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Anais do I Congresso Global de Direitos Humanos

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ORGANIZADORES<br />

João Paulo Borges Bichão<br />

Laís Locatelli<br />

Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />

––


ORGANIZADORES<br />

João Paulo Borges Bichão<br />

Laís Locatelli<br />

Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />

ANAIS DO I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS:<br />

NOVAS POLÍTICAS DE CIDADANIA E DE DESENVOLVIMENTO<br />

SUSTENTÁVEL<br />

Lamego<br />

São Luís<br />

Portugal<br />

2019


CRÉDITOS / CREDITS<br />

<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />

Câmara Municipal <strong>de</strong> Lamego/PT<br />

En<strong>de</strong>reço: Avenida Padre Alfre<strong>do</strong> Pinto Teixeira, 5100-150 – Lamego/Portugal<br />

geral@cm-lamego.pt<br />

Editor: Município Lamego/PT<br />

ISBN: 978-972-99089-9-6<br />

[Título: <strong>Anais</strong> <strong>do</strong> I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: Novas Políticas <strong>de</strong> Cidadania<br />

e Desenvolvimento Sustentável]; [Autor: Vários]; [Co-autor (es):]; [Suporte: Eletrónico];<br />

[Formato: nd]<br />

Coor<strong>de</strong>nação Editorial:<br />

João Paulo Borges Bichão<br />

Laís Locatelli<br />

Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />

Da<strong>do</strong>s da Publicação<br />

Título<br />

ANAIS DO I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: NOVAS<br />

POLÍTICAS DE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL<br />

Autor Vários<br />

João Paulo Borges Bichão, Laís Locatelli e Maria da Glória Costa Gonçalves<br />

Organiza<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong> Sousa Aquino<br />

Tipo <strong>de</strong><br />

suporte<br />

Eletrónico<br />

Edição 1.ª Edição<br />

To<strong>do</strong>s os direitos reserva<strong>do</strong>s ao editor e a coor<strong>de</strong>nação editorial da obra. Nenhuma parte da obra<br />

po<strong>de</strong>rá ser reproduzida sem o consentimento expresso <strong>do</strong>s organiza<strong>do</strong>res ou da coor<strong>de</strong>nação<br />

editorial. Os organiza<strong>do</strong>res e/ou os coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res não são responsáveis pelas opiniões,<br />

comentários ou manifestações representadas nos respectivos artigos.<br />

© João Paulo Borges Bichão<br />

© Laís Locatelli<br />

© Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino<br />

© Os autores, pelos textos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s


Copyright<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO<br />

Profa. Dra. Nair Portela Silva Coutinho<br />

Reitora<br />

Prof. Dr. Fernan<strong>do</strong> Carvalho Silva<br />

Vice-Reitor<br />

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO<br />

Prof. Dr. Sanatiel <strong>de</strong> Jesus Pereira<br />

Diretor<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

Prof. Dr. Esnel José Fagun<strong>de</strong>s<br />

Profa. Dra. Inez Maria Leite da Silva<br />

Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha<br />

Profa. Dra. Andréa Dias Neves Lago<br />

Profa. Dra. Francisca das Chagas Silva Lima<br />

Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire<br />

Prof. Me. Cristiano Leonar<strong>do</strong> <strong>de</strong> Alan Kar<strong>de</strong>c Capovilla Luz<br />

Prof. Dr. Jar<strong>de</strong>l Oliveira Santos<br />

Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi<br />

Revisão<br />

Maurício José Morais Costa<br />

Sansão Hortegal Neto<br />

Projeto Gráfico<br />

Sansão Hortegal Neto<br />

Da<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> Catalogação na Publicação (CIP)<br />

<strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável (1.:2019: Lamego, Portugal).<br />

<strong>Anais</strong> <strong>do</strong> I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: novas políticas <strong>de</strong> cidadania<br />

e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável / Organiza<strong>do</strong>res: João Paulo Borges Bichão, Laís<br />

Locatelli, Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino. — São Luís: EDUFMA,<br />

2019.<br />

382 p.<br />

ISBN 978-85-7862-909-0<br />

1. <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> – Encontro científico. 2. Cidadania - Políticas. 3.<br />

Desenvolvimento sustentável. I. Bichão, João Paulo Borges. II. Locatelli, Laís. III.<br />

Aquino, Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa.<br />

CDD 341.483 001<br />

CDU 342.7:001.32<br />

Elaborada pela bibliotecária por Marcia Cristina da Cruz Pereira - CRB13 / 418


Comissão Organiza<strong>do</strong>ra / Organization Chairs<br />

Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />

Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />

Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />

Comissão Científica / Scientific Committee<br />

Professora Doutora Alicia Muñoz Ramírez (USAL/ES)<br />

Professor Doutor Cassius Guimarães Chai (UFMA/BR)<br />

Professora Doutora Carmela Dell' Isola (FDSBC/BR)<br />

Professor Doutor Dilnei Giseli Lorenzi (UFS/BR)<br />

Professor Doutor João Nuno Calvão da Silva (UC/PT)<br />

Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />

Professor Doutor José Luis Caramelo Gomes (UPT/PT)<br />

Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />

Professora Doutora Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas (UFMS/BR)<br />

Professor Doutor Luciano <strong>de</strong> Oliveira Souza Tourinho (UESB/ FASAVIC/FAINOR /BR)<br />

Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />

Professora Doutora Maria Manuela Dias Marques Magalhães Silva (UPT/PT)<br />

Professora Doutora María <strong>de</strong> la Paz Pan<strong>do</strong> Ballesteros (USAL/ES)<br />

Professor Doutor Miguel Ângelo Splen<strong>do</strong>re Maciel (URCAMP/RS/BR)<br />

Professora Doutora Patrícia Jerónimo (UMinho/PT)<br />

Professor Doutor Pedro Garri<strong>do</strong> Rodriguez (USAL/ES)<br />

Professora Doutora Sara Margarida Moreno Pires (UA/PT)<br />

Comissão Editorial / Editorial Chairs<br />

Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />

Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />

Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />

Assessoria Especial<br />

Professora Doutora Kátia Regina Marques Moura (UFMA/BR)


Homenagem especial à<br />

María Esther Martínez Quinteiro<br />

Maria Fernanda Rollo<br />

Nair Portela Silva Coutinho


SUMÁRIO<br />

PREFÁCIO ....................................................................................................... 11<br />

A FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO EM DIREITOS HUMANOS E<br />

GÊNERO .......................................................................................................... 13<br />

POUGY, Lilia Guimarães<br />

PODER MUNICIPAL E RELAÇÕES DE GÊNERO: ação política das<br />

verea<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque/MA .......................................................... 25<br />

FERREIRA, Maria Mary<br />

VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES E O CENTRO DE REFERÊNCIA DA<br />

MARÉ: o <strong>de</strong>safio da política pública numa favela carioca .......................... 38<br />

AUGUSTO, Cristiane Brandão<br />

MARQUES, Maria Celeste Simões<br />

A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR – O CASO DA<br />

ESTGL ............................................................................................................. 49<br />

GUEDES, Anabela Fernan<strong>de</strong>s<br />

MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />

ANTUNES, Sandra Maria<br />

A VISITA ÍNTIMA SOB A ÓTICA DA SAÚDE COMO DIREITO HUMANO E<br />

FUNDAMENTAL .............................................................................................. 61<br />

CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />

O DIREITO (FUNDAMENTAL) À SAÚDE TUTELADO PELA ATUAÇAO DA<br />

ONU ................................................................................................................. 73<br />

MORAES, Graziela<br />

SAÚDE PÚBLICA, MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO BÁSICO NO EMBATE<br />

ENTRE MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL: uma análise <strong>do</strong><br />

recurso especial Nº 1.366.337/RS ................................................................. 84<br />

FARIA, Roberta Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

BARING, Dayane <strong>de</strong> Paula<br />

MAGALHÃES DE ANDRADE, Laura<br />

A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO PROCESSO DE<br />

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ..................................................................... 95<br />

TEODORO, Rita <strong>de</strong> Kassia <strong>de</strong> França<br />

FREITAS, Gilberto Passos <strong>de</strong><br />

A RECEPÇÃO E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS<br />

TRATADOS INTERNACIONAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA .......... 125<br />

DI DOMENICO, Jackson<br />

A TUTELA DA LIBERDADE RELIGIOSA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL<br />

EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS .......................................................... 136<br />

FAGUNDES, André


JUSTIÇA RESTAURATIVA NO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A<br />

MULHER: análise da experiência luso-brasileira ...................................... 147<br />

JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so<br />

FERREIRA, Amanda Passos<br />

PAIXÃO, Hilza Maria Feitosa<br />

A ALIENAÇÃO PARENTAL E O NOVO REGIME JURÍDICO NO CONTEXTO<br />

DAS RELAÇÕES FAMILIARES .................................................................... 155<br />

SOEIRO DE CARVALHO, Ana Branca<br />

BONITO, Álvaro<br />

GOMES, Jacinto<br />

SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO: os direitos e o acesso à justiça 175<br />

TORRES, Maria Adriana<br />

TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS E OS RISCOS A DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />

NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA ........................................................... 186<br />

BARBOSA, Gabriel Henrique Vieira<br />

SOUZA, Marcia Cristina Xavier <strong>de</strong><br />

UMA NOVA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO DE ACESSO À<br />

JUSTICA, ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E CIDADANIA ............. 198<br />

MONTEIRO, Susana Isabel da Cunha Sardinha<br />

CEBOLA, Cátia Sofia Marques<br />

A COLABORAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE COMBATE EFICAZ À<br />

CORRUPÇÃO ................................................................................................ 210<br />

BRITTO, Nara Pinheiro Reis Ayres <strong>de</strong><br />

RODRIGUES, Natuzza Pereira<br />

CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />

LINCHAMENTOS NO MARANHÃO, POLÍTICA CRIMINAL E INVISIBILIDADE<br />

DO FENÔMENO: uma análise sobre a mitigação <strong>do</strong>s direitos humanos<br />

fundamentais no esta<strong>do</strong> brasileiro pós-1988 ............................................. 222<br />

MACEDO, Marcos Vinícius Boaes<br />

JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong><br />

AGENDA 2030 PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A TEORIA<br />

DA EQUIDADE INTERGERACIONAL: estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí<br />

....................................................................................................................... 233<br />

GALVÃO, Débora Gomes<br />

EL NUEVO MARCO DE ORDENACIÓN DEL ESPACIO MARÍTIMO ESPAÑOL<br />

....................................................................................................................... 245<br />

FUENTES I GASÓ, Josep Ramon<br />

ENERGIA RENOVÁVEL DE BAIXO IMPACTO COMO UM DIREITO HUMANO:<br />

um olhar sobre a dignida<strong>de</strong> humana e interação com a natureza ........... 257<br />

ALMEIDA, Rainara Ver<strong>de</strong> Serra


PARQUE NACIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES: da conservação<br />

ambiental à exclusão social ........................................................................ 272<br />

FERREIRA, Maria Clara Correa<br />

ALMEIDA, Igor Martins Coelho<br />

SUMAK KAWSAY: as contribuições <strong>do</strong> Novo Constitucionalismo Latinoamericano<br />

no combate as mudanças climáticas ...................................... 284<br />

LEMOS, Walter Gustavo da Silva<br />

DIREITO À TERRA COMO DIREITO HUMANO: suporte à dignida<strong>de</strong> por um<br />

direito mais <strong>de</strong>mocrático ............................................................................. 295<br />

MATURANA, Edgar<br />

DIREITOS HUMANOS NO GOVERNO LOCAL: Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da Prefeitura<br />

<strong>de</strong> São Paulo (Brasil) ................................................................................... 306<br />

SUANO, Bethânia<br />

A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DAS PESSOAS<br />

COM DEFICIÊNCIA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A INCLUSÃO EM<br />

DESTINOS TURÍSTICOS .............................................................................. 313<br />

FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão<br />

SARAIVA, Luiziane Silva<br />

SANTOS, Saulo Ribeiro <strong>do</strong>s<br />

EFEITOS PRÁTICOS DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 182 DA OIT NO<br />

BRASIL E EM PORTUGAL ........................................................................... 324<br />

PEPE MACHADO, Felipe<br />

LA CONSTRUCCIÓN DEL DERECHO SOCIAL DE ACCESO A LOS<br />

SERVICIOS SOCIALES ................................................................................ 333<br />

FERNÁNDEZ, Maria Victòria Forns i<br />

OS OBJETIVOS DO MILÉNIO – OS RESULTADOS DE 2015 E PROSPETIVA<br />

PARA 2030 .................................................................................................... 344<br />

MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />

ANTUNES, Sandra Maria<br />

GUEDES, Anabela<br />

A UTILIZAÇÃO RETÓRICA DO TERMO “CRISE DE MIGRAÇÃO”: uma<br />

análise das realida<strong>de</strong>s francesa e brasileira .............................................. 357<br />

DUTRA FERNÁNDEZ, Thaís<br />

ALBUQUERQUE AZEVEDO GOMES, Janaína<br />

A VENEZUELA NO MERCOSUL: a<strong>de</strong>são, suspensão e migração ........... 371<br />

OLIVEIRA FILHA, Manuelita Hermes Rosa


PREFÁCIO<br />

No ano <strong>de</strong> 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) firmou um<br />

acor<strong>do</strong> intergovernamental (Resolução A/RES /70/1, da Assembleia Geral das<br />

Nações Unidas) que envolveu o estabelecimento <strong>de</strong> compromisso entre os seus<br />

193 Esta<strong>do</strong>s membros e a socieda<strong>de</strong> civil para a elaboração <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong><br />

ação, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Agenda 2030, que contém o conjunto <strong>de</strong> 17 (<strong>de</strong>zessete)<br />

objetivos globais para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável.<br />

Tratam-se <strong>de</strong> objetivos que envolvem um planejamento amplo e<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, contemplan<strong>do</strong>, cada um <strong>de</strong>les, metas específicas a serem<br />

alcançadas e que envolvem questões <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social, político e<br />

econômico, além <strong>de</strong> abrangerem questões como a fome, o aquecimento global,<br />

a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, a urbanização <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e locais, a saú<strong>de</strong>, educação, a<br />

água, o saneamento, a energia e a justiça social.<br />

A busca da sustentabilida<strong>de</strong>, e sua intrínseca e consequente qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vida, tem si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong>safios aos gestores públicos em geral, bem<br />

como aos estudiosos <strong>do</strong> tema que buscam soluções multi e interdisciplinares aos<br />

problemas urbanos, o acesso ao saneamento básico, enfim, aos serviços<br />

essenciais que <strong>de</strong>notam um planejamento urbano a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> à função<br />

socioambiental das cida<strong>de</strong>s, no intuito <strong>de</strong> garantir uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />

<strong>do</strong> ser humano.<br />

O I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas<br />

<strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, teve o objetivo <strong>de</strong> realizar uma<br />

reflexão e <strong>de</strong>spertar novos <strong>de</strong>bates sobre as 17 metas <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável listadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Tais metas<br />

compõe a agenda <strong>de</strong> ação até 2030 e visam acabar com a pobreza, promover a<br />

prosperida<strong>de</strong> e o bem-estar <strong>do</strong>s povos, proteger o meio ambiente e combater as<br />

alterações climáticas.<br />

A transnacionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> permitiu que temas<br />

fundamentais para o futuro <strong>do</strong> planeta pu<strong>de</strong>ssem ser discuti<strong>do</strong>s em um evento<br />

acadêmico internacional, fomentan<strong>do</strong> novas construções <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento científico a partir <strong>de</strong> uma perspectiva multidisciplinar.<br />

11


O I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas<br />

<strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável se <strong>de</strong>stinou a professores,<br />

pesquisa<strong>do</strong>res, estudantes, bem como a to<strong>do</strong>s os membros da socieda<strong>de</strong><br />

interessa<strong>do</strong>s na temática <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, tão urgente e necessária para<br />

o futuro <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que tanto a responsabilida<strong>de</strong> coletiva como a<br />

individual <strong>de</strong> se fazer um mun<strong>do</strong> melhor, impulsionan<strong>do</strong> a consolidação das 17<br />

metas da ONU para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e eliminan<strong>do</strong> as violações<br />

<strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, conduzem a uma socieda<strong>de</strong> mais justa e solidária.<br />

O I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas<br />

<strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável <strong>de</strong>correu no Teatro Ribeiro<br />

Conceição, localiza<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lamego/Portugal – uma cida<strong>de</strong> com um<br />

patrimônio e cultura com séculos <strong>de</strong> história, entre os dias 16 a 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />

2019.<br />

O projeto inicial <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sse <strong>Congresso</strong> surgiu através <strong>de</strong><br />

inúmeros diálogos, em que os i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>res tinham como premissa fazer o bem<br />

para a humanida<strong>de</strong>. A finalida<strong>de</strong> foi <strong>de</strong> contribuir com propostas efetivas para as<br />

novas políticas <strong>de</strong> cidadania e o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, visan<strong>do</strong> produzir<br />

conhecimento e trocar informações.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, impõem-se um agra<strong>de</strong>cimento aos palestrantes e<br />

participantes e, em especial, aos congressistas que apresentaram seus<br />

trabalhos e estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investigação nos Grupos <strong>de</strong> Trabalho <strong>do</strong> I CONGRESSO<br />

GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS: novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, os quais participaram com entusiasmo nesta<br />

primeira edição, enriquecen<strong>do</strong> com os seus múltiplos saberes o <strong>de</strong>bate sobre as<br />

novas políticas <strong>de</strong> cidadania e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, fortalecen<strong>do</strong> a<br />

re<strong>de</strong> jurídico-científica em torno da temática <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

As nossas i<strong>de</strong>ias não morrem.<br />

As nossa i<strong>de</strong>ias germinam.<br />

Esse é o nosso lega<strong>do</strong> para o planeta.<br />

Esse é o nosso lega<strong>do</strong> para a humanida<strong>de</strong>.<br />

Esse é o nosso lega<strong>do</strong> para as futuras gerações.<br />

João Paulo Bichão (PT) │Laís Locatelli (ES) │Maria da Glória C. Gonçalves <strong>de</strong> S. Aquino (BR)<br />

12


A FORMAÇÃO DE EQUIPES DE TRABALHO EM DIREITOS HUMANOS<br />

E GÊNERO<br />

POUGY, Lilia Guimarães<br />

Doutora em Ciências Sociais<br />

Professora Titular da Escola <strong>de</strong> Serviço Social da UFRJ<br />

lilpougy@ufrj.br<br />

RESUMO<br />

Este trabalho tem a intenção examinar um conjunto particular <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>senvolvidas em <strong>do</strong>is equipamentos da área <strong>de</strong> políticas para as mulheres, os<br />

Centro <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Mulheres da Maré Carminha Rosa e o Centro <strong>de</strong><br />

Referência para Mulheres Suely Souza <strong>de</strong> Almeida, vincula<strong>do</strong>s ao Núcleo <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong><br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, qual seja, a proposta <strong>de</strong> supervisão externa da equipe técnica,<br />

<strong>de</strong>senvolvida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. A formação contínua <strong>do</strong>s profissionais no exercício <strong>de</strong><br />

sua ativida<strong>de</strong> laboral, possível <strong>de</strong> ser realizada numa instituição pública, gratuita<br />

e laica, tem como motiva<strong>do</strong>ra a convicção sobre a indissociabilida<strong>de</strong> das<br />

ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino, pesquisa e extensão, como também da dimensão<br />

assistencial, que envolve o <strong>de</strong>senvolvimento da proposta que visa à cidadania<br />

feminina, à formação profissional e à formação <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>ras/es. Tem como<br />

fundamento, a<strong>de</strong>mais, um projeto teórico político potente que po<strong>de</strong><br />

instrumentalizar a ação dirigida ao público feminino por meio da experimentação<br />

<strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> atenção integral às mulheres em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong><br />

social. A supervisão externa como campo <strong>de</strong> formação contínua é construída no<br />

processo dialógico e sistemático, com periodicida<strong>de</strong> semanal, que combina<br />

sessões <strong>de</strong> análise das situações cotidianas, estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> caso e verticalização<br />

<strong>de</strong> temas através <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>. Dos objetivos <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong>s serviços,<br />

<strong>de</strong>staco <strong>do</strong>is para dialogar com metas cinco e quatro <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável. “Aten<strong>de</strong>r e oferecer acompanhamento psicossocial e jurídico,<br />

orientação e informação à mulher vítima <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica, investin<strong>do</strong> no<br />

enfrentamento das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero e no fortalecimento da sua<br />

cidadania” e “formular, implantar e avaliar um novo padrão <strong>de</strong> Centro <strong>de</strong><br />

Referência para Mulheres no Brasil, com enfoque transdisciplinar, alian<strong>do</strong> a<br />

13


extensão à pesquisa e ao ensino, visan<strong>do</strong> à superação <strong>do</strong> quadro <strong>de</strong> violência<br />

<strong>de</strong> gênero e à formação da consciência crítica das usuárias, em uma perspectiva<br />

emancipatória”.<br />

Palavras-chave: Formação contínua. Cidadania feminina. Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero.<br />

ABSTRACT<br />

This work intends to examine a particular set of activities <strong>de</strong>veloped in two<br />

equipments of the area of politics for the women, the Center of Reference of<br />

Women of the Carmine Pink Ti<strong>de</strong> and the Reference Center for Women Suely<br />

Souza <strong>de</strong> Almeida, linked to the Nucleus of Studies of Public Policies in Human<br />

Rights of the Fe<strong>de</strong>ral University of Rio <strong>de</strong> Janeiro, that is, the proposal of external<br />

supervision of the technical team, <strong>de</strong>veloped since 2005. The continuous training<br />

of professionals in the exercise of their work activity, possible to be performed in<br />

a public institution, free and secular, is motivated by the conviction about the<br />

inseparability of teaching, research and extension activities, as well as the<br />

assistance dimension, which involves the <strong>de</strong>velopment of the proposal for female<br />

citizenship, vocational training and the training of researchers. It is based, in<br />

addition, a powerful political theoretical project that can instrumentalize the action<br />

directed to the female public through the experimentation of metho<strong>do</strong>logies of<br />

integral attention to women in situations of social vulnerability. External<br />

supervision as a field of continuous training is built in the dialogical and<br />

systematic process, with weekly frequency, which combines sessions of analysis<br />

of everyday situations, case studies and verticalization of themes through study<br />

group. From the service <strong>de</strong>sign goals, I highlight two to dialogue with goals five<br />

and four of sustainable <strong>de</strong>velopment. "To provi<strong>de</strong> and provi<strong>de</strong> psychosocial and<br />

legal follow-up, guidance and information to women victims of <strong>do</strong>mestic violence,<br />

investing in addressing gen<strong>de</strong>r inequalities and strengthening their citizenship"<br />

and "formulating, implementing and evaluating a new Reference Center for<br />

Women in the Brazil, with a transdisciplinary approach, combining the extension<br />

to research and teaching, aiming at overcoming the gen<strong>de</strong>r violence framework<br />

and the formation of critical awareness of users, in an emancipatory perspective.<br />

Keywords: Continuous formation. Female citizenship. Gen<strong>de</strong>r equality.<br />

14


INTRODUÇÃO<br />

As metas <strong>do</strong>s objetivos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável se apresentam<br />

como uma importante e necessária iniciativa que inci<strong>de</strong> sobre o imediato e o<br />

porvir. Compromisso assina<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s membros da Organização<br />

das Nações Unidas, é uma carta <strong>de</strong> intenções que provoca e interpela um<br />

controle social planetário sobre o apetite e perspicácia com que os agentes <strong>do</strong><br />

neoliberalismo equacionam os problemas da humanida<strong>de</strong> em torno da dimensão<br />

econômica. Todavia, pensar a dimensão <strong>de</strong> gênero e os lugares <strong>de</strong>siguais em<br />

que as mulheres e as negras ocupam na civilização implica consi<strong>de</strong>rar <strong>de</strong> um<br />

la<strong>do</strong> a internacionalização da reprodução social, na qual a circulação <strong>de</strong><br />

mulheres reatualiza no plano global o trabalho da reprodução da força <strong>de</strong><br />

trabalho, o trabalho sexual e a criação das crianças. De outro, no plano nacional<br />

e local, o impacto <strong>do</strong> genocídio dirigi<strong>do</strong> aos jovens negros e negras, estimula<strong>do</strong><br />

por uma lógica punitiva e penal assentada no ódio <strong>de</strong> classe, numa socieda<strong>de</strong><br />

forjada pela i<strong>de</strong>ologia da <strong>de</strong>mocracia racial, o que escamoteia a socieda<strong>de</strong><br />

misógina, racista e classista.<br />

Para<strong>do</strong>xalmente, pensar abstratamente na igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero é<br />

necessário. Aliás, como falar em direitos humanos, cidadania, <strong>de</strong>mocracia, ou<br />

ainda pensar nos i<strong>de</strong>ais iluministas da igualda<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> numa era em que o<br />

Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito é interpela<strong>do</strong> cotidianamente, conquanto no plano<br />

<strong>de</strong> jure as instituições funcionem? Como reagir ao fortalecimento da socieda<strong>de</strong><br />

distópica? No Brasil, a reação conserva<strong>do</strong>ra contra o avanço no campo das<br />

políticas <strong>de</strong> gênero consoli<strong>do</strong>u a idéia da i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> gênero que estimularia<br />

crianças para alterarem o sexo, por meio <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s curriculares, por<br />

exemplo.<br />

Delimitar o tema da como falar em direitos humanos, cidadania,<br />

<strong>de</strong>mocracia, ou ainda pensar nos i<strong>de</strong>ais iluministas da igualda<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong><br />

numa era em que o Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito é interpela<strong>do</strong> cotidianamente,<br />

conquanto no plano <strong>de</strong> jure as instituições funcionem? Como reagir ao<br />

fortalecimento da socieda<strong>de</strong> distópica? No Brasil, a reação conserva<strong>do</strong>ra contra<br />

o avanço no campo das políticas <strong>de</strong> gênero consoli<strong>do</strong>u a idéia da i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong><br />

15


gênero que estimularia crianças para alterarem o sexo, por meio <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s<br />

curriculares, por exemplo.<br />

A formação contínua por meio da supervisão externa com as metas que<br />

os Esta<strong>do</strong>s-Nação acordaram na agenda 2030, po<strong>de</strong> permitir um esforço <strong>de</strong><br />

análise geopolítica em que se invista numa mirada no lugar em que funcionam<br />

os serviços. O bairro popular coloca em risco a vida, direitos <strong>de</strong> primeira geração,<br />

que violam <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> contraditório homens e mulheres nas variadas ida<strong>de</strong>s; é um<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> exceção permanente. São numerosas incursões policiais que<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ram o bairro resi<strong>de</strong>ncial e prepon<strong>de</strong>rantemente <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>ras (es).<br />

Ao vitimar crianças e jovens na escola, nas ruas e nas vielas quase que<br />

diariamente, são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>s da área <strong>de</strong> segurança pública<br />

como efeito colateral da suposta guerra. O me<strong>do</strong> se instala no bairro popular e<br />

dificulta a reação coletiva na construção organizada <strong>de</strong> alternativas. A vida em<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> sítio dinamiza a reprodução <strong>do</strong> padrão patriarcal <strong>de</strong> reposicionamento<br />

da mulher ao <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> gênero e os atendimentos na segunda feira costumam<br />

ser numerosos e intensos com a marca da impotência e <strong>de</strong>samparo. Os da<strong>do</strong>s<br />

da expressão letal da violência <strong>de</strong> gênero são alarmantes e assusta<strong>do</strong>res: No<br />

esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Dossiê Mulher 2016, a média<br />

