong> Tarragona<br />
Universitat Rovira i Virgili<br />
Os oceanos contêm não só a maior parte da água <strong>do</strong> planeta, mas<br />
também a maior parte da vasta varieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seres vivos, muitos <strong>de</strong>les<br />
ainda <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s para nós e ameaça<strong>do</strong>s por diversas causas.<br />
Além disso, a vida nos rios, lagos, mares e oceanos, que nutre gran<strong>de</strong><br />
parte da população mundial, é afectada pela extracção <strong>de</strong>scontrolada<br />
<strong>do</strong>s recursos ictíicos, que provoca drásticas diminuições dalgumas<br />
espécies. E no entanto continuam a <strong>de</strong>senvolver-se modalida<strong>de</strong>s<br />
selectivas <strong>de</strong> pesca, que <strong>de</strong>scartam gran<strong>de</strong> parte das espécies<br />
apanhadas. Particularmente ameaça<strong>do</strong>s estão organismos marinhos<br />
que não temos em consi<strong>de</strong>ração, como certas formas <strong>de</strong> plâncton que<br />
constituem um componente muito importante da ca<strong>de</strong>ia alimentar<br />
marinha e <strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, em última instância, espécies que se<br />
utilizam para a alimentação humana.” (FRANCISCO, 2015). 1<br />
Sumario: 1. Prefacio.- 2. Introducción.- 3. El nuevo marco jurídico.- 4. Los planes<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo.- 5. La cooperación interestatal.- 6.<br />
Conclusiones.- 7. Bibliografía.<br />
RESUMEN<br />
El presente trabajo tiene como objeto analizar cómo se protege y conserva el<br />
medio marino español mediante los instrumentos <strong>de</strong> planificación. En el contexto<br />
<strong>de</strong> la política marítima integrada <strong>de</strong> la Unión Europea, y <strong>de</strong> las estrategias<br />
marinas, reguladas en la Ley 41/2010, <strong>de</strong> Protección <strong>de</strong>l Medio Marino, se<br />
<strong>de</strong>staca el Real Decreto 363/201, por el que se establece el nuevo marco jurídico<br />
para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, que dispone la <strong>de</strong>terminación y<br />
aplicación <strong>de</strong> una or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo con el fin <strong>de</strong> fomentar: el<br />
crecimiento sostenible <strong>de</strong> las economías marítimas; el <strong>de</strong>sarrollo sostenible <strong>de</strong><br />
los espacios marinos y el aprovechamiento sostenible <strong>de</strong> los recursos marinos.<br />
1<br />
FRANCISCO, Laudato Si’, Carta encíclica sobre o cuida<strong>do</strong> da casa comum, núm. 144., 24 <strong>de</strong><br />
mayo <strong>de</strong> 2015.<br />
245
Para lograr estos objetivos se prevé la aprobación <strong>de</strong> planes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación para<br />
cada una <strong>de</strong> las <strong>de</strong>marcaciones marinas españolas que se van a condicionar a<br />
los diferentes usos y activida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>sarrollan en las aguas marinas.<br />
Palabras clave: Medio ambiente. Espacio marítimo. Protección. Or<strong>de</strong>nación.<br />
Régimen jurídico.<br />
RESUMO<br />
O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é analisar como o ambiente marinho espanhol é protegi<strong>do</strong><br />
e conserva<strong>do</strong> através <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> planejamento. No contexto da política<br />
marítima integrada e das estratégias marinhas da União Europeia, regulada pela<br />
Lei 41/2010, <strong>de</strong> Protecção <strong>do</strong> Meio Marinho, o Real Decreto 363/201/201<br />
estabelece o novo quadro jurídico <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> espaço marítimo, que<br />
prevê a i<strong>de</strong>ntificação e implementação <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> espaço marítimo, a<br />
fim <strong>de</strong> promover: o crescimento sustentável das economias marítimas; o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável <strong>do</strong>s espaços marinhos; e a utilização sustentável<br />
<strong>do</strong>s recursos marinhos. Para alcançar estes objectivos, está prevista a<br />
aprovação <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> gestão para cada uma das <strong>de</strong>marcações marinhas<br />
espanholas que serão condicionadas às diferentes utilizações e activida<strong>de</strong>s<br />
realizadas nas águas marinhas.<br />
Palavras-chave: Meio ambiente. Espaço marítimo. Proteção. Planejamento.<br />
Regime jurídico.<br />
1 PREFACIO<br />
Los Objetivos <strong>de</strong> Desarrollo Sostenible (ODS, 2015-2030) son una<br />
iniciativa impulsada por Naciones Unidas para dar continuidad a la agenda <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sarrollo tras los Objetivos <strong>de</strong> Desarrollo <strong>de</strong>l Milenio (ODM, 2000-2015), que<br />
establecían 8 objetivos y 21 metas.<br />
La Conferencia <strong>de</strong> las Naciones Unidas sobre el Desarrollo Sostenible<br />
celebrada en Río <strong>de</strong> Janeiro (Brasil) <strong>de</strong>l 20 al 22 <strong>de</strong> junio <strong>de</strong> 2012 (llamada,<br />
Río+20), veinte años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la histórica Cumbre <strong>de</strong> la Tierra en Río en 1992,<br />
creó un grupo <strong>de</strong> trabajo que presentó los 17 ODS, con 169 metas planteadas<br />
para el horizonte 2015-2030, que fueron a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>s por la Asamblea General <strong>de</strong><br />
246
Naciones Unidas el 25 <strong>de</strong> septiembre <strong>de</strong> 2015 con la aprobación <strong>de</strong> la llamada<br />
Agenda 2030, que lleva por título “Transformar nuestro mun<strong>do</strong>: la Agenda 2030<br />
para el Desarrollo Sostenible" y que entró en vigor el 1 <strong>de</strong> enero <strong>de</strong> 2016.<br />
En este senti<strong>do</strong>, el presente trabajo se insiere en el Objetivo núm. 14:<br />
“Conservar y utilizar en forma sostenible los océanos, los mares y los recursos<br />
marinos para el <strong>de</strong>sarrollo sostenible”.<br />
2 INTRODUCCIÓN<br />
En el or<strong>de</strong>namiento jurídico español se ha tarda<strong>do</strong> mucho en or<strong>de</strong>nar y<br />
proteger el medio marino <strong>de</strong> forma integrada, a pesar <strong>de</strong> la importancia que tiene<br />
el mar. Hasta la última década <strong>de</strong>l siglo XX sólo se a<strong>do</strong>ptaron regulaciones<br />
sectoriales sobre el medio marino, sin una visión <strong>de</strong> conjunto que integrara las<br />
múltiples activida<strong>de</strong>s que se realizan en el mar. No obstante, en los últimos años<br />
la Unión Europa ha <strong>de</strong>sarrolla<strong>do</strong> una política ambiental que proporciona un<br />
marco <strong>de</strong> protección efectivo para los mares y océanos. Así, ha aproba<strong>do</strong> una<br />
serie <strong>de</strong> instrumentos jurídicos que asumen la necesidad <strong>de</strong> superar los<br />
planteamientos parciales que tradicionalmente se han lleva<strong>do</strong> a cabo sobre el<br />
litoral, imponien<strong>do</strong> una perspectiva holística e integral en la protección <strong>de</strong>l medio<br />
marino (ARANA, 2012, p. 214), y la gobernanza, como méto<strong>do</strong> para integrar las<br />
distintas políticas sectoriales y para hacer posibles los fines propuestos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la<br />
participación <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los interesa<strong>do</strong>s en el proceso <strong>de</strong> planificación<br />
(ZAMORANO, 2014, p. 471).<br />
De esta forma, se ha inclui<strong>do</strong> la protección <strong>de</strong>l medio marino en el<br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> la Política Marítima Integrada (PMI), la cual engloba cuestiones tan<br />
diversas como el transporte marítimo, la competitividad <strong>de</strong> las empresas<br />
marítimas, la investigación científica, la pesca y la protección <strong>de</strong>l medio marino.<br />
Este enfoque integral <strong>de</strong>l medio marino se ha introduci<strong>do</strong> en el or<strong>de</strong>namiento<br />
jurídico español a partir <strong>de</strong> la transposición <strong>de</strong> la Directiva 2008/56/CE, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong><br />
junio, mediante la Ley 41/2010, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> diciembre, <strong>de</strong> protección <strong>de</strong>l medio<br />
marino (LPMM). En este contexto también se ha aproba<strong>do</strong> el Real Decreto<br />
363/2017, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> abril (RD), mediante el cual se incorpora al <strong>de</strong>recho español<br />
la Directiva 2014/89/UE, <strong>de</strong>l Parlamento Europeo y <strong>de</strong>l Consejo, por la que se<br />
247
establece un marco jurídico para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo (FUENTES,<br />
2017, p. 25 y ss.).<br />
La or<strong>de</strong>nación que establece la LPMM sienta las bases para conseguir la<br />
concreción y armonización <strong>de</strong> la tutela <strong>de</strong>l medio marino mediante la planificación<br />
<strong>de</strong> Estrategias Marinas (EM), como instrumento esencial para coordinar los<br />
diferentes sectores y activida<strong>de</strong>s que se realizan en el medio marino, que se<br />
<strong>de</strong>sarrollan mediante el RD que establece el nuevo marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l<br />
espacio marítimo.<br />
3 EL NUEVO MARCO JURÍDICO<br />
El objetivo <strong>de</strong> la Directiva 2014/89/UE es que los Esta<strong>do</strong>s inicien un<br />
proceso <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, consistente en analizar y organizar<br />
“las activida<strong>de</strong>s humanas en las zonas marinas con el fin <strong>de</strong> alcanzar objetivos<br />
ecológicos, económicos y sociales”.<br />
La or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo tiene una clara finalidad ambiental,<br />
pues con ella se preten<strong>de</strong> “[…] fomentar el crecimiento sostenible <strong>de</strong> las<br />
economías marítimas, el <strong>de</strong>sarrollo sostenible <strong>de</strong> los espacios marinos y el<br />
aprovechamiento sostenible <strong>de</strong> los recursos marinos […]” (art. 1 RD). A<strong>de</strong>más,<br />
tal y como dispone el preámbulo <strong>de</strong>l RD, la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo<br />
“aspira a i<strong>de</strong>ntificar y promover los usos múltiples, <strong>de</strong> conformidad con las<br />
políticas y normativas nacionales pertinentes. Para ello, se <strong>de</strong>be garantizar al<br />
menos que el proceso o procesos <strong>de</strong> planificación culminen en una planificación<br />
global, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntifique la potencialidad <strong>de</strong> los espacios marítimos para los<br />
diferentes usos”.<br />
Y to<strong>do</strong> ello, con el fin <strong>de</strong> lograr y/o mantener un buen esta<strong>do</strong> ambiental <strong>de</strong>l<br />
medio marino, i<strong>de</strong>ntificar y gestionar la utilización <strong>de</strong>l espacio marítimo se<br />
establece un marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, el cual permita una<br />
“toma <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisiones coherente, transparente, sostenible y basada en pruebas”.<br />
Este marco dispone la <strong>de</strong>terminación y aplicación <strong>de</strong> una or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l<br />
espacio marítimo con el fin <strong>de</strong> contribuir a la consecución <strong>de</strong>l elenco <strong>de</strong> objetivos<br />
que se indican en el art. 5 RD. En este lista<strong>do</strong>, se <strong>de</strong>bería haber reforza<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
forma más explícita la obligatoriedad <strong>de</strong> que en los espacios protegi<strong>do</strong>s, así<br />
248
como en las áreas marinas <strong>de</strong> tránsito y <strong>de</strong> conectividad entre espacios marinos<br />
protegi<strong>do</strong>s prevalezcan los criterios ambientales y ecológicos por encima <strong>de</strong><br />
otros criterios, como los <strong>de</strong> carácter económico. Ahora bien, esta relación no<br />
supone una formulación expresa <strong>de</strong> los objetivos que preten<strong>de</strong>n alcanzarse con<br />
la planificación espacial marina, sino que se limita a establecer los objetivos que<br />
se materializarán a través <strong>de</strong> los planes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación, que <strong>de</strong>berán establecer<br />
los objetivos específicos, tenien<strong>do</strong> en cuenta los objetivos <strong>de</strong> las EM y <strong>de</strong> los<br />
planes sectoriales. De tal suerte que este marco se configura como “una directriz<br />
común a todas las estrategias marinas”, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con lo estableci<strong>do</strong> en el art.<br />
4.2 f) LPMM.<br />
El RD se aplica a todas las aguas marinas, inclui<strong>do</strong>s el lecho, el subsuelo<br />
y los recursos naturales en las que el Esta<strong>do</strong> español ejerza soberanía, <strong>de</strong>rechos<br />
soberanos o jurisdicción. Sin embargo, <strong>de</strong> este ámbito <strong>de</strong> aplicación y, por tanto,<br />
<strong>de</strong> los planes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación marítima, se excluyen: a) las activida<strong>de</strong>s cuyo único<br />
propósito sea la <strong>de</strong>fensa o la seguridad nacional; b) la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y<br />
urbanismo; c) las aguas costeras, o partes <strong>de</strong> las mismas, que sean objeto <strong>de</strong><br />
medidas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y urbanismo, ni a las aguas <strong>de</strong> zona <strong>de</strong><br />
servicio <strong>de</strong> los puertos, a condición <strong>de</strong> que así se establezca en los planes <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo.<br />
La primera exclusión está hecha en los mismos términos que en el art. 2.2<br />
Directiva 2014/89/UE y en el art. 2.4 LPMM. Se trata, por tanto, <strong>de</strong> una<br />
transposición formal y material <strong>de</strong> la Directiva (ZAMORANO, 2018, p. 9); aunque<br />
los otros <strong>do</strong>s ámbitos exclui<strong>do</strong>s si presentan una problemática competencial<br />
reseñable. La cuestión relevante es si la posibilidad <strong>de</strong> que la or<strong>de</strong>nación<br />
marítima que se haga en ese espacio entra en conflicto con competencias<br />
autonómicas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y planificación urbanística y <strong>de</strong><br />
planificación hidrológica. En este senti<strong>do</strong>, el Consejo <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ró en su<br />
Dictamen 167/2017 que con la regulación prevista en el RD no se vulneran las<br />
competencias autonómicas (ZAMORANO, 2018, p. 10) “ya que el límite interior<br />
son las aguas <strong>de</strong> transición (otra cosa es que tengan competencia respecto <strong>de</strong><br />
actos concretos o <strong>de</strong> planificación sectorial distinta <strong>de</strong> la general<br />
territorial/urbanística, como pue<strong>de</strong> ocurrir, eso sí, con la competencia <strong>de</strong><br />
249
acuicultura), pero ello es objeto <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>sa previsión en el artículo 10 <strong>de</strong>l<br />
proyecto” (CONSEJO DE ESTADO, 2017, p. 23).<br />
To<strong>do</strong> ello supone que entre las aguas planificadas se haya inclui<strong>do</strong> aguas<br />
que son objeto <strong>de</strong> regulación tanto por la Ley <strong>de</strong> Aguas como en la Ley <strong>de</strong> Costas<br />
y en la LPMM. Por ello, se produce un solapamiento <strong>de</strong> la planificación, que<br />
<strong>de</strong>bería armonizarse en aplicación <strong>de</strong>l art. 2.3 Directiva 2014/89/UE (FUENTES,<br />
2017, p. 29 y ss). Sin embargo, el CE ha estima<strong>do</strong> que a pesar <strong>de</strong> existir<br />
solapamiento, éste se resuelve mediante la aplicación <strong>de</strong>l art. 2.3 LPMM, el cual<br />
dispone que “no obstante lo dispuesto en el aparta<strong>do</strong> anterior, el Título II (…) no<br />
será <strong>de</strong> aplicación a las aguas costeras <strong>de</strong>finidas en el art. 16 bis <strong>de</strong>l Texto<br />
refundi<strong>do</strong> <strong>de</strong> la Ley <strong>de</strong> Aguas, aproba<strong>do</strong> por Real Decreto Legislativo 1/2001, <strong>de</strong><br />
20 <strong>de</strong> julio, en relación con aquellos aspectos <strong>de</strong>l esta<strong>do</strong> ambiental <strong>de</strong>l medio<br />
marino que ya estén regula<strong>do</strong>s en el cita<strong>do</strong> texto refundi<strong>do</strong> o en sus <strong>de</strong>sarrollos<br />
reglamentarios, <strong>de</strong>bién<strong>do</strong>se cumplir, en to<strong>do</strong> caso, los objetivos ambientales<br />
estableci<strong>do</strong>s en virtud <strong>de</strong> la presente ley y en las estrategias marinas que se<br />
aprueben en aplicación <strong>de</strong> la misma”. Por tanto, es en las aguas costeras dón<strong>de</strong><br />
se produce este conflicto puesto que en ellas las Comunida<strong>de</strong>s Autónomas<br />
(CCAA) ejercen diversas competencias exclusivas, como acuicultura o pesca<br />
marítima; aunque también inci<strong>de</strong>n en ellas <strong>de</strong>terminadas competencias<br />
estatales.<br />
Ante esta situación, el RD <strong>de</strong>be fijar unos criterios <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación para<br />
garantizar la compatibilidad y la sostenibilidad <strong>de</strong> los distintos usos y activida<strong>de</strong>s<br />
sin afectar a la <strong>de</strong>terminación <strong>de</strong> la específica y concreta aptitud ambiental y la<br />
autorización o concesión <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s corresponda en cada caso a la<br />
Administración con competencias sustanciales en la materia (LOZANO, 2017,<br />
p.3).<br />
De esta forma, el Esta<strong>do</strong> en el ejercicio <strong>de</strong> sus competencias sobre<br />
legislación básica <strong>de</strong> medio ambiente (art. 149.1.23 CE) y sobre las bases y la<br />
coordinación <strong>de</strong> la planificación general <strong>de</strong> la actividad económica, pue<strong>de</strong><br />
establecer una planificación general <strong>de</strong> las aguas marinas, incluidas las costeras,<br />
que no sean objeto <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y <strong>de</strong> urbanismo.<br />
250
4 LOS PLANES DE ORDENACIÓN DEL ESPACIO MARÍTIMO<br />
El instrumento clave en la or<strong>de</strong>nación marítima son los Planes <strong>de</strong><br />
Or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l Espacio Marítimo (POEM), que <strong>de</strong>ben elaborarse para cada una<br />
<strong>de</strong> las cinco <strong>de</strong>marcaciones marítimas fijadas en el art. 6.2 LPMM con una<br />
duración máxima <strong>de</strong> diez años revisables.<br />
Por ello, la or<strong>de</strong>nación por medio <strong>de</strong> planes <strong>de</strong>l espacio marítimo<br />
constituirá una directriz común a todas las EM, lo que explica que durante el<br />
procedimiento <strong>de</strong> elaboración <strong>de</strong> los POEM se precise la colaboración <strong>de</strong> los<br />
diversos <strong>de</strong>partamentos ministeriales, la cooperación <strong>de</strong> las CCAA y la<br />
coordinación con la Comisión Europea. A<strong>de</strong>más, también se hace necesaria la<br />
participación pública en la tramitación <strong>de</strong> los POEM <strong>de</strong>s<strong>de</strong> las fases iniciales <strong>de</strong><br />
la elaboración, informan<strong>do</strong> a todas las partes interesadas y consultan<strong>do</strong> a los<br />
grupos <strong>de</strong> interés y autorida<strong>de</strong>s pertinentes, así como a la ciudadanía que se<br />
consi<strong>de</strong>re afectada.<br />
Los POEM se <strong>de</strong>ben aprobar, como se señala en el aparta<strong>do</strong> d) <strong>de</strong>l art. 1<br />
RD, por el Consejo <strong>de</strong> Ministros mediante RD y se publican en el Boletín Oficial<br />
<strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong>. Así se les atribuye fuerza normativa, aunque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rán <strong>de</strong>l informe<br />
<strong>de</strong> compatibilidad con la estrategia y el espacio concreto, a que estará sometida<br />
la autorización <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s. La atribución <strong>de</strong> valor normativo a los POEM<br />
contribuye a su eficacia, asegurán<strong>do</strong>se que parte <strong>de</strong>l conteni<strong>do</strong> pueda tener<br />
fuerza vinculante para las Administraciones o para los particulares y <strong>de</strong>ba seguir<br />
los trámites preceptivos impuestos por la Ley 40/2015, <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> octubre, <strong>de</strong><br />
Régimen Jurídico <strong>de</strong>l Sector Público.<br />
Los POEM, en virtud <strong>de</strong>l art. 8.1 RD, tendrán que someterse también, por<br />
regla general, al procedimiento <strong>de</strong> evaluación ambiental estratégica. Aunque el<br />
cita<strong>do</strong> precepto sólo lo menciona <strong>de</strong> forma indirecta la Directiva 2014/89/UE en<br />
su consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> núm. 23 que sí lo afirma expresamente y también resulta <strong>de</strong> la<br />
regulación <strong>de</strong>l ámbito <strong>de</strong> aplicación <strong>de</strong> la Ley 21/2013, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> diciembre, que<br />
regula este instrumento. De esta manera, como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> la <strong>de</strong>claración<br />
ambiental estratégica <strong>de</strong>terminadas zonas serán consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> exclusión <strong>de</strong><br />
ciertas activida<strong>de</strong>s, si bien, como afirma Lozano (2017, p. 4)<br />
251
[…] en las zonas no calificadas <strong>de</strong> exclusión la <strong>de</strong>terminación <strong>de</strong> la<br />
aptitud ambiental específica y concreta se hará en el procedimiento <strong>de</strong><br />
evaluación ambiental <strong>de</strong> cada uno <strong>de</strong> los proyectos, evaluación esta<br />
última que correspon<strong>de</strong> llevar a cabo a la comunidad autónoma o al<br />
Esta<strong>do</strong>, según cual sea la autoridad competente para otorgar las<br />
correspondientes concesiones o autorizaciones […].<br />
El conteni<strong>do</strong> <strong>de</strong> los POEM adquiere relevancia por la pretensión<br />
integra<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los usos y activida<strong>de</strong>s en los espacios afecta<strong>do</strong>s que<br />
plantea la Directiva 2014/89/UE. Según el art. 10 RD <strong>de</strong>ben establecer “la<br />
distribución espacial y temporal <strong>de</strong> las correspondientes activida<strong>de</strong>s y usos,<br />
existentes y futuros”. Entre las activida<strong>de</strong>s y usos e intereses posibles se<br />
incluyen: la acuicultura; la pesca; las instalaciones e infraestructuras para la<br />
prospección, explotación y extracción <strong>de</strong> petróleo, gas y otros recursos<br />
energéticos, minerales y ári<strong>do</strong>s minerales, y la producción <strong>de</strong> energía proce<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> fuentes renovables; las rutas <strong>de</strong> transporte marítimo y el tráfico marítimo; las<br />
zonas <strong>de</strong> verti<strong>do</strong> en el mar; las zonas e instalaciones <strong>de</strong> interés para la <strong>de</strong>fensa<br />
nacional; las zonas <strong>de</strong> extracción <strong>de</strong> materias primas; los tendi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cables y<br />
<strong>de</strong> tuberías submarinos; las activida<strong>de</strong>s turísticas, recreativas, culturales y<br />
<strong>de</strong>portivas; la investigación científica; y el patrimonio cultural submarino<br />
(ZAMORANO, 2018, p. 13 y ss). También <strong>de</strong>berán incluir los espacios<br />
protegi<strong>do</strong>s, los lugares y hábitats que merezcan especial atención por su alto<br />
valor ambiental y las especies protegidas, en especial los disponibles en el<br />
Inventario Español <strong>de</strong>l Patrimonio Natural y <strong>de</strong> la Biodiversidad, y quedan<br />
expresamente inclui<strong>do</strong>s los “elementos <strong>de</strong> entre los lista<strong>do</strong>s u otros adicionales<br />
que <strong>de</strong>ban formar parte <strong>de</strong> la infraestructura ver<strong>de</strong>”. De este mo<strong>do</strong>, el RD ha<br />
teni<strong>do</strong> en cuenta la Ley 33/2015, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> septiembre, que modifica la Ley<br />
42/2007, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> diciembre, <strong>de</strong>l Patrimonio Natural y <strong>de</strong> la Biodiversidad, la cual<br />
crea en su art. 15 la llamada infraestructura ver<strong>de</strong> (CONSEJO DE ESTADO,<br />
2017, p. 31). Y para garantizar la compatibilidad y coherencia <strong>de</strong> los POEM con<br />
las EM se prevé que se coordinaran a través <strong>de</strong> los Comités <strong>de</strong> Seguimiento <strong>de</strong><br />
las Estrategias Marinas, la Comisión Interministerial <strong>de</strong> Estrategias Marinas u<br />
otros órganos <strong>de</strong> coordinación interadministrativa existentes (art. 4 RD).<br />
252
5 LA COOPERACIÓN INTERESTATAL<br />
La cooperación ad intra entre los Esta<strong>do</strong>s con fronteras marítimas<br />
compartidas resulta imprescindible cuan<strong>do</strong> se preten<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar la actividad o los<br />
usos <strong>de</strong> los mares. La Directiva 2014/89/UE dispone que los Esta<strong>do</strong>s miembros<br />
<strong>de</strong>ben <strong>de</strong>terminar y aplicar una or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo tenien<strong>do</strong> en<br />
cuenta la mejora <strong>de</strong> la cooperación transfronteriza. Por ello, se exige la<br />
cooperación en los requisitos mínimos aplicables a la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio<br />
marítimo (art. 6), así como en el proceso <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación y gestión <strong>de</strong> las aguas<br />
marinas, cuan<strong>do</strong> éstas pertenezcan a Esta<strong>do</strong>s contiguos (art. 11). Esta<br />
cooperación resulta preceptiva y se <strong>de</strong>be plasmar mediante: a) estructuras<br />
regionales <strong>de</strong> cooperación institucional existentes, tales como convenciones<br />
marítimas regionales; b) re<strong>de</strong>s o estructuras <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> los<br />
Esta<strong>do</strong>s miembros; y c) cualquier otro méto<strong>do</strong> que satisfaga el objeto <strong>de</strong> la<br />
Directiva.<br />
Por otro la<strong>do</strong>, la Directiva 2014/89/UE también persigue una cooperación<br />
ad extra con terceros países. Por ello, se establece que los Esta<strong>do</strong>s miembros<br />
procurarán cooperar con países <strong>de</strong> fuera <strong>de</strong> la Unión Europea tanto en el ámbito<br />
<strong>de</strong> la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo en las regiones marinas pertinentes y <strong>de</strong><br />
conformidad con el Derecho y las convenciones internacionales, como a través<br />
<strong>de</strong> la cooperación institucional regional o los foros internacionales existentes (art.<br />
12) . Este mismo esquema se ha traslada<strong>do</strong> al or<strong>de</strong>namiento jurídico español a<br />
través <strong>de</strong>l art. 6 RD al establecer que serán los POEM los que garanticen la<br />
cooperación con otros Esta<strong>do</strong>s miembros y con terceros, <strong>de</strong> conformidad con lo<br />
dispuesto en los arts. 13 y 14 RD.<br />
6 CONCLUSIONES<br />
La PMI es una política transversal que tiene como objetivo la conservación<br />
<strong>de</strong>l medio ambiente marino y el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los sectores económicos que<br />
operan en las aguas marinas. De acuer<strong>do</strong> con esa visión se aprobó la Directiva<br />
2008/56/CE por la que se establece un marco <strong>de</strong> acción para la política <strong>de</strong>l medio<br />
marino que obliga a los Esta<strong>do</strong>s miembros a a<strong>do</strong>ptar las medidas necesarias<br />
para lograr o mantener un buen esta<strong>do</strong> medioambiental <strong>de</strong>l medio marino, y la<br />
253
Directiva 2014/89/UE, por la que se establece un marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l<br />
espacio marítimo.<br />
Este enfoque integral <strong>de</strong>l marco <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l medio marino se<br />
incorporó en nuestro or<strong>de</strong>namiento jurídico mediante la aprobación <strong>de</strong> la LPMM<br />
y el RD. Normas que, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> transponer la citada Directiva, se articulan<br />
como “una directriz común a todas las estrategias marinas” aprobadas en<br />
aplicación <strong>de</strong>l art. 4.2 LPMM, lo que habilita al Gobierno para establecer<br />
directrices comunes a las EM en la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s o usos que<br />
afectan al medio marino.<br />
De este mo<strong>do</strong>, se vinculan los <strong>do</strong>s instrumentos <strong>de</strong> planificación. Por un<br />
la<strong>do</strong>, las EM se configuran como el instrumento esencial <strong>de</strong> planificación <strong>de</strong>l<br />
medio marino. Y, por otro la<strong>do</strong>, los POEM son los instrumentos que <strong>de</strong>terminan<br />
la capacidad <strong>de</strong>l espacio marino para acoger los diferentes usos y activida<strong>de</strong>s a<br />
<strong>de</strong>sarrollar en el medio. Esta vinculación es esencial porque ya la LPMM<br />
contemplaba la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s entre las directrices comunes a las<br />
EM y en los programas <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> las mismas; pero sobreto<strong>do</strong> es importante<br />
para asegurar que se mantiene el buen esta<strong>do</strong> ambiental <strong>de</strong>l medio marino.<br />
Por tanto, la or<strong>de</strong>nación que establece la LPMM sienta las bases para<br />
conseguir una armonización y concreción <strong>de</strong> la tutela ambiental <strong>de</strong>l medio marino<br />
mediante las EM. Pero con la aprobación <strong>de</strong>l RD se da un paso más y se<br />
establece un nuevo marco jurídico para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, con<br />
el objetivo <strong>de</strong> fomentar el crecimiento sostenible <strong>de</strong> las economías marítimas, el<br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los espacios marinos y el aprovechamiento <strong>de</strong> los recursos<br />
marinos.<br />
Finalmente, se pue<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que la nueva or<strong>de</strong>nación contribuirá a la<br />
gestión eficaz <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s marítimas y al aprovechamiento sostenible <strong>de</strong><br />
los recursos costeros y marinos. Sin duda, la regulación prevista en el RD resulta<br />
un gran avance para la or<strong>de</strong>nación y gestión integrada <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s<br />
marítimas y costeras que generan conflictos importantes en muchas partes <strong>de</strong>l<br />
planeta. Pero to<strong>do</strong>s estos instrumentos legales y figuras <strong>de</strong> protección por sí<br />
solos son insuficientes para alcanzar los objetivos que persiguen, ya que si algo<br />
<strong>de</strong>termina la calidad ambiental <strong>de</strong>l medio marino es la contaminación <strong>de</strong> origen<br />
254
terrestre. Por consiguiente, es imprescindible coordinar la PMI con otro tipo <strong>de</strong><br />
estrategias que actúen en el litoral y que también vayan dirigidas a proteger<br />
nuestros mares.<br />
En conclusión, po<strong>de</strong>mos afirmar que el nuevo marco jurídico para la<br />
or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo supone un avance importante porque insta a<br />
garantizar un proceso <strong>de</strong> planificación global dón<strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntifique la<br />
potencialidad <strong>de</strong> los espacios marítimos para los diferentes usos y se tengan en<br />
cuenta los cambios <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s <strong>de</strong>l cambio climático. No obstante, todavía es<br />
pronto para valorar su eficacia y quedan aspectos a mejorar y a potenciar como:<br />
consolidar la figura <strong>de</strong> las Áreas Marítimas Protegidas (AMP) y a su vez<br />
aumentar su número, ya que España tiene todavía pocas; reforzar la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> la<br />
Red <strong>de</strong> Áreas Marinas Protegidas (RAMP) como un sistema integra<strong>do</strong>, que va<br />
más allá <strong>de</strong> la suma <strong>de</strong> espacios que la integran; fomentar la investigación<br />
marina, para que nos permita conocer el esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> las aguas y <strong>de</strong> la<br />
biodiversidad marina; y aumentar la proyección internacional <strong>de</strong> la biodiversidad<br />
marina española, y así promover el carácter transfronterizo <strong>de</strong> esta Red.<br />
7 BIBLIOGRAFÍA<br />
ARANA, E. La Ley 41/2010, <strong>de</strong> protección <strong>de</strong>l medio marino como nuevo marco<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> los mares y océanos españoles. Consi<strong>de</strong>raciones generales,<br />
estructura y conteni<strong>do</strong> <strong>de</strong> la norma. In: ARANA, E.; SANZ, F. J. (Dir.). La<br />
or<strong>de</strong>nación jurídica <strong>de</strong>l medio marino en España: estudios sobre la Ley<br />
41/2010, <strong>de</strong> protección <strong>de</strong>l medio marino. Cizur Menor, 2012<br />
CONSEJO DE ESTADO. Dictamen, núm. 167/2017, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> marzo <strong>de</strong> 2017.<br />
Madrid: Agencia Estatal Boletín Oficial <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong>, 2017.<br />
FUENTES, J. R. Avances en la protección y conservación <strong>de</strong>l medio marino<br />
español. El nuevo marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marino. Revista<br />
Catalana <strong>de</strong> Dret Ambiental, v. 8, n. 1, 2017.<br />
LA ORDENACIÓN <strong>de</strong> los espacios marinos en la Unión Europea y en España.<br />
Revista Aranzadi <strong>de</strong> Derecho Ambiental, n. 39, 2018.<br />
LOZANO, B. Real Decreto 363/2017, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> abril: la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> los<br />
distintos usos y <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s económicas en el espacio marítimo. Análisis<br />
GA&P, mayo 2017.<br />
255
ORDENACIÓN <strong>de</strong> los espacios marítimos y <strong>de</strong> las zonas costeras <strong>de</strong>l<br />
mediterráneo. In: JUSTE, J.; BOU, V. (Dir.). Derecho <strong>de</strong>l mar y sostenibilidad<br />
ambiental en el Mediterráneo. Valencia, 2013.<br />
ZAMORANO, J. La or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l litoral: hacia una propuesta <strong>de</strong> gestión<br />
integrada. Madrid, 2012.<br />
256
ENERGIA RENOVÁVEL DE BAIXO IMPACTO COMO UM DIREITO<br />
HUMANO: UM OLHAR SOBRE A DIGNIDADE HUMANA E INTERAÇÃO<br />
COM A NATUREZA<br />
ALMEIDA, Rainara Ver<strong>de</strong> Serra<br />
Mestranda em Políticas Públicas e graduada em Comunicação Social – Relações Públicas na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong><br />
Maranhão - UFMA, Especialista em Gestão <strong>de</strong> Projetos pela Fundação Getúlio Vargas - FGV.<br />
rainaraserra@hotmail.com<br />
RESUMO<br />
O presente artigo objetiva <strong>de</strong>monstrar a ligação existente entre o acesso à<br />
energia renovável <strong>de</strong> baixo impacto e os direitos humanos. Para tanto discorre<br />
sobre a situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> meio ambiente e a forma como afeta a<br />
dignida<strong>de</strong> humana. Apresenta <strong>de</strong>clarações, pactos e acor<strong>do</strong>s que buscam<br />
efetivar a igualda<strong>de</strong> da dignida<strong>de</strong> humana para to<strong>do</strong>s. Por fim, relaciona com a<br />
causa ambiental, e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estruturar a substituição das fontes fósseis<br />
em ampla escala para garantir uma vida digna a to<strong>do</strong>s, seja nas cida<strong>de</strong>s ou em<br />
áreas rurais.<br />
Palavras-chave: Energia renovável; direitos humanos; dignida<strong>de</strong>; meio<br />
ambiente.<br />
ABSTRACT<br />
This article aims to <strong>de</strong>monstrate the link between access to low-impact renewable<br />
energy and human rights. To <strong>do</strong> so, it discusses the situation of <strong>de</strong>gradation of<br />
the environment and the way it affects human dignity. It presents <strong>de</strong>clarations,<br />
pacts and agreements that seek to achieve equality of human dignity for all.<br />
Finally, it relates to the environmental cause, and the need to structure the<br />
replacement of fossil sources on a large scale to ensure a <strong>de</strong>cent life for all,<br />
whether in cities or in rural areas.<br />
Keywords: renewable energy; human rights; dignity; environment.<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
Inicio este artigo com algumas reflexões: como hoje, nós, seres humanos,<br />
ainda conseguimos nos conceber a parte <strong>do</strong> meio ambiente, da natureza? Como<br />
perceber o direito humano sem a clara conexão ao direito a um ambiente<br />
257
saudável? Por que a energia, item fundamental para a socieda<strong>de</strong> atual não<br />
claramente associada a um direito humano?<br />
Em meio <strong>de</strong> tantos <strong>de</strong>sastres ambientais, imigrações (que tem relação<br />
direta ou indireta com causas ambientais), aci<strong>de</strong>ntes ambientais, escassez <strong>de</strong><br />
recursos e preços eleva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> insumos básicos, entre outros, a chamada para<br />
garantir o direito a uma vida digna se mostra ligada a causas ambientais.<br />
A energia é o ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque que iremos abordar neste artigo. É ela<br />
fundamental para o funcionamento e <strong>de</strong>senvolvimento das indústrias. Estas, por<br />
sua vez movem as socieda<strong>de</strong>s, capitalistas ou não capitalistas (pois estão<br />
inseridas no contexto mundial e em relações comerciais entre si) (HINRICHS et<br />
all, 2016).<br />
Por sua vez, as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m cada vez mais da tecnologia e da<br />
informação. Mesmo o básico <strong>de</strong> condições para garantia <strong>do</strong>s direitos<br />
fundamentais e direitos econômicos para uma vida digna é possibilita<strong>do</strong> através<br />
da energia. Mesmo o direito à paz, ambiente e esperança, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s em<br />
discussões como a quinta geração/dimensão <strong>do</strong>s direitos tem relação com a<br />
energia.<br />
Porém, a produção da energia, a sua utilização enquanto matéria-prima,<br />
os produtos oriun<strong>do</strong>s da indústria que a consome, e os resíduos gera<strong>do</strong>s pelo<br />
seu ciclo <strong>de</strong> vida são pauta <strong>de</strong> discussões econômicas e sócio ambientais.<br />
São inúmeros os apontamentos sobre as consequências <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong><br />
seu consumo inconsequente, e, principalmente, <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> combustíveis fósseis<br />
como ameaça para a sobrevivência da própria humanida<strong>de</strong>. Pactos, acor<strong>do</strong>s,<br />
cartas <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são a compromissos mundiais não param se se renovar.<br />
Assim, tentaremos <strong>de</strong>monstrar a relação entre o meio ambiente e energia<br />
renovável <strong>de</strong> baixo impacto como uma questão <strong>de</strong> direitos humanos. Não temos<br />
a intenção <strong>de</strong> fazer uma abordagem especificamente jurídica, mas relacional<br />
entre a intencionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pactos e acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos humanos, que buscam<br />
vida digna a to<strong>do</strong>s e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> tecnologias energéticas <strong>de</strong> baixo<br />
impacto socioambiental.<br />
258
2. PONDERAÇÕES SOBRE MEIO AMBIENTE E ENERGIA<br />
A preocupação com o ambiente e sua exploração na busca única pelo<br />
“ter” remonta tempos antigos:<br />
“Mas eu só me rio <strong>do</strong> homem, cheio <strong>de</strong> estupi<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>de</strong> ações<br />
justas, [...] que com ânsias excessivas recorre à terra até suas<br />
fronteiras e penetra em suas cavida<strong>de</strong>s imensas, fun<strong>de</strong> o ouro e a<br />
prata, acumula sem <strong>de</strong>scanso e se esforça para ter cada vez mais<br />
para ser cada vez menos. Não envergonha <strong>de</strong> ser chama<strong>do</strong> feliz<br />
porque cava fun<strong>do</strong> nas profun<strong>de</strong>zas da terra por meio <strong>de</strong> homens<br />
acorrenta<strong>do</strong>s: entre eles, alguns morrem <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizamentos <strong>de</strong> terra,<br />
outros, passan<strong>do</strong> por larguíssima escravidão, vivem nesta prisão como<br />
em sua casa. Buscam ouro e prata, peneiran<strong>do</strong> entre a sujeira e<br />
<strong>de</strong>tritos, moven<strong>do</strong>-se pilhas <strong>de</strong> areia, abrem as veias da terra para se<br />
enriquecerem, <strong>de</strong>spedaçan<strong>do</strong> a mãe terra [...]”. (HIPÓCRATES apud<br />
RESEND; REIS, 2013, p 2, grifo nosso)<br />
Há cerca <strong>de</strong> 2 mil anos (data <strong>de</strong>stes escritos) já se percebiam o aspecto<br />
<strong>de</strong>gradante para a natureza da exploração para acumulação, e para os homens<br />
em situação <strong>de</strong> escravidão, risco <strong>de</strong> morte, <strong>de</strong> forma indigna.<br />
Aristóteles (2004), já apresentava o conceito <strong>de</strong> justa medida, uma virtu<strong>de</strong><br />
ética, que seria uma ação equilibrada, que quan<strong>do</strong> praticada apontaria uma<br />
forma <strong>de</strong> conduta <strong>do</strong> bem viver.<br />
Ainda hoje alguns vícios fazem nos julgar seres alheios à natureza,<br />
superiores entre nossa própria espécie e a continuar o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação<br />
ambiental. Como é possível? Na tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a tal pergunta, o autor<br />
Alemão Harald Wezer, em seu livro a Guerra das águas apresenta um caminho<br />
para uma resposta para os feitos mais recentes:<br />
‘A memoria da exploração, da escravidão e <strong>do</strong> extermínio tornou-se<br />
vítima <strong>de</strong> uma amnésia <strong>de</strong>mocrática que estão afeta<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os<br />
esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte, que não querem recordar que sua riqueza, <strong>do</strong><br />
mesmo mo<strong>do</strong> que seu po<strong>de</strong>rio e progresso foram construí<strong>do</strong>s ao longo<br />
<strong>de</strong> uma história mortífera. Em vez disso, o que se encontra é um<br />
orgulho pela <strong>de</strong>scoberta, observância e <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos<br />
humanos, pela prática <strong>do</strong> politicamente correto, pela participação<br />
em ativida<strong>de</strong>s humanitárias, sempre que em algum lugar da África ou<br />
da Ásia uma guerra civil, uma inundação ou uma seca compromete as<br />
necessida<strong>de</strong>s fundamentais <strong>de</strong> sobrevivência <strong>do</strong>s povos.“ (WELZER,<br />
2010, p 9, grifo nosso)<br />
259
A falta <strong>de</strong> memória para situações anteriormente vividas, neste caso se<br />
aplica aos que, através da violência acumularam riquezas. E assim querem<br />
permanecer.<br />
Essa amnésia tem consequências gravíssimas. Em seu livro, Welzer faz<br />
uma abordagem profunda e <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> como se relacionam a<br />
mudança climática e a violência, pon<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as causas e consequências das<br />
imigrações e seus diversos fatores.<br />
Da mesma forma, Fre<strong>de</strong>rico Ama<strong>do</strong> (2015), que trata <strong>de</strong> direito ambiental,<br />
aponta como crescente o número <strong>de</strong> refugia<strong>do</strong>s ambientais ou climáticos,<br />
pessoa forçadas a emigrar das zonas que habitam em razão da alteração <strong>do</strong><br />
ambiente, buscan<strong>do</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida ou mesmo <strong>de</strong> sobrevivência.<br />
O livro Energia e Meio Ambiente, <strong>de</strong>monstra que para a sobrevivência<br />
mesmo econômica e a elaboração <strong>de</strong> políticas energéticas a<strong>de</strong>quadas, <strong>de</strong>vemos<br />
nos preocupar com a questão climática, porém:<br />
“Um <strong>do</strong>s problemas básicos no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma estratégia<br />
energética é que as políticas públicas dificultam a formulação <strong>de</strong> plano<br />
<strong>de</strong> longo prazo. Complementan<strong>do</strong> esse problema, está o fato <strong>de</strong> que<br />
os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s parecem ser uma nação e um povo com memória<br />
curta”. (HINRICHS et all, 2016, p 736)<br />
Aqui o autor se refere à ausência <strong>de</strong> memória das crises energéticas<br />
periódicas atravessadas pelos americanos, que os leva a não elaborar<br />
apropriadas políticas energéticas. Porém, seja pela vonta<strong>de</strong> individual <strong>de</strong><br />
manter-se ignorante, seja pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns governantes em tentar manter<br />
a maioria ignorante para permanecerem no po<strong>de</strong>r e na acumulação ilimitada,<br />
quem per<strong>de</strong> é a coletivida<strong>de</strong>.<br />
No contexto brasileiro, a falta <strong>de</strong> memória se aplica à forma como fomos<br />
coloniza<strong>do</strong>s e como fomos instruí<strong>do</strong>s a servir à pátria mãe gentil (e até mesmo<br />
à ausência <strong>de</strong> conhecimento sobre essa realida<strong>de</strong>). Sem reflexões sobre como<br />
fomos e somos explora<strong>do</strong>s, e como ainda nos tempos atuais fornecemos<br />
matéria-prima a baixo custo para os merca<strong>do</strong>s externos, sem equiparação <strong>de</strong><br />
vantagens.<br />
260
A amnésia não se restringe à opressão <strong>do</strong>s povos, ou a alteração nos<br />
preços <strong>do</strong>s insumos, mas vão além, alcançan<strong>do</strong> os <strong>de</strong>sastres ambientais que já<br />
passamos, e que ainda estamos passan<strong>do</strong> pela produção e <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> energia:<br />
chuvas ácidas, resíduos radioativos, aquecimento global, etc.<br />
A <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> combustíveis fósseis para movimentar a socieda<strong>de</strong>, a<br />
economia, e garantir “um padrão <strong>de</strong> vida capaz <strong>de</strong> assegurar-lhe, e a sua família,<br />
saú<strong>de</strong>, bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação (...)” (ONU, artigo<br />
25) é voraz. 85% das fontes comerciais <strong>de</strong> energia usadas no mun<strong>do</strong> são<br />
oriundas <strong>de</strong> combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural (HINRICHS et<br />
all, 2016).<br />
E o risco, além <strong>do</strong>s efeitos causa<strong>do</strong>s pela geração da energia, e da forma<br />
<strong>de</strong> consumo (meios <strong>de</strong> transporte, por exemplo, que agrava o aumento da<br />
temperatura global), se esten<strong>de</strong> ao risco da exploração e extração das matérias<br />
prima.<br />
Como, por exemplo, o aci<strong>de</strong>nte na plataforma <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> petróleo<br />
Deepwater Horizon, que explodiu em 2010, e, além <strong>de</strong> vítimas humanas fatais,<br />