<strong>de</strong> assassinatos <strong>de</strong> mulheres no ano <strong>de</strong> 2015 foi <strong>de</strong> quase uma mulher morta ao<br />

dia, sen<strong>do</strong> 360 mulheres assassinadas no total. A violação <strong>do</strong>s direitos das<br />

mulheres é crescente, apesar <strong>do</strong>s avanços legislativos da última década, que<br />

animaram a <strong>de</strong>fesa, a promoção e a proteção por meio <strong>do</strong> consórcio <strong>de</strong> política<br />

públicas, não obstante a sustentabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s serviços não ter si<strong>do</strong> o foco das<br />

ações. A<strong>de</strong>mais, na Cida<strong>de</strong> Universitária, localização <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> serviço, o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s tem permiti<strong>do</strong> uma porta <strong>de</strong><br />

entrada <strong>de</strong> mulheres da comunida<strong>de</strong> acadêmica para o atendimento e<br />

orientação. Com efeito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a a<strong>do</strong>ção das ações afirmativas que <strong>de</strong>finem cotas<br />

raciais e para pessoas com <strong>de</strong>ficiência, os discentes da universida<strong>de</strong> têm<br />

interpela<strong>do</strong> os colegia<strong>do</strong>s acadêmicos por melhores condições <strong>de</strong> ensino,<br />

pesquisa e extensão através <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> permanência, in<strong>do</strong> na contracorrente<br />

<strong>do</strong> financiamento regressivo das ativida<strong>de</strong>s acadêmicas em nome <strong>do</strong> ajuste<br />

fiscal e medidas recessivas.<br />

16


O duplo comparecimento da dimensão formativa e assistencial nos<br />

serviços <strong>de</strong> atendimento à mulher permite <strong>de</strong>senvolver e experimentar<br />

meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> atenção integral na qual a mulher em situação <strong>de</strong><br />

vulnerabilida<strong>de</strong> possa se reconhecer como sujeito e protagonista <strong>de</strong> sua história<br />

<strong>de</strong> vida, conquanto suas condições adversas. As ativida<strong>de</strong>s ultrapassam o<br />

atendimento propriamente e são dirigidas às/aos professores/as <strong>de</strong> escolas<br />

localizadas no bairro da Maré, às mulheres que acorrem ao serviço na tentativa<br />

<strong>de</strong> ruptura com a situação <strong>de</strong> violência e violação <strong>de</strong> direitos a que são<br />

submetidas, num esforço <strong>de</strong> recomposição da sua condição cidadã. Orientadas<br />

por um projeto teórico-político que visa a emancipação feminina, as ativida<strong>de</strong>s<br />

propostas intencionam ultrapassar a privação e estimular o reconhecimento das<br />

mulheres como sujeitos por inteiro, escapan<strong>do</strong> <strong>do</strong> confinamento e imobilismo<br />

que a cena da violação produz, conquanto o esgotamento da forma social<br />

capitalista e sua incompatibilida<strong>de</strong> com a cidadania plena. Por exemplo, são<br />

realizadas oficinas sociais on<strong>de</strong> as mulheres, estudantes e membros da equipe<br />

técnica <strong>de</strong>senvolvem a ativida<strong>de</strong> planejada: no último semestre os serviços<br />

realizaram oficina <strong>de</strong> letramento, corpo e cine-pipoca. Nessas ocasiões todas/os<br />

são envolvi<strong>do</strong>s como protagonistas daquele processo pedagógico e po<strong>de</strong>m se<br />

reconhecer <strong>de</strong> forma alternativa na vida <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> direitos: muitas mulheres<br />

da oficina <strong>de</strong> letramento participam das turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e<br />

Adultos. Recentemente participaram <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong> 30’, produzi<strong>do</strong> por<br />

estudantes <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> serviço social e<br />

comunicação, contan<strong>do</strong> o que é ser mulher na Maré. A narrativa hegemônica e<br />

intrusiva daqueles “<strong>de</strong> fora” é <strong>de</strong>slocada para a constituição <strong>de</strong> uma história<br />

narrada pela memória, com to<strong>do</strong>s os afetos envolvi<strong>do</strong>s. A longa introdução serve<br />

para situar a complexida<strong>de</strong> com que a supervisão externa acompanha e<br />

dinamiza o trabalho concreto realiza<strong>do</strong>. São situações que exigem intervenção<br />

e estu<strong>do</strong> verticaliza<strong>do</strong> das temáticas, sempre baseada nos conteú<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma<br />

concepção histórica <strong>do</strong>s direitos humanos e das relações <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> classe<br />

e <strong>de</strong> raça.<br />

17


OBJETIVOS<br />

Apresentar a supervisão externa na formação da equipe técnica <strong>de</strong><br />

serviços da política para as mulheres.<br />

Conhecer os limites e possibilida<strong>de</strong>s da intervenção <strong>do</strong>s efeitos da<br />

violência <strong>de</strong> gênero.<br />

Relacionar as concepções teórico-meto<strong>do</strong>lógica e ético-política que<br />

sustentam as ações <strong>do</strong> projeto.<br />

Intervir nas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Os temas transversais a supervisão são gênero e direitos humanos,<br />

sen<strong>do</strong> que são mobiliza<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s teóricos “chama<strong>do</strong>s” pelas experiências<br />

sociais e práticas da realida<strong>de</strong>. Portanto, brevemente, no escopo <strong>de</strong>ste trabalho,<br />

enunciarei a forma como compreen<strong>do</strong> o <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> gênero, na interface com o<br />

feminismo e o ativismo <strong>de</strong>scolonial.<br />

A polissemia <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> gênero, isto é, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apropriações<br />

e senti<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>s aos fenômenos inscritos na construção <strong>do</strong> masculino e <strong>do</strong><br />

feminino, é umas das suas características mais saudáveis, da<strong>do</strong> que está<br />

instala<strong>do</strong> em terreno poroso e instável, portanto sujeito a contestação, o que<br />

provoca a sua constante e efetiva atualida<strong>de</strong>. Gênero se refere a construção <strong>do</strong><br />

feminino e <strong>do</strong> masculino, ou seja, diz respeito aos processos sociais constituintes<br />

das condições masculina e feminina. Nada a ver com binarismos e polarizações<br />

estéreis operadas por oposição simples, na qual um polo é vence<strong>do</strong>r. Tu<strong>do</strong> a ver<br />

com a oposição dialética da tese e da antítese, por meio da síntese. Gênero diz<br />

respeito as relações sociais, ou seja, é relacional, e, portanto, concerne às<br />

relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O entendimento da dimensão histórica vai na direção <strong>de</strong><br />

superar os limites <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> naturalização das relações sociais que<br />

confinam o ser homem e o ser mulher <strong>de</strong> forma essencializada aos papéis e às<br />

funções sociais, <strong>de</strong>senraizadas da estrutura e conjuntura <strong>de</strong>terminadas. A<br />

questão <strong>de</strong> gênero na perspectiva relacional, significa combinar <strong>de</strong>slocamentos<br />

e permanências <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong> enquanto potente esquema <strong>de</strong> <strong>do</strong>minaçãoexploração<br />

<strong>de</strong> homens e mulheres em diversos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> produção, o que na<br />

18


presente or<strong>de</strong>m social potencializa a opressão com base nas relações <strong>de</strong><br />

gênero, <strong>de</strong> raça e <strong>de</strong> classe social. A combinação <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong>, <strong>do</strong> racismo e<br />

<strong>do</strong> capitalismo permite ensaiar aproximações com a realida<strong>de</strong> em vista da<br />

i<strong>de</strong>ntificação e concertação das lutas sociais numa perspectiva emancipatória.<br />

Estabelecer hierarquias entre as formas <strong>de</strong> opressão <strong>de</strong>sloca o entendimento<br />

para o imediato e escamoteia as mediações fundamentais para a compreensão<br />

<strong>do</strong> tempo presente. Na perspectiva relacional, o gênero é categoria teórica<br />

constituída no e pelo atravessamento das dimensões histórica e analítica. A<br />

dupla dimensão categorial contribui para o campo <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> gênero, como<br />

importante área das ciências humanas e sociais, e envolve orgânica e<br />

visceralmente, o estu<strong>do</strong> da organização social, isto é, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção das<br />

relações sociais e seus esquemas <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação e exploração, ou <strong>de</strong> opressão,<br />

que inci<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sigualmente entre os sujeitos <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> raça e <strong>de</strong> classe.<br />

O feminismo com toda a sua pluralida<strong>de</strong> e heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem e<br />

lutas impulsionou o gênero como relação social, isto é, colocou em cena também<br />

as contradições e os antagonismos das relações <strong>de</strong> classe e <strong>de</strong> raça. Por meio<br />

<strong>de</strong> diferentes estratégias, conjunturas e culturas, seja na Europa, na Ásia, na<br />

África e nas Américas, nos países <strong>do</strong> Norte e <strong>do</strong> Sul, <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte e <strong>do</strong> Oriente,<br />

as feministas <strong>de</strong>nunciaram as contradições <strong>do</strong> projeto iluminista da igualda<strong>de</strong>,<br />

da liberda<strong>de</strong> e da fraternida<strong>de</strong>, por caminhos diversos e uma crítica <strong>do</strong> feminismo<br />

é tarefa das ativistas <strong>de</strong>scoloniais organizadas por teóricas/os da chamada<br />

epistemologia <strong>do</strong> Sul que realizam uma vigorosa interpelação ao projeto<br />

heteronormativo eurocentra<strong>do</strong> na agenda <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />

As lutas feministas sempre foram violentamente reprimidas. Inicialmente<br />

a agenda das sugragistas pela cidadania política, emblematicamente<br />

representada por Olympe <strong>de</strong> Gouges, uma ativista política, feminista,<br />

abolicionista francesa e <strong>de</strong>fensora da <strong>de</strong>mocracia e <strong>do</strong>s direitos das mulheres,<br />

no contexto das lutas sociais da França, que resultaram na <strong>de</strong>rrocada da<br />

monarquia absolutista e na ascenção da república. A crítica feminista sempre<br />

colocou em evidência a incompletu<strong>de</strong> <strong>do</strong> projeto emancipatório.<br />

O feminismo <strong>de</strong>scolonial vêm construin<strong>do</strong> uma vigorosa produção crítica<br />

<strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s eurocentra<strong>do</strong>s, heteronormativos, branco e imperial <strong>do</strong><br />

19


feminismo clássico. As feministas provenientes da América <strong>do</strong> Sul, da África e<br />

da Índia propõem um <strong>de</strong>slocamento político-epistêmico <strong>do</strong> heteropatriarca<strong>do</strong><br />

mo<strong>de</strong>rno em sua conexão orgânica com o racismo, o capitalismo e a<br />

colonialida<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong>sse movimento, sugerem repensar o projeto<br />

emancipatório a partir <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista da geopolítica, comprometi<strong>do</strong> com a<br />

crítica <strong>do</strong> “universalismo androcêntrico” que têm produzi<strong>do</strong> e fixa<strong>do</strong> um<br />

“universalismo <strong>de</strong> gênero”, que se esten<strong>de</strong> para toda a humanida<strong>de</strong>. Lugones<br />

(2014:58), ao <strong>de</strong>bater sobre a colonialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> gênero examina a combinação<br />

da interseccionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvida pelo feminismo negro e <strong>de</strong> cor<br />

estaduni<strong>de</strong>nse, com a leitura crítica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. A sua chave <strong>de</strong> leitura é<br />

baseada na existência <strong>de</strong> um “Sistema Mo<strong>de</strong>rno Colonial <strong>de</strong> Gênero”, no qual<br />

inventaria as implicações <strong>do</strong> projeto intrusivo, tais como: a imposição colonial <strong>de</strong><br />

uma divisão entre humano e não humano; a supremacia <strong>do</strong> homem branco<br />

europeu possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> direitos também sobre as mulheres <strong>de</strong> seu grupo,<br />

humanas; a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m natural à serviço da supremacia branca<br />

às pessoas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> extraeuropeu e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar a raça, o<br />

gênero e a sexualida<strong>de</strong> como categorias co-constitutivas e coextensivas da<br />

episteme mo<strong>de</strong>rna colonial. Segato (2014: 76) a partir <strong>do</strong> contraste das relações<br />

<strong>de</strong> gênero da or<strong>de</strong>m colonial mo<strong>de</strong>rna e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>-al<strong>de</strong>ia, consi<strong>de</strong>ra o gênero<br />

onipresente em toda a vida social e categoria central capaz <strong>de</strong> iluminar todas os<br />

outros aspectos da transformação imposta a vida das comunida<strong>de</strong>s.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Os conteú<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s nas sessões semanais <strong>de</strong> supervisão envolvem os<br />

temas e categorias traceja<strong>do</strong>s, sempre com base na análise histórica da<br />

conjuntura. A agenda <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s neste semestre se concentrou na questão<br />

racial como fundamento das relações sociais, portanto das relações <strong>de</strong> gênero,<br />

na perspectiva a<strong>do</strong>tada <strong>de</strong> sua imbricação consubstancial.<br />

A matéria prima da supervisão externa é o tema que a equipe apresenta<br />

para ser trata<strong>do</strong>, o que requer uma concepção teórica e política consistente que<br />

permita o exercício <strong>de</strong> ultrapassar a dimensão cotidiana e ensaiar perspectivas<br />

futuras.<br />

20


RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Nesta conjuntura recessiva e incerta que se instalou no Brasil como uma<br />

reação <strong>de</strong> classe às frágeis políticas distributivas em nome <strong>do</strong> combate à<br />

corrupção, dirigi<strong>do</strong> prioritariamente para um parti<strong>do</strong> político, o trabalho<br />

sistemático <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> numa instituição fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> ensino superior significa<br />

luta e resistência.<br />

A aprovação da proposta <strong>de</strong> emenda constitucional que congela gastos<br />

públicos por vinte anos, a recomendação <strong>de</strong> entes financeiros internacionais pelo<br />

fim <strong>do</strong> ensino superior público e os ataques que as universida<strong>de</strong>s públicas vêm<br />

sofren<strong>do</strong>, tais como asfixia e subtração <strong>do</strong> financeiro <strong>de</strong> recursos autoriza<strong>do</strong>s<br />

pela Lei Orçamentária Anual, a condução coercitiva <strong>de</strong> Reitores e dirigentes das<br />

IFES espetacularmente televisionada, ou ainda o calote no pagamento <strong>de</strong><br />

servi<strong>do</strong>res da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro – <strong>do</strong>centes e técnicos<br />

administrativos e também estudantes bolsistas por parte <strong>do</strong> Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, revela uma vigorosa e extensiva opressão ao senti<strong>do</strong><br />

fe<strong>de</strong>rativo e republicano <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito que atinge<br />

visceralmente às brasileiras e aos brasileiros, ainda que <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>sigual. O<br />

impacto <strong>do</strong> conjunto da agenda recessiva é <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>r para a cidadania<br />

brasileira e inci<strong>de</strong> sobre as políticas públicos e seus serviços, que <strong>de</strong>veriam<br />

instrumentalizar direitos, fato imediatamente verificável no criminoso <strong>de</strong>smonte<br />

da área da saú<strong>de</strong> pública e da educação. Neste cenário <strong>de</strong>sola<strong>do</strong>r da conjuntura<br />

brasileira, reconhecer ações e lutas para resistir envolve treinar o olhar para a<br />

i<strong>de</strong>ntificação das iniciativas <strong>de</strong> sororida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brar em<br />

emancipação.<br />

A perspectiva feminista que orienta as ações no campo das políticas para<br />

as mulheres sugere a ênfase na transfomação <strong>do</strong>s fatores estruturais que<br />

potencializam a violência <strong>de</strong> gênero e a sua expressão letal, o feminicidio.<br />

Realizar ativida<strong>de</strong>s acadêmicas no bairro da Maré é um ato feminista <strong>de</strong><br />

resistência. A presença da UFRJ na Vila <strong>do</strong> João, através<strong>do</strong> CRMM-CR<br />

realizan<strong>do</strong> o atendimento proposta pela Norma Técnica <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência<br />

<strong>de</strong> Atendimento à Mulher é um efeito da vitalida<strong>de</strong> da persectiva teórico-política<br />

<strong>do</strong> projeto acadêmico <strong>de</strong> 2005. O consórcio da formação profissional <strong>do</strong>s<br />

21


estudantes <strong>de</strong> diferentes cursos <strong>de</strong> graduação, da formação <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>ras e<br />

<strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>res e seus produtos, monografias <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> graduação,<br />

<strong>de</strong> residência, dissertações e teses, da capacitação da equipe técnica e das<br />

equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s serviços adjacentes, da referência com que 7.764<br />

atendimentos foram realiza<strong>do</strong>s em razão da valorização da tentativa <strong>de</strong> ruptura<br />

da violação <strong>de</strong> direitos das 2.474 mulheres cadastradas no Ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

CRMM, são importantes corolários da perspectiva feminista <strong>de</strong> investir nas<br />

políticas públicas ensaian<strong>do</strong> trânsito <strong>de</strong>mocrático num território <strong>de</strong> privação <strong>de</strong><br />

direitos.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Combinar ensino, pesquisa, extensão, gestão acadêmica e produção<br />

profissional relevante no exercício da função <strong>do</strong>cente, inventarian<strong>do</strong> seus<br />

produtos, indicam a vitalida<strong>de</strong> da universida<strong>de</strong> pública, gratuita e laica, através<br />

<strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong> seu corpo social – <strong>do</strong>centes, discentes e servi<strong>do</strong>res técnicos,<br />

administrativos em educação e terceriza<strong>do</strong>s – no movimento da instituição <strong>de</strong><br />

um contrapo<strong>de</strong>r que po<strong>de</strong> utilizar a autonomia universitária na direção <strong>de</strong> um<br />

projeto alternativo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, que seja orgânico à soberania popular e que<br />

possibilite a cidadania plena <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e todas.<br />

No campo <strong>do</strong>s direitos humanos to<strong>do</strong> e qualquer avanço é contraposto<br />

uma reação. No plano formal, a positivação <strong>do</strong>s direitos, conquanto seja sempre<br />

o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> lutas sociais, é insuficiente da<strong>do</strong> que a sua realização envolve<br />

políticas que os instrumentalizem. As medidas <strong>de</strong> recessão colocam em risco o<br />

planeta, ao priorizar o interesse particular em <strong>de</strong>trimento da soberania <strong>do</strong>s<br />

povos, renovan<strong>do</strong> as formas <strong>de</strong> oprimir e constituir o inimigo e as classes<br />

perigosas. A agenda 2030 e cada um <strong>do</strong>s objetivos, em especial os da igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> gênero e da educação, estão em risco. É preciso enten<strong>de</strong>r esses movimentos,<br />

o conserva<strong>do</strong>r e o revolucionário, para potencializar os efeitos da distribuição da<br />

riqueza socialmente constituída.<br />

22


REFERÊNCIAS<br />

Almeida, Suely Souza <strong>de</strong>. Violência <strong>de</strong> gênero: impasses e perspectivas<br />

meto<strong>do</strong>lógicas. Conferência publicada na obra coletiva Serviço Social no<br />

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Centro <strong>de</strong> Acolhida. Mimeo. UFRJ/CFCH. 23 p., 2004.<br />

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Coutinho, Carlos Nélson. Notas sobre cidadania e mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> IN Revista<br />

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Pougy, L.G. Pougy, Lília Guimarães. Pedagogia <strong>de</strong> gênero e o feminismo em<br />

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2012.<br />

23


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Penha. Revista Katálysis. Florianópolis v. 13 n. 1 p. 76-85 jan./jun. 2010.<br />

http://www.scielo.br/pdf/rk/v13n1/09.pdf<br />

Segato, Rita. Las nuevas formas <strong>de</strong> la guerra y el cuerpo <strong>de</strong> las mujeres e<br />

Patriarca<strong>do</strong>: <strong>de</strong>l bor<strong>de</strong> al centro. Disciplinamento, territorialida<strong>de</strong> y cruelda<strong>de</strong> em<br />

la fase apocalíptica <strong>de</strong>l capital In La guerra contra las mujeres.Traficantes <strong>de</strong><br />

suenos, 2016.<br />

https://www.traficantes.net/sites/<strong>de</strong>fault/files/pdfs/map45_segato_web.pdf<br />

24


PODER MUNICIPAL E RELAÇÕES DE GÊNERO: ação política das<br />

verea<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque/MA<br />

FERREIRA, Maria Mary 1<br />

Professora Associada da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão-UFMA, Doutora<br />

em Sociologia. E-mail: mmulher13@hotmail.com<br />

CV:http://lattes.cnpq.br/1813463162883226<br />

RESUMO<br />

As mulheres tem si<strong>do</strong> subrepreentadas na maior parte das instâncias <strong>de</strong> dicisão.<br />

Essa situação é visível nos legislativos brasileiro dada as relações patriarcais<br />

que permanecem visíseis na socieda<strong>de</strong> dificultan<strong>do</strong> a inclusão das mulheres nas<br />

instâncias <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão. Nas eleições <strong>de</strong> 2010 e 2014 as mulheres não<br />

ultrapassaram os 10% <strong>de</strong> presenças na Câmara Fe<strong>de</strong>ral. Nas Camaras<br />

municipais <strong>do</strong>s 5565 municípios brasileiros as mulheres representam em torno<br />

<strong>de</strong> 12 %. No Marahão este número chega a 18%. As eleições <strong>de</strong> 2018 trouxeram<br />

uma pequena mudança, ten<strong>do</strong> em vista a eleição <strong>de</strong> 15% <strong>de</strong> mulheres no<br />

<strong>Congresso</strong> Nacional, número consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s mais baixos quan<strong>do</strong><br />

compara<strong>do</strong>s com a maioria <strong>do</strong>s paises da America Latina e países europeus.<br />

Supreen<strong>de</strong>ntemente no Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque no Maranhão nas<br />

últimas eleições realizada em 2016 as mulheres superam os homens,<br />

representam 64% <strong>do</strong>s cargos <strong>de</strong> verea<strong>do</strong>res nesta pequena Cida<strong>de</strong>. É uma das<br />

cida<strong>de</strong>s brasileira com maior proporção <strong>de</strong> mulheres eleitas em Câmaras<br />

municipais. A maioria das verea<strong>do</strong>ras estão filiadas em pequenos parti<strong>do</strong>s. Em<br />

estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> no Municipio entrevistamos a população e as verea<strong>do</strong>ras para<br />

analisar com mais cuida<strong>do</strong> o fenômeno a fim <strong>de</strong> perceber se existem<br />

particularida<strong>de</strong>s na ação política das eleitas. O olhar da população revela<br />

elementos importantes para pensar o po<strong>de</strong>r das mulheres vsito como mais<br />

cuida<strong>do</strong>sas e mais atentas aos problemas sociais. Embora reconheçam o<br />

aprisionamento a um trabalho assistencialista as verea<strong>do</strong>ras reconhecem seus<br />

limites <strong>de</strong> alterar esta situação em um municipio marcadamente pobre. Este<br />

estu<strong>do</strong> se caracteriza como qualitativo. Discute a categoria gênero, apresenta<br />

da<strong>do</strong>s eleitorais importantes para compreen<strong>de</strong>r a sub-representação das<br />

mulheres na politica brasileira e mostra como Municipios on<strong>de</strong> as mulheres são<br />

a maioria estas relações se articulam.<br />

Palavras-Chave: Verea<strong>do</strong>ras. Po<strong>de</strong>r. Ação Politica. Gênero. Sena<strong>do</strong>r La<br />

Roque/MA.<br />

1<br />

Professora Associada <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós Graduação em Políticas Públicas e Departamento<br />

<strong>de</strong> Biblioteconomia da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão, <strong>do</strong>utora em Sociologia<br />

UNESP/FCLAr. Mestre em Políticas Públicas/UFMA/PPGPP. Aluna <strong>de</strong> Pós-<strong>do</strong>utora<strong>do</strong> na<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Porto e bolsista da Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento<br />

Científico e Tecnológico <strong>do</strong> Maranhão - FAPEMA. E-mail: mmulher13@hotmail.com<br />

25


ABSTRACT<br />

Women have been un<strong>de</strong>rrepresented in most instances of diction. This situation<br />

is visible in Brazilian legislatures given the patriarchal relations that remain visible<br />

in society making it difficult to inclu<strong>de</strong> women in <strong>de</strong>cision-making bodies. In the<br />

2010 and 2014 elections, women did not exceed 10% of the Fe<strong>de</strong>ral Chamber.<br />

In the municipal chambers of the 5565 Brazilian municipalities women represent<br />

around 12%. In Marahão this number reaches 18%. The elections of 2018<br />

brought a small change, in view of the election of 15% of women in the National<br />

Congress, number consi<strong>de</strong>red one of the lowest when compared with the majority<br />

of the countries of Latin America and European countries. Supremely in the<br />

Municipality of Sena<strong>do</strong>r La Roque in Maranhão in the last elections held in 2016,<br />

women outnumber men, representing 64% of the positions of councilmen in this<br />

small city. It is one of the Brazilian cities with the highest proportion of women<br />

elected in municipal councils. Most city council members are affiliated with small<br />

parties. In a study carried out in the Municipio, we interviewed the population and<br />

city councils to analyze more carefully the phenomenon in or<strong>de</strong>r to un<strong>de</strong>rstand if<br />

there are particularities in the political action of the elect. The look of the<br />

population reveals important elements to think the power of women vsito as more<br />

careful and more attentive to social problems. Although they acknowledge the<br />

imprisonment of a welfare work, the councilors recognize their limits to change<br />

this situation in a markedly poor municipality. This study is characterized as<br />

qualitative. It discusses the gen<strong>de</strong>r category, presents important electoral data to<br />

un<strong>de</strong>rstand the un<strong>de</strong>rrepresentation of women in Brazilian politics and shows<br />

how municipalities where women are the majority these relationships are<br />

articulated.<br />

KEY WORDS: Al<strong>de</strong>rmen. Power. Political Action. Genre. Senator La Roque / MA.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A sub-representação das mulheres na política é fruto da cultura patriarcal<br />

que perpassa o mun<strong>do</strong> público e priva<strong>do</strong>, que ao <strong>de</strong>terminar papéis sexuais para<br />

mulheres e para os homens, excluiu as mulheres <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />

confinan<strong>do</strong>-a ao espaço <strong>do</strong>méstico e interditan<strong>do</strong> sua presença nas <strong>de</strong>cisões<br />

políticas, nas questões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e das cida<strong>de</strong>s. Nem mesmo com a conquista<br />

<strong>do</strong> voto em 1932 esse quadro mu<strong>do</strong>u. Uma vez que mesmo passa<strong>do</strong> oitenta e<br />

cinco anos após essa conquista, as mulheres não ultrapassam os 10% <strong>de</strong><br />

presença em cargos eletivos. Apenas nas instâncias municipais as mulheres<br />

atingem 13,5% como se observou nesta última eleição. Nas eleições municipais<br />

<strong>de</strong> 2016 foram eleitas 8.441 mulheres entre os 57.814 verea<strong>do</strong>res que compõe<br />

o quadro nacional <strong>de</strong> verea<strong>do</strong>res, da<strong>do</strong> que correspon<strong>de</strong> a um percentual <strong>de</strong><br />

13,5%. Em 2012 as mulheres representavam 7.648 das eleitas totalizan<strong>do</strong> um<br />

26


percentual <strong>de</strong> 13,3% entre os 49.689 verea<strong>do</strong>res eleitos, distribuí<strong>do</strong>s entre as<br />

5.568 câmaras municipais <strong>do</strong> Brasil. Houve um aumento simbólico entre a<br />

eleição <strong>de</strong> 2012 e a eleição realizada em 2016, mas ainda estão distantes <strong>de</strong> se<br />

construir parida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero na política brasileira.<br />

As câmaras municipais são consi<strong>de</strong>radas espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que dão as<br />

verea<strong>do</strong>ras/es oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir no plenário ou confrontar i<strong>de</strong>ias a partir<br />

<strong>de</strong> um conhecimento sobre <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s problemas que afetam o município.<br />

São os verea<strong>do</strong>res que estão mais próximo <strong>do</strong> povo, são quem mais ouvem suas<br />

<strong>de</strong>mandas, são quem mais acompanham os problemas cotidianos das pequenas<br />

e gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s. Pouco se tem estuda<strong>do</strong> sobre ação <strong>de</strong>stes sujeitos políticos.<br />

Sobre as verea<strong>do</strong>ras são praticamente inexistentes estu<strong>do</strong>s abordan<strong>do</strong> suas<br />

práticas políticas nos legislativos municipais.<br />

Em estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2013-2016 envolven<strong>do</strong> sete<br />

municípios maranhenses, ao entrevistar mulheres e homens para analisar como<br />

se efetiva sua ação na Câmara e nas cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> atuam percebi que as<br />

verea<strong>do</strong>ras têm uma ação mais voltada para a construção da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gênero embora esta ação seja ainda tímida, percebe-se que estão mais<br />

preocupadas com problemas que afetam o universo feminino: escolas, creches,<br />

drogas, geração <strong>de</strong> emprego e renda, educação, violência contra as mulheres.<br />

Essa preocupação é reconhecida pela população entrevistada em gran<strong>de</strong> parte<br />

<strong>do</strong>s municípios, mas, observa-se que no Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque há um<br />

reconhecimento maior sobre a ação política das mulheres.<br />

Nas eleições <strong>de</strong> 2008, 2012 e 2016 o Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque no<br />

Maranhão se <strong>de</strong>stacou no cenário nacional quan<strong>do</strong> foram eleitas seis mulheres<br />

entre os nove verea<strong>do</strong>res eleitos, <strong>de</strong>pois cinco e na última eleição saíram<br />

vitoriosas sete mulheres.<br />

Na eleição <strong>de</strong> 2016 as mulheres se mantiveram no po<strong>de</strong>r e passaram a<br />

ocupar 7 das 11 ca<strong>de</strong>iras no legislativo municipal. É uma realida<strong>de</strong> que retrata<br />

algo novo e até mesmo inusita<strong>do</strong>, haja vista a cultura patriarcal que vigora em<br />

to<strong>do</strong>s os municípios maranhenses e brasileiros, que reproduz velhas i<strong>de</strong>ologias<br />

responsáveis pela exclusão da maioria da população brasileira consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong><br />

que 51% da população são compostas por mulheres e proporcionalmente, as<br />

27


mulheres são maioria <strong>do</strong> eleitora<strong>do</strong> brasileiro.<br />

Nesta comunicação apresentamos reflexões extraídas da pesquisa<br />

Verea<strong>do</strong>ras e prefeitas: ação política com enfoque <strong>de</strong> gênero, realizada em<br />

Sena<strong>do</strong>r La Roque e em 7 municípios maranhenses para analisar como se<br />

articulam a ação das verea<strong>do</strong>ras nos legislativos municipais, quais as <strong>de</strong>mandas<br />

da população e como estes respon<strong>de</strong>m as ações <strong>do</strong>s munícipes.<br />

OBJETIVOS<br />

Nesta comunicação apresentamos reflexões extraídas da pesquisa Verea<strong>do</strong>ras<br />

e prefeitas: ação política com enfoque <strong>de</strong> gênero, realizada em Sena<strong>do</strong>r La<br />

Roque e em 7 municípios maranhenses para analisar como se articulam a ação<br />

das verea<strong>do</strong>ras nos legislativos municipais, quais as <strong>de</strong>mandas da população e<br />

como estes respon<strong>de</strong>m as ações <strong>do</strong>s munícipes.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

SENADOR LA ROQUE: ação política das verea<strong>do</strong>ras na Câmara Municipal<br />

O Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque, antes liga<strong>do</strong> ao município <strong>de</strong> João<br />

Lisboa/MA, foi emancipa<strong>do</strong> pela Lei Nº 6.169/94, passan<strong>do</strong>, então, a ser<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Município Sena<strong>do</strong>r La Roque, em homenagem ao sena<strong>do</strong>r<br />

maranhense e também <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>, advoga<strong>do</strong> e jornalista, Henrique <strong>de</strong> La Roque,<br />

cujo mandato <strong>de</strong> sena<strong>do</strong>r exerceu na legislatura <strong>de</strong> 1975 a 1983.<br />

Situação sócio política <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque<br />

A primeira eleição realizada no município foi em 1996, quan<strong>do</strong> elegeram<br />

para prefeito o senhor Alfre<strong>do</strong> Nunes da Silva. Nesta eleição, muitas <strong>de</strong>núncias<br />

foram registradas, o que ocasionou a perda <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> prefeito eleito,<br />

agrava<strong>do</strong> pelo fato <strong>de</strong> que, neste perío<strong>do</strong>, o Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque teve<br />

seu território reduzi<strong>do</strong>, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaços para os vizinhos Buritirana e João<br />

Lisboa, diminuin<strong>do</strong> em gran<strong>de</strong> parte a população que foi reduzida a 14.550<br />

habitantes. A população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque em 2010 era <strong>de</strong> 17.998<br />

habitantes, sen<strong>do</strong> 9.060 homens e 8.938 mulheres, 77,8 professam a religião<br />

católica. O numero <strong>de</strong> analfabeto em 2010 era conforme informações <strong>do</strong> IBGE<br />

28


<strong>de</strong> 38,16% número consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> eleva<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em vista que no Brasil o<br />

analfabetismo neste perí<strong>do</strong> era <strong>de</strong> 11, 82%. A maior parte da população vive da<br />

agricultura <strong>de</strong> subsistência e, em muitas comunida<strong>de</strong>s rurais, em situação <strong>de</strong><br />

pobreza extrema. O índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque<br />

é <strong>de</strong> 0,602 (SENADOR, 2013).<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Trata-se <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> quanti-qualitativo por agregar da<strong>do</strong>s e analisá-lo a<br />

luz da teoria sociológica que por um la<strong>do</strong> mostra a exclusão das mulheres, sem,<br />

entretanto, explicar como este fenômeno vem sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>scontruin<strong>do</strong> em ações<br />

políticas pelas mulheres em <strong>de</strong>terminadas localida<strong>de</strong>s. Neste estu<strong>do</strong><br />

apresentamos pontos que refletem como estes da<strong>do</strong>s se alteram em espaços <strong>de</strong><br />

maior inclusão, situação que se aplica ao Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque.<br />

Apresentamos algumas reflexões que nos iluminam a pensar o po<strong>de</strong>r municipal,<br />

visto como micro po<strong>de</strong>r e como as mulheres vêm interferin<strong>do</strong> com práticas<br />

políticas que ten<strong>de</strong>m a apontar novas formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político a partir das<br />

categorias <strong>de</strong> gênero, po<strong>de</strong>r e participação política.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

O município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque tem apenas 23 anos <strong>de</strong> emancipa<strong>do</strong><br />

e, ao longo <strong>de</strong> sua criação, vivenciou seis eleições municipais. Observamos na<br />

tabela 1 que, durante esse perío<strong>do</strong>, foi o município maranhense que<br />

proporcionalmente mais elegeu verea<strong>do</strong>ras.<br />

Tabela 1 - Total <strong>de</strong> Verea<strong>do</strong>res Eleitos Sena<strong>do</strong>r La Roque 2000-2016<br />

2016 2012 2008 2004 2000<br />

Mulheres 7 64,6% 6 54,54% 6 67% 4 66% 2 34%<br />

Homens 4 35,4% 5 45,46% 3 33% 2 34% 4 66%<br />

TOTAL 100% 11 100,00% 9 100% 6 100% 6 100%<br />

Elabora<strong>do</strong> pela autora com da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> TRE/MA<br />

Nas cinco últimas legislaturas, foram 25 mulheres eleitas e 18 homens.<br />

Na eleição <strong>de</strong> 2016 foram 7 verea<strong>do</strong>ras eleitas entre os onze membros <strong>do</strong><br />

legislativo municipal, que em termos percentuais representa 63,6%. Em 2008 a<br />

29


proporção <strong>de</strong> mulheres representava 67%. Proporcionalmente é um <strong>do</strong>s<br />

municípios brasileiros com maior representação feminina, comparada apenas a<br />

Uruçuí (PI) que também elegeu 7 mulheres entre os onze verea<strong>do</strong>res eleitos.<br />

Vale <strong>de</strong>stacar ainda o Município <strong>de</strong> Amapá <strong>do</strong> Maranhão que elegeu 5 mulheres<br />

entre os nove verea<strong>do</strong>res eleitos naquele município <strong>de</strong> 6.844 mil habitantes hoje<br />

sob a gestão da prefeita eleita Tatiane Maia <strong>de</strong> Oliveira.<br />

Na tabela 2 apresentada a seguir, observamos a representação <strong>do</strong>s<br />

verea<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque por parti<strong>do</strong> na última legislatura.<br />

Tabela 2- Verea<strong>do</strong>res Eleitos em Sena<strong>do</strong>r La Roque - 2016<br />

Nome/verea<strong>do</strong>r (a) Parti<strong>do</strong> Nome/verea<strong>do</strong>r (a) Parti<strong>do</strong><br />

Maria <strong>de</strong> Fátima Sousa PP Bento Pereira Santo PP<br />

Lima<br />

Raimun<strong>do</strong> Denis <strong>do</strong>s S. DEM Maricélia Ribeiro <strong>de</strong> PMB<br />

Lima<br />

Menezes Rocha<br />

Ozima Cury Rad Melo PMDB Raimunda Oliveira <strong>de</strong> PSDC<br />

Sousa<br />

Maria Rita Barroso PRP Rafael Silva Paiva PSD<br />

Pereira Dias<br />

Joel da Cruz Silva PDT Maria da Graça PMN<br />

Carneira <strong>de</strong> Oliveira<br />

Deusinete Silva Gomes PTB<br />

Fonte: Elabora<strong>do</strong> pela autora com da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> TRE/MA<br />

Ação politica das verea<strong>do</strong>ras: o olhar da população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque<br />

Nas visitas que fizemos ao município <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque, ouvimos<br />

cinco das sete verea<strong>do</strong>ras eleitas e um verea<strong>do</strong>r. Procuramos também ouvir<br />

da população entrevistada o que pensavam sobre a ação das mulheres na<br />

Câmara Municipal. O olhar da população revela alguns elementos<br />

importantes para pensar o po<strong>de</strong>r das mulheres que se reflete em diversos<br />

<strong>de</strong>poimentos.<br />

Nas entrevistas com a população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque realizadas na<br />

penúltima legislatura uma das questões que procuramos respon<strong>de</strong>r foi: quais<br />

razões levaram a população a votar mais em mulheres? Havia alguma<br />

particularida<strong>de</strong> que diferia <strong>de</strong> outros municípios? Finalmente, perguntamos se<br />

percebiam alguma diferença na atuação das mulheres verea<strong>do</strong>ras em relação<br />

aos homens verea<strong>do</strong>res.<br />

30


Primeiramente, foi questiona<strong>do</strong> se votaram em verea<strong>do</strong>r ou verea<strong>do</strong>ra.<br />

Pelas respostas, observamos que 44,93% votaram em homens e 55,07%<br />

votaram em mulheres. As respostas retratam os resulta<strong>do</strong>s eleitorais que se<br />

mantiveram nas duas últimas eleições quan<strong>do</strong> foram eleitas seis mulheres<br />

em 2012 e sete em 2016. Ao questionar se há diferenças entre a atuação <strong>do</strong><br />

verea<strong>do</strong>r e verea<strong>do</strong>ra, a maioria opina que não, porém nas respostas abertas<br />

as que respon<strong>de</strong>ram afirmativamente indicam como diferença o fato <strong>de</strong> que<br />

as verea<strong>do</strong>ras são mais sensíveis e interessadas, têm interesse mais<br />

coletivo, ouvem mais, visitam mais as pessoas, se interessam em melhorar a<br />

cida<strong>de</strong> e cuidam melhor <strong>do</strong> povo.<br />

As respostas subjetivas captadas na pesquisa inci<strong>de</strong>m sobre resposta<br />

objetiva transcrita no gráfico 40 na qual os79 entrevista<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> 47 mulheres<br />

e 32 homens, respon<strong>de</strong>ram sobre as motivações para votar no candidato ou<br />

candidata. A maior parte <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, (67%) informou que votou porque<br />

era a/o melhor candidata/o. Observe que 10% <strong>de</strong>clararam ter vota<strong>do</strong> porque<br />

conheciam a atuação <strong>do</strong> candidato, 10% preferiram não opinar ou não votaram<br />

e 7% votaram por indicação <strong>de</strong> algum parente. Mas 5% informaram que votaram<br />

no/a candidato/a porque lhes prometeu algum tipo <strong>de</strong> benefício.<br />

vista que:<br />

Esse fato segun<strong>do</strong> Ferreira (2015, p.211) não nos surpreen<strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> em<br />

[...] as verea<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>clararam em suas falas ser este o maior problema<br />

<strong>do</strong> município, em que, dada a situação <strong>de</strong> pobreza extrema, tem-se<br />

subverti<strong>do</strong> o papel <strong>do</strong>/a verea<strong>do</strong>r/a, que tem sua atuação política<br />

marcada pelo assistencialismo. As verea<strong>do</strong>ras informaram que não<br />

conseguem <strong>de</strong>svencilhar-se <strong>de</strong>ssa prática, em virtu<strong>de</strong> da situação <strong>de</strong><br />

pobreza da maioria <strong>do</strong>s munícipes. O assistencialismo <strong>de</strong>svirtua o<br />

trabalho <strong>do</strong> verea<strong>do</strong>r crian<strong>do</strong> relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendências e clientelismo.<br />

Essa prática se torna mais visível em municípios cujas políticas<br />

31


públicas não são implementadas, on<strong>de</strong> a saú<strong>de</strong> não funciona, on<strong>de</strong> há<br />

precarieda<strong>de</strong> na educação, on<strong>de</strong> a população carente luta por<br />

transporte digno e on<strong>de</strong> as condições <strong>de</strong> vida são <strong>de</strong>gradantes.<br />

Neste tipo <strong>de</strong> situações o papel <strong>do</strong> verea<strong>do</strong>r é importante para pressionar<br />

o prefeito em criar as condições <strong>de</strong> vida digna e ser um fiscal diligente da<br />

aplicação <strong>do</strong>s recursos. É também papel da Câmara pedir interdição <strong>do</strong> prefeito<br />

quanto este não cumpre com sua obrigação. Em Sena<strong>do</strong>r La Roque as<br />

verea<strong>do</strong>ras não mencionaram, por exemplo, a cassação <strong>do</strong> prefeito na<br />

legislatura <strong>de</strong> 2008-2012, em virtu<strong>de</strong> das graves <strong>de</strong>núncias feitas por<br />

praticamente todas as verea<strong>do</strong>ras, pelos entrevista<strong>do</strong>s e por gran<strong>de</strong> parte da<br />

população, como foi observa<strong>do</strong> inclusive em passeata <strong>do</strong>s professores e<br />

funcionários em passeatas pelas ruas da Cida<strong>de</strong> reivindican<strong>do</strong> salários e<br />

condições <strong>de</strong> trabalho.<br />

Os problemas enfrenta<strong>do</strong>s pela população <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r la Roque se<br />

assemelha a gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s municípios maranhenses e brasileiros: falta <strong>de</strong><br />

infraestrutura, saú<strong>de</strong> precária, estruturas <strong>de</strong> educação, <strong>de</strong>semprego.<br />

Ao inquirir os entrevista<strong>do</strong>s sobre quais as priorida<strong>de</strong>s que indicavam para<br />

nortear a ação <strong>do</strong> gestor público (30%) enfatizaram a questão da saú<strong>de</strong> e<br />

saneamento básico, seguidas <strong>de</strong> trabalho e geração <strong>de</strong> renda, com 23%, e<br />

educação, indicada por 16% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s. Também foi cita<strong>do</strong> como<br />

priorida<strong>de</strong> por 10% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s o asfaltamento e embelezamento <strong>de</strong> ruas<br />

e praças <strong>do</strong> município e 6% <strong>de</strong>monstraram preocupações com políticas <strong>de</strong><br />

inclusão social, conforme é observa<strong>do</strong> no Gráfico 37.<br />

32


Um <strong>do</strong>s focos da pesquisa foi compreen<strong>de</strong>r o olhar da população sobre<br />

as questões <strong>de</strong> gênero. É importante consi<strong>de</strong>rar este conceito como uma<br />

categoria estratégica para compreen<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre homens e<br />

mulheres. A socieda<strong>de</strong> através da cultura construiu mo<strong>de</strong>los <strong>do</strong> que é ser homem<br />

e ser mulher. Estes mo<strong>de</strong>los vistos como androcêntricos, em geral representam<br />

os homens como fortes, <strong>de</strong>stemi<strong>do</strong>s, ativos, valentes, sujeitos. As mulheres são<br />

representadas como frágeis, passivas, subservientes, objetos. O conceito<br />

gênero nos possibilita compreen<strong>de</strong> que estes mo<strong>de</strong>los foram construí<strong>do</strong>s<br />

socialmente e que estão pauta<strong>do</strong>s em valores patriarcais que precisam ser<br />

<strong>de</strong>scontruí<strong>do</strong>s.<br />

Questiona<strong>do</strong>s sobre a situação das mulheres no município e se a<br />

prefeitura <strong>de</strong>senvolvia algum tipo <strong>de</strong> política para as mulheres, 97,44% <strong>do</strong>s<br />

entrevista<strong>do</strong>s enfatizaram que não. Sobre a visão que os entrevista<strong>do</strong>s têm das<br />

mulheres no Município, foi apresenta<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> respostas <strong>de</strong>ntre as<br />

quais os entrevista<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veriam escolher apenas uma.<br />

Na escolha, 40% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s consi<strong>de</strong>ram que as mulheres<br />

trabalham mais que os homens e 22% reconhecem que elas sofrem mais<br />

violência, esse da<strong>do</strong> reflete um olhar mais aten<strong>do</strong> as questões <strong>de</strong> gênero. É<br />

importante lembrar que este município a população masculina se constitui a<br />

maioria. Embora a violência contra a mulher não tenha si<strong>do</strong> votada como<br />

priorida<strong>de</strong> entre as políticas, foi indicada como um <strong>do</strong>s projetos que <strong>de</strong>veria ser<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pela prefeitura para melhorar a vida das mulheres. 13% <strong>de</strong>claram<br />

que elas ganham os menores salários e 18% consi<strong>de</strong>ram que a situação das<br />

mulheres é igual à <strong>do</strong>s homens. (FERREIRA, 2015).<br />

33


TABELA 5 – Ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> Luta Defendidas em Campanha pelas/os<br />

Verea<strong>do</strong>ras/es<br />

NOME DO/A<br />

VEREADOR/A<br />

DEUSINETE<br />

SILVA BARROS<br />

GRAÇA<br />

CARNEIRO<br />

OLIVEIRA<br />

MARIA RITA<br />

BARROSO<br />

OZIMA CURY-<br />

RAD MELO<br />

RAIMUNDA<br />

OLIVEIRA<br />

SOUSA<br />

ALDENIR<br />

MOURA NUNES<br />

BANDEIRAS DEFENDIDAS EM CAMPANHA<br />

Como Assistente Social, <strong>de</strong>fen<strong>do</strong> a assistência à população carente.<br />

Durante minha campanha, foi o compromisso, a assistência. Sempre<br />

disse que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ria e estaria ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s mais carentes.<br />

Boa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, hoje muita gente daqui vive <strong>do</strong> Bolsa Família; a<br />

construção <strong>de</strong> uma maternida<strong>de</strong>, pois toda criança daqui nasce em<br />

Imperatriz; e um posto <strong>do</strong> INSS, sei que to<strong>do</strong> município tem ou estão<br />

inauguran<strong>do</strong> um posto, só aqui que falta tu<strong>do</strong>.<br />

Defen<strong>do</strong> as causas sociais, da família e principalmente da educação e<br />

saú<strong>de</strong>.<br />

Campanha <strong>de</strong> inclusão social; direitos <strong>do</strong> povo e das populações mais<br />

carentes: saú<strong>de</strong>, educação, previdência social são compromissos que a<br />

esfera fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal fazem. Busquei isso como ban<strong>de</strong>ira.<br />

Faço o 7º perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> Serviço Social, para que as pessoas saibam que<br />

isso são direitos e não favores.<br />

Meu foco é a população carente; a busca da melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vida. A questão <strong>do</strong> curso <strong>do</strong> 1º Magistério quem trouxe pra cá, fui eu. O<br />

1ºadicional e a faculda<strong>de</strong>, eu trouxe para ajudar os colegas a estudar e<br />

a ter uma qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida melhor. Graças a Deus, consegui. Tem mais<br />

<strong>de</strong> 90 (noventa) professores forma<strong>do</strong>s pela instituição que eu trouxe pra<br />

cá. Chamavam <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> quintal, mas o diploma é o mesmo <strong>do</strong>s que<br />

estudavam na UFMA e na UEMA.<br />

Toda pessoa é diferente, sou um cara bem mo<strong>de</strong>sto, simples, eu acho<br />

que gente tem que respeitar o direito <strong>de</strong> um cidadão, da cidadã e<br />

trabalhar o necessário.<br />

As ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>fendidas pelas/os verea<strong>do</strong>ras/es <strong>de</strong>monstram suas<br />

preocupações em melhorar a situação <strong>do</strong> município. Ações voltadas para a<br />

assistência social indicam o quanto os problemas sociais afetam a ação das<br />

verea<strong>do</strong>ras. Os verea<strong>do</strong>res têm uma atuação reconhecida pela população,<br />

conforme observamos nos questionários aplica<strong>do</strong>s. E, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com todas as<br />

verea<strong>do</strong>ras entrevistadas, já passaram pela Câmara gran<strong>de</strong>s projetos que<br />

<strong>de</strong>monstram sua ação política.<br />

Para a verea<strong>do</strong>ra Rita Barroso, a Câmara cumpre sua parte na medida <strong>do</strong><br />

possível: “a gente tá fazen<strong>do</strong> um bom trabalho. Dá mais rapi<strong>de</strong>z nos projetos que<br />

chegam lá, embora não sejam efetiva<strong>do</strong>s. A culpa não é nossa. O que<br />

analisamos sempre fazemos com muito critério e responsabilida<strong>de</strong>”.<br />

A ação das verea<strong>do</strong>ras na Câmara Municipal é vista por todas as<br />

entrevistadas como positiva, pois fazem um diferencial na ação parlamentar.<br />

34


Sobre as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> exercer o mandato <strong>de</strong> verea<strong>do</strong>ra, as falas<br />

<strong>de</strong>monstram muitas controvérsias, mas um consenso em relação à questão da<br />

falta <strong>de</strong> recursos. Esta é uma alegação dada pelo prefeito para não executar<br />

nenhum <strong>do</strong>s projetos aprova<strong>do</strong>s na Câmara, até mesmo um simples quebra<br />

mola, ou sinalização <strong>de</strong> uma rua, não é executa<strong>do</strong> sob o argumento <strong>de</strong> que a<br />

prefeitura não tem recurso.<br />

Ao questionar se existem diferenças <strong>de</strong> gênero na ação parlamentar <strong>do</strong>s<br />

verea<strong>do</strong>res, todas as verea<strong>do</strong>ras e o verea<strong>do</strong>r entrevista<strong>do</strong> foram unânimes em<br />

afirmar que existe diferença na ação política. Essa diferença é apontada por<br />

todas <strong>de</strong> várias formas:<br />

Os verea<strong>do</strong>res homens lá na câmara dizem: “não vi nada, não sei <strong>de</strong><br />

nada, não ouço nada”. São inoperantes. As mulheres atuam melhor.<br />

Existe o fato da corrupção, mas os homens comem quietos. Acho que<br />

eles são piores. As mulheres fazem soada, barulho, provocam. Os<br />

homens não amedrontam. Política é uma porcaria, é um vício<br />

<strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong>. Você sofre e continua nisso. Mas verea<strong>do</strong>r, durante os<br />

quatro anos, se ele quiser, ele é a preocupação para o prefeito, porque<br />

ele atrapalha. Meu mari<strong>do</strong> não queria que eu me candidatasse, mas eu<br />

disse que iria sim.<br />

As mulheres atuam <strong>de</strong> forma mais direta. Veja, por exemplo, agora<br />

nesse concurso público aqui. Ele foi fraudulento. Só quem se reuniu<br />

foram as 5 (cinco) verea<strong>do</strong>ras com a promotora. Isso nos ajuda muito.<br />

Acontece o seguinte: tem realmente um pouco <strong>de</strong> timi<strong>de</strong>z, elas são<br />

mais agressivas. Elas têm essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Elas atacam mais. Os<br />

verea<strong>do</strong>res são mais quietos, os homens, o masculino.<br />

As falas das verea<strong>do</strong>ras expressam clareza sobre o lugar que ocupam e<br />

retratam uma visão positiva sobre o exercício <strong>do</strong> mandato parlamentar.<br />

Observamos que o fato <strong>de</strong> serem maioria nesse espaço <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r facilita a ação<br />

<strong>de</strong>las e a forma impositiva e às vezes até agressiva como atuam na Câmara.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Ao analisar a situação das mulheres na política local ten<strong>do</strong> o Município <strong>de</strong><br />

Sena<strong>do</strong>r La Roque como foco, observamos que as verea<strong>do</strong>ras têm clareza <strong>do</strong><br />

seu papel social e político e sabem muito bem discernir as particularida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r. Conseguem <strong>de</strong>finir muito claramente as questões <strong>de</strong> gênero<br />

que mais afetam o público feminino. Conhecem os dramas pessoais da<br />

população e sabem das responsabilida<strong>de</strong>s que a população <strong>de</strong>posita no trabalho<br />

35


que <strong>de</strong>senvolvem. Em seus discursos, as verea<strong>do</strong>ras trazem questões <strong>do</strong><br />

priva<strong>do</strong>, tais como <strong>de</strong>mocratizar as relações <strong>do</strong>mésticas, combater a violência<br />

<strong>de</strong> gênero, criar legislação que possibilite mudanças nos cotidianos das<br />

mulheres com a criação <strong>de</strong> estruturas públicas, como creches, políticas <strong>de</strong><br />

formação, políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, casas<br />

<strong>de</strong> parto, casas abrigo.<br />

Ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r este tipo <strong>de</strong> projeto, as verea<strong>do</strong>ras estão propon<strong>do</strong> outros<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia que interferem nas estruturas sociais, na medida em<br />

que são encaminha<strong>do</strong>s e transforma<strong>do</strong>s em lei pelas câmaras municipais. Elas<br />

sabem como essas políticas po<strong>de</strong>m transformar a vida das mulheres. Mas<br />

sabem também que muitas <strong>de</strong>ssas políticas estão distantes <strong>de</strong> se realizar, dada<br />

a situação <strong>de</strong> pobreza <strong>do</strong>s municípios e a falta <strong>de</strong> visão <strong>do</strong>s gestores, que<br />

elegem outras priorida<strong>de</strong>s.<br />

Outro fator positivo observa<strong>do</strong> na Câmara <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque é que,<br />

embora tenham divergências, elas se organizam para discutir os projetos,<br />

<strong>de</strong>bater os problemas, consultar a promotora, advoga<strong>do</strong>s para se fundamentar<br />

nas suas ações.<br />

Finalmente consi<strong>de</strong>ramos que a representação das mulheres na Câmara<br />