causou um o maior vazamento <strong>de</strong> petróleo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (175milhões <strong>de</strong> galões <strong>de</strong><br />
petróleo bruto), causan<strong>do</strong> dano ambiental e na política energética que até hoje<br />
não foi mensura<strong>do</strong> por completo. (HINRICHS et all, 2016, p.255).<br />
Quem per<strong>de</strong> é a coletivida<strong>de</strong>, a humanida<strong>de</strong>. E vale <strong>de</strong>stacar que pela a<br />
Lei 6.938/1981 meio ambiente é um bem público, e <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong> interesse da<br />
coletivida<strong>de</strong> em geral a sua preservação.<br />
Pensan<strong>do</strong> também na coletivida<strong>de</strong>, Ama<strong>do</strong> justifica a importância <strong>do</strong><br />
direito ambiental na proteção <strong>do</strong> meio ambiente, e aqui nos restringimos ao<br />
natural, pois sua <strong>de</strong>gradação irracional “afeta negativamente a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />
das pessoas colocan<strong>do</strong> em risco as futuras gerações, [por isso] torna-se curial a<br />
maior e eficaz tutela <strong>do</strong>s recursos ambientais pelo Po<strong>de</strong>r Público e por toda a<br />
coletivida<strong>de</strong>.” (AMADO, 2015, p1).<br />
Mesmo sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> campo da consciência ambiental, e da sobrevivência da<br />
espécie e entran<strong>do</strong> no campo técnico e econômico, observamos uma forte<br />
tendência à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> alternativas ambientais. As frentes para alternativas que<br />
reduzam os impactos <strong>de</strong> nossa atual forma <strong>de</strong> viver são inúmeras.<br />
261
A energia renovável é uma indicação para substituição <strong>de</strong> fontes fósseis,<br />
<strong>de</strong>fendidas por diversos autores, mas, neste artigo queremos restringir o tipo da<br />
fonte <strong>de</strong> energia. Löwy (2010) afirma que uma reorientação tecnológica é<br />
fundamental “visan<strong>do</strong> a substituição das fontes atuais <strong>de</strong> energia por outras não<br />
poluentes e renováveis como eólica ou solar.” (p 38)<br />
Toman<strong>do</strong> por renováveis aquelas fontes que tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
reestabelecerem, eliminan<strong>do</strong> o caráter finito, restringimos a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> acesso<br />
mais amplo a fontes <strong>de</strong> baixo impacto, como eólica, solar, maremotriz etc, para<br />
a garantia <strong>de</strong> um ambiente equilibra<strong>do</strong>.<br />
Algumas fontes, mesmo renováveis, tem alto impacto, como a hidrelétrica.<br />
A construção <strong>de</strong> uma usina hidrelétrica necessita <strong>de</strong> supressão <strong>de</strong> vasta área <strong>de</strong><br />
fauna, flora, remoção <strong>de</strong> população tradicional e por vezes inundação <strong>de</strong> sítios<br />
arqueológico ou cida<strong>de</strong>s inteiras. Outras, como a biomassa (reaproveitamento<br />
<strong>de</strong> resíduos <strong>de</strong> processos produtivos), ainda são foco <strong>de</strong> uso industrial para a<br />
manutenção <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção 2 .<br />
No Brasil, 60,70% das fontes <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> energia são <strong>de</strong> base hídrica,<br />
e 15,83% é <strong>de</strong> base fóssil. Nossa segurança energética fica abalada em épocas<br />
<strong>de</strong> poucas chuvas, sen<strong>do</strong> necessário acionar a geração <strong>de</strong> base fóssil (ANEEL,<br />
2018).<br />
Mesmo possuin<strong>do</strong> uma ampla base <strong>de</strong> fonte renovável e limpa para<br />
geração <strong>de</strong> energia, além <strong>do</strong> impacto da construção, as alterações climáticas<br />
têm gera<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>s mais longos <strong>de</strong> estiagem, reduzi<strong>do</strong> o nível <strong>do</strong>s reservatórios<br />
<strong>de</strong> água <strong>do</strong> Brasil.<br />
Assim faz-se ainda mais urgente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> fontes<br />
renováveis <strong>de</strong> baixo impacto. Consi<strong>de</strong>ramos também que pelas questões <strong>de</strong><br />
segurança energética é indicada a diversificação das matrizes, por isso o reforço<br />
ao amplo alcance das tecnologias para acesso à energia renovável.<br />
2<br />
Exploro <strong>de</strong> forma mais aprofundada essa discussão no artigo intitula<strong>do</strong> “O<br />
(IN)SUSTENTÁVEL DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO LIMPO E RENOVÁVEL DOS<br />
PROGRAMAS BRASILEIROS DE INCENTIVO A ESSAS FONTES”, aprova<strong>do</strong> nesta data para<br />
publicação no XX Encontro Internacional sobre Gestão Ambiental e Meio Ambiente -ENGEMA.<br />
262
3. DECLARAÇÕES E PACTOS: DIREITOS HUMANOS E O DIREITO À<br />
ENERGIA<br />
Observamos que a energia é inerente à socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, que se<br />
relaciona diretamente com o clima. Por sua vez, o clima <strong>de</strong>sequilibra<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia consequências como migrações para busca <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida, ou mesmo sobrevivência, já que a <strong>de</strong>gradação afeta negativamente a<br />
vida.<br />
A busca por qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida ou por uma vida digna é o anseio da<br />
humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios. Mesmo que anteriormente essa busca fosse<br />
individualista, nos tempos <strong>de</strong> Heráclito já havia quem <strong>de</strong>preciasse a escravidão.<br />
Nos tempos mo<strong>de</strong>rnos, tomou <strong>de</strong>staque na revolução francesa, com o lema<br />
“Liberda<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>”.<br />
O marco histórico da luta mundial conta o tratamento <strong>de</strong>gradante <strong>do</strong> ser<br />
humano foi a Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> – DUDH que completa<br />
70 anos neste ano <strong>de</strong> 2018.<br />
Assinada em 1948, mesmo que criticada por alguns autores, como um<br />
elemento paliativo à busca por eliminação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, é uma ferramenta<br />
histórica que pauta diversas políticas públicas, planos ações, governos e mesmo<br />
inciativas individuais e coletivas.<br />
Em seu preâmbulo nos diz que “Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o reconhecimento da<br />
dignida<strong>de</strong> humana e <strong>de</strong> seus direito iguais e inalienáveis é o fundamento da<br />
liberda<strong>de</strong>, da justiça e da paz.” (Assembléia Geral da ONU, 1948, p.1).<br />
Como dignida<strong>de</strong> humana enten<strong>de</strong>mos que:<br />
“(...) consiste num conceito normativo, que <strong>de</strong>ve proteger to<strong>do</strong> homem<br />
<strong>de</strong> ser trata<strong>do</strong> como meio, isto é, como um simples objeto para a<br />
consecução <strong>de</strong> seus fins. Isso implica que to<strong>do</strong>s sejam trata<strong>do</strong>s como<br />
possui<strong>do</strong>res <strong>de</strong> certo grau <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> contingente, o que é uma<br />
tentativa <strong>de</strong> proteger os homens <strong>de</strong> humilhações” (KAUFMANN, 2013,<br />
apud RESEND; REIS, 2013, p 4)<br />
Para que o homem não seja trata<strong>do</strong> com meio e/ou possa não ser<br />
subjuga<strong>do</strong> e humilha<strong>do</strong> ele precisa ter os elementos fundamentais para viver:<br />
263
local (proprieda<strong>de</strong>), insumos, recursos, e o ambiente ao seu re<strong>do</strong>r saudável para<br />
garantia da vida.<br />
Precisa ser “livre e igual em dignida<strong>de</strong> e direitos”, conforme nos apresenta<br />
o artigo I da DUDH; acessar o “direito à proprieda<strong>de</strong> só ou em socieda<strong>de</strong>”, como<br />
afirma o artigo XVII; ter acesso aos “direitos econômicos, sociais e culturais<br />
indispensáveis à sua dignida<strong>de</strong>”, conforme o artigo XXII.<br />
1228,<br />
E proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter uma função social. Pelo próprio código civil, artigo<br />
“o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser executa<strong>do</strong> em consonância com<br />
suas finalida<strong>de</strong>s econômicas e sociais e <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que sejam<br />
preserva<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o que estabeleci<strong>do</strong> em lei especial,<br />
a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio<br />
histórico e artístico, bem como evitada a poluição <strong>do</strong> ar e das águas.”<br />
(AMADO, 2015, p45).<br />
Para quaisquer finalida<strong>de</strong>s a energia se faz presente, então o uso da fonte<br />
renovável se faz necessário para evitar a poluição <strong>do</strong> ar e das águas.<br />
Quan<strong>do</strong> observamos o artigo XXV, que trata <strong>do</strong> direito “a um padrão <strong>de</strong><br />
vida capaz <strong>de</strong> assegurar-lhe, e a sua família saú<strong>de</strong> bem-estar, inclusive<br />
alimentação, vestuário, habitação, cuida<strong>do</strong>s médicos e os serviços sociais<br />
indispensáveis”, nos remete a uma condição econômica confortável, inseri<strong>do</strong> em<br />
um meio ambiente natural saudável e preserva<strong>do</strong>.<br />
Ao analisar o artigo XXVII que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o direito à “or<strong>de</strong>m social<br />
internacional em que os direitos e liberda<strong>de</strong>s estabeleci<strong>do</strong>s na presente<br />
Declaração possam ser plenamente realiza<strong>do</strong>s”, resgatamos Welzer e Ama<strong>do</strong><br />
com a intrísseca relação entre alterações climáticas, migração, violência e<br />
direitos ambientais.<br />
O abalo que a or<strong>de</strong>m social sofre com os refugia<strong>do</strong>s ambientais são<br />
enormes. Não obstante déficit <strong>de</strong> planejamento que as cida<strong>de</strong>s já possuem, o<br />
fluxo migratório não acompanha a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong><br />
migração.<br />
Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que existem também os refugia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> guerra, e que<br />
algumas <strong>de</strong>stas são geradas pelas disputas <strong>de</strong> territórios para a exploração <strong>de</strong><br />
combustíveis fósseis, causan<strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro terror mundial,<br />
264
“Temos <strong>de</strong> conservar em mente a circunstancia <strong>de</strong> ele [o terror] ter si<strong>do</strong><br />
gera<strong>do</strong> pelos processos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. Quanto mais abrangentes<br />
forem os processos, tanto mais po<strong>de</strong>mos esperar novas formas <strong>de</strong><br />
violência qualitativa e quantitativa, cuja tendência será <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong><br />
guerras” (WELZER, 2010, p 186)<br />
Assim o ser humano que migra em busca <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, encontra um<br />
abrigo muitas vezes indigno e insalubre, e sobrevive ao invés <strong>de</strong> viver. Quan<strong>do</strong><br />
não é impeli<strong>do</strong> à violência para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Um ciclo vicioso que precisa ser<br />
interrompi<strong>do</strong>.<br />
Mesmo a justiça e paz citadas no preâmbulo, <strong>de</strong>ve ser ligada ao meio<br />
ambiente, pois os processos migratórios po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um <strong>de</strong>sequilíbrio<br />
humano ainda maior.<br />
A energia renovável <strong>de</strong> baixo impacto aplicada <strong>de</strong> forma massiva, é uma<br />
alternativa para a eliminação <strong>de</strong> várias consequências da exploração <strong>de</strong><br />
combustíveis fósseis. Ela tem relação direta com a dignida<strong>de</strong> humana no senti<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> permitir ao ser humano condições <strong>de</strong> ambiente saudável, parte <strong>de</strong> recurso<br />
econômico e social.<br />
Durante um longo perío<strong>do</strong> uma linha <strong>de</strong> pensamento <strong>do</strong>minante<br />
categorizou o ser humano como um ser a parte da natureza (como Hobbes e<br />
Lock). Após a Segunda Guerra Mundial e a nova formatação <strong>de</strong> produção<br />
industrial e agrícola levou a uma série <strong>de</strong> reflexões sobre nos recolocar no<br />
mun<strong>do</strong> em que estamos, e repensar a forma com nos relacionamos com a<br />
natureza.<br />
Os esforços inicia<strong>do</strong>s pela ONU, em 1972, em Estocolmo, pontuaram as<br />
primeiras e inúmeras ações para preservação <strong>do</strong>s recursos naturais, na tentativa<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que não são apenas recursos.<br />
E por não serem trata<strong>do</strong>s apenas como meio, tal qual o conceito <strong>de</strong><br />
dignida<strong>de</strong> humana, consi<strong>de</strong>ramos o meio ambiente passível <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>.<br />
Foi assim divulgada Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre<br />
o Meio Ambiente Humano, com 27 princípios básicos para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável, a dignida<strong>de</strong> humana, o meio ambiente e as obrigações <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />
em matéria <strong>de</strong> direitos ambientais <strong>do</strong>s seres humanos.<br />
265
O seu princípio 15 trata <strong>do</strong> planejamento aos assentamentos humanos,<br />
orientan<strong>do</strong> a realiza-los para “evitar repercussões prejudiciais sobre o meio<br />
ambiente e a obter os máximos benefícios sociais, econômicos e ambientais<br />
para to<strong>do</strong>s. A este respeito <strong>de</strong>vem-se aban<strong>do</strong>nar os projetos <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s à<br />
<strong>do</strong>minação colonialista e racista.” Aqui se refere à dignida<strong>de</strong> humana, e ao direito<br />
ao ambiente saudável.<br />
O princípio 20 da <strong>de</strong>claração reforça que “as tecnologias ambientais<br />
<strong>de</strong>vem ser postas à disposição <strong>do</strong>s países em <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> forma a<br />
favorecer sua ampla difusão, sem que constituam uma carga econômica para<br />
esses países”.<br />
Portanto as tecnologias para a produção <strong>de</strong> energia limpa e renovável <strong>de</strong><br />
baixo impacto <strong>de</strong>vem ser incentivadas para que o esforço conjunto seja eficaz.<br />
A DUDH inspirou também várias constituições, incluin<strong>do</strong> a constituição<br />
brasileira <strong>de</strong> 1988. Entre outras coisas a trás a o artigo 225, que trata <strong>do</strong> Princípio<br />
<strong>do</strong> Direito Humano ao Meio Ambiente Sadio, garantin<strong>do</strong> a utilização continuida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong>s recursos naturais para que também possam ser dispostos pelas futuras<br />
gerações. Por isso carecem <strong>de</strong> proteção.<br />
A Declaração se agrega a vários outros <strong>do</strong>cumentos na chamada Carta<br />
Internacional <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. E, entre outros, vale <strong>de</strong>stacar o Pacto<br />
Internacional sobre <strong>Direitos</strong> Econômicos, Sociais e Culturais, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pela ONU<br />
em 1966, e com a<strong>de</strong>são na legislação brasileira em 1992.<br />
Em seu artigo 11 são reconheci<strong>do</strong>s o direito “<strong>de</strong> toda pessoa a um nível<br />
<strong>de</strong> vida a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong> para si próprio e sua família, inclusive à alimentação,<br />
vestimenta e moradia a<strong>de</strong>quadas, assim como a uma melhoria continua <strong>de</strong> suas<br />
condições <strong>de</strong> vida.” (BRASIL, 1992) A melhoria contínua <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> vida<br />
não po<strong>de</strong> estar <strong>de</strong>sassociada ao meio ambiente. E a energia renovável <strong>de</strong> baixo<br />
impacto <strong>de</strong>ve estar acessível a to<strong>do</strong>s.<br />
O Item 18 da Declaração <strong>de</strong> Joanesburgo sobre o Desenvolvimento<br />
Sustentável, assinada em 2002, pelos 191 países participantes da cúpula,<br />
apresenta a energia como requisito básico para a dignida<strong>de</strong> humana.<br />
Dignida<strong>de</strong> é também produzir, é ter direito a uma ativida<strong>de</strong> econômica que<br />
satisfaça a necessida<strong>de</strong> básica. Na constituição Brasileira, o artigo 176,<br />
266
parágrafo 4º, <strong>do</strong> capítulo VII, que trata das ativida<strong>de</strong>s econômicas, impera que<br />
“Não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> autorização ou concessão o aproveitamento <strong>do</strong> potencial <strong>de</strong><br />
energia renovável <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> reduzida.”<br />
A ONU (2015) em seu mais recente incentivo à melhoria da vida no<br />
planeta divulgou a agenda 2030, com 17 objetivos para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável e 169 para alcançarmos até o referi<strong>do</strong> ano.<br />
Dentre eles <strong>de</strong>stacamos o objetivo 7, intitula<strong>do</strong> Energia limpa e acessível,<br />
que busca assegurar o acesso confiável, sustentável, mo<strong>de</strong>rno e a preço<br />
acessível à energia para to<strong>do</strong>s. Esse é diretamente liga<strong>do</strong> ao processo <strong>de</strong><br />
acesso e massificação <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong> baixo impacto.<br />
A intenção é específica em a “aumentar substancialmente a participação<br />
<strong>de</strong> energias renováveis na matriz energética global” e “reforçar a cooperação<br />
internacional para facilitar o acesso a pesquisa e tecnologias <strong>de</strong> energia limpa,<br />
incluin<strong>do</strong> energias renováveis”<br />
O acesso a energias renováveis <strong>de</strong> baixo impacto são liga<strong>do</strong>s a outros<br />
objetivos como o 11, cida<strong>de</strong>s e comunida<strong>de</strong>s sustentáveis, buscan<strong>do</strong> tornar as<br />
cida<strong>de</strong>s e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e<br />
sustentáveis; 12, consumo e produção responsáveis, que busca assegurar<br />
padrões <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> consumo sustentáveis; e 13, ação contra mudança<br />
<strong>do</strong> clima, objetivan<strong>do</strong> tomar medidas urgentes para combater a mudança <strong>do</strong><br />
clima e seus impactos.<br />
Assim, pon<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a pergunta introdutória a este artigo, hoje<br />
percebemos que a dignida<strong>de</strong> humana está em inteiração indissociável com a<br />
natureza, precisan<strong>do</strong> incentivar os processos <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> matrizes<br />
energéticas. Mas, a construção <strong>de</strong>ssa visão é perceptível através <strong>do</strong> próprio<br />
processo gradual <strong>de</strong> evolução <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A amnésia que nos faz esquecer que somos parte da natureza tem<br />
indícios <strong>de</strong> superação, como observamos ao longo <strong>do</strong>s textos através <strong>do</strong>s<br />
esforços contínuos <strong>de</strong> evolução <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s e esforços globais e locais.<br />
267
A legislação e as ações para que o meio ambiente se faça digno, para<br />
que, por consequência proporcione condições dignas <strong>de</strong> vida também abrem<br />
espaço para ações concretas a nível individual, coletivo e governamental.<br />
No Brasil o uso <strong>de</strong> energia renovável <strong>de</strong> baixo impacto ainda é tími<strong>do</strong>,<br />
7,92% <strong>de</strong> fonte eólica e 0,78% <strong>de</strong> fonte solar (ANEEL, 2018). A biomassa apesar<br />
<strong>de</strong> ser um bom reaproveitamento <strong>de</strong> resíduos ainda é muito concentrada em<br />
redução <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s centros industriais (como colheita <strong>de</strong> cana <strong>de</strong><br />
acúçar ou indústria <strong>de</strong> celulose).<br />
Esse percentual cresce. Assim como cresce o uso <strong>de</strong> fonte solar em áreas<br />
resi<strong>de</strong>nciais. Em São Luis – MA – Brasil, empresa cre<strong>de</strong>nciada já realiza<br />
instalação <strong>de</strong> placas solares com a previsão <strong>de</strong> retorno financeiro garanti<strong>do</strong> para<br />
2 anos (aqui expon<strong>do</strong> o uso como fonte <strong>de</strong> investimento e redução <strong>de</strong> custos).<br />
Porém a lacuna <strong>de</strong> utilização quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> humana ainda<br />
é gran<strong>de</strong>, pois o investimento é muito alto, restringin<strong>do</strong> seu uso aos seres<br />
humanos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> excelente condições financeiras. Além <strong>de</strong>, nem sempre,<br />
agregar o conceito <strong>de</strong> preservação ambiental ao resto <strong>do</strong> estilo <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s que<br />
fazem essas aquisições (assunto que po<strong>de</strong> ser explora<strong>do</strong> em outro artigo).<br />
Ainda assim temos outros projetos que incentivam a disseminação da<br />
tecnologia. Projeto <strong>de</strong> captação solar para uso na irrigação foi implanta<strong>do</strong> em<br />
proprieda<strong>de</strong>s pertencentes à Agropolos (unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção agrícola com<br />
assistência governamental) <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Exemplos que se somam aos esforços<br />
<strong>de</strong> reduzir o uso <strong>de</strong> fontes fósseis, e incrementam a massificação da tecnologia<br />
renovável para a mudança <strong>de</strong> patamar energético.<br />
Apesar das contradições que po<strong>de</strong>m ser encontradas em estu<strong>do</strong>s (vi<strong>de</strong><br />
nota <strong>de</strong> rodapé p.6) e mesmo apontan<strong>do</strong> vestígios <strong>de</strong> uma visão “éticoambiental”,<br />
Ama<strong>do</strong>, assim como Welzer e HINRICHS, julgam que a implantação<br />
<strong>de</strong> ações para mitigar a <strong>de</strong>gradação são lentas e progressivas. WELZER chega<br />
a criticar a acomodação da socieda<strong>de</strong>, mas consegue projetar a possibilida<strong>de</strong><br />
que:<br />
“(...)se busca <strong>de</strong>senvolver uma boa socieda<strong>de</strong>, que será uma forma<br />
reflexiva <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> bom governo / good governance [que referese<br />
ao mo<strong>de</strong>lo base a ser segui<strong>do</strong> pelos países financia<strong>do</strong>s pelo capital<br />
internacional]. A humanida<strong>de</strong> já possui a competência científica,<br />
equipada com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua<br />
268
sobrevivência e também tem condições <strong>de</strong> antecipar quan<strong>do</strong> está<br />
agin<strong>do</strong> racionalmente ou quan<strong>do</strong> irá agir apenas perceptualmente. Em<br />
consequência se <strong>de</strong>senvolverá um juízo prático da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
combater os menores efeitos <strong>do</strong> aquecimento global, não somente por<br />
meio <strong>de</strong> uma cultura planetária <strong>de</strong> redução radical <strong>do</strong> dispêndio <strong>de</strong><br />
recursos naturais, mas também por meio <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong><br />
participação totalmente nova. (WELZER, 2010, p 286 -287)<br />
A competência científica para massificar as fontes renováveis <strong>de</strong> baixo<br />
impacto existe, e ajuda na garantia <strong>de</strong> um ambiente equilibra<strong>do</strong> e,<br />
consequentemente, <strong>de</strong> uma vida digna. Precisamos <strong>de</strong> ainda mais concretu<strong>de</strong><br />
nas ações <strong>de</strong> efetivação <strong>de</strong>stas intenções. Planos, políticas e programas mais<br />
eficazes, incentivos mais acessíveis à coletivida<strong>de</strong>, aprimoramento das<br />
tecnologias.<br />
Tu<strong>do</strong> está interliga<strong>do</strong>. Agir em várias frentes é necessário. Assim, nos<br />
remetemos então à letra da música <strong>de</strong> 1965, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Chico Buarque.<br />
“Pedro pedreiro penseiro esperan<strong>do</strong> o trem / Manhã parece, carece <strong>de</strong><br />
esperar também / Para o bem <strong>de</strong> quem tem bem / De quem não tem<br />
vintém / Pedro pedreiro fica assim pensan<strong>do</strong> / Assim pensan<strong>do</strong> o<br />
tempo passa / E a gente vai fican<strong>do</strong> prá trás / Esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong>,<br />
esperan<strong>do</strong> / Esperan<strong>do</strong> o sol, / Esperan<strong>do</strong> o trem / Esperan<strong>do</strong><br />
aumento / Des<strong>de</strong> o ano passa<strong>do</strong> / Para o mês que vem (...) / To<strong>do</strong> mês<br />
/ Esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong> / (...) E a mulher <strong>de</strong> Pedro, / Está<br />
esperan<strong>do</strong> um filho / Pra esperar também / (...) Pedro não sabe, mas<br />
talvez no fun<strong>do</strong> / Espere alguma coisa mais linda que o mun<strong>do</strong> / Maior<br />
<strong>do</strong> que o mar, / Mas pra que sonhar / se dá o <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> esperar<br />
<strong>de</strong>mais / Pedro pedreiro quer voltar atrás / Quer ser pedreiro pobre e<br />
nada mais / Sem ficar esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong> (...) /<br />
Esperan<strong>do</strong> o dia <strong>de</strong> esperar ninguém / Esperan<strong>do</strong> enfim nada mais<br />
além / Da esperança aflita, bendita, infinita / Do apito <strong>de</strong> um trem / (...)<br />
Pedro pedreiro pedreiro esperan<strong>do</strong> o trem / Que já vem, que já vem,<br />
que já vem”<br />
Se nós não batalharmos para as mudanças no mun<strong>do</strong>, ficaremos tal qual<br />
Pedro Pedreiro: esperan<strong>do</strong>. É necessário modificar as formas <strong>de</strong> viver para que<br />
não apenas sobrevivermos até exaurir os recursos, o ambiente, as forças vitais.<br />
Mas que efetivemos essa nova forma <strong>de</strong> relação com a natureza para uma justa<br />
medida <strong>de</strong> vida.<br />
Tanto Governo quanto os seres humanos que o compõem <strong>de</strong>vem ajudar<br />
na buscar a esse amplo acesso. É um processo cíclico, educar e ser educa<strong>do</strong>.<br />
269
O artigo XXIX da DUDH diz que “to<strong>do</strong> ser humano tem <strong>de</strong>veres para com a<br />
comunida<strong>de</strong>”. Cabe também a ele en<strong>do</strong>ssar essa busca.<br />
Participação em conselhos, audiências púbicas, consultas públicas à<br />
legislações propostas que reforcem o uso e acesso à energia renovável,<br />
questionamento e estu<strong>do</strong>s sobre a eficácia das políticas públicas para uso<br />
<strong>de</strong>ssas fontes, são algumas ações que <strong>de</strong>vem compor a mudança também <strong>do</strong><br />
coletivo, para ajudar na promoção da dignida<strong>de</strong> humana.<br />
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WELZER, Harald. A guerra da água: porque mataremos e seremos mortos no<br />
Século XXI. São Paulo: Geração Editorial, 2010.<br />
271
PARQUE NACIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES: da conservação<br />
ambiental à exclusão social<br />
FERREIRA, Maria Clara Correa<br />
Bacharel em Direito – UNDB<br />
mcpcorrea13@gmail.com<br />
ALMEIDA, Igor Martins Coelho<br />
Mestre em Direito e Instituições <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Justiça/UFMA<br />
Doutoran<strong>do</strong> em Direito/Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa<br />
imcalmeida7@gmail.com<br />
RESUMO<br />
A criação <strong>do</strong> primeiro Parque Nacional <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em 1872, <strong>de</strong>u início ao<br />
surgimento <strong>de</strong> áreas integralmente protegidas <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista ambiental mas<br />
que é marca<strong>do</strong> por conflitos entre o po<strong>de</strong>r público e as famílias que porventura<br />
residam no seu interior, haja vista a proibição por lei da presença <strong>de</strong> pessoas<br />
viven<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s seus limites. A pesquisa tem como principal objetivo analisar<br />
os impactos causa<strong>do</strong>s pela criação <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis<br />
Maranhenses por meio <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso realiza<strong>do</strong> em quatro comunida<strong>de</strong>s da<br />
região <strong>de</strong> Barreirinhas, bem como indagar até que ponto a conservação<br />
ambiental po<strong>de</strong> se sobrepor ao direito a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>ssas populações e<br />
excluí-las socialmente. O contexto aborda<strong>do</strong> nesse trabalho visa também<br />
questionar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> parque a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> no Brasil e explicar o processo <strong>de</strong><br />
ocupação das famílias <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Parque Nacional. A meto<strong>do</strong>logia aqui utilizada<br />
foi a pesquisa <strong>de</strong> campo, com aplicação <strong>de</strong> entrevista e questionário, e também<br />
a utilização <strong>de</strong> bibliografias, sen<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> hipotético-<strong>de</strong>dutivo.<br />
Palavras-chave: Conservação. Impactos. Lençóis Maranhenses.<br />
ABSTRACT<br />
Since the creation of the first national Park of the world in 1872, it was found that<br />
the emergence of these fully protected areas is usually marked by conflicts<br />
between the public authorities and the families that may be residing within it,<br />
seeing <strong>de</strong>spite the Prohibition by law of the presence of people living within their<br />
limits. The main objective of this study is to analyze the impacts caused by the<br />
creation of the National Park of Lençóis Maranhenses in 1981 by means of a<br />
272
case study carried out in four communities in the Barreirinhas region, as well as<br />
to inquire to what extent the Environmental conservation can superse<strong>de</strong> the right<br />
to the cultural i<strong>de</strong>ntity of these populations and to exclu<strong>de</strong> them socially. The<br />
context discussed in this work also aims to question the mo<strong>de</strong>l of park a<strong>do</strong>pted<br />
in Brazil and explain the occupation process of families within the National park.<br />
The metho<strong>do</strong>logy used here was the field research, with application of interview<br />
and questionnaire, and also the use of bibliographies, using the hypothetical<strong>de</strong>ductive<br />
method.<br />
Key words: Conservation. Impacts. Lençóis Maranhenses.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O tema <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> trabalho versa sobre o Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis<br />
Maranhenses (<strong>do</strong>ravante <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Parque) e a relação entre conservação<br />
ambiental <strong>de</strong> uma Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral e a exclusão <strong>de</strong> direitos das<br />
famílias que vivem no seu interior antes mesmo <strong>de</strong> tal categorização ter si<strong>do</strong><br />
imposta. Ressalte-se ainda que durante o processo <strong>de</strong> instituição <strong>do</strong> Parque, não<br />
houve qualquer participação <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res que ali já viviam<br />
O embate aqui se encontra no fato <strong>de</strong> que áreas <strong>de</strong> conservação integral<br />
protegidas pela União não po<strong>de</strong>m ter a permanência <strong>de</strong> pessoas nos seus<br />
limites. Assim, embora o Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação tenha<br />
trazi<strong>do</strong> um olhar mais <strong>de</strong>mocrático sobre essa questão, ele não solucionou o<br />
gran<strong>de</strong> impasse da <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> famílias que vivem nessas zonas <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses.<br />
A essência da questão é que embora tenha havi<strong>do</strong> audiências públicas,<br />
conselhos consultivos, reuniões com órgãos públicos, <strong>de</strong>ntre outros espaços <strong>de</strong><br />
discussão, nada fora resolvi<strong>do</strong> e o sentimento <strong>de</strong> angústia e me<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas<br />
famílias <strong>de</strong> serem retiradas <strong>de</strong> seus lares, <strong>de</strong> suas casas, <strong>de</strong> seu lugar <strong>de</strong><br />
pertencimento, permanece. É preciso se atentar para o fato <strong>de</strong> que pessoas<br />
estão ali há gerações, antes mesmo inclusive da área ser <strong>de</strong>marcada e instituída<br />
como Parque - Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação Integral. Famílias com costumes locais,<br />
mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida simples e peculiar, conhecimentos sobre a fauna e a flora <strong>do</strong><br />
lugar, não se veem in<strong>de</strong>nizadas e reassentadas em outro local.<br />
273
Portanto, além das problemáticas envolven<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> parque<br />
introduzi<strong>do</strong> no Brasil, sua instituição tem impacta<strong>do</strong> diretamente nas populações<br />
locais, uma vez que por lei é proibida a permanência <strong>de</strong>ssas pessoas nos seus<br />
limites, acarretan<strong>do</strong> diversos conflitos entre o órgão responsável pelo manejo da<br />
área e essas comunida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>ntes. Estes conflitos são gera<strong>do</strong>s,<br />
notadamente, pelas interferências estatais, como proibições, restrições e<br />
sanções no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas famílias.<br />
O estu<strong>do</strong> sobre o tema proposto é <strong>de</strong> profunda relevância intelectual e<br />
prática, visto que tal conflito já se perdura há pelo menos duas décadas. Assim,<br />
o interesse inicial por essa pesquisa se dá pela importância <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r<br />
os direitos sociais e fundamentais <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s tradicionais existentes <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, em contraponto ao<br />
po<strong>de</strong>r público e ao mo<strong>de</strong>lo preservacionista importa<strong>do</strong> que entra em choque com<br />
a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Parques Nacionais Brasileiros, em especial nos Lençóis<br />
Maranhenses.<br />
OBJETIVOS<br />
O objetivo geral <strong>do</strong> presente trabalho é o <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar como a criação<br />
<strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses po<strong>de</strong> interferir na dinâmica social<br />
das comunida<strong>de</strong>s que habitam esta Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação, geran<strong>do</strong> um<br />
sentimento <strong>de</strong> exclusão, aban<strong>do</strong>no e cerceamento <strong>de</strong> direitos básicos.<br />
Os objetivos específicos são, respectivamente: questionar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
importação <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação <strong>de</strong> Proteção Integral, no que tange os<br />
Parques Brasileiros e sua aplicabilida<strong>de</strong> na realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Brasil; explicar o<br />
processo <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> famílias no interior <strong>do</strong> Parque e; <strong>de</strong>monstrar os<br />
impactos causa<strong>do</strong>s por essa categorização e a importância da correlação entre<br />
a proteção ambiental e a ocupação <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s<br />
Lençóis Maranhenses.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
O Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (SNUC) fora instituí<strong>do</strong><br />
no Brasil em 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, pela Lei nº 9.985, e abarca unida<strong>de</strong>s em nível<br />
274
fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal. Tal Sistema consiste em categorizar as diferentes<br />
unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação com o objetivo <strong>de</strong> proteger, <strong>de</strong>terminar como se dá<br />
sua organização e administração (IBAMA, 2003).<br />
Por meio da edição <strong>de</strong> tal Lei, o legisla<strong>do</strong>r almejou harmonizar as diversas<br />
unida<strong>de</strong>s aqui existentes em âmbito jurídico fe<strong>de</strong>ral, assim como dar provimento<br />
a <strong>de</strong>terminação constitucional (FIORILLO, 2012). Embora o art. 225 3 da<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 não trate expressamente da elaboração <strong>de</strong> um<br />
sistema integra<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas Unida<strong>de</strong>s, ela engloba na sua essência princípios<br />
gerais a serem segui<strong>do</strong>s pelos entes fe<strong>de</strong>rativos<br />
Em suma, a Lei 9.985/2000 trata <strong>de</strong> um sistema fe<strong>de</strong>ral que busca a<br />
conservação <strong>do</strong> meio natural e não <strong>de</strong> um sistema nacional. E para facilitar a<br />
gestão administrativa específica <strong>de</strong> cada ente competente, faz-se necessário<br />
que os Esta<strong>do</strong>s e Municípios elaborem leis próprias relacionadas às suas<br />
unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação ou então abracem leis que se remetam ao SNUC, a<br />
fim <strong>de</strong> disciplinar <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada o objeto <strong>de</strong> sua competência.<br />
(ANTUNES, 2011)<br />
Toda Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação <strong>de</strong>ve ter um plano <strong>de</strong> manejo - um<br />
<strong>do</strong>cumento específico e técnico - composto <strong>de</strong> objetivos gerais, área <strong>de</strong><br />
zoneamento da unida<strong>de</strong>, bem como as normas impostas ao seu uso. A<strong>de</strong>mais,<br />
disporá sobre a estrutura física necessária para sua implementação. Esse plano<br />
tem <strong>de</strong> ser confecciona<strong>do</strong> pelo órgão público ou pelo proprietário se for o caso<br />
em até cinco anos, a contar da data da criação da Unida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>verá abranger<br />
os limites da Unida<strong>de</strong>, sua zona <strong>de</strong> amortecimento e corre<strong>do</strong>res ecológicos (caso<br />
haja esses últimos), além disso, inclui possuir medidas com o objetivo <strong>de</strong><br />
promover o intercâmbio econômico e cultural das suas comunida<strong>de</strong>s. Deve-se<br />
assegurar amplamente a participação das comunida<strong>de</strong>s que ali pertençam na<br />
elaboração <strong>do</strong> projeto. (Art. 2º, Brasil, 2000)<br />
A elaboração <strong>de</strong>sse plano é condição essencial para o funcionamento das<br />
ativida<strong>de</strong>s exercidas nas Unida<strong>de</strong>s por isso <strong>de</strong>ve ter seu prazo respeita<strong>do</strong>. É<br />
3<br />
Art. 225. To<strong>do</strong>s têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>, bem <strong>de</strong> uso<br />
comum <strong>do</strong> povo e essencial à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, impon<strong>do</strong>-se ao Po<strong>de</strong>r Público e à<br />
coletivida<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações §1º, I, II,<br />
III, IV.<br />
275
através <strong>de</strong>le que essas áreas são administradas, sen<strong>do</strong> proibidas quaisquer<br />
mudanças ou formas <strong>de</strong> utilização em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com suas finalida<strong>de</strong>s,<br />
conforme art. 28 <strong>do</strong> SNUC (2000). Além disso, sua necessida<strong>de</strong> é ainda maior<br />
nas áreas <strong>de</strong> proteção integral (ten<strong>do</strong> em vista a proibição <strong>de</strong> pessoas viven<strong>do</strong><br />
no interior <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s), pois enquanto não houver a confecção <strong>de</strong>sse plano<br />
é preciso assegurar tanto a conservação <strong>do</strong> meio ambiente, como ao mesmo<br />
tempo assegurar as condições necessárias para que as comunida<strong>de</strong>s locais<br />
porventura ali resi<strong>de</strong>ntes tenham condições e meios a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para satisfazer<br />
suas necessida<strong>de</strong>s básicas, sejam sociais, culturais e materiais.<br />
Conforme McCormick (1992), a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> proteção à natureza possui duas<br />
concepções distintas: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> estão os conservacionistas e <strong>de</strong> outro os<br />
preservacionistas. O i<strong>de</strong>al conservacionista se preocupava com a utilização<br />
racional <strong>do</strong>s recursos naturais, a fim <strong>de</strong> conservá-los também para que<br />
pu<strong>de</strong>ssem ser usa<strong>do</strong>s posteriormente e os preservacionistas interessavam-se<br />
mais com a apreciação das belezas naturais e espiritual <strong>do</strong> ambiente selvagem.<br />
Nesse contexto, surge a polêmica dicotomia entre as duas correntes que<br />
influenciou na criação, elaboração e estratégias para a proteção <strong>do</strong> meio<br />
ambiente natural no mun<strong>do</strong> inteiro.<br />
De acor<strong>do</strong> com Leuzinger (2009), foi no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Getúlio<br />
Vargas que a proteção ao meio ambiente ganhou mais força. Uma geração <strong>de</strong><br />
intelectuais ambientalistas, funcionários <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público e cientistas crentes<br />
que um país só po<strong>de</strong>ria progredir com a valorização <strong>do</strong>s indivíduos e <strong>do</strong>s<br />
recursos naturais. Os frutos da natureza eram ti<strong>do</strong>s por eles como intrínsecos à<br />
nacionalida<strong>de</strong>, liga<strong>do</strong>s pelos laços cria<strong>do</strong>s entre as pessoas e o solo a que<br />
pertencia. Assim, o Esta<strong>do</strong> teria o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> intervir e proteger a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />
patrimônio natural por meio <strong>de</strong> instrumentos eficazes <strong>de</strong> controle e coman<strong>do</strong>. No<br />
entanto, a verda<strong>de</strong> é que a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong>ssas áreas protegidas se<br />
<strong>de</strong>u a fim <strong>do</strong> governo se apropriar <strong>do</strong> uso e regulação <strong>do</strong>s seus recursos naturais.<br />
(BARRETO FILHO, 2001)<br />
Milaré (2013) afirma que a categoria Parque Nacional é concebida como<br />
a modalida<strong>de</strong> mais comum e antiga <strong>de</strong>ntro das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação. Temse<br />
que o primeiro Parque Nacional mundial, situa<strong>do</strong> nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, foi o<br />
276
Parque <strong>de</strong> Yellowstone cria<strong>do</strong> em 1872. A partir <strong>de</strong>sse exemplo, surge o primeiro<br />
Parque Brasileiro efetivamente cria<strong>do</strong>, o <strong>do</strong> Itatiaia, em 1937, através <strong>do</strong> Decreto<br />
1.713 <strong>de</strong> 14/06/1937 4 , fundan<strong>do</strong>-se no Código Florestal <strong>de</strong> 1934, em que se<br />
buscava estimular a pesquisa científica e proporcionar lazer aos cidadãos.<br />
O início da criação e implantação <strong>de</strong> áreas protegidas no Brasil na década<br />
<strong>de</strong> 1960 foram marcadas por atos anti<strong>de</strong>mocráticos, sem qualquer discussão<br />
prévia com a socieda<strong>de</strong> sobre a criação <strong>do</strong>s mesmos. Parte <strong>de</strong>ssas áreas <strong>de</strong><br />
Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação Brasileiras foram criadas no perío<strong>do</strong> da Ditadura<br />
Militar. Foram implementadas através <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos presi<strong>de</strong>nciais em um esta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> exceção, sem qualquer objeto <strong>de</strong>mocrático e existência <strong>de</strong> normas nacionais<br />
e internacionais que protegessem os direitos <strong>do</strong>s povos tradicionais.<br />
(LEUZINGER, 2009)<br />
O Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses (PNLM) foi então cria<strong>do</strong><br />
através <strong>do</strong> Decreto Fe<strong>de</strong>ral 86.060 <strong>de</strong> 02/06/1981. Tornou-se, portanto, uma<br />
área <strong>de</strong> proteção ambiental com intuito <strong>de</strong> proteger o seu ecossistema composto<br />
<strong>de</strong> restingas, manguezais, dunas com lagoas perenes e temporárias, fauna e<br />
flora características <strong>do</strong> ambiente. (BRASIL, 1981)<br />
Em 2000, o parque foi classifica<strong>do</strong> pelo Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Conservação (SNUC) como uma Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação Integral (UCI). Esta<br />
se caracteriza pela mínima interferência humana, sen<strong>do</strong> seu principal objetivo o<br />
<strong>de</strong> resguardar a natureza, em que seus recursos naturais somente po<strong>de</strong>m ser<br />
utiliza<strong>do</strong>s indiretamente, isto é: turismo ecológico, <strong>de</strong> forma que não agrida o<br />
meio ambiente, objeto <strong>de</strong> pesquisa científica; ativida<strong>de</strong>s educacionais e <strong>de</strong><br />
conhecimento <strong>do</strong> meio ecológico, sem que seja habitada pelo homem. O objetivo<br />
<strong>de</strong>sta classificação é conservar porções <strong>de</strong> toda a diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bioma natural<br />
<strong>do</strong> país asseguran<strong>do</strong> a perpetuação das espécies <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong> natural,<br />
buscan<strong>do</strong> garantir que as varieda<strong>de</strong>s biológicas se mantenham vivas para o<br />
usufruto das futuras gerações. (IBAMA, 2003)<br />
4<br />
Parque Nacional <strong>do</strong> Itatiaia, instituí<strong>do</strong> através <strong>do</strong> Decreto 1.713 <strong>de</strong> 14/06/1937, pelo então<br />
presi<strong>de</strong>nte Getúlio Vargas, basea<strong>do</strong> no Código Florestal <strong>de</strong> 1934, já revoga<strong>do</strong> pelo art. 60 da<br />
Lei 9.985/2000.<br />
277
Em contraponto, Dias (2017) aponta a existência <strong>de</strong> quase 23<br />
comunida<strong>de</strong>s 5 que realizam as mais variadas ativida<strong>de</strong>s agro-econômicas <strong>de</strong><br />
maneira combinada, como a pesca, agricultura, criação <strong>de</strong> animais, extrativismo,<br />
entre outras no interior <strong>do</strong> Parque. Tais práticas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da região on<strong>de</strong> as<br />
famílias se encontram e da disponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos naturais em cada zona,<br />
pois ocorre <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> ser mais realizada que outras, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
essas comunida<strong>de</strong>s estão localizadas geograficamente <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Parque.<br />
(DIAS, 2017)<br />
De acor<strong>do</strong> com pesquisa minuciosa elaborada em 2017 pela Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão (UFMA), Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas (CCH) e Grupos <strong>de</strong><br />
Estu<strong>do</strong>s Rurais e Urbanos (GERUR), intitulada “PLANTAR, CRIAR, PESCAR,<br />
comunida<strong>de</strong>s tradicionais e modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação com a natureza no Parque<br />
Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses”, a história <strong>de</strong>sses povoa<strong>do</strong>s possui muitas<br />