Municipal <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque, reflete um cenário que po<strong>de</strong> alterar as<br />

estruturas políticas <strong>do</strong> País no futuro, quan<strong>do</strong> a população brasileira começar a<br />

compreen<strong>de</strong>r a importância da parida<strong>de</strong>, uma vez que a parida<strong>de</strong> possibilita<br />

maior exercício da <strong>de</strong>mocracia, maior interlocução <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r político com a<br />

população.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALVES, José Eustáquio Diniz. O avanço da mulher na eleição e o déficit <strong>de</strong><br />

gênero. Vermelho portal. Disponível em:<br />

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=198600&id_secao=1. Acesso<br />

em 26 fev. 2012.<br />

BARROS, Deusinete Silva. (Verea<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r la Roque-MA). Entrevista<br />

concedida a Maria Mary Ferreira sobre atuação em cargo eletivo e sobre<br />

situação socioeconômica <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque (MA), fevereiro <strong>de</strong> 2012.<br />

________. Os basti<strong>do</strong>res da tribuna: mulher, política e po<strong>de</strong>r no Maranhão.<br />

São Luís: EDUFMA, 2010. 230p.<br />

36


________. Verea<strong>do</strong>ras e Prefeitas maranhenses: ação política e gestão<br />

municipal com enfoque <strong>de</strong> gênero. São Luís: EDUFMA, 2015.<br />

MELO, Ozima Cury-Rad. (Verea<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r la Roque-MA). Entrevista<br />

concedida a Maria Mary Ferreira sobre atuação em cargo eletivo e sobre<br />

situação socioeconômica <strong>de</strong> Sena<strong>do</strong>r La Roque (MA), 14 fevereiro <strong>de</strong> 2012<br />

SENADOR La Rocque (MA). In: Atlas <strong>do</strong> Desenvolvimento Humano no Brasil.<br />

Disponível em: www.atlasbrasil.org.br/2013.pt.perfil_m/sena<strong>do</strong>r-la-rocque_ma.<br />

37


VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES E O CENTRO DE REFERÊNCIA<br />

DA MARÉ: O DESAFIO DA POLÍTICA PÚBLICA NUMA FAVELA CARIOCA<br />

AUGUSTO, Cristiane Brandão<br />

Professora Doutora Adjunta <strong>de</strong> Direito Penal e Criminologia da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Direito e <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pósgraduação<br />

<strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s em Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, ambos da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Pós-<strong>do</strong>utora em Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Gênero pelo Centro <strong>de</strong> Investigaciones y Estudios <strong>de</strong> Género <strong>de</strong> la Universidad<br />

Nacional Autónoma <strong>de</strong> México. Integrante <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong> pesquisa <strong>do</strong> Laboratório Interdisciplinar <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e<br />

Intervenção em Políticas Públicas <strong>de</strong> Gênero - LIEIG/NEPP-DH, sob a coor<strong>de</strong>nação da Profa. Dra. Lilia G. Pougy.<br />

Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Grupo PEVIGE (Pesquisa e Estu<strong>do</strong> em Violência <strong>de</strong> Gênero), <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Promotoras Legais<br />

Populares <strong>do</strong> RJ e Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra-Geral da Seção Brasil <strong>do</strong> Observatório Latinoamericano <strong>de</strong> Justiça em Feminicídio.<br />

MARQUES, Maria Celeste Simões<br />

Professora Doutora Adjunta no Núcleo <strong>de</strong> Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da UFRJ – NEPP-DH, on<strong>de</strong> exerce<br />

a função <strong>de</strong> Vice-Diretora, Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Ensino e <strong>do</strong>cente no Programa <strong>de</strong> Pós-graduação e em especializações.<br />

Coor<strong>de</strong>na o Grupo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e Justiça – GEDHJUS/NEPP-DH e participa <strong>do</strong> Grupo <strong>de</strong> pesquisa<br />

<strong>do</strong> Laboratório Interdisciplinar <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Intervenção em Políticas Públicas <strong>de</strong> Gênero - LIEIG/NEPP-DH, sob a<br />

coor<strong>de</strong>nação da Profa. Dra. Lilia G. Pougy.<br />

RESUMO<br />

O cenário legislativo e administrativo <strong>do</strong> enfrentamento à violência <strong>de</strong><br />

gênero contra as mulheres, no Brasil, protagonizou gran<strong>de</strong> impulso a partir <strong>de</strong><br />

2003. Embora cria<strong>do</strong>s os Juiza<strong>do</strong>s especializa<strong>do</strong>s para os casos <strong>de</strong> violência<br />

<strong>do</strong>méstica e familiar contra a mulher, a insistência em respostas exclusivamente<br />

penais, com pouco atendimento humaniza<strong>do</strong> à vítima e escassa escuta sensível,<br />

reflete a revitimização e agudiza o distanciamento ao acesso à Justiça,<br />

especialmente quan<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>radas as categorias raça, etnia e classe social.<br />

Com este trabalho, objetiva-se mostrar que, se é necessária uma maior<br />

participação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário na implementação <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das<br />

Mulheres, também se faz indispensável o fortalecimento da re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

enfrentamento à violência <strong>de</strong> gênero, inclusive por meio <strong>do</strong>s Centros <strong>de</strong><br />

Referência. A experiência <strong>do</strong> CRMM-CR expressa a potência das políticas<br />

públicas <strong>de</strong> construção da plena cidadania feminina.<br />

Palavras-chave: <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das Mulheres. Políticas Públicas. Violência<br />

<strong>de</strong> Gênero. Acesso à Justiça. Centro <strong>de</strong> Referência das Mulheres da Maré.<br />

38


ABSTRACT<br />

The legislative and administrative scenario of facing gen<strong>de</strong>r violence<br />

against women in Brazil has been <strong>de</strong>veloped since 2003. Although specialized<br />

courts have been created for cases of <strong>do</strong>mestic and family violence against<br />

women, the insistence on exclusively criminal ansewers, with rare humanized<br />

attention to the victim and scarce sensitive listening, reflects the revictimization<br />

and increase the distance to access to justice, especially when consi<strong>de</strong>red the<br />

categories race, ethnicity and social class. The objective of this study is to show<br />

that, if greater participation of the Judiciary in the implementation of Women's<br />

Human Rights is required, it is also essential to strengthen the network to combat<br />

gen<strong>de</strong>r violence, including through the Reference Centers. The CRMM-CR<br />

experience expresses the power of these public policies of building full female<br />

citizenship.<br />

Keywords: Women's Human Rights; Public Policies; Gen<strong>de</strong>r Violence; Access<br />

to Justice; Maré Reference Center for Women.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A consolidação <strong>de</strong> uma política pública <strong>de</strong> enfrentamento à violência<br />

contra as Mulheres, como diretriz <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, na cultura popular e<br />

institucional <strong>de</strong> um país, requer, minimamente, uma prática efetiva <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

agentes envolvi<strong>do</strong>s no processo, quer da socieda<strong>de</strong> civil, quer <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res<br />

Públicos. No caso brasileiro, nota-se que os Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo<br />

produziram intervenções importantes que dão visibilida<strong>de</strong> ao tema, ainda que<br />

não exista uma efetivida<strong>de</strong> plena. A situação se mostra mais gravosa, todavia,<br />

no comportamento <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, que permanece imerso em práticas<br />

rotineiras banaliza<strong>do</strong>ras das peculiarida<strong>de</strong>s da questão <strong>de</strong> gênero, dificultan<strong>do</strong> o<br />

acesso à justiça e à promoção da igualda<strong>de</strong>.<br />

Consi<strong>de</strong>radas as vivências no atendimento às mulheres, especialmente<br />

às vítimas <strong>de</strong> violência, no âmbito <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Mulheres da Maré<br />

– Carminha Rosa (CRMM-CR) 2 , <strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Políticas Públicas em <strong>Direitos</strong><br />

2<br />

A Prof.ª Suely Souza <strong>de</strong> Almeida (in memorian), junto com a Prof. Lilia G. Pougy, ambas<br />

assistentes sociais, foram corresponsáveis pela criação e estruturação <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência<br />

39


<strong>Humanos</strong> (NEPP-DH), ambos órgãos da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(UFRJ), partimos da premissa da necessida<strong>de</strong> imperiosa da formação<br />

transversal <strong>do</strong>s agentes judiciários aplica<strong>do</strong>res das conquistas <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />

<strong>Humanos</strong> na Política <strong>de</strong> Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, para que<br />

seja possível a geração <strong>de</strong> estratégias capazes <strong>de</strong> consolidar outro “ethos” na<br />

esfera judiciária, com respeito à CEDAW, à Convenção <strong>de</strong> Belém <strong>do</strong> Pará e aos<br />

Protocolos e Diretrizes firma<strong>do</strong>s pelo Brasil.<br />

Simultaneamente, constatamos a potência <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias inova<strong>do</strong>ras<br />

para a (re)<strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> empo<strong>de</strong>ramento e para o fortalecimento da cidadania<br />

feminina, bem como para a formação <strong>de</strong> agentes multiplica<strong>do</strong>ras das variadas<br />

formas <strong>de</strong> enfrentamento à violência <strong>de</strong> gênero, através <strong>do</strong>s Centros <strong>de</strong><br />

Referência e, especificamente, <strong>de</strong> Oficinas temáticas e sociais <strong>de</strong>senvolvidas no<br />

CRMM-CR 3 .<br />

Em outras palavras, se o Po<strong>de</strong>r Judiciário precisa modificar suas práticas<br />

a fim <strong>de</strong> se coadunar às regras internacionais e nacionais <strong>de</strong> proteção aos<br />

<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das mulheres, <strong>de</strong>vemos estar também atentas ao<br />

fortalecimento das Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Proteção e <strong>de</strong> Enfrentamento à Violência a fim <strong>de</strong><br />

evitar retrocessos no campo <strong>do</strong> Executivo.<br />

A experiência em campo 4 , portanto, nos dá os contornos das reflexões a<br />

seguir, que têm como principal <strong>de</strong>safio a construção <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong><br />

enfrentamento às violências <strong>do</strong>mésticas, familiares e íntimas <strong>de</strong> afeto,<br />

vivenciadas por mulheres inseridas em territórios on<strong>de</strong> a violência urbana é<br />

constante e continuada historicamente, sem estabelecimento <strong>de</strong> limites,<br />

fronteiras, dissociações, entre as variadas violações. Assim é que o cotidiano <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Mulheres da Maré. Suely foi <strong>do</strong>cente, pesquisa<strong>do</strong>ra, propositora e primeira diretora<br />

responsável pela criação <strong>do</strong> Núcleo <strong>de</strong> Políticas Públicas em Direito <strong>Humanos</strong> - NEPP-DH/UFRJ,<br />

em 2004, com o apoio <strong>do</strong> então Reitor da UFRJ, Prof. Aloysio Teixeira (in memorian).<br />

3<br />

O Centro <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Mulheres da Maré – Carminha Rosa (CRMM-CR) está localiza<strong>do</strong><br />

na Vila <strong>do</strong> João, no Bairro da Maré, no Município <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Este “microbairro” resulta <strong>do</strong><br />

“Projeto-Rio”, que, em 1982, construiu um conjunto habitacional constituí<strong>do</strong> por 2.600 casas,<br />

ocupadas por mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> local que antes habitavam palafitas estendidas ao longo da baía <strong>de</strong><br />

Guanabara. Mais recentemente, a Vila <strong>do</strong> João, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o censo <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e<br />

Ações Solidárias da Maré – CEASM, em 2000 já possuía cerca <strong>de</strong> 4 mil <strong>do</strong>micílios e 10.700<br />

mora<strong>do</strong>res. Passou a ocupar o terceiro lugar em concentração populacional e o quarto em<br />

número <strong>de</strong> habitações, no conjunto que integra a divisão geopolítica “Maré 3”.<br />

4 Ficavam, a cargo das autoras, as supervisões das ativida<strong>de</strong>s teórico-práticas <strong>de</strong> atendimento<br />

jurídico das advogadas <strong>do</strong> CRMM-CR.<br />

40


vida das mora<strong>do</strong>ras usuárias <strong>do</strong> CRMM-CR não difere substancialmente da<br />

realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s e bairros <strong>de</strong> “periferia” <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

marca<strong>do</strong>s por profundas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero, classe social, raça e etnia.<br />

OBJETIVOS<br />

O presente texto objetiva refletir sobre os necessários avanços na política<br />

pública brasileira quanto à meta <strong>de</strong> se viver uma vida livre <strong>de</strong> violência. Nossa<br />

história recente <strong>de</strong>monstra respostas no campo Executivo e Legislativo, como<br />

uma ampla re<strong>de</strong> integrada <strong>de</strong> serviços especializa<strong>do</strong>s e uma significativa gama<br />

<strong>de</strong> diplomas legais. No entanto, as práticas institucionais <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

brasileiro não aten<strong>de</strong>m às expectativas das vítimas <strong>de</strong> violência <strong>de</strong> gênero, muito<br />

menos quan<strong>do</strong> num território atravessa<strong>do</strong> por outras formas <strong>de</strong> violência. A falta<br />

<strong>de</strong> atenção às diretrizes para processar e julgar com perspectiva <strong>de</strong> gênero, bem<br />

como a inobservância à <strong>de</strong>vida diligência distanciam a esfera judiciária da<br />

implementação efetiva <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> no Brasil.<br />

A<strong>de</strong>mais, se mudanças são imprescindíveis no sistema <strong>de</strong> Justiça, não<br />

menos imprescindível é a vigilância constante para evitar perdas <strong>de</strong> serviços já<br />

conquista<strong>do</strong>s e para fortalecer outras estratégias políticas que viabilizam a<br />

conscientização <strong>de</strong> direitos, a percepção das formas <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica,<br />

familiar ou íntima <strong>de</strong> afeto, bem como da autonomia na busca <strong>de</strong> alternativas<br />

para a consolidação da cidadania e da igualda<strong>de</strong>.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Se conquistamos a igualda<strong>de</strong> formal no âmbito constitucional em 1988,<br />

foi em 2003, todavia, que se marcou o início <strong>de</strong> ações mais amplas, mais<br />

estruturadas e organizadas <strong>de</strong>ntro das políticas públicas voltadas para as<br />

mulheres no Brasil. A partir <strong>de</strong> então, foram publica<strong>do</strong>s vários diplomas legais<br />

conten<strong>do</strong> conceitos, princípios e diretrizes <strong>de</strong> atendimento, combate e prevenção<br />

à violência, consagração <strong>de</strong> direitos, criação <strong>de</strong> novas instituições e serviços<br />

especializa<strong>do</strong>s, para além <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> integração entre os órgãos<br />

atuantes na temática <strong>de</strong> gênero, numa visão <strong>de</strong> políticas públicas em <strong>Direitos</strong><br />

<strong>Humanos</strong>.<br />

41


Ilustran<strong>do</strong> esse capítulo da história brasileira, temos, a título <strong>de</strong> exemplo,<br />

a edição <strong>de</strong> Planos Nacionais <strong>de</strong> Políticas para as Mulheres, da Lei Maria da<br />

Penha (Lei 11340/06), <strong>do</strong> Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra<br />

as Mulheres e das Diretrizes <strong>de</strong> Abrigamento das Mulheres em situação <strong>de</strong><br />

Violência. Ou seja, houve significativo empenho <strong>do</strong> Executivo e Legislativo na<br />

prevenção e atendimento das ocorrências <strong>de</strong> violência em face da mulher, o que<br />

vem ao encontro das <strong>de</strong>mandas <strong>do</strong>s movimentos feministas no país<br />

(PANDJIARJIAN, 2006; ALMEIDA, 2005).<br />

Aliás, historicamente, as contribuições <strong>do</strong>s feminismos brasileiros são<br />

indiscutíveis e fundamentais nesse processo <strong>de</strong> concretização das lutas em<br />

medidas administrativas e legais. Po<strong>de</strong>mos citar a criação, já em 1984, das<br />

Delegacias <strong>de</strong> Mulheres; o assim chama<strong>do</strong> “lobby <strong>do</strong> batom” na Assembleia<br />

Nacional Constituinte (PITANGUY, 2002); e o processamento <strong>do</strong> caso Maria da<br />

Penha junto à Comissão Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, que culminou na<br />

con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> Brasil a, <strong>de</strong>ntre outras recomendações, criar legislação interna<br />

para o enfrentamento à violência (CIDH, 2001).<br />

A consolidação <strong>de</strong>ssa agenda na Lei 11340/06 constitui marco legal<br />

importantíssimo. Em seu art. 1 o institui que: “Esta Lei cria mecanismos para coibir<br />

e prevenir a violência <strong>do</strong>méstica e familiar contra a mulher, nos termos <strong>do</strong> § 8o<br />

<strong>do</strong> art. 226 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, da Convenção sobre a Eliminação <strong>de</strong> Todas<br />

as Formas <strong>de</strong> Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para<br />

Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e <strong>de</strong> outros trata<strong>do</strong>s<br />

internacionais ratifica<strong>do</strong>s pela República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil; dispõe sobre a<br />

criação <strong>do</strong>s Juiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e<br />

estabelece medidas <strong>de</strong> assistência e proteção às mulheres em situação <strong>de</strong><br />

violência <strong>do</strong>méstica e familiar”.<br />

Quanto aos Juiza<strong>do</strong>s da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,<br />

a competência para o processamento e julgamento das infrações penais contra<br />

a mulher, baseadas no gênero, quan<strong>do</strong> praticadas no âmbito <strong>do</strong>méstico, da<br />

família ou <strong>de</strong> relação íntima <strong>de</strong> afeto, traz a expectativa <strong>de</strong> uma instância<br />

especializada para o tratamento <strong>de</strong>stas violências.<br />

42


Pesquisas empíricas na área das Ciências Humanas e Sociais, contu<strong>do</strong>,<br />

dão conta <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar os inúmeros obstáculos ao acesso à Justiça ainda não<br />

supera<strong>do</strong>s (OBSERVATÓRIO DA LEI MARIA DA PENHA, 2011; COMISSÃO<br />

PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO, 2012). Sucintamente, po<strong>de</strong>mos<br />

i<strong>de</strong>ntificar certos aspectos físico-estruturais (como o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

processos, poucos Juiza<strong>do</strong>s, escassa infraestrutura, número reduzi<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

profissionais, atmosfera inóspita, etc.), características histórico-culturais (como a<br />

diferença entre cultura jurídica oficial e cultura jurídica popular, a permanência<br />

<strong>de</strong> um padrão patriarcal <strong>de</strong> interpretação <strong>do</strong>s conflitos, os casos <strong>de</strong><br />

culpabilização da própria vítima, a tendência ao discurso <strong>de</strong> proteção da<br />

“família”, linguajar tecnicista etc.) e problemas político-legais (como a escassez<br />

<strong>do</strong> trabalho em Re<strong>de</strong>, a falta <strong>de</strong> visão da ativida<strong>de</strong> judicante como integrada a<br />

um projeto maior <strong>de</strong> Política Pública, a ausência <strong>de</strong> capacitação qualitativamente<br />

condizente com este mesmo projeto, a legislação antiga e contraditória, a falta<br />

<strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> condições para o cumprimento da Lei Maria da Penha na<br />

integralida<strong>de</strong> etc.) (AUGUSTO, 2015).<br />

Ten<strong>do</strong> em vista tais questões institucionais, como, então, introjetar nas<br />

vítimas – e na socieda<strong>de</strong> como um to<strong>do</strong> – o pensamento e os valores feministas,<br />

quan<strong>do</strong> o que lhes é ofereci<strong>do</strong> são <strong>de</strong>cisões burocráticas <strong>de</strong>moradas, nem<br />

sempre condizentes com a realida<strong>de</strong> social e com um sistema penitenciário<br />

segrega<strong>do</strong>r e estigmatiza<strong>do</strong>r? Como impedir que a Lei Maria da Penha seja vista<br />

e funcione como uma simples resposta às pressões internacionais, apenas<br />

mascaran<strong>do</strong> a violência ao atuar em sua repressão criminal em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />

suas medidas cíveis, administrativas e da lógica da prevenção? Tal postura é<br />

perigosa, uma vez que acaba por afastar ainda mais as mulheres <strong>do</strong> sistema <strong>do</strong>s<br />

Juiza<strong>do</strong>s que, em tese, <strong>de</strong>veria existir para também protegê-la, por introjetar uma<br />

“falta <strong>de</strong> solução” ao problema da violência <strong>de</strong> gênero e por quase “legitimar”<br />

uma condição inferior à mulher. Dessa forma, naturaliza e banaliza-se o<br />

problema.<br />

Especialmente no locus experiencia<strong>do</strong> através <strong>do</strong>s atendimentos no<br />

CRMM-CR, percebe-se um engessamento coletivo <strong>de</strong> recorrer às instâncias<br />

oficiais <strong>de</strong> repressão. A realida<strong>de</strong> marcada pelo controle <strong>do</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas e<br />

43


atificada pela ausência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na comunida<strong>de</strong> distancia a vítima <strong>do</strong>s<br />

instrumentos pré-judiciais e judiciais, reforçan<strong>do</strong> os mecanismos informais (nem<br />

sempre legais) <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflito 5 .<br />

Quan<strong>do</strong>, entretanto, o obstáculo inicial é ultrapassa<strong>do</strong> e a vítima alcança<br />

algum órgão <strong>do</strong> sistema penal - Delegacia <strong>de</strong> Polícia, Ministério Público,<br />

Juiza<strong>do</strong>s (DEAM) - não raramente presenciam-se <strong>de</strong>poimentos retratan<strong>do</strong> uma<br />

dupla vitimização e a violência das omissões <strong>do</strong>s agentes públicos, que não<br />

cumprem as diligências, que não realizam as intimações <strong>do</strong>(a) agressor(a) por<br />

se verem impedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ingressar naquele território, com organização “políticojurídica”<br />

tão própria. Justificam expressamente sua inação, sustentan<strong>do</strong> que as<br />

favelas são “área <strong>de</strong> risco”.<br />

Foi o que aconteceu com Suzana, uma mulher na faixa <strong>do</strong>s 40 anos,<br />

separada, com uma filha <strong>de</strong> 6 anos que, agredida por seu ex-companheiro,<br />

buscou uma <strong>de</strong>legacia comum para pedir ajuda. Uma <strong>de</strong> suas principais queixas<br />

estava relacionada ao receio <strong>de</strong> que <strong>de</strong>nunciar o ex-mari<strong>do</strong> produzisse<br />

consequências <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>, pela insatisfação <strong>do</strong>s traficantes caso a<br />

polícia entrasse na favela para garantir seus direitos. Suzana foi aconselhada<br />

por amigos e vizinhos a procurar os traficantes antes (ou ao invés) <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar<br />

o ex-companheiro à polícia (SANTIAGO; GONÇALVES, 2013, p. 2).<br />

Com efeito, é compartilha<strong>do</strong> entre as usuárias <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência e<br />

os profissionais <strong>de</strong> atendimento (técnicas, resi<strong>de</strong>ntes e estagiárias), um<br />

sentimento <strong>de</strong> frustração pelas limitações inerentes ao acesso à Justiça, não só<br />

pelos entraves quanto ao acesso às instâncias judiciárias – percurso tormentoso<br />

e dispendioso (“rota crítica”), multissetorial, burocrático e lento – mas também<br />

pelas barreiras quanto ao acesso a uma or<strong>de</strong>m jurídica justa, pelas intrincadas<br />

interpretações jurídicas patriarcais que perpetuam uma cultura tradicional<br />

<strong>do</strong>minante.<br />

5<br />

Na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar, uma das estratégias usadas pelos mora<strong>do</strong>res para resolver<br />

seus problemas é conhecida como <strong>de</strong>senrolo. Desenrolar na gíria da favela diz respeito a uma<br />

forma <strong>de</strong> negociação entre diferentes agentes sociais, funciona como um mecanismo informal<br />

<strong>de</strong> fazer justiça. Aqui, nos referimos à negociação entre os mora<strong>do</strong>res e os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> tráfico para<br />

resolver conflitos, justificar ou explicar alguma situação ou pedir algum favor. Através da<br />

mediação <strong>do</strong> tráfico, busca-se a solução para problemas individuais e priva<strong>do</strong>s que as<br />

instituições legais não dão conta <strong>de</strong> resolver. (SANTIAGO; GONÇALVES, 2013, p. 7).<br />

44


METODOLOGIA<br />

Inova<strong>do</strong>ramente, no CRMM-CR são utilizadas meto<strong>do</strong>logias<br />

diferenciadas, cuja experiência vem <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> sucesso. Aí entram os<br />

fuxicos, os baila<strong>do</strong>s, as máscaras, os filmes, os livros. Assim, para além das<br />

Oficinas temáticas tradicionais, são <strong>de</strong>senvolvidas Oficinas sociais no campo da<br />

educação artística, da dança, <strong>do</strong> teatro, da leitura etc.<br />

A finalida<strong>de</strong> das meto<strong>do</strong>logias consiste em incentivar a interação, a<br />

sociabilida<strong>de</strong>, a troca <strong>de</strong> experiências, a reflexão coletiva sobre questões <strong>de</strong><br />

gênero através <strong>de</strong> instrumentos lúdicos manuais, corporais e intelectuais, que<br />

permitam coor<strong>de</strong>nar movimentos, apropriar-se <strong>de</strong> espaços, bem como explorar<br />

senti<strong>do</strong>s e compartilhar sentimentos, angústias e violações cotidianas, sempre<br />

pensan<strong>do</strong> em mecanismos <strong>de</strong> superação, empo<strong>de</strong>ramento, autoestima,<br />

conhecimento <strong>de</strong> si, <strong>do</strong> seu entorno e, consequentemente, <strong>do</strong> acesso à re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

proteção da mulher em situação <strong>de</strong> violência e da conscientização <strong>de</strong> direitos.<br />

Através da Oficina <strong>de</strong> fuxico, por exemplo, se reciclam os materiais e,<br />

metaforicamente, a própria vida. Cada peça <strong>de</strong> teci<strong>do</strong> costurada simboliza um<br />

núcleo que se unirá a tantos outros num tecer <strong>de</strong> falas e experiências que<br />

culmina um produto final forte e ata<strong>do</strong>. Na Oficina <strong>de</strong> dança, apren<strong>de</strong>-se a<br />

(re)conhecer o próprio corpo, reconfiguran<strong>do</strong> a noção <strong>de</strong> beleza, <strong>de</strong><br />

produtivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> si, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> a somatização <strong>de</strong> problemas, os<br />

mecanismos <strong>de</strong> distensionamento, bem como “[...] as formas <strong>de</strong> ser que levam<br />

a cristalizações e que fragilizam a autoestima [...]” 6 .<br />

Na esteira <strong>de</strong> Paulo Freire, temos as ferramentas para mudar a realida<strong>de</strong><br />

que nos cerca. Ficar alija<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> transformação potencializa<br />

sentimentos <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> e, consequentemente, <strong>de</strong> impotência diante das<br />

situações <strong>de</strong> violência. Por fim, “[...] pisar na cena, dar voz e corpo às<br />

personagens, dizer, redizer, <strong>de</strong>sdizer [...] Através da experimentação teatral, é<br />

possível reinventar-se e dar novas formas às agruras <strong>do</strong> dia, em especial<br />