peculiarida<strong>de</strong>s e ao mesmo tempo necessida<strong>de</strong>s em comum.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
O méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem aqui utiliza<strong>do</strong> foi o méto<strong>do</strong> hipotético-<strong>de</strong>dutivo,<br />
pois se caracteriza pela existência <strong>de</strong> um problema que possui hipóteses que<br />
serão refutadas, falseadas com fatos <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, para daí analisar se valerão<br />
ou não. Caso permaneçam válidas, estarão corroboradas e a teoria estará aceita<br />
(não <strong>de</strong>finitivamente, pois ainda po<strong>de</strong>rá ser refutada), comprovan<strong>do</strong> então a sua<br />
qualida<strong>de</strong>. (POPPER, 1972)<br />
Por consequência, parte-se <strong>de</strong> generalizações aceitas para casos<br />
específicos concretos. A pesquisa em questão parte <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong>s<br />
Parques Nacionais, sua regulamentação, para analisar sua aplicação ao caso<br />
concreto, em particular no Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, e seus<br />
impactos na vida das famílias que ali resi<strong>de</strong>m.<br />
Este trabalho buscou pesquisa <strong>de</strong> campo e a observação direta <strong>do</strong>s fatos<br />
realizada através <strong>de</strong> pesquisa semiestruturada, on<strong>de</strong> trinta e cinco famílias foram<br />
5<br />
Achuí, Atins, Baixa da Onça, Bom Jardim, Baixa Gran<strong>de</strong>, Buritizal, Buriti Amarelo, Bracinho,<br />
Canto <strong>do</strong> Atins, Lagoa da Esperança, Cedro, Janaúba, Mata Fome, Lava<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sula, Ponta <strong>do</strong><br />
Mangue, Mocambo, Mirinzal, Tratada <strong>de</strong> Cima, Tratada <strong>do</strong>s Carlos, Santo Antônio, Santo<br />
Inácio, Vargem D’água e Tucuns.<br />
278
entrevistadas: 12 da comunida<strong>de</strong> Ponta <strong>do</strong> Mangue; 6 <strong>do</strong> Canto <strong>de</strong> Atins; 9 <strong>do</strong><br />
povoa<strong>do</strong> Bracinho; 3 <strong>do</strong> Buriti Amarelo e também o chefe <strong>do</strong> Parque. MARCONI;<br />
LAKATOS, 2003)<br />
Além da coleta <strong>de</strong> entrevistas foi feita análise <strong>do</strong>cumental, <strong>do</strong>cumentos<br />
esses disponibiliza<strong>do</strong>s pelo Instituto Chico Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da<br />
Biodiversida<strong>de</strong> - ICMBio; Sindicato <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res e Trabalha<strong>do</strong>ras Rurais<br />
<strong>de</strong> Barreirinhas (STTRR), Grupos <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Rurais e Urbanos (GERUR) e o<br />
plano <strong>de</strong> manejo <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, utiliza<strong>do</strong> para<br />
expor as características <strong>do</strong> Parque.<br />
E por fim, quanto ao procedimento meto<strong>do</strong>lógico utiliza<strong>do</strong> nessa pesquisa<br />
foi feita através <strong>de</strong> uma produção bibliográfica sobre o tema <strong>de</strong> populações que<br />
resi<strong>de</strong>m em Parques e principalmente no que se refere aos Lençóis<br />
Maranhenses, assim como bibliografias referentes a princípios coli<strong>de</strong>ntes que<br />
também serviram <strong>de</strong> material para as análises e questionamentos <strong>do</strong> referi<strong>do</strong><br />
trabalho.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
A pesquisa i<strong>de</strong>ntificou que a instituição <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis<br />
Maranhenses, nos mol<strong>de</strong>s como foi cria<strong>do</strong> e sua caracterização <strong>de</strong>finida pelo<br />
Sistema Nacional afetou sobremaneira o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida tradicional <strong>de</strong> várias<br />
comunida<strong>de</strong>s que lá já estavam assentadas décadas anteriores à própria criação<br />
<strong>do</strong> Parque.<br />
No caso <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, somente o<br />
aspecto ambiental, <strong>de</strong> proteção integral, foi leva<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração pelo Esta<strong>do</strong><br />
Brasileiro na proposta <strong>de</strong> proteção ao meio ambiente. Contu<strong>do</strong>, este mo<strong>de</strong>lo não<br />
possibilita que recursos naturais utiliza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma sustentável e racional por<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> famílias durante décadas continue existin<strong>do</strong>. A importação <strong>de</strong> um<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> proteção integral ao meio ambiente não aten<strong>de</strong> aos interesses e<br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> vida encontra<strong>do</strong>s no país.<br />
É fundamental que o Esta<strong>do</strong> e as comunida<strong>de</strong>s possam convergir<br />
interesses mútuos <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> e preservação ambiental, marca profunda<br />
<strong>do</strong>s povos tradicionais existentes no Brasil.<br />
279
Em pesquisa <strong>de</strong> campo realizada, foi possível constatar que a maior parte<br />
das famílias entrevistadas já vivia na área antes <strong>de</strong> 1981 (criação <strong>do</strong> Parque<br />
Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses) e até mesmo antes <strong>de</strong> 1979 (ano que surgiu<br />
a lei <strong>do</strong>s parques). Além disso, os impactos causa<strong>do</strong>s às famílias são<br />
<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>s também pelo estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso – <strong>de</strong>ntre outras pesquisas<br />
anteriores. A ausência e omissão <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong>ixam muitas famílias sem<br />
qualquer suporte. A falta <strong>de</strong> renda, moradia a<strong>de</strong>quada, saneamento básico, e<br />
principalmente – para eles – a energia elétrica, é um exemplo <strong>do</strong> <strong>de</strong>scaso<br />
instala<strong>do</strong> na região. A energia elétrica é crucial para armazenar comida, pois os<br />
alimentos quan<strong>do</strong> não são frescos, estão salga<strong>do</strong>s como meio <strong>de</strong> conservação;<br />
para criar sistema <strong>de</strong> irrigação para que no verão possam molhar suas hortas,<br />
<strong>de</strong>ntre outras coisas.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
A introdução da categoria <strong>de</strong> parques nacionais no Brasil, como uma<br />
espécie <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação <strong>de</strong> Proteção Integral, surgiu <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />
estaduni<strong>de</strong>nse que não se coaduna com a realida<strong>de</strong> brasileira, on<strong>de</strong> inúmeras<br />
comunida<strong>de</strong>s convivem harmoniosamente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas áreas, utiliza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
recursos naturais <strong>de</strong> forma sustentável. Até hoje existem conflitos nessas áreas,<br />
ten<strong>do</strong> em vista a omissão <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público em resolver tal situação.<br />
O Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses foi cria<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong><br />
imagens <strong>de</strong> satélite e através <strong>de</strong> radares pelo então presi<strong>de</strong>nte militar João<br />
Figueire<strong>do</strong>. Sua criação se <strong>de</strong>u através <strong>de</strong> um ato unilateral da União, sem<br />
nenhum tipo <strong>de</strong> pesquisa local, sem oitiva prévia daqueles direta e indiretamente<br />
envolvi<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> portanto completamente exclu<strong>de</strong>nte e dissocia<strong>do</strong> da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
justiça social. Como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa política, graves entraves e conflitos foram<br />
gera<strong>do</strong>s, tanto para as populações tradicionais que vivem na área como para o<br />
próprio órgão <strong>de</strong> controle.<br />
O Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação foi cria<strong>do</strong> para<br />
regimentar essas áreas especialmente protegidas, sejam elas <strong>de</strong> proteção<br />
integral ou <strong>de</strong> uso sustentável. Essa lei traz uma gran<strong>de</strong> inovação <strong>de</strong>mocrática<br />
frente a anterior, pelo fato <strong>de</strong> permitir que as comunida<strong>de</strong>s façam parte das<br />
280
tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão enquanto não são expulsas <strong>de</strong> suas moradias. As áreas <strong>de</strong><br />
proteção integral não admitem a permanência <strong>de</strong> pessoas nos seus limites, ou<br />
pelo fato <strong>de</strong> que enquanto não ocorre o processo <strong>de</strong> regularização fundiária e<br />
<strong>de</strong>socupação, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> a confecção <strong>de</strong> um Termo <strong>de</strong> Compromisso, entre<br />
o órgão gestor <strong>do</strong> Parque e as famílias mora<strong>do</strong>ras da área, algo inexistente em<br />
1981.<br />
Esse termo é <strong>de</strong> suma importância, pois nele constarão as regras <strong>de</strong><br />
convivência, bem como direitos e <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> ambas as partes, evitan<strong>do</strong> conflitos<br />
maiores entre os atores da área. Porém, ele não muda o fato <strong>de</strong> famílias inteiras,<br />
que viviam na área antes <strong>do</strong> parque ser assim instituí<strong>do</strong>, sejam <strong>de</strong>sapropriadas<br />
<strong>de</strong> suas casas.<br />
O fato é que a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa categoria <strong>de</strong> Parque não tem relevância<br />
alguma para as centenas <strong>de</strong> famílias que vivem na área. Só na região <strong>do</strong> Parque<br />
on<strong>de</strong> a pesquisa foi realizada são 58 famílias, isso sem contar as <strong>de</strong>mais<br />
localida<strong>de</strong>s e regiões. Por isso é necessário repensar essa forma <strong>de</strong> categoria<br />
em relação a realida<strong>de</strong> não só local, mas <strong>de</strong> muitos outros parques que se<br />
encontram na mesma situação.<br />
O i<strong>de</strong>al seria a recategorização <strong>de</strong> Parque para o mo<strong>de</strong>lo Reserva <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Sustentável, haja vista que essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Uso Sustentável consegue unir a preservação ambiental com o direito e a<br />
permanência <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s tradicionais viverem na área e praticarem suas<br />
ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong> maneira sustentável.<br />
Nessas Unida<strong>de</strong>s buscam-se parcerias sólidas a fim <strong>de</strong> fomentar projetos<br />
com técnicas <strong>de</strong> manejo sustentável e conscientização das pessoas <strong>de</strong> que ali é<br />
preciso ser conserva<strong>do</strong> para seu usufruto e para os das futuras gerações.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ALEXY, Robert. Teoria <strong>do</strong>s direitos fundamentais. Malheiros Editores LTDA.<br />
2ª edição. São Paulo. 2009.<br />
281
AMARAL, Yuri Teixeira. Avaliação <strong>do</strong>s impactos antropogênicos sobre a<br />
estrutura da paisagem <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses. São<br />
Luís, 2018.<br />
BRITO, Maria C. Wey <strong>de</strong>. Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação: Intenções e<br />
Resulta<strong>do</strong>s. São<br />
Paulo: Annablume, 2000.<br />
DIAS. Roseane Gomes. TEMPO DE MUITO CHAPÉU E DE POUCA CABEÇA,<br />
MUITO PASTO E POUCO RASTRO: ação estatal e suas implicações para<br />
comunida<strong>de</strong>s tradicionais no Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses.<br />
São Luís, 2017.<br />
ICMBIO – Diagnóstico Socioambiental <strong>de</strong> 13 Povoa<strong>do</strong>s Inseri<strong>do</strong>s nos<br />
Limites <strong>do</strong> PARNA Lençóis Maranhenses. 2008.<br />
MMA – Gestão participativa <strong>do</strong> SNUC. Brasília: Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente,<br />
2004.<br />
PACÍFICO, 2014. Conflitos Socioambientais e a Construção <strong>do</strong> Diálogo:<br />
Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses no<br />
Município <strong>de</strong> Barreirinhas. Amanda C. N Pacífico Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Minas<br />
Gerais<br />
http://www.cbg2014.agb.org.br/resources/anais/1/1404147227_ARQUIVO_Artig<br />
oCBG-ConflitosSocioambientaiseaConstrucao<strong>do</strong>Dialogo.pdf<br />
Relatório I e II, pesquisa “PLANTAR, CRIAR, PESCAR, comunida<strong>de</strong>s<br />
tradicionais e modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação com a natureza no Parque<br />
Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses”, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão<br />
(UFMA), Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas (CCH) e Grupos <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Rurais e<br />
Urbanos (GERUR) em 2017.<br />
282
SARLET, Ingo Wolfganf. A eficácia <strong>do</strong>s direitos fundamentais. Uma teoria<br />
geral <strong>do</strong>s direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. Ed.<br />
Editora livraria <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong>. Porto alegre 2009.<br />
SARLET, Ingo Wolfganf. FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios <strong>do</strong> Direito<br />
Ambiental. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.<br />
283
SUMAK KAWSAY: as contribuições <strong>do</strong> Novo Constitucionalismo<br />
Latino-americano no combate as mudanças climáticas<br />
LEMOS, Walter Gustavo da Silva<br />
Doutoran<strong>do</strong> em Direito Fundamentais pela Unesa – RJ/Brasil. Email:<br />
wgustavolemos@gmail.com<br />
RESUMO<br />
Pelo presente artigo, proce<strong>de</strong>-se o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> sumak kawsay, um instituto <strong>do</strong><br />
Novo Constitucionalismo latino-americano, para compreen<strong>de</strong>r como este<br />
pensamento trata a natureza como um ente <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres, o que<br />
estabelece uma nova relação <strong>de</strong>sta com o homem e a socieda<strong>de</strong>.<br />
Posteriormente, passa-se a analisar o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris como uma norma<br />
internacional <strong>de</strong> combate as mudanças climáticas, <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> políticas pelos Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> responsabilização pelos gases <strong>de</strong> efeito estufa<br />
emiti<strong>do</strong>s na atmosfera e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> mitigação nestas<br />
emissões. Ao final, estes <strong>do</strong>is elementos estuda<strong>do</strong>s são conecta<strong>do</strong>s para<br />
<strong>de</strong>monstrar que é possível <strong>de</strong>senvolver políticas <strong>de</strong> mitigação <strong>de</strong> emissões com<br />
a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> uma outra concepção sobre a natureza.<br />
Palavras-chave: Sumak kawsay; <strong>Direitos</strong> da natureza; aquecimento global;<br />
Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris; responsabilida<strong>de</strong>.<br />
ABSTRACT<br />
For the present article, sumak kawsay, an institute of the New Latin American<br />
Constitutionalism, is studied to un<strong>de</strong>rstand how this thought treats nature as an<br />
entity that holds rights and duties, which establishes a new relationship of this<br />
with man and the society. Subsequently, the Paris Agreement is analyzed as an<br />
international norm to combat climate change, <strong>de</strong>scribing the need for policies by<br />
states to be responsible for the greenhouse gases emitted in the atmosphere and<br />
the <strong>de</strong>velopment of means of mitigation in these emissions. In the end, these two<br />
elements are connected to <strong>de</strong>monstrate that it is possible to <strong>de</strong>velop emission<br />
mitigation policies with the a<strong>do</strong>ption of another conception about nature.<br />
Keywords: Sumak kawsay; Rights of nature; global warming; Paris Agreement;<br />
responsibility.<br />
284
1. INTRODUÇÃO<br />
Cada vez mais nosso planeta passa por intempéries, das mais distintas<br />
origens, que causam intensos problemas a to<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a intensificação da<br />
seca, aumento <strong>do</strong>s níveis <strong>do</strong>s mares em alguns lugares, <strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> chuvas,<br />
<strong>do</strong> frio durante o inverno, bem como <strong>do</strong> aquecimento <strong>do</strong>s mares <strong>de</strong> forma geral,<br />
entre outros problemas.<br />
Vivemos um perío<strong>do</strong> em que a natureza vem apresentan<strong>do</strong> sinais <strong>de</strong><br />
respostas às ofensas que constantemente temos pratica<strong>do</strong> contra a natureza,<br />
que vem ocasionan<strong>do</strong> estes problemas pontuais em alguns lugares <strong>do</strong> globo<br />
terrestre, mesmo que sempre se tente relativizar a sua importância. Porém, há<br />
<strong>de</strong> se perceber que é crescente a poluição que assola o mun<strong>do</strong>, principalmente<br />
nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, mas que já é possível se sentir nas zonas rurais, o que<br />
<strong>de</strong>veria dar início a uma preocupação global com a questão e seus reflexos no<br />
clima e na saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser humano, mas não é possível ver ações governamentais<br />
efetivas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> meio ambiente, já que isso causariam um impacto direto<br />
na or<strong>de</strong>m econômica e nos meios <strong>de</strong> produção que os Esta<strong>do</strong>s estão<br />
empreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma geral.<br />
É claro que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> recordar que a partir <strong>do</strong>s anos 70,<br />
iniciou-se um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> normas internacionais<br />
realizadas no intuito <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a preocupação com o meio ambiente e a<br />
diminuição da poluição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o programa inicia<strong>do</strong> pela Unesco em 1971,<br />
chamada <strong>de</strong> “O Homem e a Biosfera”, com o intuito <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a discussão<br />
sobre as mudanças climáticas e a poluição <strong>do</strong> meio ambiente. No ano seguinte,<br />
iniciou-se uma Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, na Suécia, para<br />
que fosse tratada a questão <strong>do</strong> meio ambiente, on<strong>de</strong> várias discussões<br />
acabaram se tornaram basilares para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> direito ambiental<br />
internacional como vemos hoje, com a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> polui<strong>do</strong>rpaga<strong>do</strong>r.<br />
Assim, uma série <strong>de</strong> normas internacionais criaram um rumo epistêmico<br />
<strong>de</strong> proteção jurídica <strong>do</strong> meio ambiente e a construção <strong>de</strong> um ecossistema<br />
equilibra<strong>do</strong> para que a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s habitantes <strong>do</strong> planeta. Foi sob tal perspectiva<br />
que na ECO-92 se assinou a Convenção Quadro das Nações Unidas, sobre<br />
285
Mudanças Climáticas, formulan<strong>do</strong> princípios <strong>de</strong> políticas internacionais<br />
coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> mitigação <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa para o combate<br />
ao aquecimento global, basea<strong>do</strong> na responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s sobre tais<br />
ocorrências, o que acabou, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças<br />
Climáticas, levan<strong>do</strong> a norma atual que rege estas políticas, o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris <strong>de</strong><br />
2016.<br />
Tal norma foi um gran<strong>de</strong> avanço na discussão <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> combate o<br />
aquecimento global, mas ainda há que se implementar medidas <strong>de</strong> modificação<br />
<strong>do</strong> uso <strong>do</strong>s recursos provenientes <strong>do</strong> meio ambiente, a partir da mudança <strong>de</strong><br />
valores e <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver a natureza como simples bem <strong>de</strong> produção extrativista,<br />
para que esta passe a ser vista como um ente personaliza<strong>do</strong>, que se pauta no<br />
equilíbrio e a sustentabilida<strong>de</strong> ambiental, da biodiversida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s seres que a<br />
habitam, como também para preservar a ancestralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seres, sen<strong>do</strong> que o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve se pautar pela a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong>s interesses gerais <strong>de</strong>sta<br />
nova personalida<strong>de</strong>, em conexão com as comunida<strong>de</strong>s em seu entorno,<br />
conforme é estabeleci<strong>do</strong> pela concepção <strong>de</strong> sumak kawsay, <strong>de</strong>scrita no Novo<br />
Constitucionalismo Latino-americano.<br />
2. OBJETIVO<br />
Analisar com o instituto <strong>do</strong> sumak kawsay, <strong>de</strong>scrito pelo Novo<br />
Constitucionalismo Latino-americano, po<strong>de</strong> trazer uma nova concepção jurídica<br />
<strong>de</strong> política pública <strong>de</strong> combate das alterações climáticas<br />
3. METODOLOGIA<br />
Este estu<strong>do</strong> se dará por via <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem <strong>de</strong>dutivo, usan<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> procedimento monográfico e comparativo, pauta<strong>do</strong> em pesquisa bibliográfica,<br />
qualitativa e exploratória, que conecte a compreensão <strong>de</strong> sumak kawsay com as<br />
discussões <strong>de</strong> aquecimento global, a partir <strong>de</strong> uma epistemologia preocupada<br />
com a ancestralida<strong>de</strong> e os direitos à natureza.<br />
286
4. ESTADO DA ARTE<br />
4.1 Os problemas ambientais que vivemos<br />
A <strong>de</strong>gradação ambiental que vivemos no cotidiano global atualmente, vem<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o advento <strong>do</strong> surgimento das ativida<strong>de</strong>s agrícolas, ten<strong>do</strong> um gran<strong>de</strong><br />
avanço com o advento da Revolução Industrial, atingin<strong>do</strong> o seu nível máximo <strong>de</strong><br />
poluição e problemas ambientais colocam como a principal pauta ambiental o<br />
combate ao Aquecimento <strong>Global</strong>.<br />
Nesta socieda<strong>de</strong> industrial voltada para o consumo <strong>de</strong> energia e bens <strong>de</strong><br />
consumo, on<strong>de</strong> o aumento da produção se dá <strong>de</strong>masiadamente, para aten<strong>de</strong>r a<br />
totalida<strong>de</strong> das exigências <strong>de</strong>ste merca<strong>do</strong>, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> pressão ao meio ambiente<br />
internacional, ocasionan<strong>do</strong> o aumento da poluição e <strong>do</strong> efeito estufa 1 , que<br />
acabam empreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o aquecimento da superfície terrestre 2 pela<br />
concentração <strong>de</strong> vários gases na atmosfera, que retém calor advin<strong>do</strong> da<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> refração <strong>de</strong>stes raios solares fora da atmosfera, aquecen<strong>do</strong><br />
a superfície terrestre.<br />
Isso não somente aumenta a temperatura terrestre, como modifica<br />
fenômenos locais, como seca em alguns lugares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, aumento <strong>do</strong> volume<br />
<strong>do</strong>s mares, aumento <strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> chuva, o aumento <strong>do</strong> frio durante o inverno<br />
em outros locais, fora os problemas das ofensas reiteradas a fauna e a flora.<br />
Com o fito <strong>de</strong> modificar toda esta problemática na esfera ambiental, surge<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover-se novas alternativas ao uso exacerba<strong>do</strong> da<br />
natureza e <strong>do</strong>s recursos ambientais, posto que estas práticas têm contribuí<strong>do</strong><br />
em muito para o agravamento <strong>do</strong>s problemas acima apresenta<strong>do</strong>s.<br />
Boff versan<strong>do</strong> sobre o tema, assevera que tais problemas <strong>de</strong>rivam<br />
diretamente <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista e da forma <strong>de</strong> consumo que este<br />
estabelece, quan<strong>do</strong> assevera que<br />
Devastou e continua <strong>de</strong>vastan<strong>do</strong> inteiros ecossistemas, <strong>de</strong>sflorestan<strong>do</strong><br />
gran<strong>de</strong> parte da área ver<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, envenenan<strong>do</strong> os solos, poluin<strong>do</strong><br />
1<br />
Enten<strong>de</strong>-se por efeito estufa a concentração <strong>de</strong> gases na atmosfera que impe<strong>de</strong>m o reflexo <strong>do</strong>s<br />
raios solares, causan<strong>do</strong> a refração <strong>de</strong> tais raios <strong>de</strong> volta para a crosta terrestre e, assim,<br />
ocasionan<strong>do</strong> mudanças climáticas.<br />
2 SISTER, Gabriel. Merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono e Protocolo <strong>de</strong> Quioto. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Elseveier, 2007.<br />
287
as águas, contaminan<strong>do</strong> o ar, erodin<strong>do</strong> a biodiversida<strong>de</strong> na razão <strong>de</strong><br />
cem mil espécies <strong>de</strong> seres vivos por ano, segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> eminente<br />
biólogo Ewdard O. Wilson, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> a base físico-química que<br />
sustenta a vida e pon<strong>do</strong> em risco o futuro <strong>de</strong> nossa civilização,<br />
suscitan<strong>do</strong> a imagem tétrica <strong>de</strong> uma Terra <strong>de</strong>predada e coberta <strong>de</strong><br />
cadáveres e eventualmente sem nós, como espécie humana? 3<br />
Ou seja, é imperativa a modificação <strong>do</strong> uso econômico <strong>do</strong> meio ambiente<br />
para acabar a sua <strong>de</strong>vastação, já que a forma hoje <strong>de</strong> utilização não garante o<br />
uso equilibra<strong>do</strong> e sustentável <strong>do</strong>s seus recursos 4 , mas aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as<br />
necessida<strong>de</strong>s pelo merca<strong>do</strong>, o que faz a natureza ser cada vez mais explorada<br />
e impactada.<br />
Para evitar tais problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição <strong>do</strong> meio ambiente e a escassez<br />
<strong>do</strong>s recursos naturais, é necessária uma nova visão <strong>de</strong> uso da natureza <strong>de</strong> forma<br />
equilibrada e efetivamente sustentável, sen<strong>do</strong> seus recursos utiliza<strong>do</strong>s para o<br />
necessário no processo produtivo.<br />
Se a realida<strong>de</strong> é alarmante com o uso <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>r da natureza e como<br />
isso acaba contribuin<strong>do</strong> com o aquecimento global, não é mais possível ações<br />
predatórias e produtivistas <strong>de</strong> sua exploração, com os recursos sen<strong>do</strong> retira<strong>do</strong>s<br />
da natureza <strong>de</strong> forma não equilibrada e saudável, sen<strong>do</strong> imperativa a promoção<br />
<strong>de</strong> mudanças na forma <strong>de</strong> explorá-la, como também estabelecer normas que<br />
visem proteger a realida<strong>de</strong> vivente e combater as mudanças causadas, para “a<br />
compreensão <strong>do</strong>s rumos das negociações climáticas internacionais que têm<br />
leva<strong>do</strong> a uma reconfiguração da arquitetura <strong>do</strong> regime climático (…). 5 ”<br />
4.2 DO COMBATE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O ACORDO DE PARIS<br />
3 BOFF, Leonar<strong>do</strong>. O ecossocialismo: um projeto promissor. 2015. Jornal <strong>do</strong> Brasil: Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro. Disponível em: http://www.jb.com.br/leonar<strong>do</strong>-boff/noticias/2015/04/27/oecossocialismo-um-projeto-promissor.<br />
Acessa<strong>do</strong> em 02/10/2017.<br />
4 LÖWY, Michael. O que é ecossocialismo? 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2014, p. 128.<br />
5 SOUZA, Maria Cristina Oliveira; CORAZZA, Rosana Icassatti. Do Protocolo <strong>de</strong> Kyoto ao Acor<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Paris: uma análise das mudanças no regime climático global a partir <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> da evolução<br />
<strong>de</strong> perfis <strong>de</strong> emissões <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa. Desenvolv. Meio Ambiente, v. 42, p. 52-80,<br />
<strong>de</strong>zembro 2017.<br />
288
Após uma intensa construção normativa, iniciada em Estocolmo e<br />
construída <strong>de</strong> forma paulatina e plúrima, as discussões climáticas acabam por<br />
chegar ao Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris, como uma norma inova<strong>do</strong>ra e construída a partir <strong>do</strong><br />
máximo interesses das partes, <strong>de</strong> forma universalista, plural e comprometida <strong>de</strong><br />
cada país-membro.<br />
Durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção Quadro da ONU<br />
sobre Mudanças <strong>do</strong> Clima (COP21) realizada em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2015, as partes<br />
em discussão <strong>de</strong> uma norma <strong>de</strong> combate as mudanças climáticas chegam a um<br />
consenso <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s, estabelecen<strong>do</strong> um trata<strong>do</strong> que apresentou uma solução<br />
coletiva e múltipla, <strong>de</strong> enfrentamento <strong>do</strong> aquecimento global hiper-eleva<strong>do</strong> nas<br />
últimas décadas, fixan<strong>do</strong> como objetivo a ser persegui<strong>do</strong> <strong>de</strong> cingir o aumento da<br />
temperatura global em, no máximo, 2°C, empreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> meios para cumprir uma<br />
agenda <strong>de</strong> mitigação <strong>de</strong> aumentos acima <strong>de</strong> 1,5°C, por via <strong>de</strong> ações a serem<br />
<strong>de</strong>senvolvidas por to<strong>do</strong>s, que impeçam o aumento <strong>de</strong>smensura<strong>do</strong> da<br />
temperatura global.<br />
Assim, estabelece-se uma norma <strong>de</strong> caráter global, que objetiva a<br />
construção <strong>de</strong> soluções para um problema ambiental coletivo e conjunto, por via<br />
<strong>de</strong> planos <strong>de</strong> ações nacionais para combater o efeito estufa e fomento <strong>de</strong><br />
atuações <strong>de</strong> mitigação, adaptação, <strong>de</strong>senvolvimento e transferência <strong>de</strong><br />
tecnologia, financiamento e capacitação, a serem <strong>de</strong>senvolvidas pelo Esta<strong>do</strong> ou<br />
mecanismos <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> que permitam o auxílio ao cumprimento das<br />
metas estipuladas. 6<br />
As compreensões fincadas no Protocolo <strong>de</strong> Kyoto acabam aban<strong>do</strong>nadas,<br />
<strong>de</strong> forma que o conteú<strong>do</strong> expresso nos Acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Paris rumam a estipular<br />
políticas estatais próprias <strong>de</strong> cada Esta<strong>do</strong> sobre aquecimento global com<br />
capacida<strong>de</strong>s para o combate às mudanças <strong>do</strong> clima, <strong>de</strong> forma dinâmica e viva<br />
que importe diretamente em atuações <strong>de</strong> mitigação e <strong>de</strong> absorção <strong>de</strong> carbono<br />
por técnicas <strong>de</strong> captação e armazenamento <strong>de</strong> CO2 emiti<strong>do</strong>s na atmosfera.<br />
6 SILVA, Victor Vartulli Cor<strong>de</strong>iro. A PROTEÇÃO AMBIENTAL E UM NOVO<br />
CONSTITUCIONALISMO. Direito e sustentabilida<strong>de</strong> II [Recurso eletrônico on-line] organização<br />
CONPEDI/UNICURITIBA; Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res: Elcio Nacur Rezen<strong>de</strong>, Maria Claudia da Silva Antunes<br />
De Souza – Florianópolis: CONPEDI, 2016.<br />
289
Este sistema passa a se reger pelo fundamento <strong>do</strong> princípio da<br />
responsabilida<strong>de</strong> comum, on<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s possuem obrigações <strong>de</strong><br />
mitigação <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa (GEE), ainda que estes<br />
compromissos sejam diferencia<strong>do</strong>s entre eles, já que cada país <strong>de</strong>ve suportar<br />
as ações <strong>de</strong> mitigação a partir <strong>de</strong> suas contribuições históricas <strong>de</strong> emissões,<br />
como <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>senvolver meios <strong>de</strong> mitigação, sem prejudicar<br />
diretamente ao <strong>de</strong>senvolvimento. 7<br />
Este tipo <strong>de</strong> compreensão <strong>do</strong> agir com a natureza, como meio <strong>de</strong> mitigar<br />
a emissão <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa, para evitar que a temperatura global<br />
aumente <strong>de</strong> forma consi<strong>de</strong>rável, como também que poluição se propague em<br />
to<strong>do</strong>s os níveis na socieda<strong>de</strong> em geral, impactan<strong>do</strong> diretamente no uso <strong>do</strong> meio<br />
ambiente nas interações econômicas globais, que não mais po<strong>de</strong>m se dar a<br />
partir <strong>do</strong> uso insustentável e irascível da natureza, <strong>de</strong> forma que é necessária<br />
uma mudança <strong>de</strong> valores e concepções <strong>de</strong> como <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidas<br />
políticas públicas estatais para a utilização <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>de</strong> seus recursos,<br />
com uma alteração paradigmática <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> natureza e <strong>do</strong> uso <strong>de</strong><br />
estratégias e tecnologias nas interações econômicas que lhe impactem<br />
diretamente na promoção <strong>de</strong> uma nova visão <strong>de</strong> progresso.<br />
Assim, esta i<strong>de</strong>ia se aglutina com a finalida<strong>de</strong> social <strong>do</strong> uso da natureza<br />
pelo povo que junto a esta se integra, pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma atuação<br />
conectada <strong>do</strong> ser humano com a natureza, como meio <strong>de</strong> progresso responsável<br />
e saudável, no indicativo <strong>de</strong> um novo horizonte direcional.<br />
4.3 SUMAK KAWSAY<br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sumak kawsay, também <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Buen Vivir pelo<br />
constitucionalismo equatoriano, é um pensamento comunitário pauta<strong>do</strong> na<br />
correlação <strong>do</strong> indivíduo e da socieda<strong>de</strong> em que este se insere com a natureza,<br />
em uma existência <strong>de</strong> convívio simbiótico, sen<strong>do</strong> uma expressão em quéchua<br />
7<br />
REI, Fernan<strong>do</strong> Car<strong>do</strong>zo Fernan<strong>de</strong>s; GONÇALVES, Alcin<strong>do</strong> Fernan<strong>de</strong>s; SOUZA,<br />
Luciano Pereira <strong>de</strong>. ACORDO DE PARIS: REFLEXÕES E DESAFIOS PARA O REGIME<br />
INTERNACIONAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, Veredas <strong>do</strong> Direito, Belo Horizonte,<br />
v.14 n.29 p.81-99 Mai./Ago. <strong>de</strong> 2017<br />
290
que representa os viveres tradicionais <strong>do</strong>s povos tawantinsuyanos. Os direitos<br />
inerentes ao Bem Viver importam na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir proteção à<br />
ancestralida<strong>de</strong> e direitos da natureza, <strong>de</strong> forma harmônica, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e<br />
aceitan<strong>do</strong> as diferenças, entre os próprios seres humanos e com as espécies<br />
existentes em um meio ambiente.<br />
As i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> sumak kawsay aparecem nas Constituições <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r, <strong>de</strong><br />
2008, e da Constituição boliviana, <strong>de</strong> 2009, on<strong>de</strong> tal pensamento se expressa<br />
com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> vivir bien, em que estas normas tratam da questão da<br />
relação estabelecida entre as suas socieda<strong>de</strong>s e a natureza, prezan<strong>do</strong> pela<br />
atenção <strong>do</strong> bem-estar natural como meio equilibra<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, em<br />
que este conjunto possa “viver em um ambiente são e ecologicamente<br />
equilibra<strong>do</strong>, que garanta sustentabilida<strong>de</strong> e bem viver.” 8 9<br />
Assim, to<strong>do</strong>s os seres <strong>de</strong>vem viver harmonicamente no meio ambiente,<br />
<strong>de</strong> forma a agir com sustentabilida<strong>de</strong> na exploração das riquezas que a natureza<br />
nos oferece, bem como na atuação <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida com qualida<strong>de</strong>, equilíbrio<br />
e respeito mútuo, on<strong>de</strong> a natureza passa a ser vista não somente como uma<br />
coisa sujeita à apropriação, mas como ente personaliza<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento social se pautar na a<strong>de</strong>quação aos interesses gerais <strong>de</strong>sta<br />
nova personalida<strong>de</strong>, que sempre buscará a sustentabilida<strong>de</strong> como fim,<br />
garantin<strong>do</strong> a vida, o equilíbrio <strong>do</strong> meio ambiente, da biodiversida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s seres<br />
que a habitam, como respeito a ancestralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seres, instrumentalizan<strong>do</strong><br />
uma nova forma <strong>de</strong> convivência social, pautada na harmonia e na dignida<strong>de</strong> da<br />
pessoa e da natureza, como ficou expresso no preâmbulo da Constituição <strong>do</strong><br />
Equa<strong>do</strong>r. 10<br />
8<br />
EQUADOR. CONSTITUCIÓN DE LA REPÚBLICA DEL ECUADOR. 2008, art. 14.<br />
Disponível em https://goo.gl/DGB3eV. Acesso set/2018.<br />
9<br />
Tradução livre <strong>do</strong> autor a partir <strong>do</strong> original: (…) a vivir en un ambiente sano y<br />
ecológicamente equilibra<strong>do</strong>, que garantice la sostenibilidad y el buen vivir, sumak<br />
kawsay.<br />
10<br />
“(…) Decidimos construir Una nueva forma <strong>de</strong> convivencia ciudadana, en diversidad<br />
y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay; Una sociedad<br />
que respeta, en todas sus dimensiones, la dignidad <strong>de</strong> las personas y las colectivida<strong>de</strong>s;<br />
(…).” ECUADOR, 2008, op. cit.<br />
291
A partir <strong>de</strong>stas expressões é que Zaffaroni 11 <strong>de</strong>screve a i<strong>de</strong>ia da<br />
Pachamama e o ser humano, a partir <strong>de</strong>stes novos conceitos constitucionais<br />
latino-americanos, on<strong>de</strong> aborda uma série <strong>de</strong> questões, inclusive a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> que o ser humano respeite os animais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta atuação em Bem Viver.<br />
Na mesma esteira, Boff 12 <strong>de</strong>screve o seu ethos mundial, como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma atuação conectada <strong>do</strong> ser humano com a natureza com meio <strong>de</strong> progresso<br />
responsável e saudável.<br />
Este tipo <strong>de</strong> compreensão é uma expressão <strong>de</strong> um pensamento <strong>do</strong> ‘Sul’,<br />
latino-americano, relacionan<strong>do</strong>-se diretamente com a Epistemologia <strong>do</strong> Sul 13 ,<br />
que <strong>de</strong>screve a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Direito a partir <strong>de</strong> um marco<br />
<strong>do</strong> sul global, livran<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> pensar colonial imposto pelo norte global, a partir<br />
<strong>de</strong> outros vivências, <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong>s e pluriculturalida<strong>de</strong>s.<br />
É neste senti<strong>do</strong> que Gudynas e Acosta acabam por promover não só a<br />
<strong>de</strong>scrição da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Bem viver, como também conectá-lo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento com sustentabilida<strong>de</strong> e responsabilida<strong>de</strong> social e ecológica,<br />
quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>screve ser esta “uma expressão <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> direito, e que para<br />
assegurá-los é indispensável encarar mudanças substanciais nas estratégias <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento (...) com uma proposta a ser construída, o Bem viver.” 14<br />
Sumak kawsay importa em aglutinar a finalida<strong>de</strong> social e sustentável para<br />
utilização da natureza, em atuação conectada <strong>do</strong> ser humano com o meio<br />
ambiente como uma direção <strong>de</strong> progresso responsável e saudável, inclusive a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o ser humano respeite a fauna e a flora nesta atuação em<br />
Bem Viver, pois somente to<strong>do</strong>s estes sujeitos uni<strong>do</strong>s formam um to<strong>do</strong>, que <strong>de</strong>ve<br />
se <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong> forma a sustentar equilibradamente a soma formada.<br />
11<br />
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La pachamama y el humano. Buenos Aires: Colihue,<br />
2012.<br />
12<br />
BOFF, Leonar<strong>do</strong>. Ethos Mundial: Um consenso mínimo entre os humanos, Brasília,<br />
Letraviva, 2000.<br />
13<br />
SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Sousa; MENESES, M. P. (Orgs.). Epistemologias <strong>do</strong> Sul.<br />
Coimbra: Almedina, 2009.<br />
14<br />
GUDYNAS, Eduar<strong>do</strong>; ACOSTA, Alberto. El buen viver mas allá <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sarrollo. Qué<br />
Hacer, nº 180, 2011, Ed. Desco: Lima. pág. 75.<br />
292
5. RESULTADOS<br />
É possível perceber com as duas concepções se conectam diretamente,<br />
já que a discussão <strong>de</strong> mudança climática, bem como as suas normas<br />
internacionais e nacionais que objetivem a mitigação <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> gases que<br />
causam estas alterações, importam diretamente em outra visão <strong>de</strong> interação <strong>do</strong><br />
homem com a natureza, quer a partir da sua relação <strong>de</strong> convivência, quer por<br />
via da compreensão <strong>de</strong> exploração econômica sobre esta última.<br />
Há uma conexão da cosmovisão <strong>de</strong> sumak kawsay (conhecimento<br />
ancestral e naturalmente integra<strong>do</strong> com a natureza) com a discussão <strong>de</strong> políticas<br />
<strong>de</strong> combate as mudanças climáticas, já que se está falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> meio ambiente e<br />
como este po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>do</strong> diretamente pelo homem, <strong>de</strong> forma a não causar<br />
danos a própria concepção <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> natural.<br />
O conceito sul-americano po<strong>de</strong> trazer nova compreensão valorativa à<br />
discussão <strong>de</strong> mudanças climáticas, já que este se conecta o indivíduo com o seu<br />
povo e a natureza ao seu entorno, importan<strong>do</strong> na expressão <strong>de</strong> uma outra i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, não a partir <strong>do</strong> próprio indivíduo, e sim por sua integração com o<br />
meio ambiente equilibra<strong>do</strong> e a busca pelo bem-estar social, portanto,<br />
modifican<strong>do</strong> parâmetros econômicos <strong>de</strong> uso da natureza na apropriação <strong>de</strong> seus<br />
produtos.<br />
A compreensão <strong>de</strong> Bem viver importa diretamente em um tratamento <strong>de</strong><br />
preservação e baixo impacto à natureza pelo ser humano, já que esta passa a<br />
ser compreendida como ente social, <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> direitos, <strong>de</strong>veres e finalida<strong>de</strong>s<br />
sociais, o que importa em um novo horizonte direcional para a sua utilização,<br />
direcional a uma concepção <strong>de</strong> preservação, respeito e sustentabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma<br />
vida simbiótica <strong>do</strong> homem com a natureza.<br />
Este conceito ancestral se aplica<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma a modificar as relações<br />
econômicas sobre o uso <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong>s seus recursos, permitem uma<br />
maior preservação da natureza, o que, por consequência, importaria diretamente<br />
como plano <strong>de</strong> ação estatal <strong>de</strong> combate ao efeito estufa e a poluição,<br />
ocasionan<strong>do</strong> indiretamente a mitigação da emissão <strong>de</strong> GEE, já que a utilização<br />
da natureza não se basearia em uma atuação extrativista produtivista, mas sim<br />
293
<strong>do</strong> uso consciente <strong>do</strong>s recursos naturais, em <strong>de</strong>corrência da mudança <strong>do</strong>s<br />
paradigmas <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção que hoje se vivencia.<br />
Com esta mudança <strong>de</strong> perspectiva <strong>de</strong> cada esta<strong>do</strong> em suas normas<br />
internas, <strong>de</strong> forma a consi<strong>de</strong>rar uma outra concepção <strong>de</strong> relação com a natureza,<br />
proce<strong>de</strong>ria a aplicação <strong>do</strong> princípio da responsabilida<strong>de</strong>, que é estabeleci<strong>do</strong> no<br />
Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris como valor precípuo no combate as mudanças climáticas, já<br />
que cada Esta<strong>do</strong> passaria a assumir o encargo <strong>de</strong> buscar meios <strong>de</strong> mitigar a<br />
emissão <strong>de</strong> GEE.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Neste estu<strong>do</strong> se proce<strong>de</strong> uma abordagem, ainda parcial, <strong>de</strong> como é<br />
possível uma mudança <strong>de</strong> valores jurídico-ambientais e vivendis pela aplicação<br />
da concepção <strong>de</strong> Bem viver nas interações <strong>do</strong> ser com natureza, pois este é um<br />
atributo jurídico que pregoa o apreço pela vida comunitária, o respeito ao próximo<br />
e a Pachamama, pauta<strong>do</strong> em um forte sentimento <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência e<br />
reciprocida<strong>de</strong> entre os seres, pois somente é possível vivenciar a plenitu<strong>de</strong> da<br />
condição humana se <strong>de</strong>vidamente conectada ao meio ambiente em que estamos<br />
inseri<strong>do</strong>s.<br />
Assim, estes valores estabelecem a formação <strong>de</strong> um discurso <strong>de</strong><br />
mudança <strong>de</strong> cosmovisão, para que o homem se integre à natureza e a<br />
coletivida<strong>de</strong> ao seu entorno, fugin<strong>do</strong> <strong>do</strong> caráter individual que impregna seu<br />
discurso ambiental, para que este seja efetivamente enlaçan<strong>do</strong> em abordagens<br />
comunitárias e inclusivistas, que visam a vida em harmonia com a natureza por<br />
via da preservação e uso consciente <strong>do</strong>s recursos naturais, o que modifica a<br />
própria emissão <strong>de</strong> GEE pelos indivíduos ali inseri<strong>do</strong>s, como também é uma<br />
expressão <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes no combate as mudanças climáticas.<br />
294
DIREITO À TERRA COMO DIREITO HUMANO: SUPORTE À DIGNIDADE<br />
POR UM DIREITO MAIS DEMOCRÁTICO.<br />