àquelas que marcam tão profundamente [...]” 7 .<br />

6 Disponível em: , da<strong>do</strong>s captura<strong>do</strong>s em 10.03.2018.<br />

7 Disponível em: , da<strong>do</strong>s captura<strong>do</strong>s em 10.03.2018.<br />

45


RESULTADOS<br />

No i<strong>de</strong>ário e imaginário popular, e também das mulheres vitimadas, o<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário é o último guardião e a esperança <strong>de</strong> proteção aos seus direitos.<br />

A questão se coloca especialmente importante consi<strong>de</strong>rada a estrutura política<br />

e i<strong>de</strong>ológica da socieda<strong>de</strong> internacional oci<strong>de</strong>ntal, on<strong>de</strong> os direitos humanos<br />

consolidam-se como instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, garantia e promoção tanto das<br />

liberda<strong>de</strong>s públicas quanto das condições materiais essenciais à existência e<br />

vida digna. No entanto, nossa experiência <strong>de</strong>monstra o baixo grau <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong> justiciabilida<strong>de</strong> na tutela <strong>de</strong> tais direitos humanos, especialmente quan<strong>do</strong><br />

na realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma favela carioca.<br />

Parece-nos clara a pouca intimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s magistra<strong>do</strong>s, mesmo <strong>do</strong>s<br />

Juiza<strong>do</strong>s da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com o conceito<br />

geral e as normas <strong>de</strong> direitos humanos e da política <strong>de</strong> enfrentamento à violência<br />

<strong>de</strong> gênero, para além da Lei Maria da Penha e das condições interseccionais. O<br />

que impe<strong>de</strong>, ou minimamente dificulta, a percepção <strong>do</strong>s casos nos quais uma<br />

situação subjetiva existencial <strong>de</strong> uma mulher está em risco e po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser<br />

protegida sob a égi<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> das Mulheres.<br />

Ainda assim, sabemos que não basta aparelhar, informar ou capacitar o<br />

Judiciário ou os <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res constituí<strong>do</strong>s formalmente em nosso Esta<strong>do</strong><br />

“Democrático e <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong>”. Precisamos ir além, na busca <strong>de</strong> expertises diversas<br />

promotoras <strong>de</strong> potencialida<strong>de</strong>s para as mulheres, com todas as suas<br />

peculiarida<strong>de</strong>s e seus marca<strong>do</strong>res <strong>de</strong> raça, classe, etnia, orientação sexual etc.,<br />

e com o envolvimento e participação <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> civil. A<br />

transversalida<strong>de</strong> e a multidisciplinarida<strong>de</strong> se fazem misteres, o que, na nossa<br />

visão, legitima e potencializa espaços e produções, tais como o Centro <strong>de</strong><br />

Referência <strong>de</strong> Mulheres e o Curso <strong>de</strong> Residência Multidisciplinar em Atenção<br />

Integral às Mulheres, da UFRJ, como iniciativas que, além <strong>de</strong> formativas, se<br />

propõem a repensar e recriar direitos e alternativas à violência. O CRMM-CR,<br />

como um Centro <strong>de</strong> Referência em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, nos apresenta subsídios<br />

à “construção <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias inova<strong>do</strong>ras” (POUGY, 2010).<br />

46


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Nesses quadros <strong>de</strong> guerra, em que se distinguem as vidas passíveis <strong>de</strong><br />

luto (BUTLER, 2015), o CRMM-CR se apresenta como um foco <strong>de</strong> resistência à<br />

i<strong>de</strong>ologia patriarcal, como uma política atual <strong>de</strong> implementação efetiva da<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, através <strong>do</strong> atendimento e o acompanhamento psicossocial<br />

e jurídico, com orientação nas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s; da promoção <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates, estu<strong>do</strong>s<br />

e propostas sobre a realida<strong>de</strong> social brasileira, produzin<strong>do</strong> indica<strong>do</strong>res sociais e<br />

avaliação <strong>de</strong> políticas sociais; <strong>do</strong> favorecimento da participação das mulheres<br />

em grupos <strong>de</strong> reflexão com vistas à recuperação e/ou elevação <strong>de</strong> sua<br />

autoestima e ao reconhecimento e exercício <strong>de</strong> seus direitos.<br />

Assim, se o acesso às instâncias oficiais <strong>de</strong> justiça apresentam falhas – e<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente disso –, <strong>de</strong>vemos investir nas políticas <strong>de</strong> estruturação e <strong>de</strong><br />

sensibilização <strong>do</strong> sistema judicial mas, sobretu<strong>do</strong>, na construção da re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

equipamentos sociais para a prevenção e o enfrentamento da violência <strong>de</strong><br />

gênero, na perspectiva não só <strong>de</strong> otimização <strong>do</strong>s procedimentos <strong>de</strong><br />

encaminhamento e acompanhamento, inclusive no âmbito jurídico, mas também<br />

e principalmente para <strong>de</strong>stacar as dimensões <strong>de</strong> empo<strong>de</strong>ramento, autonomia e<br />

fortalecimento <strong>do</strong> exercício da cidadania feminina.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMEIDA, Suely Souza <strong>de</strong>. A Violência <strong>de</strong> Gênero como uma Violação <strong>do</strong>s<br />

<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>: a situação brasileira. In: JORNADA INTERNACIONAL DE<br />

POLÍTICAS PÚBLICAS, 2., 2005. <strong>Anais</strong> eletrônicos [...] São Luís: EDUFMA,<br />

2005. Disponível em:<br />

. Acesso em: 20 jan. 2019.<br />

AUGUSTO, Cristiane Brandão. (Coord.). Violência contra a Mulher e as<br />

Práticas Institucionais: Projeto Pensan<strong>do</strong> o Direito, vol. 52, Brasília, DF: IPEA,<br />

Ministério da Justiça, 2015. Disponível em: .<br />

Acesso em: 22 jan.<br />

2019.<br />

47


BUTLER, Judith. Quadros <strong>de</strong> Guerra: quan<strong>do</strong> a vida é passível <strong>de</strong> luto? São<br />

Paulo: Civilização Brasileira, 2015.<br />

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório no. 54,<br />

Caso 12.051, <strong>de</strong> Maria da Penha Maia Fernan<strong>de</strong>s, Brasil. Brasília, DF: CIDH,<br />

2001. Disponível em: .<br />

Acesso em: 22 jan. 2019.<br />

COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO. Relatório. Brasília, DF:<br />

Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral, 2012. Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 26 jan. 2019.<br />

OBSERVATÓRIO DA LEI MARIA DA PENHA. I<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> entraves na<br />

articulação <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> atendimento às mulheres vítimas <strong>de</strong> violência<br />

<strong>do</strong>méstica e familiar em cinco capitais. Salva<strong>do</strong>r: Observe, 2011. Disponível em:<br />

. Acesso em: 27 jan. 2019.<br />

PANDJIARJIAN, Valéria. Balanço <strong>de</strong> 25 anos da legislação sobre a violência<br />

contra as mulheres no Brasil. In: DINIZ, Carmen Simone G.; SILVEIRA, Lenira<br />

P. da; MIRIAN, Liz Andréa L. (Org.). Vinte e cinco anos <strong>de</strong> respostas<br />

brasileiras em violência contra a mulher (1980-2005): alcances e limites. São<br />

Paulo: Coletivo Feminista Sexualida<strong>de</strong> e Saú<strong>de</strong>, 2006. p. 78-139.<br />

POUGY, Lilia Guimarães. Desafios políticos em tempos <strong>de</strong> Lei Maria da Penha.<br />

Rev. Katál., Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 76-85, jan./jun. 2010. Disponível em:<br />

. Acesso em: 27 jan. 2019.<br />

SANTIAGO, Marisa Antunes; GONÇALVES, Hebe Signorini. Universalida<strong>de</strong><br />

possível ou reducionismo exclu<strong>de</strong>nte? Entre a Lei Maria da Penha e o<br />

Desenrolo. [Florianópolis: UFSC], 2013. Disponível em:<br />

. Acesso e: 28 jan. 2019.<br />

48


RESUMO<br />

A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR – O<br />

CASO DA ESTGL<br />

GUEDES, Anabela Fernan<strong>de</strong>s<br />

Doutoramento<br />

ague<strong>de</strong>s@estgl.ipv.pt<br />

MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />

Doutoramento<br />

psantos@estgl.ipv.pt<br />

ANTUNES, Sandra Maria<br />

Doutoramento<br />

santunes@estgl.ipv.pt<br />

As instituições <strong>de</strong> ensino têm como principal incumbência fazer cumprir o artigo<br />

26ª da Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e estão, por isso, obrigadas<br />

a cumprir o <strong>de</strong>safio que têm inerente à sua missão. Mais <strong>do</strong> que qualquer outra<br />

ativida<strong>de</strong> institucionalizada, é a educação o sector que mais pessoas envolve.<br />

Fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e económico incontestável, as Instituições <strong>de</strong><br />

Ensino Superior têm como principal objetivo a qualificação <strong>de</strong> alto nível <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os que as frequentam e são, por isso, responsáveis por melhorar as<br />

competências e preparar os jovens para a vida ativa. Inserida na região <strong>de</strong><br />

Lamego, a ESTGL, uma unida<strong>de</strong> orgânica <strong>do</strong> Instituto Politécnico <strong>de</strong> Viseu, é<br />

uma instituição <strong>de</strong> ensino superior igual a tantas outras neste país que preten<strong>de</strong><br />

cumprir a missão para a qual foi criada e é uma fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social<br />

e económico da região <strong>de</strong> Lamego. Este artigo tem como objetivo refletir em<br />

relação à missão das instituições <strong>do</strong> ensino superior e à evolução da ESTGL<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrou em funcionamento, no ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001, até aos dias<br />

<strong>de</strong> hoje.<br />

Palavras-chaves: Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior, Ensino, ESTGL<br />

INTRODUÇÃO<br />

A incessante vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>minar o conhecimento acompanha a trajetória<br />

humana. A importância <strong>de</strong>sta vonta<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser materializada, por exemplo, pela<br />

constante procura <strong>de</strong>fendida por Platão em compreen<strong>de</strong>r a natureza <strong>do</strong><br />

conhecimento. Platão <strong>de</strong>dicou a sua vida a esta tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a<br />

49


essência <strong>do</strong> saber. Já para a fé hindu, o conhecimento representava uma das<br />

três vias <strong>de</strong> acesso à divinda<strong>de</strong>. No entanto, na História da Humanida<strong>de</strong>, a<br />

presença <strong>do</strong> conhecimento vai muito além <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e crenças. O conhecimento<br />

e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação é o que distingue o Homem <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais<br />

seres-humanos, sen<strong>do</strong> que a liberda<strong>de</strong> humana está intimamente ligada a esta<br />

mesma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter informação, ou seja, a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> fazermos<br />

isto ou aquilo supõe que tenhamos a informação necessária para tomarmos esta<br />

ou aquela <strong>de</strong>cisão e isso repercute-se no nosso livre arbítrio. Diz-se mesmo que<br />

“o conhecimento é a moeda <strong>do</strong> nosso tempo” e é neste contexto <strong>de</strong> uma<br />

aparente necessida<strong>de</strong> básica ao ser-humano que as instituições <strong>de</strong> ensino são<br />

e serão (sempre) a melhor resposta.<br />

Criadas com o objetivo <strong>de</strong> serem concebidas como instrumentos <strong>de</strong><br />

mudança e transformação social orienta<strong>do</strong>s para o enriquecimento da vida<br />

humana, as instituições <strong>de</strong> ensino têm, pois, a missão da realização máxima <strong>do</strong><br />

potencial inerente ao indivíduo visan<strong>do</strong> a sua formação integral. Na esteira,<br />

surgem as instituições <strong>de</strong> ensino superior que almejam a concretização <strong>de</strong>sse<br />

mesmo objetivo, com benefícios para quem as frequenta e para a socieda<strong>de</strong>,<br />

com claras vantagens que se refletem, em primeira e última instância na<br />

felicida<strong>de</strong> das pessoas.<br />

OBJETIVOS<br />

Este trabalho tem como objetivo refletir em relação à missão das<br />

instituições <strong>do</strong> ensino superior e à missão da ESTGL <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se implementou<br />

na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lamego e entrou em funcionamento, no ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Talvez possamos afirmar, sem que pareça particularmente redutor, que o<br />

objetivo principal da escola é que esta forme os seus alunos <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a ver<br />

concretiza<strong>do</strong> o ponto 5 <strong>do</strong> Artigo 2º da Lei <strong>de</strong> Bases <strong>do</strong> Sistema Educativo,<br />

promoven<strong>do</strong>:<br />

… o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> espírito <strong>de</strong>mocrático e pluralista, respeita<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong>s outros e das suas i<strong>de</strong>ias, aberto ao diálogo e à livre troca <strong>de</strong><br />

opiniões, forman<strong>do</strong> cidadãos capazes <strong>de</strong> julgarem com espírito crítico<br />

50


e criativo o meio social em que se integram e <strong>de</strong> se empenharem na<br />

sua transformação progressiva. (Portugal , 1986)<br />

A escola <strong>de</strong> hoje assume um papel único e primordial <strong>de</strong> integração <strong>do</strong><br />

saber, uma vez que tem <strong>de</strong> atuar em várias frentes: por um la<strong>do</strong>, diminuir e<br />

combater a exclusão <strong>do</strong>s alunos da socieda<strong>de</strong> da informação; por outro la<strong>do</strong>,<br />

concretizar a troca <strong>de</strong> saberes e a interação social. É ainda essencial que o<br />

professor, sobretu<strong>do</strong>, entenda claramente que numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, a<br />

educação <strong>de</strong>ve estar ao serviço <strong>de</strong> todas as pessoas, não com o objetivo <strong>de</strong> se<br />

tornarem universitários, mas com o objetivo <strong>de</strong> que sejam pessoas capazes <strong>de</strong><br />

dar respostas aos problemas com que se vão <strong>de</strong>bater ao longo da vida (Zabala,<br />

1999).<br />

A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s no acesso a melhores empregos e à<br />

realização pessoal e profissional das pessoas é um <strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios com que se<br />

<strong>de</strong>bate qualquer projeto educativo alicerça<strong>do</strong> em qualquer estabelecimento <strong>de</strong><br />

ensino. A escola, no senti<strong>do</strong> lato, e as instituições <strong>de</strong> ensino, no senti<strong>do</strong> restrito,<br />

têm o papel <strong>de</strong>cisivo enquanto <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> saberes consagra<strong>do</strong>s em matéria<br />

<strong>de</strong> teoria e prática da educação, sen<strong>do</strong>, por isso, a materialização <strong>de</strong> toda a<br />

filosofia política da educação que está incorporada em qualquer sistema<br />

educativo vigente.<br />

Pelo facto <strong>de</strong> acreditarmos genuinamente nas i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> parágrafo anterior<br />

e inspiradas em Card (2016), norteamos agora a nossa reflexão em torno <strong>do</strong><br />

facto da educação ser o principal fator para <strong>de</strong>terminar as diferenças salariais,<br />

não negligencian<strong>do</strong> que, com estas, vêm as outras <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s (Card, 2016).<br />

Ora, se por um la<strong>do</strong> acreditamos que a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s por parte <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s quantos assim o <strong>de</strong>sejem <strong>de</strong>ve ser uma preocupação incessante da<br />

escola, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> nos inquietar com o facto <strong>de</strong> sabermos que o<br />

ensino superior tem, ainda, um perfil altamente elitista. (Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018)<br />

Para fazer cumprir a sua missão, qualquer estabelecimento <strong>de</strong> ensino terá<br />

<strong>de</strong> cumprir o <strong>de</strong>sígnio para o qual foi cria<strong>do</strong>: a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar<br />

cidadãos livres, autónomos e responsáveis e, com isso, profissionais<br />

competentes, sen<strong>do</strong> que a frequência <strong>do</strong> ensino superior acarreta por si só (e <strong>de</strong><br />

imediato) incomensuráveis vantagens que não se resumem às económicas.<br />

51


Cidadãos bem forma<strong>do</strong>s pensam melhor e quem pensa melhor toma melhores<br />

<strong>de</strong>cisões e quem toma melhores <strong>de</strong>cisões é mais feliz. De uma maneira muito<br />

natural, po<strong>de</strong>mos afirmar que a frequência <strong>do</strong> ensino superior acarreta, por um<br />

la<strong>do</strong>, benefícios para os próprios indivíduos e para as socieda<strong>de</strong>s e por outro<br />

la<strong>do</strong>, essa vantagem po<strong>de</strong> refletir-se na felicida<strong>de</strong> das pessoas, fazen<strong>do</strong> com<br />

que se sintam mais satisfeitas com a vida, já que “a educação superior está<br />

associada a um conjunto <strong>de</strong> comportamentos que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> virtuosos”<br />

(Figueire<strong>do</strong>, et al., 2017, p. 26). Na verda<strong>de</strong>, “indivíduos mais escolariza<strong>do</strong>s<br />

ten<strong>de</strong>m a ter menos comportamentos antissociais, auto ou hetero<strong>de</strong>strutivos e a<br />

participar mais ativamente nos diálogos da sua comunida<strong>de</strong>.” (Figueire<strong>do</strong>, et al.,<br />

2017, p. 11). Por outras palavras, além <strong>do</strong> efeito imediato no bem-estar da<br />

educação,ela própria, a educação tem também um efeito i indireto, ao promover<br />

todas essas outras dimensões <strong>do</strong> bem-estar individual e coletivo. (Powdthavee,<br />

Lekfuangfu, & Woo<strong>de</strong>n, 2015)<br />

Contu<strong>do</strong>, a nossa tónica aqui é a <strong>de</strong> refletir em relação ao facto <strong>de</strong> as<br />

instituições <strong>de</strong> ensino superior localizadas no interior terem (ou não) a missão <strong>de</strong><br />

contribuir para o fim <strong>de</strong> um elitismo que ainda se sente e qual a importância que<br />

lhes é atribuída por contribuírem, como nós <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos, para um <strong>de</strong>créscimo<br />

das diferenças entre indivíduos menos afortuna<strong>do</strong>s pelo facto <strong>de</strong> não viverem no<br />

litoral ou <strong>de</strong> não serem provenientes <strong>de</strong> famílias abastadas, munin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />

quantos as frequentam <strong>de</strong> competências, <strong>de</strong> maneira a cumprir-se a igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s no acesso a melhores empregos e à realização pessoal que<br />

antes já evocámos.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Para esta investigação foi conduzida uma pesquisa exploratória <strong>de</strong> fontes<br />

bibliográficas e feita uma análise <strong>do</strong>cumental.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

……….ENSINO POLITÉCNICO<br />

O ensino politécnico foi concebi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se alargou a reflexão em<br />

relação à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se contemplar não apenas o tradicional ensino<br />

52


conceptual, mas para se integrar um ensino consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> “mais prático” e, por<br />

isso, mais liga<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> certas profissões, com a tónica no “saber<br />

fazer”. O <strong>de</strong>creto-lei nº 513T/79 <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> setembro estabelecia, então, que "o<br />

ensino superior politécnico - <strong>de</strong>signação porque passa a ser conheci<strong>do</strong> o ensino<br />

superior <strong>de</strong> curta duração ... visa, no essencial, <strong>do</strong>tar o País com os profissionais<br />

<strong>de</strong> perfil a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong> que este carece para o seu <strong>de</strong>senvolvimento". (Portugal,<br />

1979)<br />

Nos apelida<strong>do</strong>s países oci<strong>de</strong>ntais, no final <strong>do</strong>s anos cinquenta e durante<br />

a década <strong>de</strong> 60 <strong>do</strong> século XX e fruto <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento económico e social<br />

verifica<strong>do</strong> na altura, eis que se assiste a uma enorme pressão nos diferentes<br />

sistemas educativos com o intuito <strong>de</strong> lhes “introduzir reformas estruturais que<br />

permitissem respon<strong>de</strong>r às novas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento. (Braga,<br />

1994, p. 7)<br />

Como atesta Braga (1994), as reformas a que nos referimos traduziramse,<br />

entre outras, em “expandir, diversificar e regionalizar o ensino superior e <strong>de</strong><br />

permitir uma igualda<strong>de</strong> social no acesso e sucesso escolar.” (Braga, 1994, p. 8)<br />

O caminho para o estabelecimento <strong>do</strong> ensino politécnico foi um caminho<br />

longo e cheio <strong>de</strong> contrarieda<strong>de</strong>s a partir <strong>de</strong> 1973. Não ignoran<strong>do</strong> os percalços e<br />

os atrasos e avanços que nos fizeram chegar até aqui, assinalamos neste<br />

trabalho a data <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986, data da publicação da lei <strong>de</strong> bases <strong>do</strong><br />

Sistema Educativo on<strong>de</strong> ficou consagrada a existência <strong>do</strong>s 2 subsistemas <strong>de</strong><br />

ensino superior que hoje conhecemos: o universitário e o politécnico. (Sousa,<br />

1999)<br />

A procura regional da educação superior, nomeadamente o acesso e a<br />

frequência <strong>do</strong>s Institutos politécnicos reflete, ainda hoje, persistentes dicotomias<br />

nacionais e regionais, materializadas numa evi<strong>de</strong>nte diferenciação institucional,<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> sistema superior binário, como po<strong>de</strong>mos constatar na tabela que<br />

abaixo apresentamos.<br />

53


Tabela 1 - Alunos <strong>do</strong> Ensino Superior<br />

Anos Universitário Politécnico<br />

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres<br />

2000 30 498 11 307 19 191 23 757 7 351 16 406<br />

2001 31 950 11 930 20 020 29 190 8 162 21 028<br />

2002 33 371 12 510 20 861 30 727 8 541 22 186<br />

2003 35 498 13 306 22 192 33 013 9 185 23 828<br />

2004 36 293 13 954 22 339 32 375 9 494 22 881<br />

2005 36 455 13 931 22 524 33 532 10 414 23 118<br />

2006 38 541 14 642 23 899 33 287 10 198 23 089<br />

2007 46 255 19 152 27 103 37 021 12 978 24 043<br />

2008 47 824 20 165 27 659 36 185 13 735 22 450<br />

2009 48 848 21 388 27 460 27 719 9 797 17 922<br />

2010 50 656 21 882 28 774 27 953 9 472 18 481<br />

2011 50 528 21 890 28 638 28 257 9 764 18 493<br />

2012 53 368 22 651 30 717 28 042 9 928 18 114<br />

2013 54 329 23 406 30 923 26 570 9 405 17 165<br />

2014 51 225 22 206 29 019 24 681 8 840 15 841<br />

2015 52 367 22 326 30 041 24 525 8 849 15 676<br />

2016 51 068 21 810 29 258 22 018 8 398 13 620<br />

2017 51 335 21 883 29 452 25 699 10 539 15 160<br />

Fonte: PORDATA, 2018<br />

Já referencia<strong>do</strong> anteriormente, o estu<strong>do</strong> “O Custo <strong>do</strong>s Estudantes no<br />

Ensino Superior Português” concluía que, globalmente, o grau <strong>de</strong> equida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Ensino Superior Português, medi<strong>do</strong> pela representação <strong>de</strong> cada<br />

grupo social da população portuguesa em estudantes <strong>do</strong> ensino superior, é ainda<br />

baixo, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> um perfil (ainda) <strong>de</strong> ensino elitista.<br />

Das conclusões que o mesmo apresentou, <strong>de</strong>stacamos:<br />

● “Foi o ensino politécnico público que apresentou um maior peso da<br />

perceção <strong>de</strong> pertencer ao grupo <strong>de</strong> baixos rendimentos (20,5%)…”<br />

(Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018, p. 45)<br />

● “Os estudantes <strong>do</strong> ensino politécnico público eram aqueles cujos pais<br />

menos ocupavam posições <strong>de</strong> quadros superiores <strong>de</strong> empresas ou<br />

organismos públicos, com apenas 3,6% nessa situação…” (Cer<strong>de</strong>ira, et<br />

al., 2018, p. 55)<br />

● “Registaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os<br />

estudantes consoante o tipo <strong>de</strong> ensino, sen<strong>do</strong> no ensino politécnico<br />

54


público on<strong>de</strong> se registou o menor grupo <strong>de</strong> habilitações superiores <strong>de</strong> pais<br />

e mães…” (Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018, p. 63)<br />

● “O ensino politécnico público apresentou a maior taxa <strong>de</strong> bolseiros, 36%<br />

<strong>do</strong>s estudantes inquiri<strong>do</strong>s...” (Cer<strong>de</strong>ira, et al., 2018, p. 70)<br />

● “A perceção <strong>do</strong>s estudantes em relação ao estatuto socioeconómico e<br />

habilitacional <strong>do</strong>s pais apontava para um certo elitismo, com 16,6% a<br />

consi<strong>de</strong>rar que provinham <strong>de</strong> agrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “baixos rendimentos”, 46,7%<br />

<strong>de</strong> “rendimentos médios” e 36,7% <strong>de</strong> “rendimentos altos/médio alto”.<br />

Foram os estudantes <strong>do</strong> ensino priva<strong>do</strong> que referiram uma percentagem<br />

mais elevada <strong>de</strong> “rendimentos altos/médio alto” (47,3%); e foram os<br />

estudantes <strong>do</strong> ensino politécnico público os que indicaram uma<br />

percentagem mais elevada <strong>de</strong> “rendimentos baixos” (20,5%).” (Cer<strong>de</strong>ira,<br />

et al., 2018, p. 129)<br />

A acrescentar aos da<strong>do</strong>s recolhi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> que acima apresentámos,<br />

<strong>de</strong>stacamos, ainda, que um <strong>do</strong>s fatores mais relevantes para explicar as<br />

escolhas <strong>do</strong>s jovens em relação ao ensino superior é a escolarida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais, e<br />

em especial, a da mãe. Esta circunstância vai <strong>de</strong>terminar a frequência <strong>do</strong> ensino<br />

superior por parte <strong>do</strong> filho. Portanto, o acesso ao ensino superior continua<br />

marca<strong>do</strong> por profundas diferenças sociais, sen<strong>do</strong> que o estatuto <strong>do</strong>s pais e a<br />

suas vivências <strong>de</strong>terminam o percurso escolar <strong>do</strong>s filhos. (Homem, 2018)<br />

Por tu<strong>do</strong> quanto foi dito anteriormente, consi<strong>de</strong>ramos que a missão das<br />

Instituições <strong>de</strong> Ensino Politécnico é uma missão que não se resume apenas à<br />

transmissão <strong>de</strong> saber, mas antes a <strong>de</strong> contribuir para que a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso<br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos as frequentam seja uma missão por si só e que <strong>de</strong>ve, (não só),<br />

mas sobretu<strong>do</strong> por isso, ser enaltecida.<br />

……….A MISSÃO (POSSÍVEL) DA ESTGL<br />

Vingar num território <strong>do</strong> interior terá si<strong>do</strong> o maior <strong>de</strong>safio a que a ESTGL<br />

se propôs aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu estabelecimento, pelo Decreto-Lei 264/99 <strong>de</strong> 14 julho,<br />

no ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001, primeiro ano <strong>de</strong> funcionamento sob a missão <strong>de</strong>:<br />

a) Desenvolver global e equilibradamente, no aluno, competências<br />

intelectuais, culturais, <strong>de</strong> investigação e <strong>de</strong> actualização permanente<br />

ao longo da vida, visan<strong>do</strong> uma qualificação <strong>de</strong> alto nível, numa<br />

55


perspectiva <strong>de</strong> rentabilização <strong>de</strong> sinergias entre as necessida<strong>de</strong>s e as<br />

ofertas <strong>de</strong> formação, com vista à correcta integração <strong>do</strong> aluno no<br />

merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho, num quadro <strong>de</strong> referência nacional e<br />

internacional;<br />

b) Implementar, na Instituição, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Inovação e Excelência<br />

nos planos da educação, formação, investigação e intervenção na<br />

comunida<strong>de</strong>, valorizan<strong>do</strong> as activida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s seus <strong>do</strong>centes,<br />

investiga<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>mais trabalha<strong>do</strong>res, estimulan<strong>do</strong> a permanente<br />

formação intelectual e profissional <strong>do</strong>s seus estudantes numa lógica <strong>de</strong><br />

valorização <strong>do</strong>s recursos humanos asseguran<strong>do</strong> as condições para<br />

que to<strong>do</strong>s os cidadãos <strong>de</strong>vidamente habilita<strong>do</strong>s possam ter acesso ao<br />

ensino superior, integran<strong>do</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> formação ao longo da<br />

vida ajustada aos novos <strong>de</strong>safios;<br />

c) Promover a mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudantes e diploma<strong>do</strong>s quer a nível<br />

nacional, quer internacional, preferencialmente para países <strong>do</strong> espaço<br />

europeu e países <strong>de</strong> expressão oficial portuguesa, no âmbito da<br />

política <strong>de</strong>finida pelo IPV;<br />

d) Participar em activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ligação à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>signadamente<br />

<strong>de</strong> difusão e transferência <strong>de</strong> conhecimento, assim como contribuir<br />

para a valorização económica <strong>do</strong> conhecimento científico;<br />

e) Contribuir para a compreensão pública <strong>do</strong> conhecimento, da ciência<br />

e da tecnologia promoven<strong>do</strong> e organizan<strong>do</strong> acções <strong>de</strong> apoio à difusão<br />

da cultura disponibilizan<strong>do</strong> os recursos e meios necessários para esses<br />

fins. (ESTGL)<br />

Com a visão <strong>de</strong> “fazer evoluir a Instituição para um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> referência,<br />

nos planos da educação, formação, investigação, e intervenção na comunida<strong>de</strong>,<br />

numa lógica <strong>de</strong> valorização <strong>de</strong> recursos humanos, integran<strong>do</strong> uma perspectiva<br />

<strong>de</strong> formação ao longo da vida ajustada aos novos <strong>de</strong>safios” (ESTGL), a ESTGL,<br />

<strong>de</strong>slocalizada <strong>do</strong> campus principal <strong>do</strong> IPV, tem contribuí<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a altura da<br />

sua criação, para a valorização <strong>do</strong> território on<strong>de</strong> está inserida e é um<br />

instrumento <strong>de</strong> mudança e transformação social orienta<strong>do</strong> para o enriquecimento<br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos a frequentam.<br />

Em relação ao exposto anteriormente, também a literatura é unânime em<br />

consi<strong>de</strong>rar a importância das Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior para os territórios<br />

em que se encontram localizadas, sen<strong>do</strong> que essa importância não se limita ao<br />

impacto económico <strong>de</strong> que as mesmas são responsáveis. Há dimensões não tão<br />

facilmente quantificáveis que, na verda<strong>de</strong>, nos importa realçar, nomeadamente,<br />

a acessibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s estudantes da região ao ensino superior, permitin<strong>do</strong>-lhes<br />

prosseguir estu<strong>do</strong>s superiores, salientan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta forma, a missão pública <strong>do</strong><br />

Institutos Politécnicos.<br />

56


Com especial realce nas regiões <strong>do</strong> Interior, os Politécnicos são uma<br />

realida<strong>de</strong> com impacto inquestionável nas regiões on<strong>de</strong> estão localiza<strong>do</strong>s ao<br />

nível <strong>do</strong> <strong>de</strong>mográfico, social, político e cultural.<br />

O estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> pelo IPV <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Impacto Económico das<br />

Instituições <strong>do</strong> Ensino Superior no Desenvolvimento Regional: o caso <strong>do</strong> IPV<br />

revelou que o impacto total, “engloban<strong>do</strong> o impacto direto, indireto e induzi<strong>do</strong>…<br />

foi <strong>de</strong> 69,33 milhões <strong>de</strong> euros” (IPV, 2013, p. 23).<br />

Mais concluiu este estu<strong>do</strong> que<br />

cada euro gasto pelo esta<strong>do</strong> no financiamento <strong>do</strong> IPV, gerou-se um<br />

nível <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> económica nos concelhos <strong>de</strong> Viseu e <strong>de</strong> Lamego <strong>de</strong><br />

4,64 euros. Ten<strong>do</strong> em conta uma população ativa <strong>de</strong> 59.539, em Viseu<br />

<strong>de</strong> 46,665 e em Lamego <strong>de</strong> 11.874, o IPV é responsável pela criação<br />

<strong>de</strong> 3.271,60 empregos, o correspon<strong>de</strong>nte a 5,59% da população ativa<br />

nos locais em estu<strong>do</strong>. (IPV, 2013, pp. 27, 28)<br />

Embora não tenha si<strong>do</strong> o impacto económico aquele que nos moveu para<br />

a realização <strong>de</strong>ste trabalho, o mesmo não po<strong>de</strong> ser negligencia<strong>do</strong> e, como<br />

verificámos, o mesmo po<strong>de</strong> ser quantificável.<br />

Todavia, são as dimensões não quantificáveis aquelas que nos <strong>de</strong>safiam<br />

veementemente. A repercussão social da educação quan<strong>do</strong> relacionada a um<br />

conjunto <strong>de</strong> comportamentos virtuosos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos frequentam o ensino<br />

superior é, na verda<strong>de</strong>, o que mais nos moveu para levarmos a cabo esta<br />

reflexão. Na verda<strong>de</strong>, como po<strong>de</strong>mos ver na figura que abaixo apresentamos,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano letivo em que entrou em funcionamento, já estiveram inscritos na<br />

ESTGL 8.882 alunos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano letivo <strong>de</strong> 2000/2001, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano letivo <strong>de</strong><br />

2009/10 diplomaram-se na ESTGL 1319 alunos.<br />

57


1000<br />

800<br />

600<br />

400<br />

200<br />

0<br />

Alunos inscritos<br />

Diploma<strong>do</strong>s<br />

Figura 1 - Alunos da ESTGL<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Como já referimos, a regionalização <strong>do</strong> ensino superior permite uma maior<br />

igualda<strong>de</strong> social no acesso escolar e é essa igualda<strong>de</strong> que nos move to<strong>do</strong>s os<br />

dias a acreditar que, embora trabalhan<strong>do</strong> com públicos menos privilegia<strong>do</strong>s e até<br />

menos motiva<strong>do</strong>s, não é um entrave para to<strong>do</strong>s quantos trabalham na ESTGL e<br />

encaram a educação no seu senti<strong>do</strong> mais preciso, ou seja, a encaram como os<br />

sofistas gregos e a concebem como a gran<strong>de</strong> responsável pela realização<br />

máxima <strong>do</strong> potencial inerente a cada aluno que a frequenta.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e a preocupação quan<strong>do</strong> não se cumpre<br />

um direito fundamental consagra<strong>do</strong> naquele que é o <strong>do</strong>cumento mais abrangente<br />

<strong>de</strong> uma nação, a sua Constituição, é para qualquer agente da educação quase<br />

como uma obsessão. Embora a <strong>de</strong>mocracia não tenha como base para a sua<br />

existência uma igualda<strong>de</strong> perfeita, a verda<strong>de</strong> é que é exigi<strong>do</strong> que as pessoas <strong>de</strong><br />

uma mesma espécie partilhem uma vida em comum e que nela vinguem, sem<br />

que para isso tenham si<strong>do</strong> munidas das mesmas oportunida<strong>de</strong>s. Os territórios<br />

<strong>do</strong> interior são <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>s a repensar as suas estratégias <strong>de</strong> maneira a que<br />

consigam fazer-se prosperar num país <strong>de</strong>sigual com <strong>de</strong>siguais estratégias <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento e consolidação.<br />

Os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> uma instituição <strong>do</strong> ensino superior <strong>do</strong> interior são<br />

necessariamente diferentes <strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma instituição análoga numa região mais<br />

58


favorecida e povoada, sen<strong>do</strong> que ambas terão <strong>de</strong> cumprir os mesmos requisitos<br />

legais para se implementarem e atingir os objetivos a que se propuseram. A<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> públicos a que se <strong>de</strong>stinam obrigam a to<strong>do</strong>s os que<br />

trabalham nestas instituições a uma envolvência emocional e física, já que a<br />

preocupação (uma vez os alunos chega<strong>do</strong>s), terá <strong>de</strong> ser a <strong>de</strong> os “fi<strong>de</strong>lizar”,<br />

almejan<strong>do</strong>, com isso, que sejam os alunos os porta-vozes <strong>do</strong> trabalho que se<br />

<strong>de</strong>senvolve e sejam eles a proliferar as boas práticas educativas por to<strong>do</strong>s os<br />

conheci<strong>do</strong>s. Embora sem da<strong>do</strong>s concretos para validar cientificamente esta<br />

nossa perceção, estamos certas que a satisfação <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong>s os que<br />

frequentam a ESTGL é uma das principais razões que dita o sucesso <strong>de</strong>sta<br />

instituição “à beira Douro plantada”. A entrega e <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s quantos<br />

nela trabalham <strong>de</strong>veria ser alvo <strong>de</strong> reconhecimento diário por parte não só da<br />

população da cida<strong>de</strong>, como por to<strong>do</strong>s quantos têm responsabilida<strong>de</strong>s políticas e<br />

socias e com isto não queremos dizer que não o é, mas antes lamentar que não<br />

seja <strong>de</strong>vidamente reconheci<strong>do</strong> às Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior <strong>do</strong> Interior o<br />

mérito por se fazerem vingar, por se reinventarem anualmente, por cumprirem,<br />

como nenhumas outras, o direito fundamental <strong>de</strong> proporcionar às populações a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso e frequência <strong>do</strong> ensino superior que, <strong>de</strong> outra maneira,<br />

não lhes seria possível.<br />

Desejar-se-ia que um sistema educativo fosse sempre um sistema on<strong>de</strong><br />

reinasse a coerência e a previsibilida<strong>de</strong> ainda que essa coerência e<br />

previsibilida<strong>de</strong> tenham, como sabemos, <strong>de</strong> ombrear com a constante mudança<br />

que a socieda<strong>de</strong> assim exige e os sistemas <strong>de</strong> ensino também.<br />

É neste emaranha<strong>do</strong> <strong>de</strong> mudanças constantes e <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios diferentes<br />

que se vão impon<strong>do</strong> quase anualmente que as instituições <strong>de</strong> ensino tentam,<br />

ano após ano, re<strong>de</strong>scobrir-se, reinventar-se e lá se vão implementan<strong>do</strong> no<br />

contexto <strong>de</strong> um país com fortes défices acumula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> educação e almejam,<br />

to<strong>do</strong>s os que lá trabalham, contribuir para uma socieda<strong>de</strong> que se quer, pelo<br />

menos ao nível da educação, o mais justa possível, tentan<strong>do</strong> sempre que o<br />

ensino superior ganhe uma carga simbólica, como se <strong>de</strong> um “eleva<strong>do</strong>r social” se<br />

tratasse, o que, por si só, justifica esse entusiasmo.<br />

59


REFERÊNCIAS<br />

Braga, L. (1994). 20 anos <strong>de</strong> Ensino Politécnico em Portugal. Guarda: Instituto<br />

Politécnico da Guarda.<br />

Card, D. ( 2016). Público, 18 <strong>de</strong> julho.<br />

Cer<strong>de</strong>ira, L., Cabrito, B., Patrocinio, T., Macha<strong>do</strong>, M., Brites, R., & Cura<strong>do</strong>, A.<br />

(2018). Custos <strong>do</strong>s Estudamtes <strong>do</strong> Ensino Superior. Relatório CESTES 2. 2015-<br />

2017. Em L. &. Cer<strong>de</strong>ira. Lisboa: Educa.<br />

ESTGL. (s.d.). Missão. Obti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ESTGL:<br />

https://www.estgl.ipv.pt/<strong>do</strong>cs/missao.pdf<br />

Figueire<strong>do</strong>, H., Portela, M., Sá, C., Cerejeira, J., Almeida, A., & Lourenço, D.<br />

(2017). Os Benifícios <strong>do</strong> Ensino Superior. FFMS.<br />

Homem, A. (2018). Educação e ética da equida<strong>de</strong>. Em M. Patrão Neves, & D.<br />

Justino, Ética Aplicada:Educação (pp. 77-96). Lisboa: EDIÇÕES 70.<br />

IPV. (2013). Impacto Económico das Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior no<br />

Desenvolvimento Regional: o caso <strong>do</strong> Instituto Politécnico <strong>de</strong> Viseu. Viseu:<br />

Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s em Educação, Tecnologias e Saú<strong>de</strong>.<br />

Portugal . (14 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986). Lei n.º 46/86 . Lei <strong>de</strong> Bases <strong>do</strong><br />

Sistema Educativo . Diário da República n.º 237/86 – I Série.<br />

Portugal. (26 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1979). Decreto-lei nº 513T/79. Diário da República.<br />

Powdthavee, N., Lekfuangfu, W. N., & Woo<strong>de</strong>n, M. (2015). What’s the good of<br />

education on overall quality of life? A simultaneous equation mo<strong>de</strong>l of education<br />

and life satisfaction for Australia. Journal of Behavioral and Experimental<br />

Economics,54, 10-21.<br />

Sousa, A. (1999). Sobre a Génese <strong>do</strong> Ensino Politécnico. Millenium,13. Obti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> http://www.ipv.pt/millenium/Millenium_13.htm<br />

Zabala, A. (1999). Enfoque <strong>Global</strong>iza<strong>do</strong>r e Pensamento Complexo. São Paulo:<br />

Artmed.<br />

60


A VISITA ÍNTIMA SOB A ÓTICA DA SAÚDE COMO DIREITO HUMANO<br />

E FUNDAMENTAL<br />

CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />

Advogada, Doutoranda, Universida<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Mar Del Plata<br />

palomagurgel_adv@hotmail.com.<br />

RESUMO<br />

Este trabalho tem como objeto a visita íntima nos presídios fe<strong>de</strong>rais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Brasileiro, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o direito à saú<strong>de</strong> sob a ótica constitucional e<br />

humanitária. A justificativa da relevância temática está na inobservância das<br />

garantias constitucionais e da carta <strong>de</strong> direitos humanos. A inclusão e<br />

manutenção <strong>de</strong> presos em estabelecimentos penais não <strong>de</strong>veria romper os laços<br />

familiares, sobretu<strong>do</strong> porque a família tem sua unida<strong>de</strong> constitucional garantida.<br />

Além disso, é assegura<strong>do</strong> aos presos o respeito à integrida<strong>de</strong> física e moral. A<br />

meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> pesquisa utilizada é bibliográfica e <strong>de</strong> campo. Dentre os objetivos<br />

<strong>de</strong>ste trabalho: expandir o <strong>de</strong>bate acerca <strong>do</strong> tema a fim <strong>de</strong> colaborar com a<br />

expansão <strong>de</strong> medidas gerenciais que garantam a efetivação <strong>do</strong>s direitos em<br />

comento; discutir i<strong>de</strong>ias e compreen<strong>de</strong>r a evolução histórica <strong>de</strong> conquistas <strong>de</strong><br />

direitos nesta área. Dentre as conclusões <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>staque-se que a<br />

custódia no Sistema Penitenciário sem o direito <strong>de</strong> visita íntima gera alta<br />

afetação da integrida<strong>de</strong> psicofísica <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tentos, submeten<strong>do</strong>-os a malefícios<br />

que não se limitam à privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. A expressão da sexualida<strong>de</strong> é um<br />

<strong>do</strong>s itens <strong>do</strong> amplo conceito <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> da pessoa humana,<br />

diretamente relacionada ao direito à saú<strong>de</strong>.<br />

Palavras-chave: visita íntima; direito à saú<strong>de</strong>; direitos humanos.<br />

ABSTRACT<br />

This work has as object the conjugal visit in prisons of the State, whereas the<br />

right to health un<strong>de</strong>r the constitutional and humanitarian perspective. The<br />

justification of the thematic relevance is in compliance with the constitutional<br />

guarantees and the Charter of human rights. The inclusion and maintenance of<br />

prisoners in penal institutions shouldn't break the family ties, especially since the<br />

family has your guaranteed constitutional unit. Moreover, it is provi<strong>de</strong>d to<br />

61


prisoners respect for the physical and moral integrity. The research metho<strong>do</strong>logy<br />

used is bibliographical and field. One of the objectives of this work: to expand the<br />

<strong>de</strong>bate on the subject in or<strong>de</strong>r to collaborate with the expansion of management<br />

measures to ensure the implementation of the rights in comment; discuss i<strong>de</strong>as<br />

and un<strong>de</strong>rstand the historical evolution of human rights achievements in this area.<br />

One of the conclusions of this study, highlighted that the custody in the prison<br />

system without the right to conjugal generates high affectation of psychophysical<br />

integrity of prisoners, subjecting them to the evils that are not limited to<br />

<strong>de</strong>privation of liberty. The expression of sexuality is one of the items in the broad<br />

concept of integrity and completeness of the human person, directly related to<br />

the right to health.<br />

Keywords: conjugal; right to health; human rights.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O sistema penitenciário brasileiro, <strong>de</strong>ntre muitos problemas recorrentes,<br />

enfrenta um peculiar, aqui aborda<strong>do</strong> e <strong>de</strong> suma importância no tocante a direitos<br />

indispensáveis à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana: o direito <strong>de</strong> visita íntima.<br />

Inicialmente, ressalte-se que o apena<strong>do</strong> não <strong>de</strong>ve romper seus laços com<br />

familiares e amigos, pois estes lhe são benéficos, sobretu<strong>do</strong> porque a família,<br />

base da socieda<strong>de</strong>, tem sua unida<strong>de</strong> constitucionalmente garantida.<br />

É o que dispõe o artigo 226: “A família, base da socieda<strong>de</strong>, tem especial<br />

proteção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (...); § 4º Enten<strong>de</strong>-se também, como entida<strong>de</strong> familiar a<br />

comunida<strong>de</strong> formada por qualquer <strong>do</strong>s pais e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes”.<br />

Ainda, o artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, assegura ao preso<br />

a assistência familiar. As restrições <strong>de</strong> visitas trazem consigo uma verda<strong>de</strong>ira<br />

ruptura ao <strong>de</strong>senvolvimento salutar das relações matrimoniais ou <strong>de</strong><br />

companheirismo.<br />

O presente trabalho trata <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong>, mais especificamente sobre<br />

a visita íntima nos presídios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Brasileiro, sob a ótica constitucional e<br />

humanitária. A justificativa está na inobservância das garantias constitucionais e<br />

da carta <strong>de</strong> direitos humanos. Além disso, é assegura<strong>do</strong> aos presos o respeito à<br />

integrida<strong>de</strong> física e moral. A expressão da sexualida<strong>de</strong> é um <strong>do</strong>s itens <strong>do</strong> amplo<br />

62


conceito <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> da pessoa humana, diretamente<br />

relacionada ao direito à saú<strong>de</strong>.<br />

O distanciamento causa<strong>do</strong> pela proibição <strong>de</strong> visitas, assim, e por si só,<br />

teria como efeito maléfico direto a <strong>de</strong>sestruturação das relações familiares. A<br />

errônea <strong>de</strong>svaloração <strong>do</strong> apena<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> preocupação com sua<br />

cidadania atinge sua família, sem óbice da positivação da personalida<strong>de</strong> da<br />

pena.<br />

O indivíduo não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser pai, filho, esposa ou mari<strong>do</strong> para se tornar<br />

simplesmente o “<strong>de</strong>linquente”. São abaladas não apenas suas relações afetivas,<br />

mais ainda qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ressocialização <strong>do</strong> apena<strong>do</strong>.<br />

O que se observa na prática são medidas administrativas (portarias) que<br />

extrapolam os limites legais, violan<strong>do</strong> os princípios da legalida<strong>de</strong> e da hierarquia<br />

das leis. É frequente a proibição <strong>de</strong> visitas sociais e íntimas aos apena<strong>do</strong>s a<br />

partir <strong>de</strong> critérios abusivos.<br />

O princípio da legalida<strong>de</strong> inscrito no art. 5°, inciso II, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, e corrobora<strong>do</strong> pelo caput <strong>do</strong> art. 37, explicita a subordinação da<br />

ativida<strong>de</strong> administrativa à lei.<br />

De acor<strong>do</strong> com Hely Lopes Meirelles, “na Administração não há liberda<strong>de</strong>,<br />

nem vonta<strong>de</strong> pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tu<strong>do</strong><br />

que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permiti<strong>do</strong> fazer o que a lei<br />

autoriza”. (1992, p. 82).<br />

On<strong>de</strong> a portaria fere <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> frontal a lei, o regulamento, o <strong>de</strong>creto, o<br />

intérprete concluirá, <strong>de</strong> imediato, por sua ilegalida<strong>de</strong>. On<strong>de</strong> a portaria inova,<br />

crian<strong>do</strong> regime jurídico disciplina<strong>do</strong>r <strong>de</strong> um instituto, é ilegal e, pois, suscetível<br />

<strong>de</strong> censura jurisdicional.<br />

Base da formação humana, a unida<strong>de</strong> familiar sofre ao ver o cárcere tirar<br />

<strong>de</strong> si um <strong>de</strong> seus entes. Essa angústia, porém, tem <strong>de</strong> ser combatida. Impõe-se<br />

sua abordagem crítica, reluzin<strong>do</strong> a centralida<strong>de</strong> da família e, simultaneamente,<br />

reconhecen<strong>do</strong> seu caráter essencial para superação <strong>do</strong> cárcere. Assim a<br />

privação estará mais perto <strong>de</strong> se resumir à liberda<strong>de</strong>, e o princípio da<br />

personalida<strong>de</strong> da pena <strong>de</strong> tomar feições reais e justas.<br />

63


OBJETIVOS<br />

O objetivo geral <strong>de</strong>ste trabalho é <strong>de</strong>monstrar a fundamentação legal<br />

garanti<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> visita íntima nos presídios fe<strong>de</strong>rais brasileiros.<br />

Os objetivos específicos são: expandir o <strong>de</strong>bate acerca <strong>do</strong> tema, a fim <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r a evolução histórica <strong>de</strong> conquistas <strong>de</strong> direitos nesta área bem<br />

como colaborar com a expansão <strong>de</strong> medidas administrativas que garantam a<br />

efetivação <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong> nesses estabelecimentos.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

É grave a violação <strong>de</strong> direitos humanos constatada na realida<strong>de</strong> cotidiana<br />

<strong>do</strong> Brasil, há inobservância <strong>de</strong> garantias tão fundamentais a um esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> direito.<br />

A violação ao direito <strong>de</strong> visitas íntimas e sociais é um <strong>do</strong>s aspectos mais<br />

importantes para manutenção da saú<strong>de</strong> mental <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tentos, resguarda<strong>do</strong> pela<br />

Lei <strong>de</strong> Execução Penal, em seu artigo 41.<br />

Diz-se <strong>de</strong>ste um direito limita<strong>do</strong> porque, além <strong>de</strong> o or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

não abarcar nenhum direito <strong>de</strong> caráter absoluto, sofre uma série <strong>de</strong> restrições,<br />

tanto com relação às condições que <strong>de</strong>vem ser impostas por motivos morais, <strong>de</strong><br />

segurança e <strong>de</strong> boa or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> estabelecimento, como porque po<strong>de</strong> ser<br />

restringi<strong>do</strong> por ato motiva<strong>do</strong> <strong>do</strong> diretor <strong>do</strong> estabelecimento.<br />

Aquele que está cumprin<strong>do</strong> pena sofre, necessariamente, restrição <strong>de</strong><br />

seus direitos, a começar pelo direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e livre locomoção, já que tais<br />

impedimentos não se confun<strong>de</strong>m, nem po<strong>de</strong>riam, com o direito ao contato íntimo,<br />

expressamente garanti<strong>do</strong> por lei, e que não está entre os efeitos da sentença<br />

penal con<strong>de</strong>natória.<br />

A Lei <strong>de</strong> Execução penal, impedin<strong>do</strong> o excesso ou o <strong>de</strong>svio da execução<br />

que possa comprometer a dignida<strong>de</strong> e a humanida<strong>de</strong> da execução, torna<br />

expressa a extensão <strong>de</strong> direitos constitucionais aos presos e internos.<br />

Assegura, a<strong>de</strong>mais, condições para que os mesmos, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong><br />

sua situação social com o afastamento <strong>de</strong> inúmeros problemas surgi<strong>do</strong>s com o<br />

encarceramento.<br />

São reconheci<strong>do</strong>s assim os seguintes direitos constitucionais:<br />

64


1. o direito à vida. (Art. 5º, caput, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral);<br />

2. o direito à integrida<strong>de</strong> física e moral (art. 5º, III, V, X e XLIII, da CF e art.<br />

38 <strong>do</strong> Código Penal);<br />

3. o direito à proprieda<strong>de</strong> (material ou imaterial), ainda que o preso não<br />

possa temporariamente exercer alguns <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> proprietário (art.<br />

5º, XXII, XXVII, XXVIII, XXIX e XXX);<br />

4. o direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> convicção religiosa (art. 5º, VI,<br />

VII, VIII da CF, e art. 24 da Lei <strong>de</strong> Execuções Penais);<br />

5. o direito à instrução (art. 208, I e §1º da CF, e arts. 17 a 21 da LEP);<br />

6. o direito <strong>de</strong> representação e <strong>de</strong> petição aos Po<strong>de</strong>res Públicos, em <strong>de</strong>fesa<br />

<strong>de</strong> direito ou contra abusos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> (art. 5º XXXIX, a, da CF, e art.<br />

41, XIV, da LEP);<br />

7. o direito à expedição <strong>de</strong> certidões requeridas às repartições<br />

administrativas, para <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos e esclarecimentos <strong>de</strong> situações<br />

<strong>de</strong> interesse pessoal (art. 5º XXXIX, b, LXXII, a e b, da CF);<br />

8. a in<strong>de</strong>nização por erro judiciário ou por prisão além <strong>do</strong> tempo fixa<strong>do</strong> na<br />

sentença (art. 5º LXXV).<br />

Além <strong>do</strong>s direitos constitucionais assegura<strong>do</strong>s, a própria Lei <strong>de</strong><br />

Execuções Penais elenca diversos outros direitos que são conferi<strong>do</strong>s ao<br />

sentencia<strong>do</strong>, ou por ela reconheci<strong>do</strong>s:<br />

1. o direito ao uso <strong>do</strong> próprio nome (Art. 41, XI, da LEP);<br />

2. o direito à alimentação, vestuário e alojamento, ainda que tenha o<br />

con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar o Esta<strong>do</strong> na medida <strong>de</strong> suas<br />

possibilida<strong>de</strong>s pelas <strong>de</strong>spesas com ele feitas durante a execução da pena<br />

(art. 12; 13; 29, §1º, d; e 41, I, da LEP);<br />

3. o direito a cuida<strong>do</strong>s e tratamento médico-sanitário em geral, conforme<br />

necessida<strong>de</strong>, ainda com os mesmos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> ressarcimento (art.<br />