MATURANA, Edgar<br />
Advoga<strong>do</strong> pela UAM – Universida<strong>de</strong> Anhembi Morumbi, Cientista Social pela USP – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />
pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> NEPSESTE/USP – Núcleo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Pesquisas em Sociologia <strong>do</strong> Espaço e <strong>do</strong> Tempo da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo e Engenheiro <strong>de</strong> Produção pelo IMT – Instituto Mauá <strong>de</strong> Tecnologia.<br />
edgar.maturana@gmail.com<br />
São Paulo, SP - Brasil<br />
RESUMO<br />
O artigo é uma reflexão sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um novo Direito<br />
Humano mais inclusivo e protetivo, o direito à terra. A sua inexistência nos<br />
instrumentos internacionais - mas presente na jurisprudência das Cortes<br />
Internacionais -, a escalada da violência na disputa pela terra e da exclusão <strong>de</strong><br />
vítimas <strong>de</strong>sses conflitos confirmam sua necessida<strong>de</strong>. A abertura <strong>de</strong>ssa<br />
possibilida<strong>de</strong> é percebida por três elementos: pela agregação <strong>de</strong> direitos liga<strong>do</strong>s<br />
à terra ainda dispersos, a filiação às características fundamentais <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong><br />
<strong>Humanos</strong> e, por fim, pela reunião da maioria <strong>do</strong>s 17 objetivos da Agenda 2030<br />
da Organização das Nações Unidas. Concluirá, esse artigo, a importância <strong>de</strong>sse<br />
novo direito na sustentação da <strong>de</strong>mocracia e da dignida<strong>de</strong> humana.<br />
Palavras-chave: direito à terra. <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Dignida<strong>de</strong> da Pessoa<br />
Humana. Democracia. Agenda 2030 ONU.<br />
ABSTRACT<br />
This article aims a reflection over the possibility to construct a new Human Right,<br />
more inclusive and protective, the Land Right. Although it´s not set in an<br />
International Instruments of the International Courts of Human Rights – but<br />
presente in its jurispru<strong>de</strong>nce, it´s emergecy is nee<strong>de</strong>d on the rising of violence on<br />
the land conflicts, resulting in a huge number of exclu<strong>de</strong>d and vulnerable people.<br />
The opening to this possibility are ma<strong>de</strong> by the merge of disconnected rights<br />
linked to land, the affiliation to main characteristics of Human Rights and<br />
gathering nearlly all 17 goals of 2030 ONU Agenda. Closing the article with the<br />
295
importance of this new human right to sustain <strong>de</strong>mocracy and the dignity of the<br />
human being<br />
Keywords: Land Rights. Human Rights. Dignity of Human Being. Democracy.<br />
2030 ONU Agenda.<br />
INTRODUÇÃO E OBJETIVO<br />
Discorrer sobre os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> num momento histórico tão<br />
conturba<strong>do</strong> como o atual não é tarefa das mais fáceis. A dificulda<strong>de</strong> se faz<br />
presente pela amplitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> pêndulo interpretativo sobre o tema em que a<br />
ignorância parece prevalecer sobre o horizonte <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s criadas pelo<br />
saber. O que parece ser divergente, no entanto, é a abertura necessária para<br />
escancarar as facetas ainda encobertas <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e possibilitar um<br />
maior aprofundamento e proteção <strong>do</strong>s direitos aos indivíduos.<br />
Com essa premissa estabelecida e possibilida<strong>de</strong>s abertas, esse artigo se<br />
propõe a refletir sobre uma nova forma <strong>de</strong> se alargar a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos<br />
por meio <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Essa viabilida<strong>de</strong> só existe pelo próprio objeto a<br />
que <strong>de</strong>seja tratar o assunto, a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo. Sua ativa formulação se<br />
monta e remonta ao longo da História a fim <strong>de</strong> melhor compreen<strong>de</strong>r o homem,<br />
seus propósitos e sua relação com o próximo para assim lograr mais altos<br />
valores humanos e humanitários.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, esse artigo irá discutir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar e<br />
construir um direito à terra como Direito Humano. Esse ponto <strong>de</strong> chegada será<br />
conduzi<strong>do</strong> por algumas questões direciona<strong>do</strong>ras capazes <strong>de</strong> estabelecer certos<br />
limites para a reflexão pretendida. São elas: por que o direito à terra? porque<br />
direito à terra como um direito humano? <strong>de</strong> que forma o direito à terra po<strong>de</strong><br />
contribuir para os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na consecução da Agenda 2030 e à<br />
Democracia?<br />
MÉTODO<br />
O méto<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> nesse artigo, reflexo <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> monográfico, foi a<br />
análise bibliografia sobre os temas terra, direitos humanos, <strong>de</strong>mocracia e a<br />
296
Agenda 2030. Sobre eles, <strong>de</strong>bruçou o pesquisa<strong>do</strong>r a construir a correlação entre<br />
essas partes díspares no fomento <strong>do</strong> direito à terra como um direito humano.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
A compreensão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da terra não é única <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />
como a brasileira, e mesmo em Nações estrangeiras. A constatação <strong>de</strong>ssa<br />
afirmação po<strong>de</strong> ser verificada pelas diferentes <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> rentistas e<br />
comunida<strong>de</strong>s indígenas brasileiras sobre o tema. Para os primeiros, a terra é<br />
apenas um meio <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> seus lucros, produtos e po<strong>de</strong>r; para os<br />
segun<strong>do</strong>s, a terra não é fonte apenas <strong>de</strong> sua manutenção material, mas<br />
principalmente cultural e espiritual, como fonte <strong>do</strong> que são e <strong>do</strong> que <strong>de</strong>sejam ser<br />
para a comunida<strong>de</strong>.<br />
Esses <strong>do</strong>is extremos <strong>de</strong> pontas inconciliáveis <strong>de</strong>monstram a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uma reinterpretação da terra. Não porque a terra seja um latifúndio ainda a<br />
ser <strong>de</strong>svenda<strong>do</strong> – verifica-se o contrário no Brasil – mas porque a terra, ao<br />
menos nesse país, é “um marco regula<strong>do</strong>r, uma sentinela <strong>do</strong> arcaísmo que<br />
<strong>de</strong>senham nossas possibilida<strong>de</strong>s e limites”. (2011, Martins, p. 18). Nesse<br />
senti<strong>do</strong>, a terra “freia, firmemente as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformação social<br />
profunda e <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização <strong>do</strong> país [Brasil]”. (2011, MARTINS, p. 18). Esse<br />
entendimento <strong>de</strong>ve ser assumida para a socieda<strong>de</strong> brasileira, mas <strong>de</strong>ve também<br />
ser apropriada, como referência interpretativa, pelo Direito Internacional <strong>do</strong>s<br />
<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> para uma nova compreensão sobre a terra.<br />
Até o momento, a Ciência <strong>do</strong> Direito tratou a terra mais frequentemente<br />
como objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito Civil pelos ramos <strong>do</strong>s direitos reais ou pelo<br />
direito agrário. Esqueceu-se uma dimensão importante <strong>do</strong> indivíduo que o liga à<br />
terra por diferentes linhas das tratadas pelos manuais civilistas, e que o insere<br />
num contexto em que a sua integralida<strong>de</strong>, fundamentada pela dignida<strong>de</strong><br />
humana, é o ponto central a ser protegi<strong>do</strong>. Sobre linhas ocultas foram<br />
construídas relações privadas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r capazes <strong>de</strong> alicerçar formas e meios <strong>de</strong><br />
governo que se apropriaram unilateralmente da terra como meio <strong>de</strong> mediação<br />
social e <strong>de</strong> exclusão. Encontraram na terra a força <strong>de</strong> coerção para o controle<br />
social media<strong>do</strong> pelo imaginário popular. Percebeu-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong>, em especial<br />
297
nos países periféricos (CARDOSO, 1970), que a terra acolhe mas também po<strong>de</strong><br />
excluir, que pela terra se dá ou tira o po<strong>de</strong>r, que se herda ou <strong>de</strong>serda, que por<br />
ela se nutre ou <strong>de</strong>snutre, se abriga ou <strong>de</strong>sabriga, se fomenta governos ou os<br />
<strong>de</strong>strói, se equaliza gêneros ou não.<br />
Em diversos relatos <strong>de</strong> usurpação da terra, percebe-se um gran<strong>de</strong> e<br />
intenso conflito pela terra há anos em diversos países. São <strong>de</strong>flagra<strong>do</strong>s ora<br />
contra pequenos produtores rurais e seus familiares, ora contra a mulher e seus<br />
filhos, ora contra as tribos indígenas e suas concepções singulares da terra, ora<br />
contra mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s. O que to<strong>do</strong>s esses conflitos 1 expõem, <strong>de</strong> forma<br />
notória, é que o direito à terra, nas suas múltiplas concepções, não está sen<strong>do</strong><br />
protegi<strong>do</strong> à maioria da população, e que, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma minoria rentista,<br />
a perda da dignida<strong>de</strong> humana e vulnerabilida<strong>de</strong> a que se sujeitam é galopante.<br />
Isto não po<strong>de</strong> mais acontecer e uma revisão <strong>do</strong> que é terra e os direito a ela<br />
vincula<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ve ser reconstruí<strong>do</strong>.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, o direito à terra não po<strong>de</strong> ser encara<strong>do</strong> mais apenas como<br />
objeto <strong>do</strong> direito real codifica<strong>do</strong> e positiva<strong>do</strong> em leis civis. As atrocida<strong>de</strong>s<br />
perpetradas por disputas escancaram uma nova necessida<strong>de</strong> a ser ligada à<br />
terra: pensar o direito à terra como um Direito Humano pelo qual se estabelecerá<br />
maior proteção à dignida<strong>de</strong> humana em diferentes vertentes da dimensão social:<br />
direito à proprieda<strong>de</strong> privada; o direito à terra como direitos culturais; o direito à<br />
terra como uma questão <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero; o direito à terra como moradia,<br />
o direito à terra como acesso à alimentação e por fim, o direito à terra como um<br />
meio <strong>de</strong> proteção ambiental.<br />
DISCUSSÃO<br />
O direito à terra é um direito a ser firma<strong>do</strong> com a principal função <strong>de</strong><br />
aumentar a proteção individual e coletiva <strong>do</strong> indivíduo pelo aprimoramento e<br />
manutenção da dignida<strong>de</strong> humana. Em síntese, o direito à terra como um direito<br />
1<br />
Conflito e terra, não apenas no Brasil, é indissociável. Em recente julga<strong>do</strong> da Corte<br />
Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> o caso Xucuru é uma das violentas realida<strong>de</strong>s da luta pela<br />
terra.<br />
298
humano objetiva proteger a dignida<strong>de</strong> humana, o que o indivíduo tem <strong>de</strong> mais<br />
essencial e íntimo <strong>de</strong> seu ser.<br />
Há que se tornar claro a não existência <strong>do</strong> direito à terra como um direito<br />
humano nos Trata<strong>do</strong>s Internacionais, mas que as Cortes Internacionais vêm<br />
sinalizan<strong>do</strong> e fomentan<strong>do</strong> o tema, mesmo que dispersamente, em relatórios e<br />
sentenças prolatadas pelas Cortes. Jérémie Gilbert, <strong>de</strong>clara que<br />
(...) nenhum trata<strong>do</strong> tem reconheci<strong>do</strong> o direito à terra como uma<br />
questão central <strong>de</strong> direitos humanos. Entre os nove principais trata<strong>do</strong>s<br />
internacionais <strong>de</strong> direitos humanos, o direito à terra é apenas<br />
superficialmente menciona<strong>do</strong> uma única vez, no contexto <strong>do</strong>s direitos<br />
das mulheres em zonas rurais (2013, p. 123).<br />
Portanto, a fundamentação jurídica <strong>de</strong> existência <strong>do</strong> direito à terra como<br />
um direito humano tem si<strong>do</strong> construída essencialmente por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões<br />
das Cortes Internacionais <strong>de</strong> Justiça, como o exemplo <strong>do</strong> caso da tribo Xucuru<br />
pela Corte Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> (CIDH, 2018), ou pelos relatórios<br />
<strong>de</strong> agências não governamentais ao indicarem os <strong>de</strong>scasos e abusos da<br />
expropriação da terra, e pedir proteção mais efetiva nos litígios fundiários.<br />
O direito à terra, aqui pensa<strong>do</strong> como um novo direito a ser concebi<strong>do</strong> e<br />
materializa<strong>do</strong>, tem a prerrogativa <strong>de</strong> existência pela filiação as principais<br />
características <strong>de</strong> um Direito Humano, ao lhe garantir força necessária para sua<br />
afirmação como tal. Porque assim como os outros direitos humanos, o direito à<br />
terra também tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “<strong>de</strong>signar aquilo que pertence à essência <strong>do</strong><br />
homem, que não é puramente aci<strong>de</strong>ntal, que não surge ou <strong>de</strong>saparece com a<br />
mudança <strong>do</strong>s tempos, da moda, <strong>do</strong> estilo ou <strong>do</strong> sistema; <strong>de</strong>ve ser algo que<br />
pertence ao homem como tal” (MELLO, 2013, p. 771). Dito isso, o direito à terra<br />
eleva-se aos parâmetros <strong>de</strong> um direito humano por ser “preexistente à or<strong>de</strong>m<br />
positiva, imprescritível, inalienável, <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> eficácia erga omnes, absoluto e<br />
auto aplicáveis” (MELLO, 2013, p. 771), características essenciais <strong>de</strong> um direito<br />
humano e presentes no direito à terra.<br />
Por isso, a construção <strong>do</strong> direito à terra como um direito humano <strong>de</strong>ve<br />
tributo aos <strong>de</strong>sabriga<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>s e violenta<strong>do</strong>s pela ignorância e pelo<br />
299
egoísmo na disputa pela terra. Atento a eles, e objetivan<strong>do</strong> minimizar as agruras<br />
sofridas por to<strong>do</strong>s, pon<strong>de</strong>ra-se que o direito à terra como um direito humano <strong>de</strong>va<br />
refletir sobre questões essenciais da convivência humana e vitais para a<br />
segurança e o <strong>de</strong>senvolvimento individual e coletivo, uma preocupação da<br />
Organização das Nações Unidas (ONU), e em consonância com a Agenda 2030.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, o direito à terra como um direito humano tem como direta<br />
preocupação a <strong>de</strong>mocracia e os 17 objetivos para transformar nosso mun<strong>do</strong>.<br />
A <strong>de</strong>mocracia, que antes <strong>de</strong>signava como forma <strong>de</strong> governo da pólis, hoje,<br />
implica na “afirmação <strong>de</strong> certos valores fundamentais da pessoa humana bem<br />
como a exigência <strong>de</strong> organização e funcionamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ten<strong>do</strong> em vista a<br />
proteção daqueles valores” (DALLARI, 2016, p. 144). Ou seja, é a superação <strong>do</strong><br />
relacionamento pessoal entre governantes e governa<strong>do</strong>s da pólis grega<br />
(SOARES, 2001) pela instauração da proteção <strong>do</strong> indivíduo.<br />
O que não resta dúvida, <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> pelo noticiário mundial, é que a<br />
<strong>de</strong>mocracia, apesar <strong>do</strong>s seus valores convictos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong>, ainda<br />
luta para se manter ou se instituir em diversos Esta<strong>do</strong>s. A consolidação e<br />
estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> governo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesa<strong>do</strong>s investimentos contra<br />
o perigo eminente da concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em governos militares, tecnocratas,<br />
teocratas ou falsamente <strong>de</strong>mocráticos. Nesse momento, (re)pergunta-se por que<br />
a <strong>de</strong>mocracia é a forma <strong>de</strong> governo a garantir os direitos humanos? e mais, por<br />
que o direito à terra po<strong>de</strong> contribuir nessa construção e na construção da Agenda<br />
2030?<br />
Robert Dahl nos dá uma pista para uma saída ao afirmar que a<br />
<strong>de</strong>mocracia é uma condição <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação que garante uma<br />
igualda<strong>de</strong> política (DAHL, 1998). Ou seja, apenas na <strong>de</strong>mocracia é possível<br />
estabelecer um esta<strong>do</strong>, compreendi<strong>do</strong> aqui como situação e permanência, <strong>de</strong><br />
igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação entre to<strong>do</strong>s a fim <strong>de</strong> garantir igualda<strong>de</strong> política,<br />
assumida neste artigo como capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação da construção <strong>do</strong> seu<br />
meio social inseri<strong>do</strong> em uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dimensões. Com isso, ter apenas<br />
garanti<strong>do</strong> as liberda<strong>de</strong>s negativas e positivas, não é participar efetivamente da<br />
construção <strong>de</strong>mocrática; mais, não é trabalhar para a manutenção <strong>do</strong> sistema<br />
300
<strong>de</strong>mocrático, e portanto, não é gerar condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> política capazes <strong>de</strong><br />
fomentar uma <strong>de</strong>mocracia.<br />
Dahl argumenta que essa promoção só ocorrerá se cinco critérios<br />
inerentes ao processo <strong>de</strong>mocrático estiverem garanti<strong>do</strong>s pelo próprio sistema: a<br />
participação efetiva <strong>do</strong>s membros da socieda<strong>de</strong> indistintamente, a equida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
votação, o alargamento da compreensão sobre a <strong>de</strong>mocracia, o controle sobre<br />
a agenda governamental e a inclusão da cidadania participativa. Cada um<br />
<strong>de</strong>sses elementos são, na visão <strong>do</strong> autor, fundamentais para estruturar uma<br />
<strong>de</strong>mocracia, sem os quais se torna impossível falar em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>mocrático.<br />
Aprofunda, o autor, quan<strong>do</strong> expõe as razões <strong>de</strong> preferência da<br />
<strong>de</strong>mocracia ao sistemas não <strong>de</strong>mocráticos. Para ele, o méto<strong>do</strong> comparativo se<br />
faz necessário como forma <strong>de</strong> melhor compreen<strong>de</strong>r a importância da <strong>de</strong>mocracia<br />
com suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proteção e realização <strong>do</strong> indivíduo frente aos<br />
avanços nefastos e perigosos <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> governo. Para ele, o<br />
fortalecimento da <strong>de</strong>mocracia é um ponto crucial para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
humano individual e coletivo.<br />
Assim sen<strong>do</strong>, a <strong>de</strong>mocracia é a forma <strong>de</strong> governo necessária a proteção<br />
<strong>do</strong>s direitos humanos, entre eles o direito à terra ora argumenta<strong>do</strong>, porque<br />
conduz a maiores possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreensão <strong>do</strong> outro por meio da voz e<br />
não da coerção e da violência. É apenas no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito que o outro é<br />
enxerga<strong>do</strong> e consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> em suas múltiplas necessida<strong>de</strong>s. Somente nesse<br />
esta<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> se falar em um sistema <strong>de</strong> direitos a efetivamente disponibilizálos<br />
aos indivíduos sociais. Também apenas nele que há ampla liberda<strong>de</strong> e<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s interesses individuais, salvaguardan<strong>do</strong> o direito à<br />
auto<strong>de</strong>terminação moral individual. E por fim, é que apenas na <strong>de</strong>mocracia o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento humano é alternativa possível da realização <strong>do</strong> indivíduo, ou<br />
seja, nela alimenta-se muito mais as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vidas dignas que em<br />
outras formas <strong>de</strong> governo (DAHL, 1998).<br />
Em essência, a <strong>de</strong>mocracia é o meio eficaz na busca da dignida<strong>de</strong><br />
humana, compreendida como meio autônomo da consciência para viver e<br />
conviver. Apenas com o aprimoramento da <strong>de</strong>mocracia que o Ser Humano tem<br />
301
suas potencialida<strong>de</strong>s garantidas, suas motivações validadas e sua integrida<strong>de</strong><br />
física, mental e espiritual respeitadas.<br />
Não resta dúvida, portanto, que direito à terra po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> forma incisiva<br />
auxiliar nessa construção da <strong>de</strong>mocracia. Ora porque o direito à terra, alça<strong>do</strong> ao<br />
posto <strong>de</strong> um direito humano terá força cogente <strong>de</strong> um trata<strong>do</strong>, mas,<br />
principalmente, porque estabelece nova práxis ligada à terra ao garantir atenção<br />
mais efetiva as diversas necessida<strong>de</strong>s humanas, ao consi<strong>de</strong>rar como possível<br />
em seu bojo normativo a discussão da proprieda<strong>de</strong> privada, mas também da<br />
<strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> terras indígenas, e também a garantia da alimentação<br />
a<strong>de</strong>quada, da moradia justa, da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero e da sustentabilida<strong>de</strong><br />
ambiental.<br />
O direito à terra, ao propor uma nova maneira <strong>de</strong> concebê-la, promove a<br />
participação efetiva <strong>do</strong>s membros sociais pela possível discussão e conciliação<br />
entre os díspares. Propicia a equida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votação porque eleva individual e<br />
coletivamente o ser humano a sua posição <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> ao garantir alimentação,<br />
moradia, igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero. Além disso, a discussão sobre os entendimentos<br />
<strong>do</strong> que é terra pelos diferentes grupos que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, numa inovação<br />
interpretativa da terra, alarga o entendimento da <strong>de</strong>mocracia como sistema<br />
protetivo e dá parida<strong>de</strong> argumentativa. Ou seja, discutir, rediscutir e repensar<br />
novas formas <strong>de</strong> concebê-la, antes fruto unívoco <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, é<br />
(re)significar, em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, a representação da terra no consciente<br />
humano e contribuir na ampliação da <strong>de</strong>mocracia e <strong>do</strong>s direitos humanos. Disso<br />
<strong>de</strong>corre que mais indivíduos participantes, conscientes e efetivamente dispostos<br />
na trama da <strong>de</strong>mocracia, a agenda política se fortalecerá sobremaneira na<br />
discussão sobre a terra a fortalecer a <strong>de</strong>mocracia trazen<strong>do</strong> efetivos <strong>de</strong>senlaces<br />
para o aumento da cidadania, compreendi<strong>do</strong> como meio <strong>de</strong> assegurar igualda<strong>de</strong><br />
política e social.<br />
Por fim, o direito à terra como um direito humano po<strong>de</strong>rá sustentar, direta<br />
ou indiretamente, os 17 objetivos para transformar o mun<strong>do</strong> incluí<strong>do</strong>s na Agenda<br />
2030 da ONU. De que maneira? A terra é um elemento essencial ao indivíduo<br />
porque <strong>de</strong>la se tira o próprio sustento, o viver e efetiva-se a dignida<strong>de</strong>, ou seja,<br />
a terra está presente nas múltiplas necessida<strong>de</strong>s humanas a serem protegidas<br />
302
pelos objetivos conti<strong>do</strong>s na Agenda 2030 da ONU. Por isso, a seguir serão<br />
<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>s os Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS) que se ligam<br />
à terra na direção da construção <strong>do</strong> direito à terra como um direito humano a<br />
contribuir na consecução <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano.<br />
O elemento terra está claramente explícito em cinco ODS. O ODS 1<br />
sustenta no item 1.4. “[...] a to<strong>do</strong>s os homens e mulheres, particularmente pobres<br />
e vulneráveis, tenham direitos iguais (...), a proprieda<strong>de</strong> e controle sobre a terra<br />
e outras formas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, herança, recursos naturais”. No segun<strong>do</strong> ODS,<br />
está presente no item “2.3 [...] <strong>de</strong> acesso seguro e igual à terra, outros recursos<br />
produtivos e insumos, [...]” e no item 2.4 [...], e que melhorem progressivamente<br />
a qualida<strong>de</strong> da terra e <strong>do</strong> solo”. Em ambos ODS, percebe-se a essencialida<strong>de</strong><br />
da terra como elemento da erradicação da pobreza e da miséria e por nisso o<br />
direito à terra tem elevada capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir.<br />
O ODS 5, ao promover a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, sustenta no item 5.a que<br />
é necessário “Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos<br />
recursos econômicos, bem como o acesso a proprieda<strong>de</strong> e controle sobre a terra<br />
e outras formas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, serviços financeiros, herança e os recursos<br />
naturais, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as leis nacionais”. Ou seja, a existência <strong>de</strong> um direito à<br />
terra como um direito humano po<strong>de</strong>rá direcionar os conflitos fundiários nas<br />
diversas nações <strong>de</strong> forma justa pela condução <strong>de</strong> novos entendimentos para os<br />
sistemas civis nacionais.<br />
Por fim, no ODS 15, a preocupação da terra se orienta essencialmente<br />
aos aspectos <strong>do</strong> ecossistema e da <strong>de</strong>gradação da terra. O elemento terra está<br />
presente tanto no enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong> objetivo, quanto nos itens 15.1 e 15.2. No<br />
primeiro, ao se preocupar com a conservação, recuperação e o uso sustentável<br />
<strong>do</strong>s ecossistemas, incluin<strong>do</strong> a terra e, no segun<strong>do</strong>, no combate à <strong>de</strong>sertificação<br />
e no restauro <strong>de</strong>sses solos. Nesse senti<strong>do</strong>, a terra nesses itens se coadunam à<br />
visão sustentável a ser aprimora<strong>do</strong> e que se alinham ao direito à terra como um<br />
direito humano a orientar o direitos nacionais.<br />
De forma não <strong>de</strong>clarada, a terra está presente na ODS 3 no auxílio da<br />
manutenção da saú<strong>de</strong> e da segurança ao indivíduo. Também na ODS 8, por ser<br />
meio pelo qual se <strong>de</strong>senvolve o trabalho <strong>de</strong>scente e possibilida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong><br />
303
crescimento econômico. Na ODS 10, a terra é meio da redução da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
ao <strong>de</strong>svincular a posse e proprieda<strong>de</strong> a um único grupo social. Nas ODS 11 e<br />
12, a terra é vista como ecossistema a ser protegi<strong>do</strong> das ações humanas e da<br />
especulação da terra. E, por final, a terra é elemento fundamental <strong>de</strong> promoção<br />
da ODS 16, ou seja, a justiça e as instituições <strong>de</strong>mocráticas pelos elementos já<br />
explora<strong>do</strong>s nesse artigo.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O percurso a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por esse artigo teve um objetivo claro, apontar para<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> conhecimento capaz <strong>de</strong> garantir<br />
a proteção da dignida<strong>de</strong> humana por meio da promoção <strong>de</strong> um novo direito<br />
humano, o direito à terra. A emergência <strong>de</strong> sua existência nos sistemas<br />
internacionais <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> é fundamental para a promoção<br />
e manutenção da <strong>de</strong>mocracia, <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento individual e coletivo e da<br />
Agenda 2030 da ONU.<br />
Pensar num novo direito humano é necessário uma vez que se concentra<br />
na proteção <strong>do</strong> maior bem humano, a dignida<strong>de</strong> humana, em perigo nas diversas<br />
nações. A principal motivação <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um novo direito humano<br />
especificamente liga<strong>do</strong> à terra se fundamenta nas disputas sangrentas pela terra<br />
mun<strong>do</strong> à fora e na carência <strong>de</strong> instrumentos agrega<strong>do</strong>res sobre o tema, e que<br />
<strong>de</strong>em conta da multifacetada experiência existencial humana ao promover, <strong>de</strong><br />
forma mais segura e eficiente, direitos liga<strong>do</strong>s à dignida<strong>de</strong> humana e<br />
indispensáveis a sobrevivência e convivência íntegra.<br />
O que se busca com o direito à terra é um elemento coesivo capaz <strong>de</strong><br />
analisar <strong>de</strong> forma integral o homem e os problemas conflitivos advin<strong>do</strong>s da terra,<br />
e que contribua, <strong>de</strong> forma precípua, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais<br />
<strong>de</strong>mocrática e sustentável. O direito à terra como direito humano, em substância,<br />
busca a dignida<strong>de</strong> dada pela autonomia <strong>do</strong> pensar, agir e ser e portanto, da<br />
razão e da consciência expandida (MACHADO, 2004). A continuida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse trabalho no aprofundamento <strong>do</strong> tema em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Mestra<strong>do</strong> e Doutora<strong>do</strong> a ser trilha<strong>do</strong> pelo pesquisa<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ste artigo.<br />
304
BIBLIOGRAFIA<br />
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MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso <strong>de</strong> Direito Internacional Público vol. 01.<br />
15 edição. Renovar. Belo Horizonte, 2013.<br />
SOARES, Mário Lúcio Q. Teoria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>: o substrato clássico e os novos<br />
paradigmas como pré-compreensão para o Direito Constitucional. Belo<br />
Horizonte. Del Rey. 2001.<br />
305
RESUMO<br />
DIREITOS HUMANOS NO GOVERNO LOCAL: Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da<br />
Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo (Brasil)<br />
SUANO, Bethânia<br />
Doutoranda em “Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI”<br />
Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Sociais - Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra<br />
Bolsista CAPES – Ministério da Educação, Brasil<br />
besuano@hotmail.com<br />
Este trabalho resulta <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> investigação em se<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>utoramento<br />
multidisciplinar em “Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI”, que realizo no<br />
Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Sociais da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. No <strong>do</strong>utoramento<br />
analiso a criação <strong>de</strong> instituições publicas <strong>de</strong> direitos humanos em nível local, por<br />
meio <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da pasta <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da Prefeitura <strong>de</strong> São<br />
Paulo, no Brasil; salientan<strong>do</strong> que com base no instrumental teórico das quatro<br />
principais correntes neo-institucionalistas, histórica, sociológica, racional e<br />
discursiva; procuramos perceber as mudanças e permanências institucionais<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a criação da Comissão Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e sua<br />
transformação em uma Secretaria Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e Cidadania.<br />
Neste artigo a análise foca-se no discurso <strong>do</strong>s dirigentes 1 das instituições<br />
referidas, procuran<strong>do</strong> compreen<strong>de</strong>r suas diferentes percepções <strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve ser<br />
uma instituição pública <strong>de</strong> direitos humanos no nível <strong>do</strong> governo local.<br />
Palavras-chave: <strong>Direitos</strong> humanos; instituições públicas; políticas públicas;<br />
governo local; neoinstitucionalismo.<br />
ABSTRACT<br />
This paper is part of the result of my research in the multidisciplinary PhD in "Law,<br />
Justice and Citizenship in the 21st Century", at the Center for Social Studies of<br />
the University of Coimbra, Portugal. In our thesis, we analyze the creation of<br />
public institutions for human rights at the local level, through a case study of the<br />
Human Rights Departament of the Municipality of São Paulo, Brazil; emphasizing<br />
1<br />
No trabalho <strong>de</strong> campo realiza<strong>do</strong>s entrevistas com os diversos escalões <strong>de</strong> funcionários<br />
públicos, contu<strong>do</strong> para este artigo específico optamos por utilizar apenas as entrevistas com os<br />
dirigentes; assim como, utilizaremos apenas algumas variáveis <strong>de</strong> análise e não todas as<br />
utilizadas para a tese completa.<br />
306
that on the basis of the theoretical instruments of neoinstitutionalist currents we<br />
try to perceive institutional changes and permanences since the creation of the<br />
Municipal Commission of Human Rights and its transformation into a Secretariat<br />
of Human Rights and Citizenship, bigger institution than the first. In this article the<br />
analysis focuses on the discourse of the lea<strong>de</strong>rs of the mentioned institutions,<br />
trying to un<strong>de</strong>rstanding their different perceptions of what a public institution of<br />
human rights should be and work at the level of local government.<br />
Keywords: Human rights; public institutions; public policies; local government;<br />
neoinstitutionalism.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Os direitos humanos são objeto principal <strong>de</strong> conhecidas normas<br />
internacionais 2 , resultantes estas <strong>de</strong> longos <strong>de</strong>bates no âmbito das Nações<br />
Unidas e outros órgãos internacionais. São também parte <strong>do</strong> texto legislativo<br />
nacional <strong>do</strong>s países conforme estes internalizam a normativa internacional<br />
ratificada. Entretanto, consi<strong>de</strong>ramos que é no plano local que os direitos<br />
humanos se realizam ou mesmo são viola<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>, escolhemos<br />
analisar no <strong>do</strong>utoramento, com base no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da área <strong>de</strong> direitos<br />
humanos da Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo, a criação e o funcionamento, as<br />
características <strong>de</strong> mudanças e permanências em termos institucionais <strong>de</strong><br />
órgãos 3 locais <strong>de</strong> direitos humanos. O texto que ora se apresenta como resumo<br />
expandi<strong>do</strong> para comunicação oral no I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>,<br />
visa apresentar resulta<strong>do</strong>s parciais da nossa investigação <strong>do</strong>utoral, utilizan<strong>do</strong><br />
parte da base teórica-conceitual levantada em revisão bibliográfica e, ainda tem<br />
como insumo primordial parte da pesquisa <strong>de</strong> campo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, que são<br />
2<br />
A Carta das Nações Unidas; a Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>; o Pacto <strong>do</strong>s<br />
<strong>Direitos</strong> Civis e Políticos; o Pacto <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> Econômicos, Sociais e Culturais; os Princípios <strong>de</strong><br />
Paris; a Declaração <strong>de</strong> Viena; os Objetivos <strong>do</strong> Milênio e os Objetivos <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>;<br />
<strong>de</strong>ntre outros <strong>do</strong>cumentos mais específicos relativos a direitos das minorias, por exemplo, são<br />
exemplos <strong>de</strong> normas internacionais <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
3<br />
Neste texto utilizaremos os termos “instituições” e “órgãos” como sinônimos e no subitem<br />
fundamentação teórica trataremos mais <strong>de</strong>talhadamente <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> instituição que<br />
utilizamos.<br />
307
as entrevistas realizadas com todas pessoas que foram dirigentes da área <strong>de</strong><br />
direitos humanos da Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2003 a 2017.<br />
Além da importância que possuem na arena internacional, global e<br />
regional, os direitos humanos <strong>de</strong>stacam-se, no campo <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />
Judiciário nos territórios nacionais; especificamente no Brasil, o tema tem si<strong>do</strong><br />
nas últimas décadas objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões importantes, <strong>de</strong>bates acalora<strong>do</strong>s, seja<br />
em primeira instância ou fases recursais, consolidan<strong>do</strong> jurisprudência e <strong>do</strong>utrina<br />
jurídica. Também o Po<strong>de</strong>r Legislativo, positiva ou negativamente, tem se ati<strong>do</strong><br />
aos direitos humanos no Brasil. Entretanto, o Po<strong>de</strong>r Executivo é aquele que<br />
<strong>de</strong>tém a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover políticas que superem a chave única <strong>do</strong><br />
combate a violações <strong>de</strong> direitos humanos, que <strong>de</strong>ve continuar sen<strong>do</strong> persegui<strong>do</strong><br />
por qualquer socieda<strong>de</strong>, mas que não basta se o que se preten<strong>de</strong> é uma<br />
socieda<strong>de</strong> mais justa, <strong>de</strong>senvolvida e sustentável. Nesta perspectiva<br />
consi<strong>de</strong>ramos que a investigação <strong>do</strong> tema <strong>do</strong>s direitos humanos no governo local<br />
é relevante para o aprimoramento e <strong>de</strong>senvolvimento da gestão urbana, com a<br />
maior parte da população mundial habitan<strong>do</strong> as cida<strong>de</strong>s 4 é cada dia mais<br />
importante refletir sobre como o governo local po<strong>de</strong> atuar para efetivação <strong>do</strong>s<br />
direitos humanos, o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e o incentivo a participação<br />
cidadã <strong>de</strong> seus habitantes.<br />
O problema a ser investiga<strong>do</strong> é a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgãos públicos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />
Executivo, especializa<strong>do</strong>s na promoção <strong>de</strong> direitos humanos no âmbito <strong>do</strong><br />
governo local. O que se preten<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso é a criação e<br />
funcionamento da Comissão Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da Prefeitura <strong>de</strong><br />
São Paulo e sua transformação em Secretaria Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e<br />
Cidadania.<br />
4<br />
A este respeito ver relatório das Nações Unidas, disponível em:<br />
https://www.unric.org/pt/actualida<strong>de</strong>/31537-relatorio-da-onu-mostra-populacao-mundial-cada-<br />
vez-mais-urbanizada-mais-<strong>de</strong>-meta<strong>de</strong>-vive-em-zonas-urbanizadas-ao-que-se-po<strong>de</strong>m-juntar-25-<br />
mil-milhoes-em-2050. Acessa<strong>do</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />
308
OBJETIVOS<br />
Nossos objetivos se distinguem em objetivos conceituais e práticos, que<br />
se inter-relacionam e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, tanto <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista teórico quanto <strong>do</strong><br />
ponto <strong>de</strong> vista empírico <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso. Assim, são estes os objetivos<br />
principais da investigação:<br />
Objetivos conceituais<br />
Definir políticas públicas <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
Distinguir promoção <strong>de</strong> direitos humanos da <strong>de</strong>fesa que se faz <strong>do</strong>s<br />
mesmos ao se judicializar violações.<br />
Conceitualizar instituição pública local <strong>de</strong> direitos humanos.<br />
Objetivos práticos<br />
Enten<strong>de</strong>r porque e para que foi cria<strong>do</strong> um órgão <strong>de</strong> direitos humanos na<br />
Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Enten<strong>de</strong>r porque a Comissão Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> foi<br />
transformada em uma Secretaria, quais as implicações práticas disto para a<br />
promoção <strong>do</strong>s direitos humanos no município.<br />
Elencar elementos da experiência <strong>do</strong> município <strong>de</strong> São Paulo que possam<br />
ser utiliza<strong>do</strong>s por outras cida<strong>de</strong>s, em termos <strong>de</strong> arranjos institucionais e<br />
ferramentas <strong>de</strong> gestão.<br />
Se possível, preten<strong>de</strong>mos esboçar uma narrativa das mudanças e<br />
constâncias <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong> direitos humanos <strong>do</strong>s dirigentes da Prefeitura <strong>de</strong> São<br />
Paulo específicos da área temática.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Utilizamos como base teórica para o trabalho o Novo Institucionalismo,<br />
complementa<strong>do</strong> em suas 4 principais correntes, Histórico, Sociológico, Racional<br />
e Discursivo. Consi<strong>de</strong>ramos que o Novo Institucionalismo traz elementos<br />
conceituais primordiais para po<strong>de</strong>rmos analisar o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, uma vez que<br />
coloca centralida<strong>de</strong> nas instituições para análise <strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>. Não se<br />
309
trata <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar menos importantes o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s movimentos sociais e <strong>do</strong>s<br />
indivíduos, mas colocar o foco na instituição em si, no que permanece e no que<br />
se modifica ao longo da existência <strong>de</strong>sta e assim, po<strong>de</strong>rmos analisar os impactos<br />
disto nos direitos humanos no nível local e também no plano discursivo <strong>do</strong> que<br />
se consolida como discurso <strong>de</strong> direitos humanos e <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> que vem a ser<br />
entendi<strong>do</strong> como políticas públicas <strong>de</strong> direitos humanos 5 .<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
A meto<strong>do</strong>logia utilizada parte da estratégia principal <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso,<br />
por meio <strong>do</strong> qual procuramos enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>talhadamente o que ocorre no caso<br />
específico, entretanto sempre cotejan<strong>do</strong> com os elementos conceituais e<br />
teóricos gerais que <strong>de</strong>finem os direitos humanos nos cenários internacional,<br />
político, jurídico e acadêmico.<br />
Os méto<strong>do</strong>s utiliza<strong>do</strong>s além da pesquisa bibliográfica para parte teórica,<br />
foram para a coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s: entrevistas semiestruturadas com dirigentes <strong>do</strong>s<br />
referi<strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso; coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, principalmente pela<br />
internet, <strong>de</strong>ntre <strong>do</strong>cumentos oficiais, como relatórios institucionais, orçamento<br />
público e leis. Os méto<strong>do</strong>s para tratamento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s passam por: análise<br />
<strong>do</strong>cumental, análise quantitativa (com base em da<strong>do</strong>s estatísticos, orçamentais<br />
e alguns indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> direitos humanos) e análise qualitativa (análise <strong>do</strong><br />
discurso, com suporte <strong>de</strong> software específico 6 ).<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Como menciona<strong>do</strong> este é um trabalho que apresentará resulta<strong>do</strong>s<br />
parciais <strong>de</strong> investigação <strong>do</strong>utoral. Esperamos apresentar no I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> resulta<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s diretamente aos objetivos<br />
conceituais e práticos que elencamos no subitem específico. Ou seja,<br />
5<br />
Schmidt (2008, 2010, 2015) fala na importância <strong>do</strong> contexto para o discurso, assim com base nas<br />
entrevistas realizadas procuraremos compreen<strong>de</strong>r o que se consoli<strong>do</strong>u como discurso <strong>de</strong> direitos humanos<br />
no município <strong>de</strong> São Paulo, se se consoli<strong>do</strong>u e o que é inconstante também.<br />
6<br />
Ao elaborar este resumo estávamos também inician<strong>do</strong> o trabalho com o software webQDA, portanto até<br />
a data <strong>do</strong> <strong>Congresso</strong> consi<strong>de</strong>ramos já ser possível apresentar algumas consi<strong>de</strong>rações resultantes <strong>do</strong> uso<br />
<strong>de</strong>sta ferramenta, ainda que não tão consolidadas. A ferramenta é online e está disponível (sob licença) no<br />
en<strong>de</strong>reço: https://www.webqda.net.<br />
310
apresentaremos possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceitos para os termos: “promoção <strong>de</strong><br />
direitos humanos”, “políticas públicas <strong>de</strong> direitos humanos” e “instituição pública<br />
local <strong>de</strong> direitos humanos”. Compararemos estas nossas <strong>de</strong>finições conceituais,<br />
com o que dizem as normas internacionais principais e com o que os<br />
entrevista<strong>do</strong>s disseram, bem como teceremos comparações entre as<br />
perspectivas <strong>do</strong>s próprios entrevista<strong>do</strong>s.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS<br />
Para fins <strong>de</strong>ste trabalho específico para o I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />
<strong>Humanos</strong>, preten<strong>de</strong>mos apresentar em linhas gerais nosso estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, já<br />
com as informações coletadas organizadas, contu<strong>do</strong> sem ainda ter análise mais<br />
aprofundada para além <strong>do</strong>s itens aqui enuncia<strong>do</strong>s. Ou seja, frisamos tratar-se <strong>de</strong><br />
um trabalho em andamento e cujos resulta<strong>do</strong>s estarão um pouco mais<br />
avança<strong>do</strong>s na altura <strong>do</strong> <strong>Congresso</strong> <strong>do</strong> que se encontram na data da submissão<br />
<strong>de</strong>ste resumo e, mesmo assim os resulta<strong>do</strong>s e análises consolida<strong>do</strong>s apenas<br />
estarão disponíveis na conclusão <strong>do</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>.<br />
REFERÊNCIAS<br />
Moreno Pires, S. (2011). Sustainability Indicators and Local Governance in<br />
Portugal. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiro.<br />
Schmidt, Vivien A. (2008) “Discursive Institutionalism: The Explanatory Power of<br />
I<strong>de</strong>as and Discourse“ Annual Review of Political Science. 11(1), 303–326.<br />
Schmidt, Vivien A. (2010) “Taking i<strong>de</strong>as and discourse seriously: explaining<br />
change through discursive institutionalism as the fourth ‘new institutionalism’“<br />
European Political Science Review. 2(01), 1–25.<br />