14, caput, e § 2º, da LEP);<br />

65


4. o direito ao trabalho remunera<strong>do</strong> (art. 39 <strong>do</strong> CP; e 28 a 37 e 41, II, da<br />

LEP);<br />

5. o direito a se comunicar reservadamente com seu advoga<strong>do</strong> (arts. 7º, III,<br />

da Lei n° 8.906/1984; e art. 41, IX, da LEP);<br />

6. o direito à previdência social, embora com forma própria (nos termos <strong>do</strong><br />

art. 43 da LOPS[31] e art. 91 a 93 <strong>do</strong> respectivo regulamento, e arts. 39<br />

<strong>do</strong> CP e 41, III, da LEP);<br />

7. o direito a seguro contra aci<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> trabalho (art. 41, II, da LEP, e,<br />

implicitamente, art. 50, IV, da LEP);<br />

8. o direito à proteção contra qualquer forma <strong>de</strong> sensacionalismo (art. 41,<br />

VIII, da LEP);<br />

9. o direito à igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento salvo quanto à individualização da<br />

pena (art. 41, XII, da LEP);<br />

10. o direito à audiência especial com o diretor <strong>do</strong> estabelecimento (art. 41,<br />

XIII, da LEP);<br />

11. o direito à proporcionalida<strong>de</strong> na distribuição <strong>do</strong> tempo para o trabalho, o<br />

<strong>de</strong>scanso e a recreação (art. 41, V, da LEP);<br />

12. o direito a contato com o mun<strong>do</strong> exterior por meio <strong>de</strong> leitura e outros meios<br />

<strong>de</strong> informação que não comprometam a moral e os bons costumes (art.<br />

41, XV, da LEP);<br />

13. o direito à visita <strong>do</strong> cônjuge, da companheira, <strong>de</strong> parentes e amigos em<br />

dias <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s (art. 41, X, da LEP).<br />

Conforme assevera o parágrafo único <strong>do</strong> artigo 41, da Lei <strong>de</strong> Execuções<br />

Penais, os três últimos direitos po<strong>de</strong>m ser suspensos ou restringi<strong>do</strong>s mediante<br />

ato motiva<strong>do</strong> <strong>do</strong> diretor <strong>do</strong> estabelecimento penal. Portanto, os <strong>de</strong>mais não<br />

po<strong>de</strong>m sofrer suspensão ou restrição por parte das autorida<strong>de</strong>s penitenciárias<br />

ou <strong>do</strong> juiz.<br />

Aos presos são assegura<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os direitos não afeta<strong>do</strong>s pela sentença<br />

penal con<strong>de</strong>natória e seus direitos só po<strong>de</strong>m ser limita<strong>do</strong>s excepcionalmente nos<br />

casos expressamente previstos em lei.<br />

66


A lei <strong>de</strong> execução penal prevê expressamente as ocasiões em que os<br />

direitos po<strong>de</strong>m sofrer limitação <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> presídio.<br />

Além disso, o direito <strong>de</strong>ve ser garanti<strong>do</strong>, não apenas por constar <strong>de</strong><br />

mandamento legal, mas, sobretu<strong>do</strong>, para evitar que a abstinência sexual por<br />

perío<strong>do</strong> prolonga<strong>do</strong> contribua para o <strong>de</strong>sequilíbrio da pessoa, geran<strong>do</strong> um clima<br />

tenso no estabelecimento penitenciário, por conduzir, na maioria <strong>do</strong>s casos, ao<br />

homossexualismo, violan<strong>do</strong>-se, por consequência da imposição da opção<br />

sexual, o direito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, este, sim, <strong>de</strong> caráter absoluto<br />

em nosso or<strong>de</strong>namento.<br />

A<strong>de</strong>mais, embora não haja norma disciplinan<strong>do</strong> a remoção temporária <strong>de</strong><br />

presos para a visitação, fato é que não há proibição. Ou seja, na ausência <strong>de</strong><br />

regulamentação legal, cabe ao magistra<strong>do</strong> discricionariamente <strong>de</strong>ferir ou não o<br />

pedi<strong>do</strong>, com vistas às disposições legais referidas, sobretu<strong>do</strong> em atenção às<br />

limitações <strong>do</strong> caso concreto.<br />

Os vínculos familiares, afetivos e sociais são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s bases sólidas<br />

para afastar os con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s da <strong>de</strong>linquência. Não há como negar a necessida<strong>de</strong><br />

da humanização da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong> uma política<br />

<strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> assistência ao preso, que lhe facilite o acesso aos meios<br />

capazes <strong>de</strong> permitir-lhe o retorno à socieda<strong>de</strong> em condições <strong>de</strong> convivência<br />

normal.<br />

A <strong>do</strong>utrina penitenciária mo<strong>de</strong>rna, com acerta<strong>do</strong> critério proclama a tese<br />

<strong>de</strong> que o preso, mesmo após a con<strong>de</strong>nação, continua titular <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os direitos<br />

que não foram atingi<strong>do</strong>s pelo internamento prisional <strong>de</strong>corrente da sentença<br />

con<strong>de</strong>natória em que se impôs uma pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />

A expressão da sexualida<strong>de</strong> humana é um <strong>do</strong>s itens <strong>de</strong>sse amplo conceito<br />

<strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> da pessoa humana. Essa condição não é retirada<br />

da pessoa submetida ao regime prisional, pelo contrário, afeta ao preso uma<br />

série <strong>de</strong> questões importantes quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> sua sexualida<strong>de</strong>.<br />

Da<strong>do</strong> importante é apresenta<strong>do</strong> pela pesquisa<strong>do</strong>ra Ariane Cristina Silva<br />

ao estudar comportamentos <strong>de</strong> pessoas presos em penitenciárias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Minas Gerais, viu que: "Apesar das alterações anatômicas e fisiológicas, o<br />

problema maior da abstinência sexual está na medida em que isso significa<br />

67


abster-se <strong>de</strong> um contato mais íntimo com outra pessoa. No caso <strong>de</strong> presidiários,<br />

esse isolamento força<strong>do</strong>, além <strong>de</strong> ser contra a nossa própria natureza humana,<br />

po<strong>de</strong> resultar em graves consequências psíquicas, como baixa autoestima,<br />

melancolia, <strong>de</strong>pressão <strong>de</strong> difícil tratamento e principalmente agressivida<strong>de</strong>".<br />

O referi<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> ainda apresentou as seguintes conclusões que<br />

<strong>de</strong>monstram que, além da violência, há efeitos secundários que afetam a pessoa<br />

<strong>de</strong> diversas formas:<br />

18% <strong>do</strong>s presidiários disseram que a fome aumenta com a abstinência<br />

sexual;<br />

28% <strong>do</strong>s presidiários disseram que a ansieda<strong>de</strong> aumenta com a<br />

abstinência sexual;<br />

25% <strong>do</strong>s presidiários disseram que o nervosismo aumenta com a<br />

abstinência sexual;<br />

87% <strong>do</strong>s presidiários disseram que o sono diminui com a abstinência<br />

sexual;<br />

16% <strong>do</strong>s presidiários disseram que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fumar aumenta com a<br />

abstinência sexual;<br />

25% <strong>do</strong>s presidiários afirmaram estar tristes e estressa<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à<br />

abstinência sexual;<br />

20% <strong>do</strong>s presidiários afirmaram estar mais agressivos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à<br />

abstinência sexual;<br />

20% <strong>do</strong>s presidiários afirmaram estar mais <strong>de</strong>primi<strong>do</strong>s e se isolam <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />

à abstinência sexual.<br />

Nota-se a alta afetação da integrida<strong>de</strong> psicofísica da pessoa que é<br />

afastada <strong>de</strong> seu exercício sexual, situação que se revela preocupante em relação<br />

aos presos que não contam com visitas íntimas.<br />

On<strong>de</strong> não houver respeito pela vida e pela integrida<strong>de</strong> física <strong>do</strong> ser<br />

humano, on<strong>de</strong> as condições mínimas para uma existência digna não forem<br />

asseguradas, não haverá espaço para a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana<br />

A Lei <strong>de</strong> Execução Penal impõe a todas as autorida<strong>de</strong>s o respeito à<br />

integrida<strong>de</strong> física e moral <strong>do</strong>s con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s presos provisórios. Assim, estão<br />

estes protegi<strong>do</strong>s quanto aos direitos humanos fundamentais <strong>do</strong> homem (vida,<br />

68


saú<strong>de</strong>, integrida<strong>de</strong> corporal e dignida<strong>de</strong> humana), porque servem <strong>de</strong> suporte aos<br />

<strong>de</strong>mais, que não existiriam sem aqueles. É o que prescreve o artigo 40.<br />

Também está previsto nas Regras Mínimas para Tratamento <strong>do</strong>s Presos<br />

da ONU (Organização das Nações Unidas), o princípio <strong>de</strong> que o sistema<br />

penitenciário não <strong>de</strong>ve acentuar os sofrimentos já inerentes à pena privativa <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> (item 57, 2ª parte).<br />

Não é aceitável, mesmo que em nome <strong>do</strong>s princípios da segurança<br />

pública e da or<strong>de</strong>m social, o Sistema Penitenciário Fe<strong>de</strong>ral venha agin<strong>do</strong> a revés<br />

da Constituição e Trata<strong>do</strong>s e Convenções <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> qual o Brasil é<br />

signatário.<br />

Isto porque, por mais que a segurança pública seja um valor muito caro,<br />

é imprescindível fazer prepon<strong>de</strong>rar o eixo estrutural <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />

Direito, qual seja a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

A meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> pesquisa utilizada é bibliográfica: leituras e pesquisas<br />

em livros e artigos publica<strong>do</strong>s na internet; e pesquisa <strong>de</strong> campo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong><br />

as rotineiras visitas realizadas aos presídios fe<strong>de</strong>rais em <strong>de</strong>corrência da atuação<br />

na advocacia criminal, que envolve entrevistas e consequentemente a atuação<br />

em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos aqui discuti<strong>do</strong>s e macula<strong>do</strong>s na prática, garanti<strong>do</strong>s pela<br />

legislação.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Dentre as conclusões <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>staque-se que a custódia no<br />

Sistema Penitenciário Fe<strong>de</strong>ral sem a permissão <strong>de</strong> visitas sociais e,<br />

especificamente, íntimas, está a gerar danos psíquicos e emocionais,<br />

submeten<strong>do</strong> os con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s a malefícios que não se limitam à privação <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong>.<br />

O sistema constitucional brasileiro não admite direitos e garantias<br />

absolutas, mas impõe que as limitações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m jurídica se <strong>de</strong>stinem <strong>de</strong> um<br />

la<strong>do</strong>, a proteger a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> interesse social e <strong>de</strong> outro, assegurar a<br />

coexistência harmoniosa das liberda<strong>de</strong>s.<br />

69


É inquestionável a gravida<strong>de</strong> das consequências psicológicas geradas<br />

pelo aprisionamento e tal, alia<strong>do</strong> a abstinência sexual e privação <strong>de</strong> outros<br />

direitos afetam a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />

Por to<strong>do</strong> o exposto, conclui-se não está assegurada a coexistência<br />

harmônica <strong>de</strong> valores constitucionais relevantes. O fato é que as constantes<br />

proibições <strong>de</strong> visitas aos <strong>de</strong>tentos, contrarian<strong>do</strong> as normas básicas <strong>do</strong> nosso<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico, na maioria <strong>do</strong>s casos, ultrapassam a medida da<br />

razoabilida<strong>de</strong>.<br />

Evi<strong>de</strong>nte que o direito à visita íntima está relaciona<strong>do</strong> à saú<strong>de</strong>. Este, por<br />

sua vez, é direito fundamental, <strong>de</strong> segunda geração. O seu <strong>de</strong>srespeito macula<br />

uma conquista histórica, garantida constitucionalmente.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

A Constituição da República, como norma matriz, veda a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> penas<br />

cruéis e <strong>de</strong> caráter perpétuo (art. 5º, inciso XLVII, da CF), garante a<br />

individualização na execução da pena (art. 5º, inciso XLVIII, da CF) e assegura<br />

os presos o respeito à integrida<strong>de</strong> física e moral (art. 5º, inciso XLIX, da CF).<br />

É princípio orienta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sistema penitenciário <strong>de</strong> que o preso não <strong>de</strong>ve<br />

romper seus contatos com o mun<strong>do</strong> exterior, não per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> os vínculos que os<br />

unem aos familiares, amigos, cônjuges/companheiros, pois são laços<br />

extremamente benéficos aos presos e facilitam o processo <strong>de</strong> ressocialização e<br />

<strong>de</strong> reinserção social na comunida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> for coloca<strong>do</strong> em liberda<strong>de</strong>.<br />

Conforme versa o artigo 41 em seu parágrafo único, os direitos previstos<br />

nos incisos V, X e XV po<strong>de</strong>rão ser suspensos ou restringi<strong>do</strong>s mediante ato<br />

motiva<strong>do</strong> <strong>do</strong> diretor <strong>do</strong> estabelecimento prisional.<br />

Em vias práticas, vislumbra-se gran<strong>de</strong> discussão quanto à restrição <strong>de</strong><br />

tais direitos. Sob a ótica jurídica, verifica-se enorme atribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />

discricionários nas mãos <strong>do</strong>s diretores <strong>do</strong>s estabelecimentos prisionais. Isso<br />

gera uma série <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>s disfarçadas <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> administrativa.<br />

Decidir sobre qual direito uma pessoa po<strong>de</strong>rá usufruir não é simplesmente<br />

observar to<strong>do</strong>s os preceitos concernentes aos atos administrativos.<br />

70


Muito comum na prática, por exemplo, a aplicação <strong>de</strong> sansão disciplinar<br />

coletiva na execução penal. Para que seja aplicada a reprimenda em razão <strong>do</strong><br />

cometimento <strong>de</strong> falta é imprescindível a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> autor e pormenorização<br />

<strong>de</strong> sua conduta.<br />

A vedação a sanções coletivas <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> artigo 5º, XLV, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, o qual dispõe que nenhuma pena passará da pessoa <strong>do</strong> <strong>de</strong>linquente<br />

em atenção ao princípio da responsabilida<strong>de</strong> pessoal.<br />

Noutro giro, a suspensão <strong>de</strong> visitas íntimas não po<strong>de</strong> ocorrer por mais <strong>de</strong><br />

30 (trinta) dias, nos termos <strong>do</strong> artigo 58 da Lei <strong>de</strong> Execução Penal. E mais neste<br />

ponto, é recorrente a ilegalida<strong>de</strong> perpetrada pelos agentes administrativos.<br />

Não <strong>de</strong>vemos e não po<strong>de</strong>mos retirar direitos a custo <strong>de</strong> “fazer justiça”, a<br />

custo da saú<strong>de</strong>, física e mental. Não po<strong>de</strong>mos seguir distorcen<strong>do</strong> justiça e<br />

direitos humanos. Devemos primar pela justiça, que se faz em observância à<br />

estrita legalida<strong>de</strong>.<br />

Dentre os direitos assegura<strong>do</strong>s aos con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s está aquele <strong>de</strong> cumprir a<br />

reprimenda imposta em estabelecimento prisional próximo <strong>de</strong> sua família, como<br />

forma <strong>de</strong> manter os vínculos afetivos e garantir a assistência familiar, emocional<br />

e social, contribuin<strong>do</strong> para a harmônica integração social.<br />

O afastamento <strong>do</strong> preso <strong>do</strong> meio social e familiar com o consequente<br />

rompimento <strong>do</strong>s laços familiares reconhecidamente importantes para a<br />

ressocialização, só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>creta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> há provas suficientes <strong>de</strong> que o<br />

preso realmente se enquadra ou continua se enquadran<strong>do</strong> nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> artigo<br />

3 <strong>do</strong> Decreto n. 6.877/2009, o que, seguramente, assim com a sua renovação<br />

tem que respeitar a excepcionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> art. 10 da Lei 11.671/2008.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil. Brasília-DF:<br />

Sena<strong>do</strong>: 1988.<br />

BRASIL. Lei n º11.671 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008. Brasília-DF: 2008.<br />

BRASIL. Lei nº 7.210 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1984. Brasília-DF, 1984.<br />

71


MENDES DE SOUZA, Paulo <strong>de</strong> Tarso. Apontamentos <strong>de</strong> Direito<br />

Constitucional. Brasília/Teresina: Fundação Astrojil<strong>do</strong> Pereira, 2009.<br />

SANCHES, Ramírez v. França. Petição Nº 59450/00, Corte Europeia <strong>de</strong><br />

<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. p.145.<br />

SILVA, Ariane Cristina. Agressivida<strong>de</strong> no comportamento <strong>do</strong>s presidiários<br />

<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à abstinência sexual. Disponível em:<br />

https://www.webartigos.com/artigos/agressivida<strong>de</strong>-no-comportamento-<strong>do</strong>spresidiarios-<strong>de</strong>vi<strong>do</strong>-a-abstinencia-sexual/74916.<br />

Acesso em 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong><br />

2018.<br />

SMITH, Peter Scharff. Solitary Confinement: An introduction to the Istanbul<br />

Statement on the Use and Effects of Solitary Confinement, p.1.<br />

72


RESUMO<br />

O DIREITO (FUNDAMENTAL) À SAÚDE TUTELADO PELA ATUAÇAO<br />

DA ONU<br />

- Objetivo 3 da Agenda 2030 -<br />

MORAES, Graziela<br />

Advogada no Brasil<br />

Mestranda em Ciências Jurídicas e Políticas na Universida<strong>de</strong> Portucalense<br />

Doutoranda em Ciências Jurídicas na Universida<strong>de</strong> Autônoma <strong>de</strong> Lisboa<br />

Membro <strong>do</strong> IJP – Instituto Jurídico Portucalense<br />

grazimoraes.adv@gmail.com<br />

O direito (fundamental) à saú<strong>de</strong> é constitucionalmente tutela<strong>do</strong> tanto no Brasil<br />

quanto em Portugal. No entanto, nem sempre os Esta<strong>do</strong>s são capazes <strong>de</strong><br />

garantir eficazmente tal direito aos seus cidadãos. Em contrapartida, com o<br />

surgimento das organizações internacionais viu-se uma preocupação maior com<br />

a tutela <strong>de</strong> tais direitos.<br />

Verifica-se, assim, que as organizações internacionais possuem relevante papel<br />

na fiscalização e concretização <strong>do</strong>s direitos sociais. A ONU é talvez a<br />

organização internacional <strong>de</strong> maior reconhecimento e credibilida<strong>de</strong> mundial, e<br />

vem ao longo <strong>do</strong>s anos preocupan<strong>do</strong>-se com a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cidadãos, prova disso<br />

é a agenda 2030 que reúne 17 objetivos para alcançar a dignida<strong>de</strong> através <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável mundial, entre os quais <strong>de</strong>stacamos o ODS3 que<br />

visa “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para to<strong>do</strong>s, em todas<br />

as ida<strong>de</strong>s” cuja atuações <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Membros para a consecução <strong>de</strong> tal<br />

objetivo vem sen<strong>do</strong> fiscalizada pela ONU.<br />

Palavras-chave: Agenda 2030; Direito à Saú<strong>de</strong>; ODS3; ONU<br />

ABSTRACT<br />

The right to health, which is fundamental, it’s a constitutionally protected right,<br />

both in Brazil and in Portugal.<br />

However, not always the States are able to effectively guarantee this right to their<br />

citizens.<br />

On the other hand, with the emergence of international organizations, it was<br />

noticed a greater concern with the protection of such rights.<br />

73


It is possible to verify, in this way, that the international organizations have an<br />

important role in the surveillance and realization of the social rights.<br />

The UN, perhaps, it’s the international organization of greater recognition and<br />

credibility worldwi<strong>de</strong>, and over the years has been worrying about citizen health,<br />

proof of this is the 2030 agenda, that brings together 17 goals to achieve dignity<br />

through global sustainable <strong>de</strong>velopment, among which we can stand out the<br />

ODS3, which aims to "promote a healthy life and promote well-being for all, at all<br />

ages". The actions of the Member States to achieve this objective are being<br />

monitored by the UN.<br />

Keywords: 2030 Agenda; The right to health; ODS3; UN.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A proteção e promoção da saú<strong>de</strong> é reconhecida como direito social, tanto<br />

na Constituição Portuguesa como na Brasileira. No entanto, este ainda é um<br />

problema mundial, eis que a saú<strong>de</strong> é preterida em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outros<br />

interesses Estatais.<br />

A ONU, através <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> Milênio propôs a<br />

preocupação com o tema, sem, no entanto, ter obti<strong>do</strong> o êxito espera<strong>do</strong>, eis que<br />

se viu um crescimento <strong>de</strong>sigual, aumentan<strong>do</strong> assim as diferenças sociais entre<br />

os Esta<strong>do</strong>s da Nação.<br />

Diante da análise <strong>do</strong> insucesso <strong>do</strong>s ODM, verificou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar<br />

um programa que atentasse para as necessida<strong>de</strong>s mundiais, respeitan<strong>do</strong> a<br />

peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada Esta<strong>do</strong>, com o que surgem os Objetivos <strong>do</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável, <strong>de</strong>ntre os quais prevê a promoção da saú<strong>de</strong> e<br />

bem-estar.<br />

Neste contexto, o presente trabalho visa abordar a importância das<br />

organizações internacionais para a tutela <strong>do</strong> direito (fundamental) à saú<strong>de</strong>.<br />

Para tanto, em um primeiro momento faremos uma abordagem acerca<br />

das organizações internacionais e sua evolução na história a qual é fundamental<br />

para que se compreenda o papel <strong>de</strong>stas na socieda<strong>de</strong>, assim como verifique a<br />

real relevância <strong>de</strong> sua atuação no mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno. Posteriormente, far-se-á um<br />

74


eve relato acerca da tutela <strong>do</strong>s direitos fundamentais através da atuação das<br />

organizações internacionais.<br />

Já no terceiro capítulo será analisada, <strong>de</strong> forma breve e sucinta a<br />

Organização das Nações Unidas quanto à sua origem, personalida<strong>de</strong> jurídica,<br />

competências e objetivos, sempre orientan<strong>do</strong> para o foco <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>.<br />

No quarto capítulo será analisa<strong>do</strong> o direito à saú<strong>de</strong>, sua origem na história<br />

e a possibilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-lo como direito fundamental, discorren<strong>do</strong><br />

as diferenças constitucionais sobre o tema entre Brasil e Portugal.<br />

Após o estu<strong>do</strong> acerca da ONU, sua importância ou não na tutela <strong>do</strong> direito<br />

à saú<strong>de</strong> e a investigação acerca da sua condição <strong>de</strong> direito fundamental, passarse-á<br />

a analisar a Agenda 2030 da ONU e sua relevância no cenário mundial.<br />

Por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, será analisa<strong>do</strong> o objetivo 3 da Agenda 2030, que visa<br />

tutelar a saú<strong>de</strong> e, como tal, preten<strong>de</strong>-se verificar se tal programa possui papel<br />

efetivo na tutela <strong>de</strong> tal direito a nível global concluin<strong>do</strong>, assim, o objetivo da<br />

presente pesquisa.<br />

OBJETIVOS<br />

O presente artigo visa i<strong>de</strong>ntificar a proteção <strong>do</strong> direito fundamental à<br />

saú<strong>de</strong> por intermédio da atuação da Organização das Nações Unidas, em<br />

especial no que tange à aplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Objetivo 3 da Agenda 2030.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

As organizações internacionais possuem origem na antiguida<strong>de</strong> e, <strong>de</strong><br />

certa forma, confun<strong>de</strong>m-se com a evolução da humanida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> terem uma<br />

intrínseca relação com o direito <strong>de</strong> guerra ou, por assim dizer, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

restruturação das civilizações após perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s guerras e/ou conflitos.<br />

Assim como não se tem conhecimento ao certo acerca da exata origem<br />

das organizações internacionais, a <strong>do</strong>utrina jamais chegou a um consenso<br />

acerca <strong>do</strong> marco inicial <strong>do</strong> direito internacional, percursor <strong>de</strong> ditas organizações,<br />

mas é possível i<strong>de</strong>ntificar marcos históricos que <strong>de</strong>monstram sua longínqua<br />

atuação , como o “trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Vestefália ” consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> a “referência e a<br />

construção <strong>do</strong>s pilares básicos da matéria que concebemos hodiernamente ”, o<br />

75


qual foi firma<strong>do</strong> na Ida<strong>de</strong> Média, resultan<strong>do</strong> no crescimento <strong>do</strong> direito<br />

internacional.<br />

Não obstante, com o advento da I Guerra Mundial, diante <strong>do</strong> impacto<br />

<strong>de</strong>strui<strong>do</strong>r que causou, começa a surgir uma preocupação <strong>de</strong> cunho humanitário,<br />

com o que se constituem as primeiras organizações internacionais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

expressão, como é o caso da Socieda<strong>de</strong> Geral das Nações, da Organização<br />

Internacional <strong>do</strong> Trabalho, ambas instituídas através <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paz <strong>de</strong><br />

Versalhes, que também criou a Liga das Nações, consi<strong>de</strong>rada como expoente<br />

da evolução das organizações internacionais e pre<strong>de</strong>cessora da ONU.<br />

Atualmente as organizações internacionais abrangem, quase<br />

completamente, matérias em que são imprescindíveis a cooperação<br />

internacional, o que <strong>de</strong>monstra sua importância no quadro <strong>de</strong> direito<br />

internacional.<br />

As organizações internacionais <strong>de</strong>vidamente instituídas e reconhecidas<br />

possuem privilégios, com o intuito <strong>de</strong> “garantir liberda<strong>de</strong> e segurança da missão<br />

<strong>de</strong>senvolvida ”, o que “foi concebi<strong>do</strong> na Carta da Organização das Nações<br />

Unidas que estabelece que a organização goza, no território <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus<br />

membros, <strong>do</strong>s privilégios e imunida<strong>de</strong>s necessários à realização <strong>de</strong> seus<br />

propósitos ”.<br />

Nesse trabalho nos propomos a estudar a influência da ONU na tutela <strong>do</strong><br />

direito à saú<strong>de</strong>, razão pela qual não será extensivo o estu<strong>do</strong> das <strong>de</strong>mais<br />

organizações que também <strong>de</strong>sempenham importante papel para tal fim.<br />

Importante apontar “a Convenção Europeia <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem, que<br />

entrou em vigor em Setembro <strong>de</strong> 1953”, a qual “constitui um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

referência na proteccao (sic) <strong>do</strong>s direitos fundamentais.”<br />

Foi em 1989 que restou aprova<strong>do</strong> pelo Parlamento Europeu resolução<br />

que a<strong>do</strong>tava a “Declaração <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem e liberda<strong>de</strong>s fundamentais”,<br />

com o intuito <strong>de</strong> elaborar um <strong>do</strong>cumento que pu<strong>de</strong>sse servir <strong>de</strong> direcionamento<br />

na matéria <strong>de</strong> direitos fundamentais, capaz <strong>de</strong> integrar o texto <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s que<br />

seriam elabora<strong>do</strong>s no futuro.<br />

76


Tamanha a relevância da discussão sobre o tema, que em 1994 o projeto<br />

<strong>de</strong> Constituição Europeia teve inseri<strong>do</strong> texto basea<strong>do</strong> na <strong>de</strong>claração <strong>do</strong>s direitos<br />

e liberda<strong>de</strong>s fundamentais.<br />

No entanto, somente em 1995 percebe-se o reconhecimento <strong>do</strong><br />

parlamento Europeu na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

direitos fundamentais da União Europeia com a Conclusão <strong>do</strong> Conselho Europeu<br />