Schmidt, V. A. (2015). Discursive Institutionalism: Un<strong>de</strong>rstanding Policy Context.<br />
Handbook of Critical Policy Studies, 17.<br />
Sikkink, Kathryn; Ropp, Stephen C.; Risse, Thomas (1999) The Power of Human<br />
Rights: International Norms and Domestic Change. Cambridge: Cambridge<br />
University Press.<br />
Sikkink, Kathryn; Ropp, Stephen C.; Risse, Thomas (2013) The Persistent Power<br />
of Human Rights: From Commitment to Compliance. Cambridge: Cambridge<br />
University Press.<br />
Vázquez, D., & Delaplace, D. (2011). POLÍTICAS PÚBLICAS NA<br />
PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS : UM CAMPO EM CONSTRUÇÃO.<br />
311
SUR - Revista Internacional <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, 8, 35–65. Disponível em:<br />
http://www.conectas.org/pt/acoes/sur/edicao/14/1000391-politicas-publicas-naperspectiva-<strong>de</strong>-direitos-humanos-um-campo-em-construcao,<br />
acessa<strong>do</strong> em 20<br />
<strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />
312
A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DAS<br />
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A INCLUSÃO<br />
EM DESTINOS TURÍSTICOS<br />
FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão<br />
Mestre em Direito (UNIFOR). Prof. Assistente <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Direito (UFMA)<br />
alexsandro.rahbani@ufma.br<br />
SARAIVA, Luiziane Silva<br />
Mestre em Cultura e Socieda<strong>de</strong> (UFMA). Prof.ª Assistente <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Comunicação Social (UFMA)<br />
luiziane.saraiva@ufma.br<br />
SANTOS, Saulo Ribeiro <strong>do</strong>s<br />
Doutor em Gestão Urbana (PUCPR). Doutor em Geografia (UFPR). Prof. Adjunto <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Turismo e<br />
Hotelaria (UFMA) saulo.ribeiro@ufma.br<br />
RESUMO<br />
O presente trabalho analisa a influência das normas da Convenção das Nações<br />
Unidas sobre o direito das pessoas com <strong>de</strong>ficiência e sua contribuição ao turismo<br />
acessível em <strong>de</strong>stinos turísticos. A importância econômica e social <strong>do</strong> turismo é<br />
comprovada pelos da<strong>do</strong>s da Organização Mundial <strong>do</strong> Turismo, o qual tem<br />
significativa participação no produto interno bruto mundial, bem como é<br />
responsável pela elevação <strong>do</strong> percentual <strong>de</strong> geração <strong>do</strong>s empregos, em nível<br />
global. O movimento internacional para tornar o turismo acessível e inclusivo é<br />
crescente e tem a missão <strong>de</strong> tornar seus produtos e serviços disponíveis para<br />
pessoas com <strong>de</strong>ficiência, parcela significativa da população, segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s da<br />
Organização Mundial da Saú<strong>de</strong>. A acessibilida<strong>de</strong> é a chave para concretização<br />
<strong>de</strong>sse direito humano, pois <strong>de</strong>ve facilitar a chegada e o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> turistas<br />
no local visita<strong>do</strong>, eliminan<strong>do</strong> barreiras <strong>de</strong> todas as espécies e amplian<strong>do</strong> a<br />
comunicação <strong>do</strong> visitante com o seu <strong>de</strong>stino. Para alcançar o objetivo <strong>de</strong>sta<br />
pesquisa, utilizou-se <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s bibliográficos e <strong>do</strong>cumentais com análise<br />
qualitativa. Os resulta<strong>do</strong>s apontam que tal prática proporciona a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mudanças urbanas e sociais, sejam estruturais, físicas e culturais nos <strong>de</strong>stinos<br />
turísticos inclusivos e seus habitantes. Essas mudanças, bem feitas,<br />
proporcionarão a conciliação entre o <strong>de</strong>senvolvimento social e o econômico.<br />
Palavras-chave: direitos humanos; turismo acessível; <strong>de</strong>senvolvimento social e<br />
econômico.<br />
313
ABSTRACT<br />
The current research analyses how the terms of United Nations Convention of<br />
the Rights of Persons with Disabilities contributes to make sure that touristic<br />
places are inclusive. The economical and social importance of tourism are<br />
recognized by World Tourism Organization (UNWTO) which says that tourism<br />
has a relevant participation on the world gross <strong>do</strong>mestic product (GDP) as well is<br />
responsible for growing percentage of new places to work in the world. The global<br />
movement to make tourism accessible and inclusive is increasing and has the<br />
mission to ensure that its products and services are available to people with<br />
disabilities, which is significant part of population, according to World Health<br />
Organization (WHO). Accessibility is the key to guarantee and make real this<br />
human right, because helps tourists to arrive and move themselves through their<br />
<strong>de</strong>stination places, eliminating barriers of all kinds and expanding the<br />
communication of the visitor with his/her <strong>de</strong>stiny. To reach the purpose of this<br />
research, it was used bibliographic and <strong>do</strong>cumentary data with qualitative<br />
analyze. The results say that such practice requires urban and social changes be<br />
them structural, physical and cultural ones, envolving inclusive places and the<br />
whole environment, as its habitants. These changes, well <strong>do</strong>ne, provi<strong>de</strong>s<br />
harmony between social and economical <strong>de</strong>velopment.<br />
Keywords: human rights; accessible tourism, social and economic <strong>de</strong>velopment.<br />
INTRODUÇÃO<br />
De acor<strong>do</strong> com a Organização Mundial <strong>do</strong> Turismo (OMT), agência<br />
especializada das Nações Unidas, o turismo <strong>de</strong>ve ser acessível a to<strong>do</strong>s, pois<br />
não existe turismo sem acesso, e este <strong>de</strong>ve ser universal 1 . Portanto, pensar um<br />
<strong>de</strong>stino turístico acessível é compreen<strong>de</strong>r que o <strong>de</strong>slocamento é fundamental<br />
para a mobilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> visitante, bem como o acesso às informações referentes<br />
ao ambiente existente, o que lhe permitirá maior autonomia.<br />
Destarte, a mobilida<strong>de</strong> é para to<strong>do</strong>s, tanto para pessoas i<strong>do</strong>sas, crianças,<br />
jovens, adultos, grávidas, ca<strong>de</strong>irantes, pessoas com mobilida<strong>de</strong> reduzida, com<br />
1<br />
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Disponível em:<br />
. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />
314
<strong>de</strong>ficiência, entre outros 2 . Assim, um <strong>de</strong>stino turístico <strong>de</strong>ve estar prepara<strong>do</strong> para<br />
eliminar as barreiras físicas e sociais que a cida<strong>de</strong> possui, crian<strong>do</strong> meios <strong>de</strong><br />
acesso a to<strong>do</strong>s os atrativos turísticos. Da<strong>do</strong>s da Organização Mundial da Saú<strong>de</strong><br />
(OMS) 3 indicam que cerca <strong>de</strong> 1 bilhão <strong>de</strong> pessoas vivem com algum tipo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ficiência.<br />
Desta forma, a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência<br />
da ONU, em vigência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2008, é um marco regulatório que contribui para que<br />
pessoas com <strong>de</strong>ficiência tenham direitos garanti<strong>do</strong>s em uma projeção universal.<br />
Dentre esses direitos se encontra a acessibilida<strong>de</strong>, a qual é intrínseca ao turismo,<br />
pois, o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>ve facilitar o acesso e <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> turistas no local<br />
visita<strong>do</strong>, eliminan<strong>do</strong> barreiras e amplian<strong>do</strong> a comunicação <strong>do</strong> visitante com o<br />
<strong>de</strong>stino 4 .<br />
OBJETIVOS<br />
Analisar a influência das normas da Convenção das Nações Unidas sobre<br />
o direito das pessoas com <strong>de</strong>ficiência e sua contribuição ao turismo acessível<br />
em <strong>de</strong>stinos turísticos.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
O presente trabalho aporta os conceitos <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> turismo<br />
acessível, à luz das normativas da Convenção sobre o Direito das Pessoas com<br />
Deficiência (ONU) e da Organização Mundial <strong>do</strong> Turismo (OMT), além da<br />
abordagem <strong>de</strong> outros autores que analisam seus impactos na socieda<strong>de</strong>. Traz,<br />
ainda, uma abordagem introdutória sobre cultura, na visão antropológica e social<br />
<strong>de</strong> Roque Laraia, juntamente com os da<strong>do</strong>s oficiais da OMS, OMT e ONU para<br />
<strong>de</strong>monstrar a viabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> turismo acessível como promoção <strong>do</strong>s direitos<br />
humanos na ativida<strong>de</strong> econômica na era da globalização.<br />
2<br />
ALLIS, Thiago. Sobre cida<strong>de</strong>s, bicicletas e turismo: evidências na propaganda imobiliária em<br />
São Paulo. Ca<strong>de</strong>rno Virtual <strong>de</strong> Turismo, v. 15, n. 3, 2015.<br />
3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em:<br />
. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />
4<br />
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Disponível em:<br />
. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />
315
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa bibliográfica e <strong>do</strong>cumental na qual utilizou-se<br />
as bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s Redalyc, o Portal <strong>de</strong> Periódicos CAPES, o Portal da OMT, o<br />
Portal da ONU e o Portal <strong>de</strong> Instituto Nacional para Reabilitação <strong>de</strong> Portugal para<br />
a seleção <strong>de</strong> artigos publica<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> 2010. Além <strong>de</strong> artigos científicos,<br />
foram feitas pesquisas em livros específicos sobre o assunto. O estu<strong>do</strong> é <strong>de</strong><br />
natureza <strong>de</strong>scritiva e exploratória, com análise qualitativa.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
O turismo é um fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e econômico. Tornou-se<br />
um <strong>do</strong>s principais agentes no comércio internacional, e representa, ao mesmo<br />
tempo, uma das principais fontes <strong>de</strong> rendimentos para muitos países em<br />
<strong>de</strong>senvolvimento. Segun<strong>do</strong> a OMT 5 , o volume <strong>de</strong> negócios <strong>do</strong> turismo é igual ou<br />
até mesmo superior ao das exportações <strong>de</strong> petróleo, produtos alimentícios ou<br />
automóveis 6 .<br />
Sua contribuição para a ativida<strong>de</strong> econômica em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> é<br />
estimada em cerca <strong>de</strong> 5% 7 . Para o emprego, sua contribuição ten<strong>de</strong> a ser<br />
ligeiramente superior e é estimada na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 6-7% <strong>do</strong> número total <strong>de</strong><br />
empregos no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>, seja direta e indiretamente 8 .<br />
Nos últimos <strong>de</strong>z anos o interesse por estu<strong>do</strong>s específicos <strong>de</strong><br />
mobilida<strong>de</strong> e acessibilida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>stinos turísticos tem cresci<strong>do</strong>, e<br />
compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tal aspecto, se faz necessário assegurar a inclusão para to<strong>do</strong>s,<br />
como indicam autores que trabalham com <strong>de</strong>stino turístico acessível.<br />
Assim, a acessibilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser entendida como a eliminação <strong>de</strong><br />
obstáculos e barreiras para garantir o acesso universal a to<strong>do</strong>s os<br />
cidadãos ao ambiente, transporte, instalações e serviços turísticos.<br />
Tu<strong>do</strong> sobre o princípio <strong>de</strong> que o turismo é um direito social fundamental<br />
para to<strong>do</strong>s, o que se traduz no direito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s,<br />
a não discriminação e a integração social <strong>de</strong> um segmento importante,<br />
ou seja, a socieda<strong>de</strong>: temporária <strong>de</strong>sativada (grávidas, etc.),<br />
5<br />
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Disponível em:<br />
. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />
6<br />
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. AJONU. Disponível em:<br />
. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />
7<br />
Id. ibid.<br />
8<br />
Id. ibid.<br />
316
incapacita<strong>do</strong>s permanentes (motor, sensorial ou intelectual), pessoas<br />
i<strong>do</strong>sas, famílias com crianças, etc 9 .<br />
A Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência é o primeiro<br />
Trata<strong>do</strong> Internacional <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> <strong>do</strong> século XXI, específico para essas<br />
pessoas 10 . Antes, porém, em 2001, a ONU criou um comitê ad hoc, cujo lema<br />
era Nothing about us without us, para avaliar propostas, discutir e elaborar o seu<br />
texto 11 .<br />
Isso <strong>de</strong>monstra o consenso e o reconhecimento pela socieda<strong>de</strong><br />
internacional da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir efetivamente o respeito à pessoa com<br />
<strong>de</strong>ficiência, pois a Convenção reafirma os princípios universais (dignida<strong>de</strong>,<br />
integralida<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e não discriminação) em que se baseia e <strong>de</strong>fine as<br />
obrigações gerais <strong>do</strong>s Governos relativas à integração das várias dimensões da<br />
<strong>de</strong>ficiência nas suas políticas, bem como as obrigações específicas relativas à<br />
sensibilização da socieda<strong>de</strong> para a <strong>de</strong>ficiência, ao combate aos estereótipos e à<br />
valorização das pessoas com <strong>de</strong>ficiência 12 .<br />
Nesse contexto, a <strong>de</strong>ficiência é a combinação <strong>de</strong> limitações pessoais com<br />
impedimentos culturais, econômicos, físicos e sociais, <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong> a questão <strong>do</strong><br />
âmbito <strong>do</strong> indivíduo com <strong>de</strong>ficiência para a socieda<strong>de</strong>, que passa a assumir a<br />
<strong>de</strong>ficiência e seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos como assunto <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s<br />
espaços <strong>do</strong>mésticos para a vida pública, da esfera privada ou <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s<br />
familiares para a questão <strong>de</strong> justiça 13 .<br />
Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, então, que as pessoas com <strong>de</strong>ficiência são parte da<br />
socieda<strong>de</strong> e com direitos e <strong>de</strong>veres garanti<strong>do</strong>s por lei, seria evi<strong>de</strong>nte a<br />
9<br />
INVAT.TUR. Destino turístico inteligente: manual operativo para la configuracion <strong>de</strong> <strong>de</strong>tinos<br />
turisticos inteligentes. Valencia: Agència Valenciana <strong>de</strong>l Turisme, 2015. p. 45.<br />
10<br />
LOPES, Laís Vanessa Carvalho <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong>. Convenção sobre os direitos das pessoas com<br />
<strong>de</strong>ficiência da ONU. In: GUGEL, Maria Aparecida; COSTA FILHO, Waldir Macieira; RIBEIRO,<br />
Lauro Luiz Gomes (Org.). Deficiência no Brasil: uma abordagem integral <strong>do</strong>s direitos das<br />
pessoas com <strong>de</strong>ficiência. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007. p. 41-65.<br />
11<br />
Id. ibid.<br />
12 PORTUGAL. INSTITUTO NACIONAL PARA A REABILITAÇÃO. Convenção sobre os <strong>Direitos</strong><br />
das Pessoas com Deficiência. Disponível em: .<br />
Acesso em: 05 set. 2014.<br />
13 NAUSSBAUM, Martha. Las fronteras <strong>de</strong> la justicia: consi<strong>de</strong>raciones sobre la exclusión.<br />
Barcelona: Pai<strong>do</strong>s Iberica, 2007.<br />
317
observância <strong>do</strong>s aspectos estruturais e logísticos, necessários a esse público,<br />
que fundamentam a gestão turística nas cida<strong>de</strong>s. Mas, culturalmente, observase<br />
um “esquecimento” constante <strong>de</strong> gestores e da socieda<strong>de</strong> em geral, das<br />
questões referentes aos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s grupos minoritários, a exemplo das<br />
pessoas com <strong>de</strong>ficiências.<br />
Isso reflete e exige uma profunda mudança <strong>de</strong> comportamento social com<br />
o respeito pela diferença e pela aceitação da pessoa com <strong>de</strong>ficiência como parte<br />
da diversida<strong>de</strong> humana, ou seja, essa transformação <strong>de</strong> comportamento intenta<br />
que as “pessoas com <strong>de</strong>ficiência têm <strong>de</strong> ser tratadas como quaisquer outras, não<br />
po<strong>de</strong>m sofrer <strong>de</strong>svantagens, nem restrições ou privações <strong>de</strong> direitos por causa<br />
disso, nem lhes po<strong>de</strong>m ser impostos encargos que não sejam impostos a<br />
quaisquer outras” 14 .<br />
Mas, basta a existência <strong>de</strong> uma norma para que, efetivamente, o problema<br />
seja sana<strong>do</strong>? Essa mudança <strong>de</strong> comportamento passa a vigorar na prática<br />
diária, tão logo seja legalmente manifesta? Não. Um aspecto fundamental para<br />
a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer normativa é a cultura. Ela que “é aquele to<strong>do</strong> complexo<br />
que inclui conhecimentos, crença, arte, moral, direito, costume e outras<br />
capacida<strong>de</strong>s e hábitos adquiri<strong>do</strong>s pelo homem como membro da socieda<strong>de</strong>” 15 .<br />
Por isso, se faz pertinente consi<strong>de</strong>rar que <strong>de</strong>ntre as contribuições da<br />
Convenção, ora apresentada, está a existência <strong>de</strong> uma plataforma legal para a<br />
construção <strong>de</strong> uma cultura que viabilize a ampla acessibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas pessoas,<br />
neste caso específico, ao gozo <strong>do</strong>s benefícios <strong>do</strong>s <strong>de</strong>stinos turísticos. E como<br />
<strong>de</strong>senvolver essa cultura? Um <strong>do</strong>s aportes para esse processo é o investimento<br />
em comunicação, fazen<strong>do</strong> valer o direito à informação, também aponta<strong>do</strong> na<br />
referida norma. No que diz respeito à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Comunicação, a norma é bem<br />
diversificada e aponta no artigo 2 que o termo<br />
14 MIRANDA, Jorge. Comentário à Convenção por Jorge Miranda, 2011. Disponível em:<br />
. Acesso em: 05<br />
set. 2014.<br />
15<br />
TYLOR, Edward. Primitive Culture. Londres, John Mursay & Co, 1871. cap. 1, p. 1 apud<br />
LARAIA, Roque <strong>de</strong> Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 2011. p.<br />
25.<br />
318
abrange as línguas, a visualização <strong>de</strong> textos, o braille, a comunicação<br />
tátil, os caracteres amplia<strong>do</strong>s, os dispositivos <strong>de</strong> multimídia acessível,<br />
assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos<br />
e os meios <strong>de</strong> voz digitalizada e os mo<strong>do</strong>s, meios e formatos<br />
aumentativos e alternativos <strong>de</strong> comunicação, inclusive a tecnologia da<br />
informação e comunicação acessíveis (Artigo 2) 16 .<br />
Com relação às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), os<br />
relacionamentos sociais e organizacionais sofreram mudanças consi<strong>de</strong>ráveis<br />
com o advento da internet e seus híbri<strong>do</strong>s. Atualmente, os meios <strong>de</strong><br />
comunicação com os públicos <strong>de</strong> interesse são varia<strong>do</strong>s e, nem sempre os<br />
dispositivos digitais fazem parte <strong>do</strong> cardápio ofereci<strong>do</strong> pelos setores <strong>de</strong><br />
atendimento ao público, muito menos quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> pessoas com<br />
<strong>de</strong>ficiência; quan<strong>do</strong> o fazem, nem sempre é com a qualida<strong>de</strong> esperada,<br />
possibilitan<strong>do</strong> a interação a<strong>de</strong>quada com esses dispositivos. A acessibilida<strong>de</strong><br />
plena contempla a compreensão viabilizada por uma comunicação eficiente,<br />
dirigida às especificida<strong>de</strong>s oriundas das <strong>de</strong>mandas <strong>do</strong> público em questão.<br />
Compreen<strong>de</strong>r tal aspecto é fundamental para <strong>de</strong>senvolver políticas e<br />
estratégias <strong>de</strong> âmbito turístico, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>stino turístico <strong>de</strong> infraestrutura<br />
a<strong>de</strong>quada que atenda às necessida<strong>de</strong>s e, principalmente, satisfaça as<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> visitante, sen<strong>do</strong> um <strong>de</strong>stino inclusivo.<br />
Uma socieda<strong>de</strong> inclusiva se constrói retiran<strong>do</strong> as barreiras que impe<strong>de</strong>m<br />
a participação <strong>de</strong>ssas pessoas <strong>de</strong> usufruírem <strong>de</strong> seus direitos em condições <strong>de</strong><br />
igualda<strong>de</strong>. Desta forma, a Convenção, ao ter reconheci<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo social como<br />
o mais novo paradigma para conceituar as pessoas com <strong>de</strong>ficiência, embasou<br />
também a consolidação da acessibilida<strong>de</strong> positivada como princípio fundamental<br />
para que esse segmento concretize seus direitos fundamentais em to<strong>do</strong>s os<br />
aspectos <strong>de</strong> suas vidas.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a acessibilida<strong>de</strong> como direito natural, inato ao ser humano,<br />
po<strong>de</strong>ria ser eventualmente concedida se pleiteada por uma pessoa com<br />
16<br />
PORTUGAL. INSTITUTO NACIONAL PARA A REABILITAÇÃO. Convenção sobre os<br />
<strong>Direitos</strong> das Pessoas com Deficiência. Disponível em:<br />
.<br />
Acesso em: 05 set. 2014.<br />
319
<strong>de</strong>ficiência, mas não havia dispositivo <strong>de</strong> texto legal internacional que garantisse<br />
o seu provimento universal. Desta maneira, com “o novo trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> direitos<br />
humanos que promoveu o seu reconhecimento global e positivo, assegura-se<br />
legitimida<strong>de</strong> e a implantação da acessibilida<strong>de</strong> como princípio nortea<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />
sistemas jurídicos e como um direito fundamental” 17 .<br />
No preâmbulo da Convenção foi expressamente reconhecida a<br />
importância da acessibilida<strong>de</strong> aos meios físico, social, econômico e cultural, à<br />
saú<strong>de</strong>, à educação, e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas<br />
com <strong>de</strong>ficiência o pleno gozo <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os direitos humanos e liberda<strong>de</strong>s<br />
fundamentais. E seu artigo 3°, juntamente com o respeito à dignida<strong>de</strong>, a<br />
autonomia individual, aliada a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer suas próprias escolhas, a<br />
in<strong>de</strong>pendência, a não discriminação, a plena e efetiva participação e inclusão, o<br />
respeito à diferença, a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, a acessibilida<strong>de</strong> foi elencada<br />
como um <strong>do</strong>s princípios gerais que nortearão a vida das pessoas com<br />
<strong>de</strong>ficiências.<br />
Para que essas pessoas exerçam <strong>de</strong> forma efetiva o direito à<br />
acessibilida<strong>de</strong>, a Convenção <strong>de</strong>terminou também em seu artigo 9°, que os<br />
Esta<strong>do</strong>s estarão obriga<strong>do</strong>s a tomar medidas apropriadas para assegurar a sua<br />
efetivação, em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s com as <strong>de</strong>mais pessoas, ao meio<br />
físico, ao transporte, à informação e comunicação, bem como a outros serviços<br />
e instalações abertos ao público ou <strong>de</strong> uso público, tanto na zona urbana como<br />
na rural.<br />
As Nações Unidas, por meio da OMT já havia publica<strong>do</strong> em 1980 a<br />
Declaração <strong>de</strong> Manila, cujo texto, pela primeira vez, fez a correlação entre o<br />
turismo e a acessibilida<strong>de</strong>. A sua principal contribuição ocorreu, quan<strong>do</strong>,<br />
internacionalmente, se “[...] reconheceu o turismo como um direito fundamental<br />
e um meio estratégico para o <strong>de</strong>senvolvimento humano, recomendan<strong>do</strong> aos<br />
17<br />
LOPES, Laís Vanessa Carvalho <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong>. Convenção sobre os direitos das pessoas<br />
com <strong>de</strong>ficiência da ONU e seu protocolo facultativo e a acessibilida<strong>de</strong>. Dissertação <strong>de</strong><br />
Mestra<strong>do</strong> em Direito – Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 2009, p. 140-<br />
141.<br />
320
Esta<strong>do</strong>s-Membros a regulamentação <strong>de</strong> serviços turísticos indican<strong>do</strong> os <strong>de</strong>talhes<br />
mais importantes sobre acessibilida<strong>de</strong>” 18 .<br />
A manutenção <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> respeito aos valores, direitos e<br />
necessida<strong>de</strong>s das pessoas com <strong>de</strong>ficiência vai além da “construção <strong>de</strong> rampas”.<br />
Observa-se que a mobilida<strong>de</strong> necessária ao turismo inclusivo contempla a<br />
capacitação <strong>do</strong>s recursos humanos para esse trato, infraestrutura e<br />
equipamentos adapta<strong>do</strong>s, informação clara e disponível nas mais variadas<br />
plataformas, além <strong>de</strong> maior respeito aos quesitos <strong>de</strong> hospitalida<strong>de</strong> ao turista.<br />
Desta forma, a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> obstáculos e barreiras existentes em edifícios,<br />
ro<strong>do</strong>vias, meios <strong>de</strong> transporte e outras instalações internas e externas, tal qual<br />
escolas, residências, instalações médicas e locais <strong>de</strong> trabalho, bem como,<br />
informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e <strong>de</strong><br />
emergência, <strong>de</strong>verão ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s e, quan<strong>do</strong> necessário, excluí<strong>do</strong>s. Isso é<br />
gestão.<br />
A acessibilida<strong>de</strong> é uma condição <strong>de</strong> aproximação, com segurança e<br />
autonomia, a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s espaços, objetos e elementos diversos,<br />
possibilitan<strong>do</strong> a utilização <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>s inerentes e usos específicos<br />
que eles possam oferecer. Por essa compreensão, o Brasil passou a consi<strong>de</strong>rar<br />
constitucionalmente a acessibilida<strong>de</strong> um direito humano com enquadramento<br />
legal constitucional 19 .<br />
Por isto, é essencial que existam políticas públicas 20 direcionadas a tal<br />
fim, com o objetivo <strong>de</strong> direcionar esforços conjuntos tornan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>stino turístico<br />
não somente inclusivo, mas principalmente acessível a to<strong>do</strong>s 21 .<br />
18<br />
INVAT.TUR. Destino turístico inteligente: manual operativo para la configuracion <strong>de</strong> <strong>de</strong>tinos<br />
turisticos inteligentes. Valencia: Agència Valenciana <strong>de</strong>l Turisme, 2015. p. 45.<br />
19<br />
FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão. A convenção das nações unidas sobre o direito <strong>de</strong><br />
acessibilida<strong>de</strong> da pessoa com <strong>de</strong>ficiência: o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> e seus reflexos no<br />
direito brasileiro. In: XIV <strong>Congresso</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Direito Internacional, 2016, Grama<strong>do</strong>. Direito<br />
Internacional em Expansão. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016. v. VI. p. 166.<br />
20<br />
SANTOS, Saulo R. <strong>do</strong>s. Revisitan<strong>do</strong> conceitos sobre políticas públicas e gestão <strong>do</strong> turismo em<br />
cida<strong>de</strong>s. Revista Turismo Contemporâneo. v. 4, n. 2, jul./<strong>de</strong>z., 2016, p. 286-306.<br />
21<br />
KUNZ, Jaciel Gustavo; TOSTA, Eline. Turismo e mobilida<strong>de</strong>: um diagnóstico da acessibilida<strong>de</strong><br />
geográfica à fronteira Chuí-Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul/RS, Brasil/Chuy, Uruguai. Turismo e Socieda<strong>de</strong>,<br />
v. 9, n.3, 2016.<br />
321
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
É constatada a contribuição crescente <strong>do</strong> turismo para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da economia global. O merca<strong>do</strong> turístico movimenta cada vez mais um portfólio<br />
diversifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> produtos e serviços, oportunizan<strong>do</strong> a inserção <strong>de</strong> profissionais<br />
<strong>de</strong> áreas distintas, mas convergentes, no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico e social. Em todas as etapas <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> relacionamento entre o<br />
turista e os produtos ou serviços ofereci<strong>do</strong>s há que se garantir condições efetivas<br />
<strong>de</strong> usufruto <strong>de</strong>sses benefícios. No que diz respeito ao turismo inclusivo, essas<br />
etapas <strong>de</strong>vem ser mais acessíveis e humanizadas. Não se trata <strong>de</strong> benevolência,<br />
mas sim a retificação <strong>de</strong> um erro histórico ao qual as pessoas com <strong>de</strong>ficiência<br />
são submetidas, frequentemente, diante <strong>do</strong>s mais varia<strong>do</strong>s atendimentos.<br />
Desta forma, resta evi<strong>de</strong>nciada a importância da acessibilida<strong>de</strong> para um<br />
turismo mais inclusivo em <strong>de</strong>stinos turísticos. A inclusão das pessoas com<br />
<strong>de</strong>ficiência nas ativida<strong>de</strong>s turísticas, além <strong>de</strong> ser um direito, é uma excelente<br />
oportunida<strong>de</strong> para se <strong>de</strong>monstrar a viabilida<strong>de</strong> da aplicação <strong>de</strong> temas <strong>de</strong> direitos<br />
humanos na ativida<strong>de</strong> econômica na era globalizada, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> o caráter<br />
social, sem inviabilizar o econômico.<br />
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Internacional em Expansão. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016. v. VI. p.<br />
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configuracion <strong>de</strong> <strong>de</strong>tinos turisticos inteligentes. Valencia: Agència Valenciana<br />
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acessibilida<strong>de</strong> geográfica à fronteira Chuí-Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul/RS, Brasil/Chuy,<br />
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SANTOS, Saulo R. <strong>do</strong>s. Revisitan<strong>do</strong> conceitos sobre políticas públicas e<br />
gestão <strong>do</strong> turismo em cida<strong>de</strong>s. Revista Turismo Contemporâneo. v. 4, n. 2,<br />
jul./<strong>de</strong>z., 2016, p. 286-306.<br />
323
EFEITOS PRÁTICOS DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 182 DA<br />
OIT NO BRASIL E EM PORTUGAL<br />
PEPE MACHADO, Felipe<br />
Gradua<strong>do</strong> em Direito pelo Centro Universitário da Cida<strong>de</strong> (2007)<br />
Pós Gradua<strong>do</strong> em Direito e Processo <strong>do</strong> Trabalho pelo IPEJUR com livre <strong>do</strong>cência (2008).<br />
Mestran<strong>do</strong> pela Universida<strong>de</strong> Portucalense (2018).<br />
Membro <strong>do</strong> IJP (Instituto Jurídico Portucalense) - Neurojustice.<br />
Advoga<strong>do</strong>.<br />
pepemacha<strong>do</strong>@msn.com<br />
RESUMO<br />
O presente estu<strong>do</strong> visa a traçar uma breve exposição <strong>do</strong>s efeitos práticos da<br />
ratificação da convenção nº 182 da OIT que versa sobre erradicação <strong>do</strong> trabalho<br />
infantil. Dentre os países signatários da convenção, preten<strong>de</strong>mos estudar as<br />
consequências internas nos <strong>do</strong>is países analisa<strong>do</strong>s – Brasil e Portugal -<br />
apontan<strong>do</strong> suas conquistas, suas <strong>de</strong>ficiências e metas para cumprimento <strong>do</strong><br />
pactua<strong>do</strong>. Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> importante instrumento para garantia <strong>do</strong>s direitos<br />
sociais das crianças, a convenção proposta por organismo internacional se<br />
reveste <strong>de</strong> diretriz fundamental para a consecução <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s objetivos<br />
da humanida<strong>de</strong>: cuidar <strong>do</strong> futuro da socieda<strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong> parecer <strong>de</strong>veras óbvio<br />
que as crianças <strong>de</strong>vem ter seus direitos sociais resguarda<strong>do</strong>s, ainda é<br />
absolutamente necessário tutelar o interesse das pessoas menores <strong>de</strong> 18 anos,<br />
com o objetivo <strong>de</strong> evoluir para uma socieda<strong>de</strong> mais justa e fraterna.<br />
Palavras-chave: Erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil; Convenção Internacional;<br />
Organização Internacional <strong>do</strong> Trabalho; <strong>Direitos</strong> Fundamentais; Proteção da<br />
Criança.<br />
ABSTRACT<br />
The present study aims to give a brief account of the practical effects of the<br />
ratification of ILO Convention nº 182 concerning the elimination of child labor.<br />
Among the signatory countries of the convention, we intend to study the internal<br />
consequences in the two countries analyzed - Brazil and Portugal - pointing out<br />
their achievements, their <strong>de</strong>ficiencies and goals to fulfill the agreement. As an<br />
important instrument for guaranteeing the social rights of children, the convention<br />
324
proposed by the international body is a fundamental gui<strong>de</strong>line for the<br />
achievement of one of the great objectives of humankind: to take care of the<br />
future of society. Although it seems quite obvious that children should have their<br />
social rights protected, it is still absolutely necessary to protect the interest of<br />
people un<strong>de</strong>r 18 years, with the goal of evolving into a more just and fraternal<br />
society.<br />
Keywords: Eradication of child labor; International Convention; International<br />
Labor Organization; Fundamental rights; Child Protection.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Ao longo <strong>do</strong>s tempos, traçan<strong>do</strong> um corte temporal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong>claração <strong>do</strong>s<br />
direitos <strong>do</strong> homem até os dias atuais, as conquistas no campo <strong>do</strong>s direitos<br />
sociais caminharam notoriamente em <strong>de</strong>scompasso com a economia e/ou<br />
política que estava instaurada em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> da história.<br />
O enlace entre os direitos humanos <strong>de</strong> uma forma geral e as políticas<br />
públicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social, se <strong>de</strong>pararam com o indissociável po<strong>de</strong>rio<br />
econômico e as disputas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r das classes <strong>do</strong>minantes, os quais refrearam<br />
sem sombra <strong>de</strong> dúvidas o avanço exponencial que tais direitos po<strong>de</strong>riam ter<br />
alcança<strong>do</strong>, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> o atual estágio social <strong>de</strong> busca pelo tempo perdi<strong>do</strong>.<br />
Certamente o leitor contumaz <strong>do</strong>s trabalhos envolven<strong>do</strong> organismos<br />
internacionais liga<strong>do</strong>s à manutenção e ampliação <strong>do</strong>s direitos sociais,<br />
concordará que em to<strong>do</strong>s os campos humanísticos existem diretrizes capazes<br />
<strong>de</strong> nos levar à construção e solidificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> utopicamente justa<br />
e fraterna. Logicamente, nossa geração não po<strong>de</strong>rá ter tal pretensão sob risco<br />
<strong>de</strong> cair em <strong>de</strong>sgraça ou ser ridicularizada nas suas i<strong>de</strong>ias pseu<strong>do</strong> vanguardistas.<br />
Entretanto, se trabalharmos juntos em prol <strong>de</strong> um mesmo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>ixaremos as sementes fortes o suficiente para germinarem sistemas <strong>de</strong><br />
controle eficientes que impedirão o retorno à barbárie atualmente instaurada.<br />
Com tais premissas <strong>de</strong>finidas – i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> justiça, igualda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong><br />
– o presente estu<strong>do</strong> visa a propor uma análise qualitativa e quantificativa <strong>do</strong>s<br />
sistemas emprega<strong>do</strong>s para colocar em prática tão nobres i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> proteção ao<br />
bem mais precioso que temos: nosso futuro / nossas crianças.<br />
325
O foco <strong>de</strong> avaliação serão as práticas implementadas ou a implementar<br />
para a busca da erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil.<br />
Naturalmente o ávi<strong>do</strong> leitor <strong>de</strong>ve estar se perguntan<strong>do</strong> o motivo <strong>de</strong> análise<br />
<strong>do</strong> trabalho infantil para a busca <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> utópica (apenas<br />
sobre o ponto <strong>de</strong> vista i<strong>de</strong>ológico) se atualmente <strong>de</strong>vemos também buscar<br />
estu<strong>do</strong>s para melhorias nas relações sociais tão aviltadas pela simples ausência<br />
da observância pelos governos <strong>do</strong>s direitos sociais básicos. De fato, há muito<br />
ainda o que fazer e programar para a buscar colocar em prática estes i<strong>de</strong>ais e<br />
proporcionar um início próspero e palpável <strong>de</strong> paz social.<br />
O que preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar é que a raiz <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os problemas po<strong>de</strong><br />
ser cuidada, ou seja, sen<strong>do</strong> as crianças o futuro <strong>do</strong> povo constituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma<br />
organizada enquanto nação, ao observar e colocar em prática as normativas <strong>de</strong><br />
erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil, certamente propiciaremos que os <strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong><br />
possam se <strong>de</strong>dicar exclusivamente à formação educacional como indivíduos<br />
socialmente responsáveis no futuro.<br />
Apenas o exemplo para as gerações vin<strong>do</strong>uras sobre a preocupação em<br />
exterminar a prática <strong>do</strong> trabalho infantil, igualmente criará um terreno fértil para<br />
aqueles que estiverem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s a continuar com tal objetivo, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> até<br />
mesmo ser uma criança preservada da realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> laboral que<br />
estu<strong>do</strong>u e, por este motivo se tornou um indivíduo <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> a garantir que<br />
outras crianças em situação análoga a sua tenham o mesmo feliz <strong>de</strong>stino <strong>de</strong><br />
conseguir alcançar a plena liberda<strong>de</strong> para ser apenas criança.<br />
A parte <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> compara<strong>do</strong> é aborda<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma forma objetiva, sem se<br />
<strong>de</strong>ixar levar pela superficialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> a análise das políticas públicas<br />
que foram implantadas em outro país signatário da convenção nº 182 da OIT,<br />
qual seja, Portugal.<br />
Assim, não somente as políticas públicas para a erradicação <strong>do</strong> trabalho<br />
infantil brasileiras serão analisadas, mas em caráter comparativo e analítico as<br />
políticas públicas portuguesas igualmente serão foco <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, com o objetivo<br />
<strong>de</strong> traçar melhorias para ambos os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gestão pública <strong>de</strong> questão com<br />
viés tão necessário para a garantia das futuras gerações.<br />
326
OBJETIVOS<br />
O presente estu<strong>do</strong> tem o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar na prática os efeitos da<br />
ratificação por Brasil e Portugal da convenção nº 182 da OIT que versa sobre<br />
erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil.<br />
Através da análise empírica com da<strong>do</strong>s concretos extraí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> relatório<br />
da OIT, preten<strong>de</strong>mos fomentar a discussão <strong>de</strong> melhores caminhos para buscar<br />
o atingimento <strong>do</strong> compromisso firma<strong>do</strong> pelos <strong>do</strong>is países.<br />
Acreditamos que a erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil é importante<br />
instrumento para garantia <strong>do</strong>s direitos sociais das crianças e <strong>de</strong> toda a<br />
socieda<strong>de</strong>.<br />
A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutelar as pessoas menores <strong>de</strong> 18 anos, ten<strong>de</strong> não<br />
somente com o objetivo <strong>de</strong> evoluir para uma socieda<strong>de</strong> mais justa e fraterna,<br />
mas também trazer igualda<strong>de</strong> nas relações laborais e econômicas.<br />
Empresas no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>, e, em especial no Brasil e em Portugal, foram<br />
alvo <strong>de</strong> fiscalização governamental com a consequente constatação <strong>de</strong><br />
utilização <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra infantil para obtenção <strong>de</strong> produtos com custo <strong>de</strong><br />
produção mais baixo.<br />
Esta precarização das relações <strong>de</strong> trabalho torna não somente a<br />
socieda<strong>de</strong> mais carente <strong>de</strong> recursos, mas também se traduz em instrumento <strong>de</strong><br />
retirada da infância e juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes.<br />
Preten<strong>de</strong>mos ainda <strong>de</strong>monstrar que a erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil não<br />
apenas trará benefícios para <strong>de</strong>terminada parcela da socieda<strong>de</strong>, mas<br />
proporcionará melhores condições <strong>de</strong> trabalho para to<strong>do</strong>s com, por exemplo, a<br />
criação <strong>de</strong> novos postos <strong>de</strong> trabalho que antes eram ocupa<strong>do</strong>s por crianças.<br />
Contu<strong>do</strong>, acreditamos que <strong>de</strong>vam existir mecanismos governamentais<br />
para que a proibição <strong>do</strong> trabalho infantil venha atrela<strong>do</strong> a uma melhora na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das famílias envolvidas e não como retirada <strong>de</strong> renda ou piora<br />
na condição social em <strong>de</strong>trimento da ausência <strong>de</strong> uma suposta “força <strong>de</strong><br />
trabalho” no seio familiar.<br />
O que propomos é na verda<strong>de</strong> que a criança seja tratada como<br />
investimento seguro para proporcionar melhora na condição social, através <strong>de</strong><br />
capacitação e estu<strong>do</strong>s direciona<strong>do</strong>s para as várias camadas familiares atingidas.<br />
327
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Acreditamos ter da<strong>do</strong>s concretos <strong>de</strong> que a mão <strong>de</strong> obra infantil é a menos<br />
remunerada e por isso é a mais explorada <strong>de</strong> todas. Esta questão surge como<br />
uma verda<strong>de</strong>ira oportunida<strong>de</strong> para práticas <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra com<br />
o objetivo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s corporações empresariais auferirem lucros bem maiores<br />
ao reduzir <strong>de</strong> forma significativa o valor dispendi<strong>do</strong> para a remuneração <strong>do</strong>s<br />
trabalha<strong>do</strong>res pela contraprestação efetuada na manufatura <strong>de</strong> produtos.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Análise das Convenções editadas pela OIT, à luz das legislações internas<br />
<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países – Brasil e Portugal – com o consequente estu<strong>do</strong> para a<br />
verificação da eficácia no plano <strong>do</strong> direito interno sobre os compromissos<br />
assumi<strong>do</strong>s no plano internacional pelos países signatários das Convenções.<br />
O estu<strong>do</strong> ainda verificou quais as práticas concretas a<strong>do</strong>tadas pelos<br />
países objeto <strong>de</strong> análise, como criação <strong>de</strong> programas governamentais e órgãos<br />
específicos <strong>de</strong> combate ao trabalho infantil.<br />
Houve ainda intensa análise <strong>do</strong> relatório emiti<strong>do</strong> pela OIT sobre as<br />
estatísticas relacionadas à eficácia das medidas a<strong>do</strong>tadas pelos <strong>do</strong>is países,<br />
ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> verifica<strong>do</strong> que as metas pelas quais existiu o compromisso para a<br />
erradicação, não serão cumpridas pelos países signatários.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Preten<strong>de</strong>mos fomentar a discussão da efetivida<strong>de</strong> no plano local e<br />
internacional da erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil através da crítica das práticas já<br />
existentes e sugerir a criação <strong>de</strong> outras para buscar alcançar ao menos as metas<br />
traçadas no prazo estabeleci<strong>do</strong> pela OIT.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Consi<strong>de</strong>ramos fundamental o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> tema em voga, como forma <strong>de</strong><br />
proporcionar a estabilização das relações sociais através da proteção<br />
incondicional <strong>do</strong> trabalho infantil.<br />
328
Contu<strong>do</strong>, para tanto, propomos que existam práticas mais efetivas por<br />
parte <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos para alcançar os objetivos firma<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> da<br />
assinatura da Convenção para a Erradicação <strong>do</strong> Trabalho infantil.<br />
O caminho é árduo mas não impossível. A criação <strong>de</strong> instrumentos que<br />
visem a proteção da renda familiar e possam fazer com que as crianças e<br />
a<strong>do</strong>lescentes contribuam para a melhoria da condição econômica-social <strong>de</strong> suas<br />
famílias, passam necessariamente por uma conscientização maior <strong>do</strong>s grupos<br />
familiares locais atingi<strong>do</strong>s e não uma mera proibição <strong>de</strong> prática sem qualquer<br />
planejamento como atualmente é feito.<br />
A função fiscalizatória <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é importante para garantir a extinção da<br />
prática <strong>do</strong> trabalho infantil, mas acreditamos sinceramente que tal proibição <strong>de</strong>ve<br />
ser acompanhada <strong>de</strong> práticas que visem garantir e melhorar a condição<br />
econômica <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> grupo familiar atingi<strong>do</strong>.<br />
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http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_norm/@ipec/<strong>do</strong>cuments/publicati<br />
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PLANO nacional <strong>de</strong> prevenção e erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil a proteção ao<br />
a<strong>do</strong>lescente trabalha<strong>do</strong>r. In ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO<br />
TRABALHO. [em linha] [acesso em 12/01/2018 às 21:25] Disponível em:<br />
http://www.oit.org.br/sites/<strong>de</strong>fault/files/topic/ipec/pub/plan-prevencaotrabalhoinfantil-web_758.pdf.<br />
TEIXEIRA, Marcelo Tolomei; MIRANDA, Leticia Aguiar Men<strong>de</strong>s. In TRIBUNAL<br />
REGIONAL DO TRABALHO 3 REGIÃO. [em linha] [acesso em 08/03/2018 às<br />
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https://www.trt3.jus.br/escola/<strong>do</strong>wnload/revista/rev_87_88/marcelo_tolomei_teix<br />
eira_e_leticia_aguiar_men<strong>de</strong>s_miranda.pdf.<br />
332
RESUMEN<br />
LA CONSTRUCCIÓN DEL DERECHO SOCIAL DE ACCESO A LOS<br />
SERVICIOS SOCIALES<br />
FERNÁNDEZ, Maria Victòria Forns i<br />
Licenciada en Antropología Social y Cultural<br />
Diplomada en Trabajo Social<br />
Profesora Colabora<strong>do</strong>ra Permanente <strong>de</strong> Trabajo Social<br />
Universitat Rovira i Virgili<br />
mariavictoria.forns@urv.cat<br />
El acceso a los servicios sociales se configura, pues, como verda<strong>de</strong>ro <strong>de</strong>recho<br />
universal fundamenta<strong>do</strong> en las disposiciones constitucionales y estatutarias. En<br />
este marco jurídico fundamental, la legislación específica en materia <strong>de</strong> servicios<br />
sociales <strong>de</strong> carácter general; así como la que se refiere a los diferentes ámbitos<br />
sectoriales <strong>de</strong> la acción pública social ha permiti<strong>do</strong> tejer el entrama<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
servicios y prestaciones que, a mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> red, salvaguarda las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> las<br />
personas más vulnerables y que se ha consolida<strong>do</strong> poco a poco <strong>de</strong> forma<br />
irreversible, a través <strong>de</strong> la evolución normativa. De tal suerte, que hemos asisti<strong>do</strong><br />
a una profunda transformación <strong>de</strong>l sistema público <strong>de</strong> protección social.<br />
Palabras clave: Derechos humanos. Derechos sociales. Servicios sociales.<br />
Or<strong>de</strong>namiento jurídico.<br />
ABSTRACT<br />
The access to the social services configures , then , as true universal right based<br />
in the constitutional and statutory disposals. In this fundamental juridical frame,<br />
the specific legislation in matter of social services of general character; as well<br />
as the one who refers to the different sectorial fields of the social public action<br />
has allowed to knit the entrama<strong>do</strong> of services and provision that, to way of<br />
network, salvaguarda the needs of the most vulnerable people and that has<br />
consolidated little by little of irreversible form, through the normative evolution. Of<br />
such luck, that have assisted to a <strong>de</strong>ep transformation of the public system of<br />
social protection.<br />
Keywords: Human Rights. Social Rights. Social Services. Juridical Legislation.<br />
333
SUMANRIO: 1. Introducción.- 2. Encuadre jurídico internacional y europeo.- 3.<br />
El Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>l Bienestar y su marco jurídico.- 4. La construcción <strong>de</strong>l Derecho <strong>de</strong><br />
acceso a los Servicios Sociales.- 5.- Conclusiones.-<br />
1 INTRODUCCIÓN<br />
Los <strong>de</strong>rechos humanos y, en particular, los <strong>de</strong>rechos sociales constituyen<br />
el marco jurídico <strong>de</strong> referencia <strong>de</strong> los servicios sociales en España. Los <strong>de</strong>rechos<br />
fundamentales sociales nacen para garantizar a la persona un nivel <strong>de</strong> bienestar<br />
digno y suficiente; mantenien<strong>do</strong> el necesario equilibrio entre prestación y<br />
protección para dar una respuesta a<strong>de</strong>cuada a las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l individuo en<br />
una sociedad globalizada y, a menu<strong>do</strong>, sobrepasada por la vorágine <strong>de</strong> los<br />
cambios políticos, organizativos, tecnológicos, sociales y, sobreto<strong>do</strong>,<br />
económicos. Atendien<strong>do</strong> al carácter <strong>de</strong> servicio público que los po<strong>de</strong>res públicos<br />
<strong>de</strong>ben asegurar, se pue<strong>de</strong> afirmar que el <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> acceso a los servicios<br />
sociales se ha converti<strong>do</strong> en un nuevo <strong>de</strong>recho social exigible por los<br />
ciudadanos, en justo cumplimiento <strong>de</strong> lo estableci<strong>do</strong> por el or<strong>de</strong>n internacional.<br />
2 ENCUADRE JURÍDICO INTERNACIONAL Y EUROPEO<br />
Los <strong>de</strong>rechos sociales son el punto <strong>de</strong> partida y el fundamento <strong>de</strong> la<br />
legislación <strong>de</strong> los servicios sociales y <strong>de</strong> sus actuaciones en relación a las<br />
personas (Forns, 2018). Se hace así necesario realizar una aproximación <strong>de</strong> la<br />
normativa a escala internacional. Con este propósito analizaremos la<br />
Declaración Universal <strong>de</strong> los Derechos <strong>Humanos</strong> <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> diciembre <strong>de</strong> 1948<br />
(DUDH), aprobada por la Asamblea General <strong>de</strong> les Naciones Unidas y ratificada<br />
por España en 1977, <strong>do</strong>s años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la muerte <strong>de</strong>l dicta<strong>do</strong>r.<br />
La DUDH en el artículo 25 afirma que “toda persona tiene <strong>de</strong>recho a un<br />
nivel <strong>de</strong> vida a<strong>de</strong>cua<strong>do</strong> que le asegure, así como a su familia, su salud y el<br />
bienestar, y en especial la alimentación, el vesti<strong>do</strong>, la vivienda, la asistencia<br />
médica y los servicios sociales necesarios; tiene asimismo <strong>de</strong>recho a los seguros<br />
en caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempleo, enfermedad, invali<strong>de</strong>z, viu<strong>de</strong>z, vejez y otros casos <strong>de</strong><br />
pérdida <strong>de</strong> sus medios <strong>de</strong> subsistencia por circunstancias in<strong>de</strong>pendientes a su<br />
voluntad”. En 1948 ya se hablaba <strong>de</strong> los servicios sociales como un <strong>de</strong>recho para<br />
334
todas las personas. Hay quizá que matizar que al concepto servicios sociales no<br />
le po<strong>de</strong>mos atribuir la misma acepción que le damos en la actualidad, tal y como<br />
afirma Fantova (2008, p. 20), “[…] ésta hace mención expresa <strong>de</strong> los Servicios<br />
sociales (artículo 25) aunque, ciertamente, no cabe pensar que se refiera a ellos<br />
en el senti<strong>do</strong> preciso que tal expresión ha i<strong>do</strong> adquirien<strong>do</strong> en nuestro entorno<br />
[…]” aunque la propia DUDH utiliza el concepto “servicios sociales” no les<br />
po<strong>de</strong>mos atribuir la misma acepción que le damos en la actualidad. No se refiere<br />
sólo al <strong>de</strong>recho a los servicios sociales strictu sensu, si hacemos un repaso <strong>de</strong><br />
los artículos subsiguientes consi<strong>de</strong>ra como <strong>de</strong>rechos sociales también a los que<br />
se refieren a la atención a la salud, la educación gratuita, el acceso a la vivienda,<br />
entre otros. Así pues, resulta muy importante la incorporación <strong>de</strong> los servicios<br />
sociales en la DUDH, aunque no los <strong>de</strong>sarrolla.<br />
Por lo que respecta a Europa, la Carta Social Europea <strong>de</strong> 1961 (CSE) es<br />
más explícita que los textos internacionales, en la <strong>de</strong>finición <strong>de</strong> los servicios<br />
sociales como <strong>de</strong>recho y los relaciona con el trabajo social y <strong>de</strong>termina los<br />
objetivos <strong>de</strong> bienestar y <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarrollo personal y social. La firma <strong>de</strong> este texto en<br />
el marco <strong>de</strong>l Consejo <strong>de</strong> Europa supuso el compromiso <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar los esfuerzos<br />
necesarios para conseguir mejorar la calidad <strong>de</strong> vida y la promoción <strong>de</strong>l bienestar<br />
social <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los pueblos tanto <strong>de</strong> realidad urbana como rural, buscan<strong>do</strong> así<br />
un equilibrio territorial a través <strong>de</strong> instituciones y acciones a<strong>de</strong>cuadas. Es el<br />
trata<strong>do</strong> internacional más importante en materia <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos sociales. Según<br />
Jimena y Salce<strong>do</strong> (2006, p. 278), “[…] constituye el instrumento más<br />
emblemático <strong>de</strong>l Derecho social <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos humanos […]”.<br />
La CSE quiere garantizar el ejercicio <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales sin<br />
discriminación por razón <strong>de</strong> raza, color, sexo, religión, opinión política,<br />
nacionalidad u origen social. Define diferentes <strong>de</strong>rechos sociales entre los cuales<br />
incorpora en el artículo 13 “toda persona que carezca <strong>de</strong> recursos suficientes<br />
tiene <strong>de</strong>recho a la asistencia social y médica”. Y en el artículo 14, se refiere así:<br />
“toda persona tiene <strong>de</strong>recho a beneficiarse <strong>de</strong> los servicios <strong>de</strong> bienestar social”.<br />
El <strong>de</strong>recho a beneficiarse <strong>de</strong> los servicios sociales se garantiza en este mismo<br />
artículo dón<strong>de</strong> se explicita que las partes contratantes, refirién<strong>do</strong>se a los<br />
firmantes <strong>de</strong> la Carta, se comprometen a “fomentar u organizar servicios que,<br />
335
utilizan<strong>do</strong> los méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> un servicio social, contribuyan al bienestar y al<br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los individuos y <strong>de</strong> los grupos en la comunidad, así como a su<br />
adaptación al medio o entorno social” y a “estimular la participación <strong>de</strong> los<br />
individuos y <strong>de</strong> las organizaciones benéficas o <strong>de</strong> otra clase en la creación y<br />
mantenimiento <strong>de</strong> tales servicios.”<br />
La Carta <strong>de</strong> Derechos Fundamentales <strong>de</strong> 2007 (CDF), en el marco <strong>de</strong> la<br />
Unión Europea, compren<strong>de</strong> un conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos sociales en forma <strong>de</strong>:<br />
<strong>de</strong>rechos civiles, políticos y sociales <strong>de</strong> todas las ciudadanas y ciudadanos <strong>de</strong> la<br />
Unión Europea. El Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Lisboa firma<strong>do</strong> el 13 <strong>de</strong> diciembre <strong>de</strong> 2007 le<br />
otorga carácter jurídico vinculante en toda la Unión Europea, exceptuan<strong>do</strong><br />
Polonia y el Reino Uni<strong>do</strong>. Con anterioridad y <strong>de</strong> forma sectorial se a<strong>do</strong>ptó la<br />
Convención sobre los Derechos <strong>de</strong> las Personas con Discapacidad <strong>de</strong> 2006, que<br />
en el artículo 26 hace referencia a la necesidad <strong>de</strong> organizar y ofrecer servicios<br />
sociales para las personas con discapacidad. La CDF se refiere a los principios<br />
<strong>de</strong> dignidad, igualdad, solidaridad, ciudadanía, justicia, y libertad, que inspiran el<br />
articula<strong>do</strong> <strong>de</strong> los diferentes títulos <strong>de</strong>l <strong>do</strong>cumento. El artículo 34.1 sobre la<br />
“seguridad social y ayuda social” en el que se establece que “la Unión reconoce<br />
y respeta el <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> acceso a las prestaciones <strong>de</strong> seguridad social y a los<br />
servicios sociales que garantizan una protección en casos como la maternidad,<br />
la enfermedad, los acci<strong>de</strong>ntes laborales, la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia o la vejez, así como en<br />
caso <strong>de</strong> pérdida <strong>de</strong> empleo, según las modalida<strong>de</strong>s establecidas por el Derecho<br />
comunitario y las legislaciones y prácticas nacionales”. Así pues, se hace<br />
referencia explícitamente a los servicios sociales como los garantes <strong>de</strong> la<br />
protección <strong>de</strong> diferentes colectivos que requieren según el texto una especial<br />
atención, aunque muy vincula<strong>do</strong>s al ámbito laboral. Ahora bien, en el artículo<br />
34.3 según López (2008, p. 578),<br />
[…] supera estos <strong>de</strong>rechos sociales vincula<strong>do</strong>s al ámbito laboral,<br />
porque en su tercer aparta<strong>do</strong> contempla <strong>de</strong>rechos orienta<strong>do</strong>s a evitar<br />
la exclusión social y la pobreza. De esta manera, este precepto inicia<br />
el conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos universales que la Carta <strong>de</strong> Derechos<br />
Fundamentales incluye […].<br />
Los <strong>de</strong>rechos recogi<strong>do</strong>s en estos textos europeos se consolidan, con la<br />
proclamación <strong>de</strong>l Pilar Europeo <strong>de</strong> Derechos Sociales, <strong>de</strong> forma conjunta por el<br />
336
Parlamento Europeo, el Consejo y la Comisión <strong>de</strong> 2017, que en opinión <strong>de</strong><br />
Casa<strong>do</strong> (2018, p. 13-14),<br />
[…] constituye una respuesta necesaria <strong>de</strong> la Unión EU 22 para<br />
reenganchar a millones <strong>de</strong> ciudadanos al proyecto europeo, tras los<br />
graves efectos <strong>de</strong> la crisis económica y <strong>de</strong> la política europea <strong>de</strong><br />
austeridad en términos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempleo, pobreza y <strong>de</strong>sigualdad […]. En<br />
los años <strong>de</strong> crisis se han produci<strong>do</strong> un recorte y una flexibilización<br />
importante <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales. Es necesario, en un contexto<br />
económico más favorable, reaccionar frente a la magnitud <strong>de</strong> los<br />
recortes que se han produci<strong>do</strong> y la profundidad <strong>de</strong> algunos <strong>de</strong> los<br />
cambios lleva<strong>do</strong>s a cabo, con resulta<strong>do</strong>s preocupantes en términos <strong>de</strong><br />
precariedad laboral o <strong>de</strong>sigualdad. La población empieza a tomar<br />
conciencia <strong>de</strong>l impacto <strong>de</strong> la crisis sobre los <strong>de</strong>rechos sociales y <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
la UE se consi<strong>de</strong>ra imprescindible dar una respuesta política.<br />
Aunque afirma Giardini (2018, p. 93) que,<br />
[…] la construcción <strong>de</strong> la dimensión social <strong>de</strong> la Unión Europea tiene<br />
todavía muchos retos pendientes y muchas necesida<strong>de</strong>s a las que<br />
respon<strong>de</strong>r. Es necesario un claro compromiso <strong>de</strong> la política comunitaria<br />
(y, por tanto, <strong>de</strong> los gobiernos europeos) con respecto a la solidaridad<br />
social en Europa […].<br />
3 EL ESTADO DEL BIENESTAR Y SU MARCO JURÍDICO<br />
El nacimiento <strong>de</strong> la <strong>de</strong>mocracia formal en el Esta<strong>do</strong> español po<strong>de</strong>mos<br />
<strong>de</strong>cir que <strong>de</strong>vendrá en el cataliza<strong>do</strong>r hacia la creación <strong>de</strong> los servicios sociales<br />
tal y como los enten<strong>de</strong>mos actualmente (FORNS, 2018). La promulgación <strong>de</strong> la<br />
Constitución española <strong>de</strong> 1978 (CE) configura el actual Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> las<br />
autonomías, que supone el principio <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los servicios sociales en<br />
Catalunya.<br />
La CE supone un cambio <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo estatal, hacia el Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho,<br />
<strong>de</strong>mocrático y social que en el ámbito territorial conllevará el establecimiento <strong>de</strong>l<br />
Esta<strong>do</strong> autonómico, que supondrá la asunción <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s colectivas<br />
para hacer frente a las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> los ciudadanos. Clasifica en tres grupos<br />
los <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> los españoles: los <strong>de</strong>rechos fundamentales y liberta<strong>de</strong>s<br />
públicas; los <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres <strong>de</strong> los ciudadanos y finalmente los principios<br />
rectores <strong>de</strong> la política social y económica. Mientras los <strong>do</strong>s primeros, como indica<br />
22<br />
UE, Unión Europea<br />
337
vinculan a to<strong>do</strong>s los po<strong>de</strong>res públicos y son inmediata y directamente exigibles,<br />
en el caso <strong>de</strong>l tercer grupo según Vila (2009, p. 24)<br />
[…] la aplicación <strong>de</strong> estos <strong>de</strong>rechos sociales queda diferida, pues, a lo<br />
que <strong>de</strong>terminen las leyes que los <strong>de</strong>sarrollen. La aprobación <strong>de</strong> estas<br />
leyes correspon<strong>de</strong> al po<strong>de</strong>r legislativo estatal o autonómico<br />
competente, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con los criterios <strong>de</strong> Reparto competencial<br />
estableci<strong>do</strong>s en los artículos 147 a 150 <strong>de</strong> la CE y los correspondientes<br />
EA 23 .<br />
Deja por lo tanto en manos <strong>de</strong> las Comunida<strong>de</strong>s Autónomas (CCAA) la<br />
competencia exclusiva en materia <strong>de</strong> servicios sociales.<br />
La CE en el capítulo correspondiente a los <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres<br />
fundamentales hace referencia expresa a la dignidad <strong>de</strong> la persona y a la<br />
necesidad <strong>de</strong> facilitar el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los ciudadanos y se ratifica en los <strong>de</strong>rechos<br />
fundamentales y las liberta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los trata<strong>do</strong>s internacionales y la<br />
normativa europea, que el Esta<strong>do</strong> español haya firma<strong>do</strong>.<br />
El artículo 14 CE establece que “los españoles son iguales ante la ley, sin<br />
que pueda prevalecer discriminación alguna por razón <strong>de</strong> nacimiento, raza, sexo,<br />
religión, opinión o cualquier otra condición o circunstancia personal o social”. El<br />
capítulo III, “De los principios rectores <strong>de</strong> la política social y económica”, incluye<br />
tres artículos que se refieren a colectivos específicos a los que presta especial<br />
atención por su protección a: la familia, la infancia, las discapacida<strong>de</strong>s y<br />
ancianos. Aunque el objeto <strong>de</strong> los servicios sociales en la actualidad va mucho<br />
más allá <strong>de</strong> la atención a estos colectivos, amplian<strong>do</strong> a la ciudadanía en su<br />
totalidad a través <strong>de</strong>l acceso universal y <strong>de</strong> la atención integral a la persona.<br />
La CE a través <strong>de</strong>l artículo 148.20 establece que las CCAA asumirán las<br />
competencias en materia <strong>de</strong> “asistencia social”. Por lo tanto <strong>de</strong>staca la<br />
responsabilidad <strong>de</strong> las CCAA en la asunción <strong>de</strong> los servicios sociales y su<br />
carácter social, así como el principio <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralización <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>r,<br />
aproximan<strong>do</strong> los servicios al ciudadano.<br />
En este senti<strong>do</strong>, el Esta<strong>do</strong> autonómico es un el Esta<strong>do</strong> social y <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los servicios sociales, tal y como afirma Agua<strong>do</strong> (2012, p. 47),<br />
23<br />
EA, Estatutos Autonómicos<br />
338
[…] ha si<strong>do</strong> en gran medida el motor <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>l<br />
Bienestar y el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales en España. Es<br />
preciso recordar el papel relevante que han teni<strong>do</strong> al respecto las<br />
CCAA, en ámbitos como los Servicios sociales, la educación y la<br />
sanidad, en los que ha asumi<strong>do</strong> competencias <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con lo<br />
dispuesto por el bloque <strong>de</strong> la constitucionalidad.<br />
Cabe reconocer que la aprobación <strong>de</strong> la CE supondrá un antes y un<br />
<strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>l Bienestar y en la superación <strong>de</strong> la<br />
beneficencia y el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales recogi<strong>do</strong>s con anterioridad<br />
en la normativa internacional.<br />
La CE, reconoce el <strong>de</strong>recho a la autonomía en el artículo 2 y por ello a<br />
través <strong>de</strong> la Ley orgánica 6/2006, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> julio <strong>de</strong> reforma <strong>de</strong>l Estatuto <strong>de</strong><br />
Autonomía <strong>de</strong> Catalunya (EC) se preten<strong>de</strong> adaptar el autogobierno catalán al<br />
contexto <strong>de</strong>l siglo XXI y respon<strong>de</strong>r a las realida<strong>de</strong>s y necesida<strong>de</strong>s sociales<br />
respecto <strong>de</strong>l Estatuto anterior <strong>de</strong> 1979. El nuevo EC, como norma institucional<br />
básica <strong>de</strong> les CCAA tiene un impacto en to<strong>do</strong>s los ámbitos, también en los<br />
servicios sociales. Respecto a las noveda<strong>de</strong>s que aportan los estatutos <strong>de</strong><br />
autonomía reforma<strong>do</strong>s, entre el que se encuentra el EC, asegura Vila (2011,<br />
p.167),<br />
[…] en el cas <strong>de</strong>ls serveis socials, veurem que es refereixen [els<br />
estaturs reformats com el català] al concepte i al dret d’accés i també<br />
enfatitzen la competència exclusiva autonómica sobre aquesta matèria<br />
[els serveis socials] i concreten el seu abast. D’altra banda, regulen<br />
altres aspectes, com l’or<strong>de</strong>nament territorial o les competències locals,<br />
que s’han <strong>de</strong> tenir en compte a la lesgislació <strong>de</strong> serveis socials.<br />
El EC <strong>de</strong>sarrolla con mucha más concreción el articula<strong>do</strong> que se refiere a<br />
los titulares <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos atribuyen<strong>do</strong> condición <strong>de</strong> ciudadanos a cualquier<br />
español con vecindad administrativa en cualquiera <strong>de</strong> los municipios <strong>de</strong> la<br />
Comunidad Autónoma, y en particular sobre esta cuestión el cita<strong>do</strong> autor indica<br />
que el EC “[…] assenyala com a titulars <strong>de</strong>ls drets en general – inclosos els<br />
serveis socials- les ‘persones’ […]”(VILA, 2011, p. 168). Y, ciertamente, el EC<br />
resulta muy proteccionista en relación a los <strong>de</strong>rechos y a aquellos que pue<strong>de</strong>n<br />
ser sus titulares.<br />
339
En esta línea, Pelegrí, <strong>de</strong>fien<strong>de</strong> también que el EC coinci<strong>de</strong> con una etapa<br />
garantista <strong>de</strong> la historia <strong>de</strong> los servicios sociales en Catalunya tal y como el<br />
mismo la <strong>de</strong>fine en el perío<strong>do</strong> que va <strong>de</strong>l 2004 al 2007, en la cual se aprueba el<br />
segun<strong>do</strong> Estatuto y la Ley <strong>de</strong> prestaciones sociales <strong>de</strong> carácter económico o el<br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> la Ley 10/1997 <strong>de</strong> la renta mínima <strong>de</strong> inserción, entre otras normas<br />
que impactan <strong>de</strong> manera significativa en el sistema catalán <strong>de</strong> servicios sociales.<br />
Así, consi<strong>de</strong>ra que el nuevo Estatuto “[…] reconeix els serveis socials amb molta<br />
més profunditat que l’anterior. [...] El terme “serveis socials” substitueix l’antic<br />
d’assistència social i se li s’assenyalen les atribucions d’una forma més valenta i<br />
mo<strong>de</strong>rna [...]” (PELEGRÍ, 2010, p. 211).<br />
4 LA CONSTRUCCIÓN DEL DERECHO DE ACCESO A LOS SERVICIOS<br />
SOCIALES<br />
En relación a los <strong>de</strong>rechos, <strong>de</strong>beres y principios relaciona<strong>do</strong>s con los<br />
servicios sociales y sus garantías, una <strong>de</strong> les gran<strong>de</strong>s noveda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l EC es la<br />
inclusión <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres <strong>de</strong> las personas resi<strong>de</strong>ntes o que se<br />
encuentren en el territorio <strong>de</strong> Catalunya.<br />
El Estatuto, establece el catálogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres garantiza<strong>do</strong>s a<br />
to<strong>do</strong>s los ciudadanos y ciudadanas <strong>de</strong> Catalunya, que los po<strong>de</strong>res públicos han<br />
<strong>de</strong> promover y preservar. Así, en el artículo 15.2 EC se establece que “todas las<br />
personas tienen <strong>de</strong>recho a vivir con dignidad, seguridad y autonomía, libres <strong>de</strong><br />
explotación, <strong>de</strong> malos tratos y <strong>de</strong> to<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> discriminación, y tienen <strong>de</strong>recho al<br />
libre <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> su personalidad y capacidad personal”. El capítulo I <strong>de</strong><br />
Derechos y <strong>de</strong>beres <strong>de</strong>l ámbito civil y social relaciona to<strong>do</strong>s los ámbitos en los<br />
que los <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> las personas están protegi<strong>do</strong>s por el EC, artículos 16 a 19<br />
y 26: familias, menores, ancianos, mujeres, servicios sociales y vivienda; to<strong>do</strong>s<br />
estos se refieren específicamente al que llamamos en la actualidad “servicios <strong>de</strong><br />
atención a las personas”, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los cuales los servicios sociales tienen un<br />
interés particular.<br />
Entre los <strong>de</strong>rechos, el EC menciona explícitamente el “Derecho a los<br />
servicios sociales” y establece que se podrá acce<strong>de</strong>r en condiciones <strong>de</strong> igualdad.<br />
Cabe <strong>de</strong>stacar que algunos <strong>de</strong> los principios <strong>de</strong>l EC están relaciona<strong>do</strong>s con los<br />
340
servicios sociales. Por ejemplo, cuan<strong>do</strong> se refiere explícitamente a la promoción<br />
<strong>de</strong> políticas públicas que fomentan la cohesión social y que garantizan un<br />
sistema <strong>de</strong> servicios sociales <strong>de</strong> titularidad pública y concertada, a<strong>de</strong>cuada a sus<br />
indica<strong>do</strong>res económicos y sociales, así mismo consi<strong>de</strong>ra que se <strong>de</strong>be garantizar<br />
la gratuidad <strong>de</strong> los servicios sociales básicos.<br />
En el artículo 24.1 EC, dón<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca el acceso a prestaciones y que<br />
pera cualquier actuación requiere el consentimiento <strong>de</strong> las personas, hacien<strong>do</strong><br />
que sean sujetos activos <strong>de</strong> las intervenciones sociales. El aparta<strong>do</strong> 2 <strong>de</strong>l mismo<br />
artículo consi<strong>de</strong>ra las personas con necesida<strong>de</strong>s especiales sujetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los servicios sociales. Las víctimas <strong>de</strong> pobreza se reconocen como<br />
beneficiarias <strong>de</strong> la renta garantizada <strong>de</strong> ciudadanía, en el aparta<strong>do</strong> 3 <strong>de</strong>l artículo<br />
24 EC. En los aparta<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> y terceo <strong>de</strong>l artículo 24 EC, dice Tornos (2008,<br />
p. 96),<br />
[…] reconocen un <strong>de</strong>recho genérico a recibir prestaciones sociales a<br />
las personas con necesida<strong>de</strong>s especiales para mantener la autonomía<br />
personal en la vida diaria o a las que estén en situación <strong>de</strong> pobreza.<br />
Pero tampoco <strong>de</strong>terminan qué prestaciones concretes, remitien<strong>do</strong> su<br />
concreción a lo que establezca la ley […].<br />
Por lo tanto, aunque se reconocen <strong>de</strong>rechos, y como expresa este autor,<br />
“<strong>de</strong>rechos genéricos”, no po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>cir que en el EC se haga referencia al<br />
<strong>de</strong>recho subjetivo a prestaciones sociales concretas, en to<strong>do</strong> caso el EC impone<br />
un mandato al legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> cómo articular las prestaciones, en base al principio<br />
<strong>de</strong> igualdad recogi<strong>do</strong> en el artículo 24.1 EC, que establece que “todas las<br />
personas tienen <strong>de</strong>recho a acce<strong>de</strong>r en condiciones <strong>de</strong> igualdad a les<br />
prestaciones <strong>de</strong> la red <strong>de</strong> servicios sociales <strong>de</strong> responsabilidad pública, a ser<br />
informadas sobre estas prestaciones y a dar el consentimiento para cualquier<br />
actuación que les afecte personalmente, en los términos que establecen las<br />
leyes.”<br />
Así pues, concluye Tornos (2008, p. 97)<br />
[…] el Estatuto <strong>de</strong> Autonomía no crea <strong>de</strong>rechos públicos subjetivos en<br />
materia <strong>de</strong> servicios sociales […]. Lo que sí queda garantiza<strong>do</strong> es que<br />
<strong>de</strong>be existir un sistema público <strong>de</strong> servicios sociales, cuya gestión<br />
podrá ser concertada. Lo que no es posible es renunciar a la<br />
341
esponsabilidad pública en la garantía <strong>de</strong> unes mínimas prestaciones<br />
[…].<br />
En su contra López, <strong>de</strong>fien<strong>de</strong> la tesis contraria, posición con la que<br />
plenamente nos i<strong>de</strong>ntificamos. No solo consi<strong>de</strong>ra que en los nuevos estatutos<br />
<strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> español reflejan los <strong>de</strong>rechos sociales <strong>de</strong> manera clara y evi<strong>de</strong>nte,<br />
sino que apunta que, en estos nuevos estatutos, entre los cuales está el <strong>de</strong><br />
Catalunya, se <strong>de</strong>terminan un sinnúmero <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos subjetivos, pues “[…]<br />
regulan con especial precisión <strong>do</strong>s garantías fundamentales: la exigibilidad <strong>de</strong><br />
los <strong>de</strong>rechos subjetivos estatutarios frente a los po<strong>de</strong>res públicos y su<br />
justiciabilidad ante los tribunales en caso <strong>de</strong> incumplimiento […]” (LÓPEZ, 2012,<br />
p. 33).<br />
5 CONCLUSIONES<br />
Los <strong>de</strong>rechos sociales históricamente se han vincula<strong>do</strong> a la protección<br />
<strong>de</strong>l ser humano ante cualquier tipo <strong>de</strong> discriminación, <strong>de</strong>sigualdad o necesidad<br />
social. Siempre han teni<strong>do</strong> y siguen tenien<strong>do</strong> un marca<strong>do</strong> carácter reivindicativo<br />
y sus objetivos se centran en mejorar la calidad <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> las personas y su<br />
bienestar en to<strong>do</strong>s los ámbitos. Muchos son los <strong>de</strong>rechos sociales recogi<strong>do</strong>s en<br />
la normativa internacional y europea, y hemos podi<strong>do</strong> comprobar como esta tiene<br />
su traducción en el marco constitucional español y en el estatutario catalán.<br />
Nos hemos centra<strong>do</strong> en el acceso a los servicios sociales configurán<strong>do</strong>lo,<br />
como verda<strong>de</strong>ro <strong>de</strong>recho universal fundamenta<strong>do</strong> en las disposiciones<br />
constitucionales y estatutarias. En este marco jurídico fundamental, la legislación<br />
específica en materia <strong>de</strong> servicios sociales <strong>de</strong> carácter general; así como la que<br />
se refiere a los diferentes ámbitos sectoriales <strong>de</strong> la acción pública social ha<br />
permiti<strong>do</strong> tejer el entrama<strong>do</strong> <strong>de</strong> servicios y prestaciones que, a mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> red,<br />
salvaguarda las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> las personas más vulnerables y que se ha<br />
consolida<strong>do</strong> poco a poco <strong>de</strong> forma irreversible, a través <strong>de</strong> la evolución<br />
normativa. Hemos asisti<strong>do</strong> a una profunda transformación <strong>de</strong>l sistema público <strong>de</strong><br />
protección social que se nutre <strong>de</strong> una diversidad <strong>de</strong> opera<strong>do</strong>res, públicos y<br />
priva<strong>do</strong>s; pero sobreto<strong>do</strong> <strong>de</strong>l Tercer Sector.<br />
342
Este nuevo mo<strong>de</strong>lo relacional ha situa<strong>do</strong> en el centro <strong>de</strong>l sistema <strong>de</strong><br />
servicios sociales a la persona legitimada para exigir el efectivo cumplimiento <strong>de</strong>l<br />
<strong>de</strong>recho <strong>de</strong> acceso.<br />
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343
RESUMO<br />
OS OBJETIVOS DO MILÉNIO – OS RESULTADOS DE 2015 E<br />
PROSPETIVA PARA 2030<br />
MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />
Doutoramento<br />
psantos@estgl.ipv.pt<br />
ANTUNES, Sandra Maria<br />
Doutoramento<br />
santunes@estgl.ipv.pt<br />
GUEDES, Anabela<br />
Doutoramento<br />
ague<strong>de</strong>s@estgl.ipv.pt<br />
O presente artigo preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma análise crítica das metas alcançadas em<br />
relação aos 8 Objetivos <strong>do</strong> Milénio (ODM), inicialmente traça<strong>do</strong>s no ano <strong>de</strong> 2000,<br />
aprecia<strong>do</strong>s os resulta<strong>do</strong>s relata<strong>do</strong>s no balanço <strong>de</strong> 2015.<br />
Preten<strong>de</strong>mos, adicionalmente, perceber <strong>de</strong> que forma os 8 objetivos inicialmente<br />
previstos <strong>de</strong>ram lugar aos 17 novos Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS),<br />
e qual a sua repercussão nas ações enquadradas ao nível da Agenda 2030. A proposta<br />
<strong>de</strong> análise é geograficamente circunscrita ao espaço da União Europeia. A meto<strong>do</strong>logia<br />
a<strong>do</strong>tada enquadra a exploração bibliográfica, suportada por técnicas <strong>de</strong> análise<br />
<strong>do</strong>cumental e <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> a investigação essencialmente <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong>scritivo. Os<br />
resulta<strong>do</strong>s espera<strong>do</strong>s serão, na lógica <strong>de</strong> um paper review, elucidativos <strong>do</strong>s progressos<br />
alcança<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s fracassos regista<strong>do</strong>s, contribuin<strong>do</strong> para um conhecimento mais<br />
apura<strong>do</strong> da temática.<br />
Palavras-chave: Objetivos <strong>do</strong> Milénio, Resulta<strong>do</strong>s em 2015; Agenda 2030.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A Declaração <strong>do</strong> Milénio foi um marco no início <strong>do</strong>s anos 2000, elencan<strong>do</strong><br />
os Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> Milénio, enquanto metas <strong>de</strong> melhoria nos<br />
diversos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano, para to<strong>do</strong>s os países que<br />
haviam assina<strong>do</strong> a mesma <strong>de</strong>claração. Todavia, a disparida<strong>de</strong> ao nível <strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento e da diversida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>sses países tornou difícil a sua<br />
praticabilida<strong>de</strong> e efetivação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s.<br />
344
Em 2015, o Relatório das Nações Unidas apresentou um balanço <strong>do</strong> que<br />
foi alcança<strong>do</strong>, procuran<strong>do</strong> também lançar a semente para uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />
objetivos mais concreta e realista para cada região <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Como resulta<strong>do</strong><br />
foi <strong>de</strong>senhada a Agenda 2030, on<strong>de</strong> foram plasma<strong>do</strong>s 17 objetivos, subdividi<strong>do</strong>s<br />
em quase duas centenas <strong>de</strong> metas específicas, a alcançar até 2025-2030.<br />
OBJETIVOS<br />
O presente trabalho procura analisar o percurso realiza<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os ODM<br />
até à <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s ODS, através <strong>de</strong> exploração bibliográfica e análise<br />
<strong>do</strong>cumental, procuran<strong>do</strong> realçar as principais preocupações para o futuro e<br />
i<strong>de</strong>ntificar os mecanismos propostos para que a Agenda 2030 se tornasse numa<br />
mencanismo mais exequível e eficiente, quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong> com os progressos<br />
alcança<strong>do</strong>s com os objetivos <strong>do</strong> Milénio. Desse processo preten<strong>de</strong>-se ainda<br />
analisar com maior enfoque a forma como a monitorização <strong>do</strong>s ODS tem si<strong>do</strong><br />
feita no espaço da União Europeia.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
A era da globalização está em constante evolução, conduzin<strong>do</strong> a<br />
socieda<strong>de</strong> em re<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XXI a <strong>de</strong>senvolver-se a um nível multidimensional<br />
em diferentes níveis <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> (local, regional, nacional e internacional),<br />
geran<strong>do</strong> uma extensa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> inetr<strong>de</strong>pendência universal <strong>do</strong>s fenómenos<br />
políticos, económicos, tecnológicos, ecológicos, culturais, entre outros (Castells,<br />
1999). Esta evolução e competição <strong>de</strong>senfreadas da socieda<strong>de</strong> pós-industrial<br />
têm, no entanto, evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> a sua insustentabilida<strong>de</strong>, caso não sejam tomadas<br />
medidas <strong>de</strong> controlo e equida<strong>de</strong> entre os diversos países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, pelo que<br />
assistimos a uma “preocupación internacional <strong>do</strong>n<strong>de</strong> diferentes actores<br />
geopolíticos . . . investigan y analizan, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hace décadas, los fenómenos<br />
transfronteirizos que afectan en la vida <strong>de</strong> las personas” (Ruano, 2016, p. 153),<br />
buscan<strong>do</strong> um novo paradigma <strong>de</strong> compreensão e <strong>de</strong> interação planetário.<br />
De facto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os trabalhos <strong>de</strong> Estocolmo e da Comissão Brundtland, ou<br />
mesmo <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> Quioto, os países têm procura<strong>do</strong> <strong>de</strong>finir acor<strong>do</strong>s e<br />
compromissos que garantam a sustentabilida<strong>de</strong> da vida no planeta, embora com<br />
345
esulta<strong>do</strong>s pouco expressivos em diversas regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Esses esforços<br />
foram plasma<strong>do</strong>s na <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s 8 Objetivos <strong>do</strong> Milénio (ODM), em 2000, pelas<br />
Nações Unidas, assumi<strong>do</strong>s por 189 países, e refletiam as principais metas para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento humano.<br />
Os ODM foram, <strong>de</strong> facto, um marco histórico da<strong>do</strong> que “nunca um<br />
conjunto <strong>de</strong> objetivos mundiais a serem alcança<strong>do</strong>s por to<strong>do</strong>s os países e em<br />
to<strong>do</strong>s os níveis . . . foram sistematiza<strong>do</strong>s em um único <strong>do</strong>cumento, com metas e<br />
indica<strong>do</strong>res claros para monitorá-los” (Oka<strong>do</strong> & Quinelli, 2016, p. 118), com a<br />
pretensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir uma caminho comum para a paz, proteção <strong>do</strong>s direitos<br />
humanos, <strong>de</strong>mocracia e proteção <strong>do</strong> meio ambiente.<br />
Des<strong>de</strong> 2000 verificamos, contu<strong>do</strong> e apesar <strong>do</strong>s esforços envida<strong>do</strong>s ao<br />
nível internacional, uma enorme dificulda<strong>de</strong> em concretizar esses objetivos em<br />
avanços efetivos, manten<strong>do</strong>-se uma disparida<strong>de</strong> abismal entre países<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s e países menos avança<strong>do</strong>s e uma relativa indiferença por parte<br />
das comunida<strong>de</strong>s no referente à sua responsabilida<strong>de</strong> para com as populações<br />
mais frágeis e excluídas.<br />
Com a apresentação <strong>do</strong> Relatório <strong>de</strong> 2015, a Cimeira da ONU aprova<br />
Agenda 2030 (Resolução A/RES/70/1, 2015), on<strong>de</strong> foram elenca<strong>do</strong>s os novos<br />
17 objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável (ODS), concretiza<strong>do</strong>s por sua vez<br />
em 169 metas e mais <strong>de</strong> 200 indica<strong>do</strong>res. Estes novos objetivos constituem uma<br />
“renovação ou ampliação <strong>do</strong>s compromissos outrora assumi<strong>do</strong>s” (Oka<strong>do</strong> &<br />
Quinelli, 2016, p. 112) e “<strong>de</strong>mandan una organización <strong>de</strong>l conocimiento com<br />
nuevas fórmulas políticas transfronteirizas puesto que constituyen un reto <strong>de</strong><br />
gobernabilidad mundial sin prece<strong>de</strong>ntes históricos que requieren <strong>de</strong>asrrollar<br />
nuevas sinergias multi<strong>de</strong>nsionales <strong>de</strong> carácter glocal entre la ciodadanía<br />
planetaria actual e futura” (Ruano, 2016, p. 152)<br />
Ficou, por isso, estabeleci<strong>do</strong> que os novos ODS, alicerça<strong>do</strong>s na premissa<br />
<strong>do</strong> “leave no one behind”, <strong>de</strong>veriam tornar-se estruturalmente impactantes aos<br />
níveis social, eocómico e ambiental, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma SMART (specific,<br />
measurable, attainable, relevant and time-bound) (Gallo & Setti, 2014, p. 4386)<br />
(Filho, 2018); além da sua implementação <strong>de</strong>ver ser monitorizada em to<strong>do</strong>s os<br />
346
193 países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, anualmente, para um maior controlo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
e exequibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s mesmos.<br />
Além disso, e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> cada<br />
país, procurou-se dar uma maior reposnsabilida<strong>de</strong> conjunta e solidária a to<strong>do</strong>s<br />
os países para alcançar os objetivos para que, <strong>de</strong>ssa forma, os resulta<strong>do</strong>s<br />
fossem mais efetivos que aqueles alcança<strong>do</strong>s em 2015 (Agência para o<br />
Desenvolvimento e Coesão, I.P., s.d.).<br />
A inclusão <strong>de</strong>stas inovações são, a nosso ver, um passo no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
viabilizar o progresso e a realização <strong>do</strong>s objetivos agora <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s. Também<br />
esses objetivos foram mais <strong>de</strong>talha<strong>do</strong>s, subdividin<strong>do</strong>-se em 17, visan<strong>do</strong> criar um<br />
mo<strong>de</strong>lo global para acabar com a pobreza, promover a properida<strong>de</strong> e o bemestar<br />
<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, proteger o meio ambiente e combater as alterações climáticas<br />
(UNRIC, s.d.). De facto, ao serem mais flexíveis e adaptáveis às diversas<br />
realida<strong>de</strong>s locais e regionais através <strong>de</strong> “indica<strong>do</strong>res comparáveis, quantitativos<br />
e monitorizáveis” (Gallo & Setti, 2014, p. 4386), consi<strong>de</strong>ram-se mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s<br />
e eficientes na capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s países os alcançarem e <strong>de</strong> envolverem as<br />
próprias comunida<strong>de</strong>s.<br />
De uma forma sintética, os ODS <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s versam as áreas social,<br />
económica e ambiental, ou nas palavras <strong>de</strong> (Oka<strong>do</strong> & Quinelli, 2016, p. 120) os<br />
“5 Ps da nova agenda: a) pessoas; b) planeta; c) parcerias; d) prosperida<strong>de</strong>; e<br />
d) paz”, sistematiza<strong>do</strong>s da seguinte forma:<br />
1. ODS 1 – erradicar a pobreza – <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a <strong>de</strong>finião da ONU o limiar da<br />
pobreza extrema situa-se, atualmente, em 1,25 USD por dia. Este será um <strong>do</strong>s<br />
objetivos mais graves e difíceis <strong>de</strong> alcançar, da<strong>do</strong> que o objetivo é não só reduzir<br />
“pelo menos para meta<strong>de</strong> a proporção <strong>de</strong> homens, mulheres e crianças, <strong>de</strong> todas<br />
as ida<strong>de</strong>s, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />
as <strong>de</strong>finições nacionais”, mas também “implementar , a nível nacional, medidas<br />
e sistemas <strong>de</strong> proteção social a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s” e “aumentar a resiliência <strong>do</strong>s mais<br />
pobres e em situação <strong>de</strong> maior vulnerabilida<strong>de</strong>”, crian<strong>do</strong> as condições<br />
necessárias para criar sistemas <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> acesso a to<strong>do</strong>s os serviços<br />
básicos (UNRIC, s.d.).<br />
2. ODS 2 – erradicar a fome – este objetivo exige “acabar com todas as formas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>snutrição”, bem como garantir o acesso universal a “uma alimentação <strong>de</strong><br />
347
qualida<strong>de</strong>, nutritiva e suficiente durante to<strong>do</strong> o ano”. Tal situação só será<br />
exequível se for salvaguardada a produtivida<strong>de</strong> agrícola e a utilização <strong>de</strong><br />
sistemas sustentáveis <strong>de</strong> produção (com respeito pelo meio ambiente e pela<br />
diversida<strong>de</strong> genética), além da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas e mecanismos que<br />
assegurem a livre concorrências nos merca<strong>do</strong>s (UNRIC, s.d.).<br />
3. ODS 2 – saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> – a aposta numa saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> refletir-se-á<br />
na redução da taxa <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> materna global, <strong>do</strong>s recém-nasci<strong>do</strong>s e<br />
crianças menores <strong>de</strong> 5 anos; na eliminação <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças contagiosas e<br />
epi<strong>de</strong>mias; na promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental; no acesso universal aos serviços <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva; na prevenção e tratamento <strong>do</strong> abuso <strong>de</strong> substâncias;<br />
na redução da sinistralida<strong>de</strong> ro<strong>do</strong>viária; na aposta e reforço da qualificação <strong>do</strong>s<br />
recursos humanos especializa<strong>do</strong>s e na cobertura universal <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, bem como<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas nacionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública. (UNRIC, s.d.).<br />
4. ODS 4 – educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> – o acesso livre, equitativa e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
constitui-se como uma meta <strong>de</strong> base imprescindível, garantin<strong>do</strong> as qualificações<br />
mínimas a to<strong>do</strong>s os jovens. Esta universalização <strong>do</strong> acesso ao ensino e<br />
qualificação exigirá a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> apoios sociais para os grupos mais sensíveis<br />
economicamente, além da cooperação internacional, não só ao nível da<br />
investigação mas também na implementação <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> alfabetização.<br />
5. ODS 5 – igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género – “acabar com todas as formas <strong>de</strong> discriminação<br />
contra todas as mulheres e meninas” e com toda as formas <strong>de</strong> violência<br />
(casamentos prematuros, mutilação, etc.) é uma gran<strong>de</strong> preocupação mundial,<br />
dadas as práticas culturais enraizadas em alguns países. A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género<br />
exige ainda “a<strong>do</strong>tar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a<br />
promoção da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género e o empo<strong>de</strong>ramento <strong>de</strong> todas as mulheres e<br />
meninas em to<strong>do</strong>s os níveis” (UNRIC, s.d.).<br />
6. ODS 6 – água potável e saneamento – o acesso universal e equitativo à agua<br />
potável, bem como o saneamento básico é um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio mundial, dadas<br />
as suas implicações na luta contra a poluição, a eficiência no uso <strong>do</strong>s recursos<br />
hídricos e em políticas <strong>de</strong> saneamento e tratamento <strong>de</strong> resíduos. Este objetivo<br />
exigirá ainda a educação para a poupança da água e o envolvimento das<br />
comunida<strong>de</strong>s locais.<br />
7. ODS 7 – energias renováveis e acessíveis – preten<strong>de</strong>-se tornar o acesso à<br />
energia universalmente acessível, apostan<strong>do</strong> cada vez mais em fontes<br />
renováveis, não esquecen<strong>do</strong> a eficiência na sua utilização, quer através da<br />
348
mo<strong>de</strong>rnização das infraestruturas, quer através da investigação nesta área para<br />
a sua eficiência e redução <strong>de</strong> gastos/custos.<br />
8. ODS 8 – trabalho digno e crescimento económico – neste objetivo foram<br />
<strong>de</strong>finidas um conjunto <strong>de</strong> metas capazes <strong>de</strong> “promover políticas orientadas para<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento que apoiem as ativida<strong>de</strong>s produtivas, geração <strong>de</strong> emprego<br />
<strong>de</strong>cente, empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>rismo, criativida<strong>de</strong> e inovação, e incentivar a formalização<br />
e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive através <strong>do</strong><br />
acesso aos serviços financeiros”. O crescimento económico <strong>de</strong>verá ter como<br />
preocupação a melhoria da produtivida<strong>de</strong>, da diversificação da produção e da<br />
inovação, protegen<strong>do</strong> sempre os trabalha<strong>do</strong>res com o intuito <strong>de</strong> vislumbrar o<br />
emprego pleno até 2030, cumprin<strong>do</strong> com o Pacto Mundial para o emprego da<br />
Organização Mundial <strong>do</strong> Trabalho (UNRIC, s.d.).<br />
9. ODS 9 – indústria, inovação e infraestruturas – a aposta na inovação,<br />
investigação e <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico constituem as base para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> “infraestruturas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> confiança, sustentáveis e<br />
resilientes, incluin<strong>do</strong> infraestruturas regionais e transfronteiriças, para apoiar o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento económico e o bem-estar humano, focan<strong>do</strong>-se no acesso<br />
equitativo e a preços acessíveis para to<strong>do</strong>s”. O mesmo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>verá<br />
também ser suporta<strong>do</strong> pelas TIC e pelo acesso universal à internet.<br />
10. ODS 10 – reduzir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s – a realização <strong>de</strong>ste objetivo passa pela<br />
promoção da “inclusão social, económica e política <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ida<strong>de</strong>, género, <strong>de</strong>ficiência, raça, etnia, origem, religião,<br />
condição económica ou outra”, bem como pela a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> políticas,<br />
“especialmente ao nível fiscal, salarial e <strong>de</strong> proteção social”, para alcançar<br />
progressivamente uma maior igualda<strong>de</strong> e “facilitar a migração e a mobilida<strong>de</strong><br />
das pessoas <strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>nada, segura, regular e responsável” (UNRIC, s.d.).<br />
11. ODS 11 – cida<strong>de</strong>s e comunida<strong>de</strong>s sustentáveis – a sustentabilida<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s<br />
passa pela habitação inclusiva, segura e a<strong>de</strong>quada, por sistemas <strong>de</strong> transportes<br />
acessíveis e sustentáveis e pelo acesso a espaços públicos, através <strong>de</strong> um<br />
planeamento regional e nacional; pela proteção <strong>do</strong> património cultural e natural;<br />
e pela redução <strong>do</strong> impacto da vida em socieda<strong>de</strong> no meio ambiente.<br />
12. ODS 12 – produção e consumo sustentáveis – este objetivo centra os seus<br />
resulta<strong>do</strong>s na implementação <strong>do</strong> Plano Decenal <strong>de</strong> Programas sobre Produção<br />
e Consumo sustentáveis, corresponsabilizan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os países, especialmente<br />
os países <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s. Assim, procura-se alcançar a gestão sustentável <strong>do</strong>s<br />
349
ecursos naturais, a redução <strong>do</strong>s produtos químicos e a geração <strong>de</strong> resíduos,<br />
consciencializan<strong>do</strong> empresas e cidadãos a a<strong>do</strong>tar práticas sustentáveis e<br />
responsáveis.<br />
13. ODS 13 – ação climática – neste objetivos preten<strong>de</strong>-se essesncialmente<br />
“reforçar a resiliência e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação a riscos relaciona<strong>do</strong>s com o<br />
clima e as catástrofes naturais em to<strong>do</strong>s os países”, levan<strong>do</strong> os países a<br />
comprometerem-se com o assumi<strong>do</strong> na Convenção-Quadro das Nações Unidas<br />
sobre Alterações Climáticas, respeitan<strong>do</strong> os compromissos internacionais <strong>de</strong><br />
proteção ambiental.<br />
14. ODS 14 – proteger a vida marinha – a proteção <strong>do</strong> planeta passa também pela<br />
proteção <strong>do</strong>s amres, fonte <strong>de</strong> vida e recurso insubstituível para a subsistência<br />
da vida. Por isso, além <strong>do</strong> ODS 13 e <strong>de</strong> todas as preocupações evi<strong>de</strong>nciadas<br />
noutros ODS em relação ao respeito pelo meio ambiente, a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>ste ODS<br />
preten<strong>de</strong> sublinhar a necessida<strong>de</strong> premente da redução da poluição marítima e<br />
<strong>do</strong>s recursos piscatórios, tornan<strong>do</strong> estas ativida<strong>de</strong>s económicas sustentáveis e<br />
responsáveis.<br />
15. ODS 15 – proteger a vida terrestre – a par da proteção <strong>do</strong>s oceanos, surge<br />
também a proteção das florestas, combaten<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sertificação ou a <strong>de</strong>smatação<br />
por objetivos simplementos economicistas, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> ecossistemas<br />
insubstituíveis ou aceleran<strong>do</strong> processos <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> espécies animais. A<br />
preservação da biodiversida<strong>de</strong> terrestre exigirá também a <strong>de</strong>finição e a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong><br />
políticas nacionais e internacionais <strong>de</strong> cooperação para combater o tráfico ilegal<br />
<strong>de</strong> animais/plantas.<br />
16. ODS 16 – paz, justiça e instituições eficazes – a luta contra re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tráfico<br />
(humano, armas, etc.), crime organiza<strong>do</strong> e corrupção e subsequente <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito exige instituições eficazes, responsáveis e transparentes,<br />
alicerçadas na justiça e na <strong>de</strong>fesa das liberda<strong>de</strong>s fundamentais. Tal situação só<br />
conseguirá ser consolida<strong>de</strong> se houver uma vonta<strong>de</strong> efetiva e conjunta <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />
os países para respon<strong>de</strong>rem a esses <strong>de</strong>safios com estratégias concertadas e<br />
mecanismos comuns.<br />
17. ODS 17 – parcerias para a implementação <strong>do</strong>s objetivos – o último ODS reforça<br />
a i<strong>de</strong>ia já veiculada em toda estratégia <strong>de</strong> corresponsabilização e solidarieda<strong>de</strong><br />
entre to<strong>do</strong>s os países, ou seja, a efetivação <strong>do</strong>s progressos pretendi<strong>do</strong>s só serão<br />
possíveis através da colaboração entre os países, reforçan<strong>do</strong> a cooperação sulsul<br />
e norte-sul, coadjuvada por processos <strong>de</strong> cooperação regional, <strong>de</strong> forma a<br />
350
criar as condições neccessárias para que as metas passem da retórica para a<br />
prática.<br />
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
Para esta investigação foi conduzida uma pesquisa exploratória <strong>de</strong> fontes<br />
bibliográficas, que teve como finalida<strong>de</strong>s clarificar e ampliar o conhecimento em<br />
torno <strong>do</strong> enquadramento histórico que circunscreve os conceitos envolvi<strong>do</strong>s nos<br />
objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, perscrutan<strong>do</strong> a sua evolução <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
os iniciais oito objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Milénio até aos contornos <strong>de</strong> que<br />
atualmente se revestem, e analisan<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s avanços alcança<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro<br />
da União Europeia (UE) no que a eles se reporta.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
A implementação <strong>do</strong>s ODM conduziu a alguns progressos, apesar <strong>do</strong>s<br />
problemas e lacunas que persistiram, como a “representativida<strong>de</strong> parlamentar<br />
feminina ou o número <strong>de</strong> pessoas em situação <strong>de</strong> pobreza extrema e fome”<br />
(Oka<strong>do</strong> & Quinelli, 2016, p. 128). Isto é, a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s ODM foram um primeiro<br />
passo para a consciencialização <strong>do</strong>s países, ao nível planetário, da necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se corresponsabilizarem por um <strong>de</strong>senvolvimento universal e sustentável.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, os ODS surgiram como uma tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ao<br />
<strong>de</strong>safios relaciona<strong>do</strong>s com a fome, pobreza, saú<strong>de</strong> pública, educação e bem<br />
estar, já que a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s anteriores ODM não haviam ti<strong>do</strong> <strong>de</strong>vidamente em<br />
conta as “populações mais excluídas; não inclusão da violência produzida pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento; <strong>de</strong>staque insuficiente à boa governança e a governos e<br />
instituições transparentes e <strong>de</strong>mocráticas; pouca importância ao crescimento<br />
inclusivo; e baixa matricialida<strong>de</strong>” (Gallo & Setti, 2014, p. 4385), sofren<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
limitações estruturais.<br />
Como referimos supra, a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s 17 ODS, intimamente liga<strong>do</strong>s às<br />
169 metas e 200 indica<strong>do</strong>res, permitiu uma monitorização mais a<strong>de</strong>quada, a par<br />
da corresponsabilização <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os 193 países. Ao nível da União Europeia<br />
(UE), essa monitorização passou a ser feita ao nível nacional e comunitário,<br />
351
permitin<strong>do</strong> a comparação da mesma evolução entre os 27 Esta<strong>do</strong>s membros<br />
(Eurostat, 2018).<br />
Para que seja possível o cumprimento <strong>do</strong>s ODS, a UE comprometeu-se<br />
<strong>de</strong> imediato em integrar os mesmos objetivos com as priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finidas pela<br />
Comissão Europeia (Próximas etapas para um futuro europeu sustentável,<br />
2016).<br />
Além disso, no mesmo <strong>do</strong>cumento, reforça<strong>do</strong> pelo Livro Branco sobre o<br />
futuro da Europa a 27 (Comissão Europeia, 2017), verificamos a interligação <strong>do</strong>s<br />
ODS com as políticas <strong>de</strong> coesão comunitárias e com os fun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investimento<br />
da União (Fun<strong>do</strong>s Europeus Estruturais e <strong>de</strong> Investimento - FEEI), procuran<strong>do</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificar formas concretas para a sua implementação, como é o caso <strong>do</strong><br />
programa Horizonte 2020, através <strong>do</strong> seu pilar <strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios societais. O Livro<br />
Branco reforça ainda o papel da UE para alcançar os ODS com a sua agenda<br />
para a ação externa, apoian<strong>do</strong> a realização <strong>do</strong>s ODS nos territórios vizinhos,<br />
on<strong>de</strong> a UE <strong>de</strong>senvolva ações <strong>de</strong> apoio humanitário e/ou no âmbito da sua política<br />
<strong>de</strong> vizinhança (Comissão Europeia, 2017, pp. 8-9).<br />
O relatório <strong>de</strong> 2018 (Eurostat, 2018) apresenta uma análise exaustiva <strong>do</strong>s<br />
progresssos alcança<strong>do</strong>s, com base na comparação entre os indica<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s<br />
ODS, avalia<strong>do</strong>s em função <strong>de</strong> metas quantitativas para a UE. Até 2018, os<br />
resulta<strong>do</strong>s mais positivos foram alcança<strong>do</strong>s em relação ao ODS 3 “Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong>” (redução <strong>do</strong> consumo <strong>de</strong> tabaco, maior acesso a cuida<strong>do</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
melhoria da esperança <strong>de</strong> vida e redução da taxa <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> nos recémnasci<strong>do</strong>s<br />
e das mortes por <strong>do</strong>enças crónicas ou aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho; redução<br />
da poluição <strong>do</strong> ar e sonora), seguin<strong>do</strong>-se o ODS 4 “Educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>” (pelo<br />
aumento <strong>do</strong> emprego <strong>de</strong> recém-licencia<strong>do</strong>s; redução <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no escolar<br />
precoce); e o ODS 7 “energias renováveis e acessíveis” (com a redução <strong>do</strong><br />
consumo energético, aumento da percentagem <strong>de</strong> energia <strong>de</strong> fontes renováveis,<br />
uma leve redução na <strong>de</strong>pendência energética <strong>do</strong> exterior, bem como na melhoria<br />
<strong>do</strong> conforto térmico nas casas) (Eurostat, 2018).<br />
Foram ainda apresenta<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s positivos em relação ao ODS 11<br />
“cida<strong>de</strong>s e comunida<strong>de</strong>s sustentáveis” (pela redução <strong>do</strong> número <strong>de</strong> cidadãos a<br />
viver em condições <strong>de</strong> inabitabilida<strong>de</strong>, aumento da taxa <strong>de</strong> reciclagem <strong>de</strong> lixo,<br />
352
aumento da utilização <strong>de</strong> transportes públicos), ao ODS 12 “produção e consumo<br />
sustentáveis” (resulta<strong>do</strong>s ténues em relação ao tratamento <strong>do</strong> lixo, consumo/uso<br />
<strong>de</strong> químicos e emissão <strong>de</strong> CO2 <strong>de</strong> viaturas particulares); ao ODS 5 “igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> género” (redução ténue da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género); ao ODS 8 “trabalho digno e<br />
crescimento económico” (em comparação com 2017, verificaram-se melhores<br />
<strong>de</strong>sempenhos no PIB per capita e na taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego a longo prazo;<br />
aumento da produtivida<strong>de</strong> na UE). Em relação ao ODS 17 “parcerias para a<br />
implementação <strong>do</strong>s objetivos”, os resulta<strong>do</strong>s também não são uniformes a to<strong>do</strong><br />
o território – houve gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>dicar 0,7% <strong>do</strong> PIB à assistência<br />
e ao <strong>de</strong>senvolvimento externo, além das importações provindas <strong>de</strong> países<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s continuarem a aumentar. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> isso, as dívidas públicas<br />
<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-membros conseguiram diminuir. Quanto ao ODS 1 “erradicar a<br />
pobreza”, verificaram-se diferentes tendências no espaço da UE – houve por um<br />
la<strong>do</strong> melhorias nas condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>, mas também redução na<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cidadãos manterem o conforto térmico nas suas casas e, em<br />
alguns países; o número <strong>de</strong> pessoas em risco <strong>de</strong> pobreza aumentou.<br />
De uma forma menos expressiva, registaram-se alguns avanços em<br />
relação ao ODS 15 “proteger a vida terrestre” e ao ODS 2 “erradicar a fome”.<br />
No referente ao ODS 9 “indústria, inovação e infraestruturas” assistimos<br />
a um número igual <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentos positivos e negativos, em relação aos<br />
indica<strong>do</strong>res, dada a redução <strong>do</strong> transporte <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias por via ferroviária ou<br />
fluvial e <strong>do</strong> registo <strong>de</strong> patentes, bem como da estagnação das políticas para<br />
redução da emissão <strong>de</strong> CO2. Apesar disso, verificou-se um maior número <strong>de</strong><br />
indivíduos a trabalhar em áreas tecnológicas e um aumento da utilização <strong>de</strong><br />
comboios e autocarros pelos indivíduos.<br />
Em relação aos ODS 6 “água potável e saneamento” (a maioria <strong>do</strong>s<br />
cidadãos tem acesso a saneamento e a água potável <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, embora a<br />
qualida<strong>de</strong> da água em alguns rios tenha piora<strong>do</strong>), ODS 13 “ação climática”<br />
(apesar <strong>do</strong>s avanços na redução <strong>do</strong> efeito estufa e das energias renováveis, o<br />
problema continua a centrar-se nas emissões <strong>de</strong> CO2, ODS 14 “proteger a vida<br />
marítima” (embora exista o projeto da Re<strong>de</strong> Natura, os da<strong>do</strong>s disponíveis não<br />
são conclusivos acerca da preservação <strong>do</strong>s habitats e espécies marinhas ou em<br />
353
elação à pesca sustentável) e ODS 16 “paz, justiça e instituições eficazes”<br />
(assistiu-se à redução <strong>do</strong> número <strong>de</strong> homicídios, ao aumento <strong>de</strong> investimento<br />
em tribunais, mas não existem da<strong>do</strong>s suficientes em relação à corrupção ou<br />
in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> justiça), o relatório <strong>de</strong> 2018 afirma não existirem<br />
da<strong>do</strong>s suficientes nos últimos 5 anos para apresentar resulta<strong>do</strong>s efetivos.<br />
(Eurostat, 2018)<br />
CONSIDERAÇÕES /FINAIS<br />
A <strong>de</strong>finição, em 2015, <strong>do</strong>s objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável,<br />
plasma<strong>do</strong>s na Agenda 2030, constitui uma prorrogação <strong>do</strong>s prazos que não<br />
foram possíveis <strong>de</strong> cumprir anteriormente, reforçan<strong>do</strong> a preocupação com a<br />
sustentabilida<strong>de</strong> e com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento equitativo <strong>de</strong> to<strong>do</strong><br />
o planeta.<br />
A Agenda 2030 reflete, no entanto, uma visão ten<strong>de</strong>ncialmente liberal e<br />
economicista, a qual tem <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> as relações internacionais <strong>do</strong> século XXI (e<br />
já no século XX). Essa visão está presente no papel aponta<strong>do</strong> ao setor priva<strong>do</strong><br />
na promoção da sustentabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scuran<strong>do</strong>, todavia, as contradições que lhe<br />
são inerentes pela sua inserção em mo<strong>de</strong>los nacionais e regionais <strong>de</strong> produção<br />
e consumo díspares e mesmo hegemónicos.<br />
Também na saú<strong>de</strong> verificamos uma perspetiva economicista,<br />
apresentan<strong>do</strong>-se a saú<strong>de</strong> como um produto, cujo consumi<strong>do</strong>r (os indivíduos são<br />
aí vistos como consumi<strong>do</strong>res e não cidadãos) <strong>de</strong>ve ser protegi<strong>do</strong> <strong>de</strong> falhas <strong>do</strong><br />
merca<strong>do</strong>.<br />
Apesar disso, verificam-se avanços quan<strong>do</strong> comparamos os ODM com os<br />
ODS, da<strong>do</strong> que na preparação <strong>de</strong>stes existiu uma preocupação clara <strong>do</strong><br />
envolvimento <strong>do</strong>s países e das comunida<strong>de</strong> para alcançar as metas elencadas.<br />
A esse respeito, apontamos também como avanços positivos a introdução<br />
da meta <strong>do</strong> acesso universal à saú<strong>de</strong>, educação e ao espaço público, entre<br />
outros, bem como a importância dada à participação <strong>do</strong>s indivíduos, enquanto<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
354
A i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> “leave no one behind” constitui-se como premissa <strong>de</strong> toda a<br />
Agenda 2030, on<strong>de</strong> a accountability <strong>do</strong>s países <strong>de</strong>ve ser a base <strong>de</strong> todas as<br />
iniciativas <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
No fun<strong>do</strong>, a Agenda 2030 evi<strong>de</strong>ncia a insustentabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> atual mo<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> produção e consumo, exigin<strong>do</strong> um mo<strong>de</strong>lo basea<strong>do</strong> na solidarieda<strong>de</strong> e<br />
cooperação internacionais. A falta <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo alternativo para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável ao nível <strong>de</strong> uma governança global inviabilizam a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar resulta<strong>do</strong>s mais expressivos, apesar <strong>do</strong> esforço<br />
verifica<strong>do</strong> em algumas regiões, como é o caso da União Europeia.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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Monitoring Report on Progress towards the SGDS in an EU context. Luxemburgo:<br />
Publications Office of the European Union. <strong>do</strong>i:10.2785/401485<br />
Filho, C. d. (27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2018). Agenda 2030 para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável:<br />
uma leitura <strong>de</strong> política pública na clave da biblioteca escolar. Revista Digital<br />
Biblioteconomia e Ciência da Informação, 16(3), pp. 355-372.<br />
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Gallo, E., & Setti, A. (agosto <strong>de</strong> 2014). Território, intersetorialida<strong>de</strong> e escalas: requisitos<br />
para a efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s ODS. Revista Ciêncua & Saú<strong>de</strong> Coletiva, pp. 4383-4396. Obti<strong>do</strong><br />
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Oka<strong>do</strong>, G., & Quinelli, L. (jul/<strong>de</strong>z. <strong>de</strong> 2016). Megatendências mundiais 2030 e os<br />
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Transformar o nosso mun<strong>do</strong>: Agenda 2030 <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável. Obti<strong>do</strong> em<br />
355
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Ruano, J. C. (2016). Los objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarollo sostenible: una encrucijada<br />
paradigmática <strong>de</strong> la sociedad globalizada. Cua<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Filosofia Latinoamericana,<br />
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UNRIC. (s.d.). Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável. s.l. Obti<strong>do</strong> em outubro <strong>de</strong><br />
2018, <strong>de</strong> https://www.unric.org/pt/17-objetivos-<strong>de</strong>-<strong>de</strong>senvolvimento-sustentavel<br />
356
A UTILIZAÇÃO RETÓRICA DO TERMO “CRISE DE MIGRAÇÃO”: uma<br />
análise das realida<strong>de</strong>s francesa e brasileira<br />
DUTRA FERNÁNDEZ, Thaís<br />
Mestranda em Human Rights and Humanitarian Action no Instituto <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Políticos <strong>de</strong> Paris (Sciences Po).<br />
Bacharel em Direito pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (UFMG) e em Relações Internacionais pela Pontifícia<br />
Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
thais.dutrafernan<strong>de</strong>z@sciencespo.fr<br />
ALBUQUERQUE AZEVEDO GOMES, Janaína<br />
Mestranda em Ciências Jurídico-Internacionais na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa (ULisboa). Bacharel<br />
em Direito pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB).<br />
janainagomes@campus.ul.pt<br />
RESUMO<br />
Des<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2015 o tema da migração tem esta<strong>do</strong> constantemente em pauta,<br />
sen<strong>do</strong> continuamente explora<strong>do</strong> pela mídia. Conflitos, bem como crises políticas<br />
e econômicas têm motiva<strong>do</strong> o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas que<br />
buscam escapar <strong>de</strong>ssa situação. Na realida<strong>de</strong> francesa os fluxos migratórios<br />
recentemente noticia<strong>do</strong>s se originam <strong>de</strong> países <strong>do</strong> Oriente Médio, enquanto no<br />
caso brasileiro, a maioria provém <strong>de</strong> outros países latino-americanos. Em<br />
relação à França, a entrada <strong>de</strong>ssas pessoas tem si<strong>do</strong> diretamente relacionada<br />
aos casos <strong>de</strong> ataques terroristas, enquanto no Brasil é correlaciona<strong>do</strong> ao<br />
aumento da violência e à superlotação <strong>do</strong>s serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
educação. Em ambos é possível perceber a hostilida<strong>de</strong> da população <strong>de</strong><br />
acolhida e a utilização retórica <strong>de</strong>sses fluxos como responsáveis por<br />
instabilida<strong>de</strong>s. Dessa forma, com base na análise comparativa <strong>do</strong>s casos<br />
brasileiro e francês este artigo visa a compreen<strong>de</strong>r como o discurso <strong>de</strong> uma crise<br />
migratória é utiliza<strong>do</strong> para mascarar a existência <strong>de</strong> crises mais profundas e préexistentes<br />
à chegada <strong>de</strong>ssas pessoas migrantes.<br />
Palavras-chave: Fluxos migratórios; análise comparativa; Brasil; França.<br />
ABSTRACT<br />
Since 2015 the subject of migration has been constantly on the agenda, being<br />
unceasingly explored by the media. Conflicts, as well as political and economic<br />
crisis, have motivated the displacement of thousands of people who seek to<br />
escape this situation. In French reality the recently reported migration flows have<br />
originated from Middle Eastern countries, while in the Brazilian case, the majority<br />
comes from other Latin American countries. In relation to France, the entrance<br />
of these people has been directly related to cases of terrorist attacks, while in<br />
Brazil it is associated with the increase in violence and the crowding of public<br />
health and education services. In both cases it is possible to notice the hostility<br />
of the host population and the rhetorical use of these flows as being responsible<br />
for instabilities. Thus, based on a comparative analysis of the Brazilian and the<br />
French cases, this article seeks to un<strong>de</strong>rstand how the speech of a migratory<br />
357
crisis is used to mask the existence of <strong>de</strong>eper and pre-existing crisis on the<br />
arrival of these migrants.<br />
Keywords: Migration flows, comparative analysis; Brazil; France.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A utilização <strong>do</strong> termo crises migratórias tem si<strong>do</strong> comumente utiliza<strong>do</strong><br />
para se referir a um tipo <strong>de</strong> fenômeno causa<strong>do</strong> pelos fluxos <strong>de</strong> pessoas através<br />
das fronteiras que ocorrem em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> em um breve espaço <strong>de</strong><br />
tempo. Esses movimentos, que se acentuaram após 2015, são consequência <strong>de</strong><br />
conflitos arma<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>s políticas e <strong>de</strong> estagnações econômicas nos<br />
países <strong>de</strong> origem. Do outro la<strong>do</strong>, nos países <strong>de</strong> acolhida, o discurso comumente<br />
emprega<strong>do</strong> pelos governantes é o <strong>de</strong> que esses fluxos seriam a causa <strong>do</strong>s<br />
problemas internos.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a retórica utilizada é a <strong>de</strong> que os fluxos migratórios<br />
prece<strong>de</strong>riam as crises nos países <strong>de</strong> chegada. No entanto, após melhor análise<br />
da situação po<strong>de</strong>-se perceber <strong>de</strong>safios internos no âmbito da saú<strong>de</strong>, da<br />
educação e da segurança que antece<strong>de</strong>m a chegada <strong>de</strong>sses imigrantes.<br />
Esse fenômeno está presente nas realida<strong>de</strong>s europeia e brasileira. No<br />
âmbito da União Europeia, po<strong>de</strong>-se perceber <strong>de</strong>savenças pré-existentes entre<br />
os Esta<strong>do</strong>s membros que se fortaleceram e se acentuaram com o aumento <strong>do</strong>s<br />
fluxos migratórios. Mais especificamente em relação à França, a chamada selva<br />
<strong>de</strong> Calais se tornou um espaço <strong>de</strong> vazio jurídico in<strong>de</strong>seja<strong>do</strong> em que os próprios<br />
migrantes e as associações <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> se organizaram<br />
<strong>de</strong> forma a prover direitos sociais. No caso brasileiro, os serviços públicos já<br />
eram <strong>de</strong>ficitários no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Roraima, no entanto, a chegada <strong>do</strong>s imigrantes<br />
venezuelanos foi consi<strong>de</strong>rada a responsável, pelos governos locais e fe<strong>de</strong>rais,<br />
pela falência na promoção <strong>de</strong>sses serviços.<br />
358
OBJETIVOS<br />
Geral:<br />
Analisar a utilização <strong>de</strong> um discurso <strong>de</strong> crise migratória para encobrir<br />
crises políticas e sociais e a existência <strong>de</strong> uma percepção negativa em relação<br />
ao estrangeiro nos contextos brasileiro e francês.<br />
Específico:<br />
Verificar a existência <strong>de</strong> uma crise migratória nos contextos brasileiro e<br />
francês após o ano <strong>de</strong> 2015.<br />
Comparar como o tema da migração é apresenta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> nas<br />
legislações brasileira e a francesa.<br />
Analisar como os Esta<strong>do</strong>s brasileiro e francês percebem a entrada e a<br />
presença <strong>de</strong> imigrantes.<br />
Compreen<strong>de</strong>r como as legislações brasileira e francesas sobre o tema<br />
das migrações lidam com os vazios jurídicos.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
a) Definição <strong>do</strong> termo crise migratória nos contextos europeu e brasileiro<br />
O termo crise migratória passou a ser emprega<strong>do</strong> na realida<strong>de</strong> da União<br />
Europeia após os naufrágios ocorri<strong>do</strong>s na costa da Líbia no mês <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2015.<br />
Enquanto no dia 12 <strong>de</strong> abril cerca <strong>de</strong> 400 migrantes <strong>de</strong>sapareceram e apenas<br />
150 sobreviveram, uma semana <strong>de</strong>pois, os números foram ainda mais<br />
chocantes, com apenas 28 sobreviventes <strong>de</strong> um total <strong>de</strong> 800 pessoas a bor<strong>do</strong><br />
(LE MONDE, 2015).<br />
359
Figura 1 – Entradas irregulares (2015-2018)<br />
Fonte: Conselho da Europa, 2018<br />
Como se po<strong>de</strong> observar na Figura 1 acima representada, no ano <strong>de</strong> 2015,<br />
os fluxos migratórios que se dirigiam ao continente Europeu aumentaram <strong>de</strong><br />
maneira vertiginosa em relação ao ano prece<strong>de</strong>nte. O pico <strong>de</strong> entradas<br />
irregulares se <strong>de</strong>u igualmente naquele ano, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então os números<br />
começaram a reduzir, sen<strong>do</strong> hoje inferiores àqueles que antece<strong>de</strong>ram 2015.<br />
Todavia, mesmo com uma drástica redução <strong>de</strong>sses fluxos, a retórica <strong>do</strong>s Chefes<br />
<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> Governo europeus e <strong>de</strong> veículos da mídia continua a empregar<br />
o termo crise migratória.<br />
Em setembro <strong>de</strong> 2018, durante reunião informal <strong>do</strong> Conselho Europeu, a<br />
questão migratória se caracterizou como um <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong>safios aos<br />
governantes europeus. Os países <strong>do</strong> leste e <strong>do</strong> sul da Europa – os Visegrad, a<br />
Áustria e a Itália – se antagonizaram aos países da Europa oci<strong>de</strong>ntal –<br />
Alemanha, França e Espanha – no tocante à aceitação e à repartição <strong>de</strong><br />
solicitantes <strong>de</strong> refúgio. Enquanto aqueles se recusam a receber quotas <strong>de</strong><br />
imigrantes, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> “sofrerem” com a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solicitações,<br />
esses reforçam a necessida<strong>de</strong> da valorização <strong>do</strong> princípio da solidarieda<strong>de</strong><br />
europeia em que to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veriam ter as mesmas responsabilida<strong>de</strong>s.<br />
360
Diante <strong>do</strong>s números que <strong>de</strong>monstram não haver, no ano <strong>de</strong> 2018, um fluxo<br />
migratório que justificaria a sua caracterização como suficiente para gerar um<br />
transtorno às instituições europeias, é possível discutir se, em vez <strong>de</strong> uma crise<br />
migratória, o que acontece na União Europeia seria, pois, uma crise institucional<br />
ou uma crise política. I<strong>de</strong>ntificar uma crise da União Europeia seria admitir que<br />
as instituições estariam paralisadas e impedidas <strong>de</strong> funcionar propriamente.<br />
Dessa forma, po<strong>de</strong>r-se-ia aventar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma crise em termos <strong>de</strong><br />
cooperação no cerne da UE. Seria, então, a política <strong>de</strong>senvolvida pelos Esta<strong>do</strong>s<br />
Membros que estaria levan<strong>do</strong> o bloco a enfrentar os <strong>de</strong>safios e as incertezas que<br />
se reproduzem. Um marco da falta <strong>de</strong> cooperação é a política <strong>de</strong> relocalização<br />
anteriormente mencionada. Os países <strong>do</strong> leste europeu se recusam a receber a<br />
quota <strong>de</strong> imigrantes que lhes teria si<strong>do</strong> atribuída em razão <strong>de</strong> suas condições<br />
econômicas. Não obstante, a política <strong>de</strong> relocalização no âmbito <strong>do</strong> Conselho da<br />
Europa torna possível que os Esta<strong>do</strong>s contrários invoquem sua oposição para o<br />
não cumprimento <strong>do</strong> acorda<strong>do</strong>.<br />
As conclusões parciais indicam não estarmos diante <strong>de</strong> uma atual crise<br />
migratória na Europa, contu<strong>do</strong>, o termo tem si<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> no contexto brasileiro<br />
para se referir à entrada <strong>de</strong> venezuelanos na região Norte <strong>do</strong> país. De acor<strong>do</strong><br />
com a Organização Internacional para as Migrações, o fluxo <strong>de</strong> emigrantes<br />
venezuelanos já é comparável aos momentos <strong>de</strong> crise ocorri<strong>do</strong>s no Mediterrâneo<br />
no ano <strong>de</strong> 2015 (BBC, 2018). Em razão das crises econômica e política, milhares<br />
<strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>ixaram o país sul-americano com <strong>de</strong>stino, em sua maioria, aos<br />
países vizinhos.<br />
b) A percepção negativa <strong>do</strong> imigrante pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhida<br />
Diante <strong>do</strong>s recentes e intensos fluxos migratórios, os Esta<strong>do</strong>s se sentiram<br />
compeli<strong>do</strong>s a robustecer a legislação no que concerne a aceitação e a permissão<br />
<strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> imigrantes. Todavia, apesar <strong>de</strong> terem si<strong>do</strong> cria<strong>do</strong>s mecanismos<br />
nos diversos or<strong>de</strong>namentos jurídicos para garantir sua proteção, a isonomia é<br />
apenas aparente, sen<strong>do</strong> inverossímil afirmar que todas as pessoas são tratadas<br />
<strong>de</strong> forma homogênea in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua origem.<br />
361
Tal panorama já era percebi<strong>do</strong> no contexto histórico brasileiro no perío<strong>do</strong><br />
entre o final <strong>do</strong> século XIX e o início <strong>do</strong> século XX. Tulchin (2016) aponta que o<br />
Brasil se encontrava permea<strong>do</strong> pelo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> racial que acometia<br />
os países oci<strong>de</strong>ntais e, na tentativa <strong>de</strong> estabelecer sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e afirmar-se<br />
como nação (BOLSANELLO, 1996), abriu suas fronteiras para receber mão-<strong>de</strong>obra<br />
europeia. Essa política aten<strong>de</strong>u a um duplo objetivo <strong>de</strong> fornecer a mão-<strong>de</strong>obra<br />
necessitada no campo e <strong>de</strong> embranquecer a população. As facilitações<br />
asseguradas a esses imigrantes <strong>de</strong> origem europeia não se esten<strong>de</strong>ram aos<br />
<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> origem asiática ou africana, por serem consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s “biologicamente<br />
<strong>de</strong>genera<strong>do</strong>s e, consequentemente, não contribuírem para melhorar a qualida<strong>de</strong><br />
racial mestiça” (BASBAUM, 2004).<br />
Entretanto, as políticas <strong>de</strong> abertura imigratória não tardaram em serem<br />
interrompidas. A criação <strong>do</strong>s núcleos coloniais mostrou-se malsucedida, uma<br />
vez que a imigração em massa permitiu a formação <strong>de</strong> pequenas comunida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> estrangeiros que se mantinham apartadas da socieda<strong>de</strong> brasileira (LUCA,<br />
2004). A<strong>de</strong>mais, os trabalha<strong>do</strong>res trouxeram consigo as reivindicações por<br />
melhores salários e condições <strong>de</strong> trabalho (SILVA, 2008). Em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong><br />
fracasso da agenda <strong>de</strong> branqueamento, <strong>do</strong> <strong>de</strong>semprego generaliza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
nacionais e das reivindicações trabalhistas, a presença <strong>do</strong>s estrangeiros foi<br />
automaticamente associada ao surgimento <strong>de</strong>sses transtornos sociais.<br />
Não obstante, o discurso que associa a eclosão <strong>de</strong> problemas sociais à<br />
chegada <strong>do</strong>s imigrantes foi dificilmente supera<strong>do</strong>, revelan<strong>do</strong>-se cada vez mais<br />
atual. Como assinalam Barbosa, Obregon (2018) e Pinto, Obregon (2018), os<br />
efeitos da crise na Venezuela também impactaram o cenário brasileiro, pois<br />
teriam ocasiona<strong>do</strong> superlotação <strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e o crescimento da onda<br />
<strong>de</strong> violência, bem como teriam fomenta<strong>do</strong> o incremento da prostituição e <strong>do</strong><br />
trabalho em condições <strong>de</strong>gradantes na região.<br />
Nota-se que tal fenômeno não se restringe à experiência brasileira, visto<br />
que para a maioria da percepção francesa (86%) a imigração tem um impacto<br />
negativo para o país <strong>de</strong> acolhida.<br />
362
Figura 2 - A percepção francesa sobre a imigração<br />
Source: Le Figaro, 2018<br />
A oposição em relação à imigração na França se acentuou com os<br />
ataques terroristas que passaram ocorrer a partir <strong>de</strong> 2015. O <strong>de</strong>bate passou a<br />
invocar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que terroristas infiltra<strong>do</strong>s teriam sua entrada facilitada<br />
no país por meio <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s fluxos migratórios que eclodiram com a<br />
intensificação <strong>do</strong>s conflitos internos sírios. Dessa forma, a imigração <strong>de</strong> pessoas<br />
<strong>de</strong> origem árabe e <strong>de</strong> religião muçulmana foi fortemente associada a ataques<br />
que geraram centenas <strong>de</strong> vítimas.<br />
Entremente, para melhor compreen<strong>de</strong>r o discurso anti-imigração, é<br />
indispensável se distanciar das mudanças internas geradas pela chegada<br />
<strong>de</strong>ssas pessoas e se <strong>de</strong>bruçar sobre a construção da imagem <strong>do</strong> imigrante como<br />
inimigo e a forma como isso afeta sua recepção pela população local, bem como<br />
sua situação jurídica nesse contexto.<br />
363
Para alcançar tal propósito, é fundamental assimilar as i<strong>de</strong>ias trazidas por<br />
Ab<strong>de</strong>lmalek Sayad (1998), que propõe que a visão sobre a condição <strong>do</strong> imigrante<br />
é caracterizada pelo aban<strong>do</strong>no provisório. Isto significa que, à primeira vista, a<br />
estadia é apenas temporária e a permissão <strong>de</strong> permanência no Esta<strong>do</strong><br />
estrangeiro po<strong>de</strong> ser revogada a qualquer momento. O autor questiona, então,<br />
qual seria a finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> imigrante no contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, da<strong>do</strong> que sua<br />
razão <strong>de</strong> ser estaria atrelada ao trabalho e sua permanência <strong>de</strong>smotivada o<br />
transformaria em um problema social.<br />
Sem embargo, a presunção <strong>de</strong> que o imigrante é o responsável por<br />
transtornos como a elevação da violência ou o abarrotamento <strong>do</strong>s hospitais não<br />
<strong>de</strong>riva <strong>do</strong> acirramento das relações internacionais, tampouco representa ameaça<br />
à segurança nacional, porém, evi<strong>de</strong>ncia falhas nos sistemas internos préexistentes<br />
à chegada <strong>de</strong>ssas pessoas (LINDSAY, 2010).<br />
Tal acepção retoma a noção <strong>de</strong> que sempre existe uma escolha e a<br />
alternativa <strong>de</strong> retornar ao país <strong>de</strong> origem. Não obstante, ainda que se<br />
compreenda que o fator propulsor <strong>do</strong>s fluxos migratórios é a necessida<strong>de</strong> e não<br />
a opção, a receptivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> imigrante pelo país <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino continua<br />
intrinsecamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua própria conveniência e promove a<br />
perpetuação da distinção entre “<strong>de</strong>sejáveis” e “in<strong>de</strong>sejáveis” que estimula o<br />
discurso xenofóbico.<br />
A arguição da autopreservação contra ameaças externas visan<strong>do</strong> à<br />
contenção <strong>do</strong> curso migratório propicia a criação <strong>de</strong> dispositivos legais que, em<br />
outras conjunturas, seriam consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s inadmissíveis se aplica<strong>do</strong>s aos<br />
cidadãos nacionais (LINDSAY, 2010). A separação entre “nacionais” e “nãonacionais”<br />
acaba por excluir o estrangeiro <strong>do</strong> campo político (SAYAD, 1998) e<br />
resulta na supressão <strong>de</strong> direitos que levam à exploração <strong>do</strong> imigrante.<br />
364
c) Breve apresentação das legislações migratórias francesa e brasileira<br />
Francesa<br />
No âmbito da União Europeia, o tema da migração é <strong>de</strong> competência<br />
compartilhada entre os Esta<strong>do</strong>s e a instituição supranacional. Dessa forma, a<br />
França, como Esta<strong>do</strong> membro da União Europeia, <strong>de</strong>ve incorporar ao seu<br />
or<strong>de</strong>namento interno as diretivas e os regulamentos acorda<strong>do</strong>s no âmbito<br />
supranacional. No âmbito <strong>do</strong> bloco, é possível perceber que direito migratório se<br />
baseia na convergência <strong>de</strong> três <strong>do</strong>cumentos: o Código <strong>de</strong> Fronteiras Schengen<br />
(2016), no Código <strong>de</strong> Vistos (2009) e a Convenção <strong>de</strong> Dublin <strong>de</strong> 2008.<br />
O objetivo <strong>de</strong> Schengen é o <strong>de</strong> eliminação das fronteiras entre os países<br />
que a<strong>de</strong>riram ao Código. Para isso, é necessário o fortalecimento das fronteiras<br />
externas, com o estabelecimento <strong>de</strong> medidas comuns para assegurar entrada<br />
comum àqueles que possuem a permissão para ingressar no território <strong>do</strong> bloco.<br />
Na realida<strong>de</strong>, a preocupação maior <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s está nas migrações<br />
secundárias, quan<strong>do</strong> um indivíduo que teve seu ingresso permiti<strong>do</strong> por um<br />
Esta<strong>do</strong>, migra para outro membro da União Europeia. Por isso a importância <strong>do</strong><br />
Código <strong>de</strong> Vistos, que estabelece <strong>de</strong> maneira uniforme quais as formas <strong>de</strong><br />
entrada regular no território e o tempo <strong>de</strong> permanência que po<strong>de</strong> ser garanti<strong>do</strong><br />
aos indivíduos. Por fim, Dublin estabelece qual será o Esta<strong>do</strong> responsável por<br />
analisar as solicitações <strong>de</strong> asilo, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a evitar o chama<strong>do</strong> asylum shopping,<br />
que é quan<strong>do</strong> um indivíduo realiza a <strong>de</strong>manda em mais <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong>.<br />
A<strong>de</strong>mais, cabe unicamente ao Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>finir as próprias regras <strong>de</strong><br />
acolhimento, <strong>de</strong> integração e <strong>de</strong> permanência em seu território. Dessa forma,<br />
apesar <strong>de</strong> ser uma regra comunitária a <strong>de</strong>finir quan<strong>do</strong> um indivíduo po<strong>de</strong>rá<br />
ingressar em território europeu, será uma regra nacional que estabelecerá o<br />
tempo atribuí<strong>do</strong> <strong>de</strong> residência e as condições em que ela <strong>de</strong>ve ocorrer.<br />
Igualmente, em relação ao instituto <strong>do</strong> asilo, Dublin estabelece o Esta<strong>do</strong><br />
responsável por analisar a <strong>de</strong>manda, porém os critérios para que essa<br />
solicitação possa ser reconhecida irá variar entre os Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua<br />
internalização da Convenção <strong>de</strong> Genebra relativa ao Estatuto <strong>do</strong>s Refugia<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />
1951.<br />
365
Brasileira<br />
Em novembro <strong>de</strong> 2018 entrou em vigor no Brasil novo diploma migratório.<br />
De vocação mais humanista, prezan<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos das pessoas<br />
migrantes, essa lei substituiu o Estatuto <strong>do</strong> Estrangeiro – lei a<strong>do</strong>tada no perío<strong>do</strong><br />
autoritário brasileiro e que percebia o imigrante como potencial ameaça à<br />
Segurança Nacional. Antes da a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>sse novo texto legal, no entanto, o<br />
direito migratório brasileiro vinha sen<strong>do</strong> constantemente atualiza<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong><br />
Resoluções Normativas editadas pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Imigração (CNIg),<br />
órgão parte da estrutura <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> Trabalho.<br />
O terremoto ocorri<strong>do</strong> no Haiti em 2010 gerou novo fluxo para o Brasil. O<br />
país chefiava a Missão das Nações Unidas para a Estabilização <strong>do</strong> Haiti<br />
(MINUSTAH) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, por isso o Brasil passou a ser percebi<strong>do</strong> como um<br />
lugar <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imigração. No entanto, diante da rigi<strong>de</strong>z <strong>do</strong> Estatuto<br />
<strong>do</strong> Estrangeiro, essas pessoas que chegaram enfrentaram dificulda<strong>de</strong> para se<br />
regularizar, vislumbran<strong>do</strong> no instituto <strong>do</strong> refúgio uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter acesso<br />
à carteira <strong>de</strong> trabalho e ao Cadastro <strong>de</strong> Pessoa Física (CPF). Diante disso, o<br />
CNIg criou os chama<strong>do</strong>s vistos por razões humanitárias (Resolução Normativa<br />
n. 97 <strong>de</strong> 2012) que assegurava um tempo <strong>de</strong> permanência <strong>de</strong> cinco anos no<br />
Brasil. Posteriormente os sírios também pu<strong>de</strong>ram se beneficiar <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />
visto (Resolução Normativa n. 17 <strong>de</strong> 2013). A nova lei <strong>de</strong> Migração incorporou<br />
o instituto <strong>do</strong> visto humanitário, porém até o momento ele não foi regulamenta<strong>do</strong>,<br />
o que inviabiliza a sua solicitação.<br />
Em relação à situação <strong>do</strong>s venezuelanos, no ano <strong>de</strong> 2017 o CNIg editou<br />
resolução que garantia a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solicitar residência temporária aos<br />
nacionais <strong>de</strong> países fronteiriços que tivessem entra<strong>do</strong> no Brasil pela via<br />
terrestre. Em 2018, no entanto, os Ministério <strong>do</strong> Trabalho, da Justiça, das<br />
Relações Exteriores e da Segurança Pública editaram Portaria Interministerial<br />
que retiram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso pela via terrestre e permite que o<br />
indivíduo não tenha que <strong>de</strong>sistir da solicitação <strong>de</strong> refúgio. Por fim, em relação<br />
ao instituto <strong>do</strong> refúgio, vale salientar que a lei brasileira a<strong>do</strong>tou, além <strong>do</strong>s<br />
requisitos estipula<strong>do</strong>s pela Convenção <strong>de</strong> Genebra <strong>de</strong> 1951, a <strong>de</strong>finição<br />
ampliada a<strong>do</strong>tada pela Declaração <strong>de</strong> Cartagena.<br />
366
METODOLOGIA/MÉTODOS<br />
No que concerne à sua natureza, a pesquisa é <strong>de</strong>scritiva e explicativa,<br />
posto que se propõe a <strong>de</strong>screver as características <strong>do</strong>s fluxos migratórios no<br />
Brasil e na França e que busca, por meio <strong>de</strong> uma análise comparativa, explicar<br />
o propósito a que se <strong>de</strong>stinam as legislações criadas para lidar com esses<br />
fenômenos. Quanto à abordagem, elucida-se que se trata <strong>de</strong> uma pesquisa<br />
qualitativa, pois seu caráter é essencialmente exploratório e interpretativo. Serão<br />
utiliza<strong>do</strong>s procedimentos como a pesquisa bibliográfica, jurispru<strong>de</strong>ncial e<br />
<strong>do</strong>cumental para obter uma percepção mais compreensiva sobre a situação<br />
jurídica <strong>do</strong> imigrante. Além disso, serão examina<strong>do</strong>s artigos jornalísticos para<br />
ilustrar o posicionamento da imprensa e o impacto da mídia sobre a percepção<br />
social em relação aos imigrantes.<br />
RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />
Diante <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong>s fluxos migratórios e das dificulda<strong>de</strong>s em se<br />
regularizar, formou-se na região <strong>de</strong> Calais, no norte <strong>de</strong> França, um espaço <strong>de</strong><br />
espera para aqueles indivíduos que objetivavam emigrar para o Reino Uni<strong>do</strong>.<br />
Enquanto existiu, a chamada selva <strong>de</strong> Calais pô<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um vazio<br />
jurídico, na medida em que a atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> francês na região se restringia<br />
à construção <strong>de</strong> muros <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a evitar a migração <strong>de</strong>ssas pessoas. Por esse<br />
motivo, as associações e os próprios migrantes passaram a organizar sozinhas<br />
as relações sociais. Não se trata <strong>de</strong> um não-lugar jurídico, mas sim <strong>de</strong> um lugar<br />
não <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> pelo Direito e que se opõe aos espaços <strong>de</strong> vida conforme os<br />
valores e os objetivos <strong>do</strong> Direito Europeu. Tratava-se <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> trânsito,<br />
cria<strong>do</strong> à margem da vida e que acabou por se tornar um lugar <strong>de</strong> contestação.<br />
Uma realida<strong>de</strong> paralela po<strong>de</strong> ser observada no caso brasileiro no esta<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Roraima. Os venezuelanos, em sua maioria, ingressam no Brasil pela cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Pacaraima. O objetivo <strong>de</strong>ssas pessoas, no entanto, não é permanecer nessa<br />
cida<strong>de</strong>, mas se <strong>de</strong>slocar para outros lugares on<strong>de</strong> possam ter melhores<br />
condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e econômico. No entanto, diante <strong>de</strong><br />
obstáculos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica e social, essas pessoas acabam permanecen<strong>do</strong><br />
nesse lugar que, anteriormente, era pensa<strong>do</strong> para ser apenas um lugar <strong>de</strong><br />
367
passagem. Diante da experiência francesa e <strong>do</strong> <strong>de</strong>senrolar <strong>do</strong>s acontecimentos<br />
em Roraima, é possível posteriormente se questionar se Pacaraima diante da<br />
inércia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro, assim como Calais, po<strong>de</strong> se tornar esse vazio<br />
jurídico que atua como lugar <strong>de</strong> contestação.<br />
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />
Diante <strong>do</strong>s argumentos, históricos e legislações previamente<br />
apresenta<strong>do</strong>s é possível perceber que, apesar <strong>de</strong> o Brasil e a França terem<br />
lida<strong>do</strong> no passa<strong>do</strong> recente com fluxos migratórios consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s atípicos, a<br />
questão migratória tem representa<strong>do</strong> um <strong>de</strong>safio para ambos os países. No caso<br />
<strong>do</strong> Brasil, é possível perceber no último ano avanços legislativos e normativos<br />
no tocante à tentativa <strong>de</strong> regularizar esses indivíduos que ingressam no país,<br />
conferin<strong>do</strong> a eles <strong>do</strong>cumentos que possa facilitar a sua inserção na socieda<strong>de</strong><br />
brasileira. Entretanto, o ingresso <strong>de</strong> venezuelanos na região norte <strong>do</strong> país gerou<br />
instabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>scontentamento da população local, que atribui aos recémchega<strong>do</strong>s<br />
a responsabilida<strong>de</strong> pelo aumento da violência e pela sobrecarga nos<br />
serviços públicos. Em contrapartida, no que concerne a França, o seu<br />
<strong>de</strong>senvolvimento legislativo acaba fican<strong>do</strong> atrela<strong>do</strong> ao âmbito da União<br />
Europeia, porém, não é possível perceber o interesse em regularizar a situação<br />
<strong>de</strong>ssas pessoas que chegam. A questão <strong>do</strong>s imigrantes, assim como ocorre no<br />
caso brasileiro, também é associada a consequências negativas, o que acaba<br />
por fortalecer uma imagem negativa <strong>do</strong> estrangeiro no país.<br />
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fronteiras: Análise <strong>do</strong> impacto da crise venezuelana na população e na saú<strong>de</strong><br />
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368
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Imigração ou os Para<strong>do</strong>xos da Alterida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora da Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo, 1998. Cap. 3. p. 45-72. Tradução: Cristina Murachco.<br />
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caminhos da brasilida<strong>de</strong>. In: HASHIMOTO, Francisco; TANNO, Janete L.;<br />
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arte. São Paulo: UNESP, 2008, v. 1, p. 41-62.<br />
TULCHIN, Joseph S. América Latina X Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s: Uma Relação<br />
Turbulenta. São Paulo: Contexto, 2016. 272 p.<br />
370
A VENEZUELA NO MERCOSUL: a<strong>de</strong>são, suspensão e migração<br />
OLIVEIRA FILHA, Manuelita Hermes Rosa.<br />
Procura<strong>do</strong>ra Fe<strong>de</strong>ral. Mestre em Sistemas Jurídicos Contemporâneos pela Università <strong>de</strong>gli studi di Roma Tor Vergata.<br />
Especialista em Justiça Constitucional e Tutela <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> pela Università di Pisa e em Direito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pela<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia. E-mail: manuelita.oliveira@agu.gov.br.<br />
RESUMO<br />
Empreen<strong>de</strong>-se a pesquisa sobre a existência <strong>de</strong> aplicação da normativa<br />
acerca livre circulação <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Merca<strong>do</strong> Comum <strong>do</strong> Sul<br />
(MERCOSUL) aos cidadãos venezuelanos. A partir da análise <strong>do</strong> histórico <strong>do</strong><br />
processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são da Venezuela e <strong>do</strong> acervo normativo aplicável, consluise<br />
que houve uma mora na incorporação <strong>do</strong> acervo normativo <strong>de</strong><br />
MERCOSUL que acarretou a suspensão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Membro e, outrossim,<br />
acarretou uma diminuição na proteção da migração intrarregional, uma vez<br />
que o referi<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não é signatário <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência em vigor<br />
no MERCOSUL.<br />
Palavras-chave: Direito Internacional. Migração regional. Merca<strong>do</strong> Comum<br />
<strong>do</strong> Sul. Livre circulação <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res.<br />
ABSTRACT<br />
The leading purpose of this thesis is searching and un<strong>de</strong>rstanding the<br />
existence of the application of the regulations on free movement of workers<br />
of the Common Market of the South (MERCOSUR) to Venezuelan citizens.<br />
Based on the analysis of the history of the Venezuelan accession to the<br />
MERCOSUR and the applicable normative acquis, it is conclu<strong>de</strong>d that there<br />
was a <strong>de</strong>lay in the incorporation of the MERCOSUR normative, which led to<br />
the suspension of the Member State and, as a result, a reduction in the<br />
protection of migration since that State is not a signatory to the Agreement on<br />
Resi<strong>de</strong>nce in force in MERCOSUR.<br />
Keywords: International Law. Regional Migration. Southern Common<br />
Market. Free movement of workers.<br />
371
INTRODUÇÃO<br />
A migração, embora seja um fenômeno recorrente na humanida<strong>de</strong>, tem<br />
si<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> novas ondas <strong>de</strong> crescimento, uma das quais é verificada na<br />
América <strong>do</strong> Sul, consistente na emigração <strong>de</strong> venezuelanos para outros países<br />
da região.<br />
A Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem, <strong>de</strong> 1948, prevê o direito<br />
emigrar, é dizer, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar um país, conforme estatuí<strong>do</strong> no artigo 13.2: “To<strong>do</strong> ser<br />
humano tem o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este<br />
regressar”. Po<strong>de</strong>-se afirmar, nesta linha, que emigrar é um direito fundamental 1 .<br />
Imigrar, contu<strong>do</strong>, não seria um direito fundamental, dada ausência <strong>de</strong><br />
previsão normativa e por se tratar <strong>de</strong> questão intrinsecamente ligada à soberania<br />
estatal.<br />
A Venezuela é um Esta<strong>do</strong> membro <strong>do</strong> Merca<strong>do</strong> Comum <strong>do</strong> Sul –<br />
MERCOSUL - e o <strong>de</strong>slocamento intrabloco foi regula<strong>do</strong>. Insta perscrutar, pois,<br />
em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> integração regional, quais seriam os instrumentos normativos<br />
a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para proporcionar o exercício da mobilida<strong>de</strong> aos nacionais <strong>do</strong>s países<br />
<strong>do</strong> MERCOSUL e se esta normativa é aplicável aos venezuelanos.<br />
Afrontar a problemática tratada reveste-se <strong>de</strong> importância no que tange à<br />
necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> dar resposta jurídica pertinente ao tratamento <strong>de</strong>ste fenômeno<br />
migratório, <strong>de</strong>limitan<strong>do</strong> os planos <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Membros e <strong>do</strong><br />
MERCOSUL, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aclarar os caminhos <strong>de</strong> proteção disponíveis aos<br />
cidadãos.<br />
OBJETIVO<br />
O objetivo da pesquisa é verificar a existência <strong>de</strong> instrumentos normativos<br />
acerca da mobilida<strong>de</strong> intramercosul e a sua aplicabilida<strong>de</strong> à Venezuela,<br />
mormente consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a sua suspensão <strong>do</strong> bloco.<br />
Especificamente, i<strong>de</strong>ntificar se a suspensão <strong>do</strong> país <strong>do</strong> MERCOSUL, em<br />
razão da crise humanitária que o assola, acarretou consequências negativas aos<br />
1<br />
Cf. PÉCOUD, Antoine; GUCHTENEIRE, Paul <strong>de</strong>. Introduction: the migration without bor<strong>de</strong>rs<br />
scenario. In: PÉCOUD, Antoine; GUCHTENEIRE, Paul <strong>de</strong> (edit.). Migration without bor<strong>de</strong>rs:<br />
essay on the free movement of people. Paris: UNESCO Publishing, 2007, p. 8.<br />
372
cidadãos no que atine a uma eventual <strong>de</strong>sprosteção quanto à migração entre os<br />
Esta<strong>do</strong>s Membros e, consequentemente, à preservação <strong>de</strong> sua dignida<strong>de</strong>.<br />
MÉTODOS<br />
A fim <strong>de</strong> atingir os objetivos, parte-se <strong>de</strong> uma perspectiva <strong>de</strong>scritiva e<br />
histórico-normativa. A meto<strong>do</strong>logia utilizada para a realização da pesquisa foi o<br />
méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem <strong>de</strong>dutivo. A técnica da pesquisa é indireta, abrangen<strong>do</strong><br />
as pesquisas <strong>do</strong>cumental e bibliográfica.<br />
DISCUSSÃO<br />
Caracteriza<strong>do</strong> por ser um processo <strong>de</strong> integração flexível e ambivalente,<br />
o Merca<strong>do</strong> Comum <strong>do</strong> Sul – MERCOSUL - surgiu em 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1991 2 ,<br />
quan<strong>do</strong> assina<strong>do</strong>, na República <strong>do</strong> Paraguai, o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção 3 .<br />
Em ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1991, visou primacialmente<br />
integrar economicamente Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Seus objetivos<br />
foram aumentar a competitivida<strong>de</strong> e a produtivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Membros, com abertura<br />
das economias, incremento <strong>do</strong> comércio e melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s<br />
cidadãos, com a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> políticas macroeconômicas e a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> uma<br />
tarifa externa comum (TEC).<br />
Além <strong>do</strong> fundacional Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção, foi firma<strong>do</strong>, em 17 <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> 1991, o Protocolo <strong>de</strong> Brasília para a solução <strong>de</strong> controvérsias, que instituiu<br />
sistemas <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> controvérsias dual: um volta<strong>do</strong> para litígios entre<br />
Esta<strong>do</strong>s, e outro, para aqueles entre particulares e Esta<strong>do</strong>s.<br />
Como marco regulatório posterior ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção, cite-se o<br />
Protocolo <strong>de</strong> Outro Preto (POP) ou Protocolo Adicional ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção 4 ,<br />
2<br />
No Brasil, foi aprova<strong>do</strong> pelo Decreto Legislativo 197 <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1991. (BRASIL.<br />
Decreto Legislativo n° 197, <strong>de</strong> 1991. Disponível em:<br />
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/<strong>de</strong>cleg/1991/<strong>de</strong>cretolegislativo-197-25-setembro-1991-<br />
358152-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.)<br />
3<br />
MERCOSUL. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção. Disponível em:<br />
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaAdpf101/anexo/Trata<strong>do</strong>_<strong>de</strong>_Assunc<br />
ao.pdf. Acesso em: 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />
4<br />
MERCOSUL. Protocolo Adicional ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção sobre a Estrutura Institucional<br />
<strong>do</strong> Mercosul – Protocolo <strong>de</strong> Ouro Preto. Disponível em:<br />
http://www.mercosur.int/msweb/SM/Normas/PT/CMC_1994_OuroPreto.pdf. Acesso em: 12 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 2018.<br />
373
firma<strong>do</strong> em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1994, que re<strong>de</strong>finiu o MERCOSUL, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-lhe <strong>de</strong><br />
personalida<strong>de</strong> jurídica própria, <strong>de</strong> Direito Internacional; <strong>de</strong> estrutura institucional<br />
<strong>de</strong>finitiva com natureza intergovernamental, com <strong>de</strong>cisões tomadas por<br />
consenso, <strong>de</strong>limita<strong>do</strong> como uma união aduaneira imperfeita. Paulo Borba<br />
Casella aborda criticamente as inovações encetadas pelo POP, que não <strong>do</strong>taram<br />
o bloco <strong>de</strong> instituições e ferramentas hábeis a ensejar o seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />
como real projeto <strong>de</strong> integração 5 .<br />
Mencione-se, outrossim, o Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia sobre o compromisso<br />
<strong>de</strong>mocrático no MERCOSUL, República da Bolívia e República <strong>do</strong> Chile 6 , que foi<br />
celebra<strong>do</strong> em Ushuaia, em 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998. A fim <strong>de</strong> garantir a plena vigência<br />
das instituições <strong>de</strong>mocráticas, estabelece medidas a serem a<strong>do</strong>tadas por<br />
consenso em situações <strong>de</strong> ruptura da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática 7 em um <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />
Partes.<br />
O Protocolo <strong>de</strong> Olivos 8 , <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, <strong>de</strong>rrogou o Protocolo<br />
<strong>de</strong> Brasília 9 , <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1991, e criou o Tribunal Permanente <strong>de</strong><br />
Revisão, sedia<strong>do</strong> em Assunção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, cujo regulamento procedimental foi<br />
estabeleci<strong>do</strong> pela Decisão CMC n° 30/05 10 .<br />
5<br />
BORBA CASELLA, Paulo. MERCOSUL: EXIGÊNCIAS E PERSPECTIVAS integração e<br />
consolidação <strong>de</strong> espaço econômico (1995-2001-2006). São Paulo: LTr, 1996, p. 61.<br />
6<br />
MERCOSUL. Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul,<br />
Bolívia e Chile. Disponível em:<br />
http://www.mercosur.int/innovaportal/file/110/1/1998_protocolo_<strong>de</strong>_ushuaiacompromiso_<strong>de</strong>mocratico_port.pdf.<br />
Acesso em: 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />
7<br />
Conforme explica Victor Bazán: “La cláusula en cuestión fue invocada por los Esta<strong>do</strong>s más<br />
fuertes <strong>de</strong>l Mercosur en ocasión <strong>de</strong> la crisis política que vivó Paraguay en 1996. Ello sirvió como<br />
disuasivo para <strong>de</strong>sactivar una rebelión militar creciente en ese país, previa admonición <strong>de</strong><br />
exclusión <strong>de</strong> Paraguay <strong>de</strong>l Mercosur si no se respectaba el compromiso <strong>de</strong>mocrático” (BAZÁN,<br />
Victor. Mercosur y Derechos <strong>Humanos</strong>: Panorama, Problema y Desafíos. In: VON BOGDANDY,<br />
Armin; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morares (coord.). <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>,<br />
Democracia e Integração Jurídica: avançan<strong>do</strong> no diálogo constitucional e regional. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 481.)<br />
8<br />
BRASIL. Decreto n.° 4.982, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004. Promulga o Protocolo <strong>de</strong> Olivos<br />
para a Solução <strong>de</strong> Controvérsias no Mercosul. Disponível em:<br />
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/<strong>de</strong>creto/d4982.htm. Acesso em: 12 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 2018.<br />
9<br />
MERCOSUL. Protocolo <strong>de</strong> Brasília para Solução <strong>de</strong> Controvérsias. Disponível em:<br />
http://www.tprmercosur.org/pt/<strong>do</strong>cum/Protocolo_<strong>de</strong>_Brasilia_pt.pdf. Acesso em: 13 <strong>de</strong> novembro<br />
<strong>de</strong> 2018.<br />
10<br />
MERCOSUL/CMC. Decisão n° 30/05. Regras <strong>de</strong> Procedimento <strong>do</strong> Tribunal Permanente<br />
<strong>de</strong> Revisão. Disponível em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em: 20 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 2018.<br />
374
Existem países que não compõem o MERCOSUL como membros, mas<br />
como associa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> Acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Complementação Econômica.<br />
Participam das reuniões <strong>do</strong>s órgãos como convida<strong>do</strong>s:<br />
a) Chile: associação por meio <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Complementação Econômica<br />
Mercoul-Chile, celebra<strong>do</strong> em San Luis, Argentina, na X Reunião da<br />
Cúpula <strong>do</strong> Mercosul, em 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1996;<br />
b) Bolívia: associou-se com a assinatura <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Complementação<br />
Econômica Mercosul-Bolívia, na XI Reunião da Cúpula <strong>do</strong> Mercosul,<br />
realizada em Fortaleza, Brasil, em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996. Deixou <strong>de</strong><br />
ser país associa<strong>do</strong> para ser membro em processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, mediante<br />
assinatura <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012, que ainda<br />
está sen<strong>do</strong> ratifica<strong>do</strong> pelos <strong>de</strong>mais Esta<strong>do</strong>s Partes. Possui direito <strong>de</strong> voz,<br />
mas não <strong>de</strong> voto;<br />
c) Peru: por meio <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Alcance Parcial <strong>de</strong> Complementação<br />
Econômica Mercosul-Peru, regula<strong>do</strong> pela Decisão CMC n° 39/03 11 ;<br />
d) Colômbia 12 , Equa<strong>do</strong>r 13 e Venezuela 14 : a associação foi formalizada para<br />
aprofundar a integração econômica nas áreas estabelecidas no Acor<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Alcance Parcial <strong>de</strong> Complementação Econômica MERCOSUL-CAN;<br />
e) Guiana: a Decisão CMC n° 09/2013 15 aprovou o Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong><br />
Associação entre o MERCOSUL e a República Cooperativa <strong>de</strong> Guiana;<br />
11<br />
MERCOSUL/CMC. Decisão n° 39/03. Participação da República <strong>do</strong> Peru em Reuniões <strong>do</strong><br />
MERCOSUL. Disponível em: Acesso em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso<br />
em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />
12<br />
MERCOSUL/CMC. Decisão n° 44/04. Atribuição à República da Colômbia da Condição<br />
<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> MERCOSUL. Disponível em:<br />
https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />
13<br />
MERCOSUL/CMC. Decisão n° 43/04. Atribuição à República <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r da Condição <strong>de</strong><br />
Esta<strong>do</strong> Associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Mercosul. Disponível em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4.<br />
Acesso em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />
14<br />
MERCOSUL/CMC. Decisão n° 42/04. Atribuição à República Bolivariana da Venezuela da<br />
Condição <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> MERCOSUL. Disponível em:<br />
https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />
15<br />
MERCOSUL/CMC. Decisão n° 09/13. Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong> Associação entre o MERCOSUL<br />
e a República Cooperativa da Guiana. Disponível em:<br />
https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />
375
f) Suriname: a Decisão CMC n° 10/2013 16 aprovou o Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong><br />
Associação entre o MERCOSUL e a República <strong>de</strong> Suriname.<br />
A Venezuela, <strong>de</strong> país associa<strong>do</strong>, passou a Membro. Para tanto,<br />
formalizou um protocolo <strong>de</strong> associação em 2004 e, em 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005,<br />
na XXIX Conferência <strong>do</strong> MERCOSUL, relizada em Montevidéu, por meio da<br />
assinatura <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> Quadro para a A<strong>de</strong>são da República Bolivariana da<br />
Venezuela ao MERCOSUL, entrou em processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, com direito <strong>de</strong> voz,<br />
mas não <strong>de</strong> voto.<br />
Em 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006, finalmente, foi assina<strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são da<br />
República Bolivariana da Venezuela ao MERCOSUL 17 . O artigo 1° estabelece<br />
que o referi<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> a<strong>de</strong>re ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção, ao Protocolo <strong>de</strong> Ouro Preto<br />
e ao Protocolo <strong>de</strong> Olivos para a Solução <strong>de</strong> Controvérsias no MERCOSUL.<br />
Quanto aos <strong>de</strong>mais Trata<strong>do</strong>s e Acor<strong>do</strong>s vigentes no Bloco, merece<br />
<strong>de</strong>staque o teor <strong>do</strong> artigo 3° <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são, que fixa o prazo máximo<br />
<strong>de</strong> quatro anos, a contar da vigência <strong>do</strong> Protocolo, para a a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> acervo<br />
normativo vigente no MERCOSUL, <strong>de</strong> forma gradual, pela Venezuela.<br />
O referi<strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são entrou em vigor em 12 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2012.<br />
Porém, após o prazo final <strong>de</strong> quatro anos, é dizer, agosto <strong>de</strong> 2016, a Venezuela<br />
continuou em mora quanto à obrigação <strong>de</strong> incorporar ao or<strong>de</strong>namento interno<br />
to<strong>do</strong> o arcabouço normativo <strong>do</strong> MERCOSUL. Tal <strong>de</strong>scumprimento levou os<br />
quatro países funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bloco a emitir, em 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2016, a<br />
Declaração Relativa ao Funcionamento <strong>do</strong> MERCOSUL e ao Protocolo <strong>de</strong><br />
A<strong>de</strong>são da República Bolivariana da Venezuela, por meio da qual foi <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong><br />
que a Presidência pro tempore não seria atribuída à Venezuela e, a<strong>de</strong>mais, fixouse<br />
o prazo final <strong>de</strong> 1° <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2016 para o total cumprimento das<br />
obrigações assumidas pelo país quan<strong>do</strong> da sua a<strong>de</strong>são, sob pena <strong>de</strong> suspensão<br />
- que efetivamente ocorreu.<br />
16<br />
MERCOSUL/CMC. Decisão n°10/13. Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong> Associação entre o Mercosul e a<br />
República <strong>do</strong> Suriname. Disponível em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso<br />
em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />
17<br />
Promulga<strong>do</strong> pelo Brasil pelo Decreto 7.859, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012. (BRASIL. Decreto nº<br />
7.859, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012. Disponível em:<br />
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/<strong>de</strong>creto/d7859.htm. Acesso em: 30 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 2018.)<br />
376
Posteriormente, diante da situação da grave crise política, social e<br />
humanitária <strong>do</strong> país, os Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> MERCOSUL emitiram em Buenos<br />
Aires, em 1° <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2017, uma Declaração sobre a República Bolivariana da<br />
Venezuela, com os seguintes termos:<br />
(...)<br />
Reafirman<strong>do</strong> que a plena vigência das instituições <strong>de</strong>mocráticas é<br />
condição essencial para a existência e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Mercosul,<br />
Ten<strong>do</strong> em conta a ruptura da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática na República<br />
Bolivariana da Venezuela,<br />
Em cumprimento <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção e <strong>de</strong> seus Protocolos e<br />
reafirman<strong>do</strong> seus princípios e objetivos,<br />
DECIDEM<br />
1. Instar o Governo da Venezuela a a<strong>do</strong>tar imediatamente medidas<br />
concretas, concertadas com a oposição, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as disposições<br />
da Constituição da República Bolivariana da Venezuela e <strong>de</strong>mais<br />
normas aplicáveis, para assegurar a efetiva separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, o<br />
respeito ao Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, aos direitos humanos e às instituições<br />
<strong>de</strong>mocráticas.<br />
2. Exortar o Governo da Venezuela a respeitar o cronograma eleitoral<br />
<strong>de</strong>riva<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua normativa institucional, a restabelecer a separação <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>res, a garantir o pleno gozo <strong>do</strong>s direitos humanos, das garantias<br />
individuais e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais e a libertar os presos<br />
políticos.<br />
3. Continuar com as consultas entre si e promover consultas com a<br />
República Bolivariana da Venezuela com vistas ao restabelecimento<br />
da plena vigência das instituições <strong>de</strong>mocráticas nesse país,<br />
acompanhan<strong>do</strong> o menciona<strong>do</strong> processo.<br />
4. Instruir a Presidência Pro Tempore a iniciar as consultas indicadas<br />
no parágrafo anterior, com todas as partes venezuelanas envolvidas.<br />
5. Reiterar sua solidarieda<strong>de</strong> com o povo irmão da Venezuela, com as<br />
vítimas <strong>de</strong> perseguição política e <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> direitos humanos, bem<br />
como sua disposição <strong>de</strong> colaborar na busca <strong>de</strong> uma solução pacífica e<br />
<strong>de</strong>finitiva da crise política, institucional, social, <strong>de</strong> abastecimento e<br />
econômica que atravessa a República Bolivariana da Venezuela 18 .<br />
Após, os Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> MERCOSUL, bem como os Esta<strong>do</strong>s<br />
Associa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Chile, Colômbia e Guiana, além <strong>do</strong> México, emitiram uma<br />
18<br />
MERCOSUL. Declaração <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> Mercosul sobre a República Bolivariana<br />
da Venezuela. Disponível em .<br />
Acesso em: 29/10/2018.<br />
377
<strong>de</strong>claração em Men<strong>do</strong>za, Argentina, em 21 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017, instan<strong>do</strong> o governo<br />
venezuelano ao diálogo a fim <strong>de</strong> superar a crise 19 .<br />
Ocorre, porém, que, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a permanência e o agravamento da<br />
situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito aos direitos fundamentais pela Venezuela, enten<strong>de</strong>u-se<br />
que a ruptura <strong>de</strong>mocrática verificada no país violava o Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia<br />
sobre o Compromisso Democrático <strong>do</strong> MERCOSUL, cujo cumprimento foi<br />
completamente menoscaba<strong>do</strong> pelo Governo venezuelano. Destarte, a<br />
suspensão foi <strong>de</strong>cidida em São Paulo, em 5 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2017, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />
o artigo 5°, §2°, <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia 20 . Desta forma, apesar <strong>de</strong> ter passa<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> associa<strong>do</strong> a membro, a Venezuela encontra-se suspensa <strong>do</strong><br />
MERCOSUL <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2017.<br />
A crise <strong>de</strong>mocrática que atinge o país estimula a saída <strong>do</strong>s nacionais para<br />
outros Esta<strong>do</strong>s. No MERCOSUL, a regulação hodierna sobre migração interna<br />
está prevista no Acor<strong>do</strong> sobre Residência para os Nacionais <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes<br />
<strong>do</strong> Mercosul, Bolívia e Chile, <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> na XXIII Reunião <strong>do</strong> Conselho <strong>do</strong><br />
Merca<strong>do</strong> Comum, realizada em Brasília, nos dias 5 e 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002 21 .<br />
Foi objeto da Decisão n° 28/02, <strong>do</strong> CMC, e entrou em vigor em 28 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />
2009, com as posteriores a<strong>de</strong>sões <strong>do</strong> Peru, <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r (2011, com vigência<br />
imediata) e da Colômbia (2012, com vigência em 2014). Estabelece mecanismos<br />
para obtenção <strong>de</strong> residência legal no território <strong>de</strong> outro Esta<strong>do</strong> Parte e vige entre<br />
19<br />
MERCOSUL. Declaração sobre Situação da República Bolivariana da Venezuela.<br />
Disponível em .<br />
Acesso em: 29/10/2018.<br />
20<br />
MERCOSUL. Decisão sobre a Suspensão da República Bolivariana da Venezuela <strong>do</strong><br />
MERCOSUL em aplicação ao Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no<br />
MERCOSUL. Disponível em .<br />
Acesso em: 29/10/2018.<br />
21<br />
Com uma reflexão construtivista <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> institucionalização das políticas migratórias e<br />
<strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bloco, Ludmila A. Culpi sustenta que: “Aplican<strong>do</strong> os conceitos construtivistas,<br />
isso significa que o Mercosul passou por uma mudança <strong>de</strong> estrutura, a qual promoveu uma<br />
modificação <strong>de</strong> interesses após a crise <strong>de</strong> 1999-2002 (CABALLERO, 2013). Essa re<strong>de</strong>finição<br />
relaciona-se com a formação <strong>de</strong> uma agenda sociopolítica a partir <strong>de</strong> 2003. Certos temas<br />
emergiram no <strong>de</strong>bate como os direitos das mulheres, a agricultura familiar, cooperação<br />
educacional e em saú<strong>de</strong>, migração, entre outros. Esse processo foi resulta<strong>do</strong> da i<strong>de</strong>ntificação<br />
entre os chefes <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Mercosul, que possuíam uma agenda social mais progressista, a<br />
qual impactou sobre os <strong>de</strong>bates e o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> bloco”. (CULPI, Ludimila A.<br />
A Evolução da Política Migratória no Mercosul entre 1991 e 2014. Conjuntura <strong>Global</strong>, vol. 4 n.3,<br />
set./<strong>de</strong>z., 2015, p. 427).<br />
378
os seguintes países, membros e associa<strong>do</strong>s: Brasil, Argentina, Paraguai,<br />
Uruguai, Bolívia, Chile, Peru, Equa<strong>do</strong>r e Colômbia.<br />
Percebe-se que a Venezuela, embora Esta<strong>do</strong> membro <strong>do</strong> MERCOSUL,<br />
ainda não faz parte <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência. Trata-se <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s<br />
Acor<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>veriam ter si<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong>s ao or<strong>de</strong>namento venezuelano no<br />
prazo assinala<strong>do</strong> pelo Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são. Com a sua suspensão e a<br />
manutenção da crise <strong>de</strong>mocrática no país, a perspectiva <strong>de</strong> ingressar no quadro<br />
normativo que proporciona uma migração facilitada é ainda mais remota.<br />
No entanto, calha <strong>de</strong>stacar que, mesmo não sen<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Residência, os nacionais da Venezuela gozam <strong>de</strong> igual tratamento na Argentina<br />
e Uruguai. Isto porque estes <strong>do</strong>is países conferem, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> unilateral <strong>de</strong>corrente<br />
<strong>do</strong>s seus regramentos internos, as residências MERCOSUL também aos<br />
venezuelanos, segun<strong>do</strong> os critérios estabeleci<strong>do</strong>s no Acor<strong>do</strong> em exame 22 .<br />
Em verda<strong>de</strong>, há distintas aplicações <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência para os<br />
Nacionais <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> Mercosul, Bolívia e Chile que merecem ser<br />
mencionadas: por um la<strong>do</strong>, o Chile, signatário inicial da norma, restringe a sua<br />
aplicabilida<strong>de</strong> a apenas os <strong>de</strong>mais Esta<strong>do</strong>s que também assinaram o acor<strong>do</strong> no<br />
momento exordial, ou seja, Argentina Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia,<br />
excluin<strong>do</strong>, portanto, os países associa<strong>do</strong>s que fizeram a a<strong>de</strong>são posteriormente,<br />
é dizer, Peru, Equa<strong>do</strong>r e Colômbia.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, Argentina e Uruguai a<strong>do</strong>tam uma postura diametralmente<br />
oposta, já que ampliam a incidência <strong>do</strong> teor normativo <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre<br />
Residência ao membro <strong>do</strong> MERCOSUL remanescente (Venezuela) e a outros<br />
<strong>do</strong>is associa<strong>do</strong>s restantes (Guiana e Suriname). Argentina e Uruguai realizam,<br />
por conseguinte, a aplicação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> MERCOSUL,<br />
sejam membros ou associa<strong>do</strong>s 23 .<br />
22<br />
ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL PARA LAS MIGRACIONES. Evaluación <strong>de</strong>l Acuer<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Resi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l MERCOSUR y su inci<strong>de</strong>ncia en el acceso a <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> los migrantes.<br />
Cua<strong>de</strong>rnos Migratorios Nº 9. Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> la OIM para el Desarollo, 2018, p.68.<br />
23<br />
ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL PARA LAS MIGRACIONES. Evaluación <strong>de</strong>l Acuer<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Resi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l MERCOSUR y su inci<strong>de</strong>ncia en el acceso a <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> los migrantes.<br />
Cua<strong>de</strong>rnos Migratorios Nº 9. Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> la OIM para el Desarollo, 2018, p. 40.<br />
379
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Como <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, a integração sub-regional consistente no<br />
MERCOSUL paulatinamente absorveu novos países membros e associa<strong>do</strong>s. A<br />
República Bolivariana da Venezuela passou a ser membro, sob o compromisso<br />
<strong>de</strong> incorporação <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o acervo normativo <strong>do</strong> bloco no prazo <strong>de</strong> quatro anos.<br />
A crise humanitária, econômica e político-<strong>de</strong>mocrática que assola o país<br />
possui reflexos não só internos como também externos, com grave repercussão<br />
no MERCOSUL. Embora tenha ocorri<strong>do</strong> a a<strong>de</strong>são, houve a mora <strong>do</strong> país em<br />
incorporar totalmente as normas em vigor <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> integração, fato<br />
que afeta os seus nacionais amplamente: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, a ausência <strong>de</strong><br />
incorporação <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos essenciais para a proteção aos direitos<br />
fundamentais <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> bloco, tais como o Protocolo <strong>de</strong> Assunção sobre<br />
Compromisso com a Promoção e Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> <strong>do</strong> Mercosul<br />
e o Acor<strong>do</strong> sobre Residência para Nacionais <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> Mercosul,<br />
acarretou a suspensão da Venezuela <strong>do</strong> MERCOSUL; <strong>do</strong> outro, exatamente a<br />
falta <strong>de</strong> vigência <strong>do</strong>s aludi<strong>do</strong>s textos normativos em relação à Venezuela impe<strong>de</strong><br />
que se possa minorar os efeitos da crise <strong>de</strong>mocrática por meio da<br />
implementação <strong>do</strong> teor normativo <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos em prol <strong>do</strong> cidadão<br />
nacional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> suspenso, que é, assim, duplamente <strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong>.<br />
No Cone Sul, como visto, o Acor<strong>do</strong> sobre Residência, <strong>de</strong> 2002, prevê a<br />
circulação <strong>de</strong> pessoas. Apenas para se obter residência permanente, há<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> «comprovação <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> vida lícitos que permitam a<br />
subsistência <strong>do</strong> peticionante e <strong>de</strong> seu grupo familiar <strong>de</strong> convívio» (artigo 5°.1.d).<br />
Destaque-se que esse requisito econômico sequer é exigi<strong>do</strong> para a residência<br />
temporária <strong>de</strong> até <strong>do</strong>is anos (artigo 4°). Ainda assim, no que atine à comprovação<br />
<strong>de</strong> meios <strong>de</strong> vida lícitos para fins <strong>de</strong> concessão da residência permanente, insta<br />
mencionar que Argentina e Uruguai não exigem este requisito. Desta forma,<br />
nestes países, prescin<strong>de</strong>-se da <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> requisito econômico tanto para<br />
a concessão da residência temporária quanto para a permanente.<br />
Em momento <strong>de</strong> crise <strong>de</strong>mocrática e gran<strong>de</strong> emigração <strong>de</strong> venezuelanos,<br />
a aplicação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência teria gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para salvaguardar<br />
380
os direitos <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> e sociais, com o acolhimento <strong>do</strong>s venezuelanos, caso<br />
houvesse a prévia incorporação pelo país.<br />
Mesmo na hipótese <strong>de</strong> suspensão, como efetivamente ocorreu, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>se,<br />
aqui, que, nos termos da Declaração sobre a República Bolivariana da<br />
Venezuela, o princípio da solidarieda<strong>de</strong> autorizaria a suspensão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com<br />
a salvaguarda <strong>do</strong>s direitos humanos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que <strong>de</strong>veria ser plenamente<br />
aplicável o Acor<strong>do</strong> sobre Residência aos venezuelanos, sob pena <strong>de</strong> dupla<br />
<strong>de</strong>sproteção da dignida<strong>de</strong> – interna e externamente.<br />
No entanto, a situação que se apresenta <strong>de</strong>lineia-se mais gravosa, diante<br />
da ausência <strong>de</strong> incorporação prévia à suspensão. Resta, portanto, a cada Esta<strong>do</strong><br />
aplicar a legislação interna sobre imigração <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> não aparta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />
interpretação conglobante e à luz <strong>do</strong>s princípios da igualda<strong>de</strong> e da solidarieda<strong>de</strong><br />
regional e social, basilares para o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> embrionária em prol<br />
<strong>de</strong> uma efetiva cidadania regional e <strong>de</strong>mocrática.<br />
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COMISSÕES DO I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS<br />
COMISSÃO EXECUTVA<br />
Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />
Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />
Professora Doutora Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas (UFMS/BR)<br />
Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />
Professora Doutora María Esther Martínez Quinteiro (UPT/PT)<br />
Professora Doutora María <strong>de</strong> la Paz Pan<strong>do</strong> Ballesteros (USAL/ES)<br />
Professora Doutora Patrícia Jerónimo (UMinho/PT)<br />
Professora Doutora Sara Margarida Moreno Pires (UA/PT)<br />
COMISSÃO INTERINSTITUCIONAL<br />
Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />
Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />
Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />
Professora Doutora María Esther Martínez Quinteiro (UPT/PT)<br />
COMISSÃO CIENTÍFICA<br />
Professora Doutora Alicia Muñoz Ramírez (USAL/ES)<br />
Professor Doutor Cassius Guimarães Chai (UFMA/BR)<br />
Professora Doutora Carmela Dell' Isola (FDSBC/BR)<br />
Professor Doutor Dilnei Giseli Lorenzi (UFS/BR)<br />
Professor Doutro João Nuno Calvão da Silva (UC/PT)<br />
Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />
Professor Doutor José Luis Caramelo Gomes (UPT/PT)<br />
Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />
Professora Doutora Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas (UFMS/BR)<br />
Professor Doutor Luciano <strong>de</strong> Oliveira Souza Tourinho (UESB/ FASAVIC/FAINOR /BR)<br />
Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />
Professora Doutora Maria Manuela Dias Marques Magalhães Silva (UPT/PT)<br />
Professora Doutora María <strong>de</strong> la Paz Pan<strong>do</strong> Ballesteros (USAL/ES)<br />
Professor Doutor Miguel Ângelo Splen<strong>do</strong>re Maciel (URCAMP/RS/BR)<br />
Professora Doutora Patrícia Jerónimo (UMinho/PT)<br />
Professor Doutor Pedro Garri<strong>do</strong> Rodriguez (USAL/ES)<br />
Professora Doutora Sara Margarida Moreno Pires (UA/PT)<br />
ASSESSORIA ESPECIAL<br />
Professora Doutora Kátia Regina Marques Moura (UFMA/BR)<br />
Thamyres Lavra – Discente <strong>de</strong> Graduação <strong>de</strong> Direito (UFMA/BR)<br />
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