<strong>de</strong> Madrid sem que, contu<strong>do</strong>, tenha-se concluí<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>claração.<br />

O direito à saú<strong>de</strong> nada mais é <strong>do</strong> que uma concretização <strong>do</strong> princípio da<br />

dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e, portanto, a importância da CEDH, a qual faz<br />

referência à <strong>de</strong>claração universal <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem , instituída pela ONU<br />

em 1948, o que confirma o entendimento <strong>de</strong> que as organizações internacionais<br />

têm o condão, não raras vezes, para a formação <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> direito<br />

internacional.<br />

Em que pese a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> constituição da ONU tenha surgi<strong>do</strong> durante a II<br />

Guerra Mundial, o trata<strong>do</strong> instituto o da organização foi elabora<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

25 <strong>de</strong> abril a 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1945.<br />

Atualmente, “o direito à saú<strong>de</strong> se insere nos direitos sociais<br />

constitucionalmente garanti<strong>do</strong>s. Trata-se, pois, <strong>de</strong> um direito público subjetivo,<br />

uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalida<strong>de</strong> das pessoas”.<br />

Inegável que o direito à saú<strong>de</strong> perfectibiliza a dignida<strong>de</strong> da pessoa<br />

humana, razão pela qual muitas vezes é confundi<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina e torna<br />

inquestionável sua importância no cenário mundial.<br />

Não obstante, está assegura<strong>do</strong> na categoria <strong>do</strong>s direitos sociais, tanto na<br />

Constituição Brasileira como na Portuguesa, razão pela qual, ainda hoje, discutese<br />

seu status <strong>de</strong> direitos fundamentais.<br />

Ao analisar os textos constitucionais <strong>de</strong> Brasil e Portugal, verifica-se que<br />

ambas asseguram o acesso à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma universal e gratuita<br />

(prepon<strong>de</strong>rantemente no caso <strong>de</strong> Portugal). No entanto, na prática, ambos os<br />

países são <strong>de</strong>ficientes na tutela absoluta <strong>de</strong> tal direito.<br />

Sabe-se, entretanto, que para que os direitos fundamentais tenham sua<br />

eficácia garantida, muito mais <strong>do</strong> que a normatização é importante a análise da<br />

situação econômica-política <strong>do</strong> país, uma vez que é indispensável a atuação <strong>do</strong>s<br />

77


serviços forneci<strong>do</strong>s pelo Po<strong>de</strong>r Público para a efetivação <strong>de</strong> direitos<br />

indispensáveis, tal como a saú<strong>de</strong>.<br />

No Brasil, embora tenha na Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong><br />

Brasil dispositivos esparsos que preveem regras <strong>de</strong> competência inerentes à<br />

saú<strong>de</strong> pública, é no artigo 196 da CFB que se encontra disciplinada tal tutela, a<br />

qual é <strong>de</strong>veras importante uma vez que “aparece[m] como consequência<br />

imediata da consagração da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana como fundamento da<br />

República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil .”<br />

Em Portugal o direito à saú<strong>de</strong> está disposto no artigo 64 da Constituição:<br />

Tal dispositivo encontra-se disciplina<strong>do</strong> no capítulo <strong>do</strong>s direitos e <strong>de</strong>veres<br />

sociais, dissocia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres fundamentais, assim como no Brasil.<br />

Em que pese a discussão <strong>do</strong>utrinaria acerca <strong>do</strong> status <strong>de</strong> direito<br />

fundamental aos direitos sociais, sob a “ótica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social <strong>de</strong> Direito [...] não<br />

po<strong>de</strong> negar-se a ambas as categorias (direitos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s e sociais) <strong>de</strong><br />

direitos a qualificação como direitos fundamentais.”<br />

No Tribunal lusitano encontra-se jurisprudência que confirma o status <strong>de</strong><br />

direito fundamental à saú<strong>de</strong>.<br />

Já os Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável entraram em vigor no<br />

dia 1o. <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2016, com prazo <strong>de</strong> 15 anos para o alcance <strong>de</strong> seus fins,<br />

com a esperança <strong>de</strong> serem um marco na história da evolução das nações:<br />

A “Agenda 2030: para o Desenvolvimento Sustentável surgiu, portanto, <strong>do</strong><br />

projeto aprova<strong>do</strong> na Conferência sobre Financiamento <strong>do</strong> Desenvolvimento, que<br />

ocorreu em Adis Abeba, e em julho <strong>de</strong> 2015, on<strong>de</strong> discutiu-se o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

pos-2015. ”.<br />

Em que pese os ODS tenham si<strong>do</strong> fruto <strong>do</strong>s ODM, existem diferenças<br />

significativas entre eles, principalmente em razão da discriminação <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong><br />

implementação <strong>do</strong>s ODS, mas também por sua caraterística <strong>de</strong> incluir uma<br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> objetivos econômicos, sociais e ambientais, o que requer que as<br />

“metas <strong>de</strong>ssa nova agenda <strong>de</strong>vem ser perseguidas por diferentes atores, o que<br />

é crucial em garantir que o propósito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento<br />

Sustentável seja realiza<strong>do</strong> ”.<br />

78


A<strong>de</strong>mais, os ODMs, em sua origem, visavam atingir aqueles que viviam<br />

em condição <strong>de</strong> pobreza extrema, enquanto que os ODSs estão <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s à<br />

população mundial como um to<strong>do</strong>, eis que convocam as nações <strong>de</strong>senvolvidas<br />

e em <strong>de</strong>senvolvimento a “tomarem as medidas urgentes em seus próprios<br />

territórios”.<br />

O Parlamento Europeu <strong>de</strong>cretou 2015 como o “Ano Europeu <strong>do</strong><br />

Desenvolvimento”, com o objetivo <strong>de</strong> chamar a tenção para a “importância da<br />

política <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e da solidarieda<strong>de</strong> global”, promulgan<strong>do</strong> diretrizes<br />

para a obtenção <strong>de</strong> tal fim.<br />

Há severas críticas à atual atuação da ONU, que poria em risco a<br />

implementação com sucesso da Agenda 2030, não obstante é inegável a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar-se atenção para as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e o <strong>de</strong>scaso à<br />

saú<strong>de</strong> que vem ocorren<strong>do</strong> nos países menos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, em meio a guerras<br />

civis, terrorismos e inclusive nos países mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, diante da atual crise<br />

financeira que assola os Esta<strong>do</strong>s.<br />

O <strong>do</strong>cumento final da agenda pós 2015 (ou 2030) <strong>de</strong>monstra a<br />

preocupação com a erradicação da fome e da pobreza e, assim, garantir a<br />

promoção da saú<strong>de</strong> mundial<br />

Dentre os 17 objetivos globais da Agenda 2030 para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável, temos o <strong>de</strong> no. 3, que visa promover a saú<strong>de</strong> e o bem-estar.<br />

Da leitura <strong>de</strong> tal objetivo resta nítida a preocupação com a necessária<br />

tutela à saú<strong>de</strong>, que vem sen<strong>do</strong> tolhida não só nos países sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, mas<br />

também nos países capitalistas diante <strong>do</strong> excessivo uso <strong>de</strong> substâncias tóxicas<br />

ou mesmo da ineficácia da saú<strong>de</strong> pública em razão da crise Estatal.<br />

A necessida<strong>de</strong> eminente <strong>de</strong> atenção na área é tema há muito aborda<strong>do</strong><br />

pela <strong>do</strong>utrina, eis que “é preciso que existam órgãos, instrumentos e<br />

procedimentos capazes <strong>de</strong> fazer com que as normas jurídicas se transformem,<br />

<strong>de</strong> exigências abstratas dirigidas à vonta<strong>de</strong> humana, em ações concretas.”<br />

Em que pese ainda <strong>de</strong> forma gradual, é possível i<strong>de</strong>ntificar a mobilização<br />

<strong>do</strong> Brasil para o cumprimento <strong>de</strong> tal objetivo, através <strong>de</strong> oficinas para prevenção<br />

da AIDS, campanhas <strong>de</strong> vacinação que tem surti<strong>do</strong> efeito na redução da<br />

mortalida<strong>de</strong> infantil. No entanto, ainda existem <strong>de</strong>safios a serem venci<strong>do</strong>s, como<br />

79


a questão <strong>do</strong> saneamento básico que ainda é uma problemática nos esta<strong>do</strong>s<br />

mais pobres <strong>do</strong> país.<br />

Já em Portugal é possível verificar uma preocupação maior com o<br />

cumprimento da meta, o que se verifica no <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> posição <strong>de</strong> Portugal<br />

sobre a agenda 2030 no qual <strong>de</strong>termina como priorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros, “o<br />

alcance <strong>de</strong> uma vida saudável para to<strong>do</strong>s” e “a erradicação da fome, a melhoria<br />

da nutrição e a promoção da agricultura sustentável” e no Relatório nacional<br />

sobre a implementação da agenda 2030 , o qual apresenta programas<br />

implementa<strong>do</strong>s para a consecução <strong>do</strong>s objetivos.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

O presente estu<strong>do</strong> foi estrutura<strong>do</strong> se utilizan<strong>do</strong> <strong>do</strong> Méto<strong>do</strong> Dialético,<br />

Hegeliano, conjuga<strong>do</strong> com Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

A eficácia <strong>do</strong> objetivo 3 da Agenda 2030 da ONU <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma eficaz<br />

atuação da organização agregada ao comprometimento <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-Membros.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Conforme inicialmente proposto, o presente estu<strong>do</strong> analisou a origem e<br />

importância das organizações internacionais na história, sua tutela aos direitos<br />

fundamentais, fazen<strong>do</strong> um paralelo entre a ONU e a tutela <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong><br />

através <strong>do</strong> Objetivo no. 3 da Agenda 2030.<br />

A partir daí é possível afirmar que, em que pese a ausência <strong>de</strong> disposição<br />

constitucional que eleve os direitos sociais ao patamar <strong>de</strong> fundamentais, certo é<br />

que o direito à saú<strong>de</strong> é tutela<strong>do</strong> como tal, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s (Brasil e<br />

Portugal) sua promoção.<br />

“O respeito pelos direitos fundamentais <strong>do</strong> ser humano não é apenas um<br />

objectivo a ser atingi<strong>do</strong>, é antes o alicerce indispensável a qualquer socieda<strong>de</strong>.<br />

[…] É muito natural e justo que nações, povos e indivíduos exijam respeito aos<br />

seus direitos e liberda<strong>de</strong>s, e que lutem para erradicar a repressão, o racismo, a<br />

exploração económica, a ocupação militar e as várias formas <strong>de</strong> colonialismo e<br />

80


<strong>do</strong>minação estrangeira. Os governos em geral <strong>de</strong>veriam dar apoio prático a<br />

essas reivindicações, ao invés <strong>de</strong> apenas as apoiarem verbalmente.”<br />

Percebe-se que as organizações internacionais chamaram atenção para<br />

a importância <strong>do</strong> respeito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana o que,<br />

indubitavelmente, ocorre também através da promoção e assistência da saú<strong>de</strong>.<br />

Em que pese a atuação <strong>de</strong> organizações internacionais, em especial da<br />

ONU, através <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> Milênio, <strong>de</strong>ntre outros<br />

programas que se tem conhecimento, certo é que não se obteve, até a presente<br />

data, êxito na redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, mas, principalmente, na<br />

atenção à saú<strong>de</strong> mundial.<br />

Com a globalização mundial o que se vê é o crescimento das<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, o empobrecimento das nações e, principalmente, o <strong>de</strong>srespeito<br />

à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. As guerras civis, o terrorismo, a escassez <strong>de</strong><br />

recursos naturais e financeiros, os <strong>de</strong>sastres da natureza fazem com que a<br />

população clame por uma medida urgente.<br />

É nesse cenário que surge a Agenda 2030, com 17 objetivos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, criada pela ONU, com medidas que visam, <strong>de</strong>ntre<br />

outros, garantir a saú<strong>de</strong> e o bem-estar à nação mundial.<br />

A análise <strong>do</strong>s objetivos não <strong>de</strong>ixa dúvidas quan<strong>do</strong> à ambição da agenda<br />

2030, o que inclusive é reconheci<strong>do</strong> no <strong>do</strong>cumento final <strong>de</strong> instituição da agenda<br />

pós 2015, no entanto agenda 2030 é ambiciosa, como confessa o <strong>do</strong>cumento<br />

final da agenda 2030 , no entanto, “é preciso ambição se a comunida<strong>de</strong> mundial<br />

quiser cumprir o nobre objetivo a que se propôs: o fim da pobreza extrema e um<br />

futuro sustentável para to<strong>do</strong>s ”.<br />

Certo é que para a implementação com êxito <strong>do</strong>s 17 objetivos da agenda<br />

2030 será necessário o esforço conjunto das Nações Estatais, o que se acredita<br />

ser possível se ocorrer uma consciência mundial da efetiva necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tais<br />

medidas.<br />

Inegável, pois, que será necessário o apoio e engajamento <strong>do</strong>s países,<br />

cada um <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, no entanto caberá à ONU uma efetiva<br />

fiscalização, sob pena <strong>de</strong> termos apenas a “letra fria” <strong>de</strong> uma proposta.<br />

81


Conclui-se, por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, que as organizações internacionais possuem<br />

relevante papel na consecução <strong>do</strong> direito fundamental à saú<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> o objetivo<br />

3 da agenda 2030 da ONU importante medida que, se executa<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma<br />

responsável e plena, terá efetiva influência na realização <strong>de</strong> tal direito em sua<br />

forma mais ampla e eficaz.<br />

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<strong>Direitos</strong> Sociais. Lisboa: Quid Juris, 2014. ISBN 978-972-724-682-3<br />

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MIRANDA, Jorge. <strong>Direitos</strong> Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2017. ISBN 978-<br />

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82


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constitucional. 9ª ed. atualizada até a ECn. 71/12. São Paulo: Atlas, 2013. ISBN<br />

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NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

comentada e legislação constitucional. 3a. edição. São Paulo: Editora Revista<br />

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https://www.unric.org/pt/a-onu-portugal-e-cplp [acessa<strong>do</strong> em 31.10.2017]<br />

83


SAÚDE PÚBLICA, MEIO AMBIENTE E SANEAMENTO BÁSICO NO<br />

EMBATE ENTRE MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL: UMA<br />

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL Nº 1.366.337/RS<br />

RESUMO<br />

FARIA, Roberta Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Mestre em Direito<br />

fariabeta@gmail.com<br />

BARING, Dayane <strong>de</strong> Paula<br />

Acadêmica <strong>de</strong> Direito<br />

dayanepbaring@gmail.com<br />

MAGALHÃES DE ANDRADE, Laura<br />

Mestre em Direito e Políticas Públicas<br />

lauramagalhaes.adv@gmail.com<br />

Este estu<strong>do</strong> analisa a proteção da saú<strong>de</strong> e <strong>do</strong> meio ambiente sob a perspectiva<br />

<strong>de</strong> que são indissociáveis <strong>do</strong> acesso ao saneamento básico, sen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />

eleva<strong>do</strong>s à categoria <strong>de</strong> direitos humanos fundamentais a partir da Constituição<br />

brasileira <strong>de</strong> 1988. A<strong>de</strong>mais, esta relação se coaduna com o movimento<br />

internacional <strong>de</strong> promoção da Agenda 2030 e, em particular, com os Objetivos<br />

<strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3 e 6. Para tanto, a<strong>do</strong>ta o Recurso<br />

Especial nº 1.366.337/RS, originalmente uma Ação Civil Pública, como caso<br />

paradigmático da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela judicial em face <strong>de</strong> alegações estatais<br />

<strong>de</strong> escassez orçamentária (reserva <strong>do</strong> possível), que se contrapõem ao <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> garantia <strong>do</strong> mínimo existencial.<br />

Palavras-chave: Saú<strong>de</strong> Pública; Saneamento básico; Reserva <strong>do</strong> possível;<br />

Mínimo existencial; Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

ABSTRACT<br />

This study analyses the protection of health and the environment from the<br />

perspective that they are inseparable from access to basic sanitation, all of them<br />

being elevated to the category of fundamental human rights from the Brazilian<br />

Constitution of 1988. In addition, this relationship is in line with the international<br />

movement to promote Agenda 2030 and, in particular, with the Sustainable<br />

Development Objectives (ODS) 3 and 6. To this end, it a<strong>do</strong>pts Special Appeal<br />

84


No. 1,366,337 / RS, originally an Action Civil Public, as a paradigmatic case of<br />

the need for judicial protection in the face of state allegations of budget shortages<br />

(reserve of the possible), which are counterpoised to the obligation to guarantee<br />

the existential minimum.<br />

Keywords: Public health; Basic sanitation; ‘Un<strong>de</strong>r reserve of the possibilities’;<br />

Existential minimum; Judicial power.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Na Constituição brasileira, o meio ambiente, tutela<strong>do</strong> no artigo 225 como<br />

bem <strong>de</strong> uso comum <strong>do</strong> povo e essencial à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, tem sua<br />

proteção, em parte, como <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento <strong>do</strong> acesso ao saneamento, e sen<strong>do</strong><br />

este um corolário à universalização <strong>do</strong> direito à saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve ter como<br />

pressuposto a prestação a<strong>de</strong>quada <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> abastecimento <strong>de</strong> água,<br />

esgotamento sanitário, limpeza urbana e gerenciamento <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s,<br />

bem como drenagem e manejo <strong>de</strong> águas pluviais, serviços esses que integram<br />

o conceito <strong>de</strong> saneamento básico, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a Lei nº 11.445/07.<br />

Nesse contexto, salienta-se o esforço internacional em prol <strong>do</strong>s ODS,<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s “integra<strong>do</strong>s e indivisíveis” e que reúnem as dimensões econômica,<br />

social e ambiental. Os ODS 3 e 6, especialmente, visam a “assegurar uma vida<br />

saudável e promover o bem-estar para to<strong>do</strong>s, em todas as ida<strong>de</strong>s” e a “assegurar<br />

a disponibilida<strong>de</strong> e gestão sustentável da água e saneamento para to<strong>do</strong>s”<br />

(ITAMARATY, 2016).<br />

A partir <strong>de</strong>ssas premissas iniciais, o presente trabalho pressupõe que os<br />

direitos humanos fundamentais são, conceitualmente, prerrogativas <strong>do</strong> sujeito<br />

que o permitem exigir <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> particulares <strong>de</strong>terminadas prestações<br />

positivas ou negativas, que são essenciais a que os indivíduos usufruam <strong>de</strong> uma<br />

vida digna e saudável e, portanto, indissociáveis <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong><br />

saneamento.<br />

A relevância <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> se baseia no fato <strong>de</strong> que mais <strong>de</strong> 100 milhões<br />

<strong>de</strong> brasileiros não têm acesso à coleta <strong>de</strong> esgoto sanitário, que são lança<strong>do</strong>s in<br />

natura em rios e mares, e apenas 44,90% <strong>do</strong>s esgotos <strong>do</strong> país são trata<strong>do</strong>s,<br />

85


segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> SNIS (Sistema Nacional <strong>de</strong> Informações sobre Saneamento)<br />

<strong>de</strong> 2016, apresenta<strong>do</strong>s pelo Instituto Trata Brasil (2018b, p. 59). Essas<br />

estatísticas refletem na saú<strong>de</strong> da população, pois, ainda <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o Trata<br />

Brasil, houve 391 mil Internações por conta <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças gastrointestinais<br />

infecciosas e, se 100% da população tivesse acesso à coleta <strong>de</strong> esgoto, haveria<br />

uma redução <strong>de</strong> 74,6 mil internações (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2018a).<br />

Po<strong>de</strong>m-se relacionar tais estatísticas também a algumas problemáticas<br />

ambientais, como a poluição <strong>de</strong> rios, a falta <strong>de</strong> acesso à água potável e a alta<br />

incidência <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes, tais como leptospirose, diarreia e<br />

aquelas provocadas pelo mosquito Ae<strong>de</strong>s aegypti.<br />

A<strong>de</strong>mais, levan<strong>do</strong>-se em consi<strong>de</strong>ração ser indispensável à garantia <strong>do</strong>s<br />

direitos fundamentais e ao mínimo (existencial) a uma vida digna, cabe ao gestor<br />

público administrar os recursos estatais <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> eficiente à garantia <strong>de</strong> acesso<br />

ao saneamento, não apenas como serviço público, mas como direito<br />

estritamente vincula<strong>do</strong> à igualda<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo. Ocorre,<br />

todavia, que nem sempre o Administra<strong>do</strong>r cumpre essa obrigação, como po<strong>de</strong><br />

ser observa<strong>do</strong> na controvérsia objeto <strong>do</strong> Recurso Especial (REsp) nº<br />

1.366.337/RS, que foi a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> neste trabalho como caso paradigmático <strong>de</strong><br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantia <strong>do</strong> mínimo existencial, em contraposição à invocação<br />

<strong>do</strong> respeito à reserva <strong>do</strong> possível. No julga<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong>, <strong>de</strong>monstrou-se que<br />

alegações <strong>de</strong> insuficiência financeira por parte <strong>do</strong> Município para realização <strong>de</strong><br />

obras <strong>de</strong> saneamento foram infundadas, e tinham por propósito justificar a inércia<br />

estatal na promoção <strong>de</strong> políticas públicas, mesmo sen<strong>do</strong> notória, diante <strong>do</strong>s<br />

da<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s, a precarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> acesso ao saneamento não só no caso<br />

sub judice, mas em to<strong>do</strong> o Brasil. Esses fatores evi<strong>de</strong>nciam o problema <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa, que é pauta<strong>do</strong> em encontrar possíveis caminhos à universalização <strong>do</strong><br />

saneamento, em face da ineficiência ou insuficiência <strong>de</strong> políticas públicas nessa<br />

seara, sem que haja justificativas razoáveis.<br />

Por fim, será possível <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que o saneamento, enquanto direito<br />

fundamental integrante <strong>do</strong> mínimo existencial, é intimamente relaciona<strong>do</strong> à<br />

saú<strong>de</strong> pública e ao meio ambiente; o que, portanto, legitima atuações judiciais<br />

amparadas na Constituição em prol <strong>de</strong> sua garantia contínua e integral, em<br />

86


oposição às omissões estatais que se provem injustificadas. Assim, propõe<br />

partir-se <strong>do</strong> olhar à realida<strong>de</strong> social e ambiental brasileira, explicitada no caso<br />

concreto, para, então, interpretar e concretizar o Direito e o compromisso<br />

internacional assumi<strong>do</strong> pelo Brasil com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento<br />

Sustentável.<br />

OBJETIVOS<br />

Como objetivo geral, buscar-se-á averiguar a relação existente entre a<br />

reserva <strong>do</strong> possível, o mínimo existencial e o saneamento básico, sob a<br />

perspectiva da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e <strong>do</strong>s direitos humanos<br />

fundamentais nela tutela<strong>do</strong>s, notadamente a saú<strong>de</strong> e o meio ambiente<br />

ecologicamente equilibra<strong>do</strong>. São objetivos específicos: (i) apresentar os<br />

principais pontos <strong>do</strong> REsp nº 1.366.337/RS; (ii) analisar e relacionar os temas<br />

apresenta<strong>do</strong>s no julga<strong>do</strong>, bem como associá-los às variáveis proposta e sua<br />

indissociabilida<strong>de</strong>: saú<strong>de</strong> pública, saneamento básico e meio ambiente (iii)<br />

confirmar, fundamentadamente, a interpretação que reconheça o saneamento<br />

como direito humano fundamental implícito, pautada na Constituição <strong>de</strong> 1988,<br />

conforme a realida<strong>de</strong> fática e o REsp 1.366.337/RS.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

A Teoria da Reserva <strong>do</strong> Possível e <strong>do</strong> Mínimo Existencial, bem como a<br />

relação indissociável entre as variáveis que norteiam a presente discussão<br />

(saú<strong>de</strong> pública, saneamento básico e meio ambiente), são os fundamentos<br />

teóricos <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong>, alicerça<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> paradigmático REsp.<br />

Sobre a teoria da reserva <strong>do</strong> possível, Ana Paula <strong>de</strong> Barcellos (2011, p.<br />

277) aduz que:<br />

De forma geral, a expressão reserva <strong>do</strong> possível procura i<strong>de</strong>ntificar o<br />

fenômeno econômico da limitação <strong>do</strong>s recursos disponíveis diante das<br />

necessida<strong>de</strong>s sempre infinitas a serem por eles supridas. (...) [P]ara<br />

além das discussões jurídicas sobre o que se po<strong>de</strong> exigir judicialmente<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> – e em última análise da socieda<strong>de</strong>, já que é esta que o<br />

sustenta –, é importante lembrar que há um limite <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />

materiais para esses direitos. Novamente: pouco adiantará, <strong>do</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> vista prático, a previsão normativa ou a refinada técnica<br />

hermenêutica se absolutamente não houver dinheiro para custear a<br />

<strong>de</strong>spesa gerada por <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> direito subjetivo.<br />

87


Ressalta-se que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> haver limites aos direitos prestacionais surgiu<br />

na década <strong>de</strong> 1970, no Tribunal Constitucional alemão, quan<strong>do</strong> se questionou a<br />

constitucionalida<strong>de</strong> da restrição <strong>de</strong> vagas para acesso ao ensino superior e<br />

alegou-se violação à liberda<strong>de</strong> profissional, garantida pela Constituição alemã.<br />

Na ocasião, o Tribunal <strong>de</strong>cidiu que os direitos prestacionais estão sujeitos à<br />

reserva <strong>do</strong> possível, uma vez que a disponibilida<strong>de</strong> financeira para a promoção<br />

<strong>de</strong> certa política <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolhas discricionárias, por meio <strong>de</strong> uma<br />

pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> bens e interesses relevantes (SARLET; FIGUEIREDO, 2008).<br />

Alu<strong>de</strong>-se, também, que a reserva <strong>do</strong> possível foi trazida ao Brasil na<br />

década <strong>de</strong> 1990, faltan<strong>do</strong>, até então, estu<strong>do</strong>s aprofunda<strong>do</strong>s que permitissem sua<br />

aplicação, resultan<strong>do</strong> em empecilhos ao avanço da sindicabilida<strong>de</strong> judicial <strong>de</strong><br />

direitos sociais (BARCELLOS, 2011, pp. 278-279). Além disso, no Brasil, essa<br />

teoria foi <strong>de</strong>signada <strong>de</strong> “reserva <strong>do</strong> financeiramente possível”, visto que, aqui,<br />

normalmente abrange apenas os aspectos fático e jurídico (FALSARELLA,<br />

2012).<br />

Diante <strong>de</strong>sses conceitos, infere-se que essa teoria somente po<strong>de</strong>ria ser<br />

invocada diante da verda<strong>de</strong>ira escassez <strong>de</strong> recursos. A alegação <strong>de</strong> insuficiência<br />

financeira não comprovada e a não previsão <strong>de</strong> recursos para políticas<br />

essenciais na Lei Orçamentária refletem <strong>de</strong>svios no que consiste a referida<br />

teoria. Atesta-se, assim, que, a <strong>de</strong>speito da real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escassez, é<br />

comum sua invocação como instrumento <strong>de</strong> justificação às más escolhas, com<br />

a priorização <strong>de</strong> gastos contrários ao interesse público.<br />

Com relação ao mínimo existencial, surgi<strong>do</strong> na jurisprudência <strong>do</strong> Tribunal<br />

alemão e posteriormente no Brasil por Ricar<strong>do</strong> Lobo Torres (1989), po<strong>de</strong>-se<br />

afirmar que seu conceito, apesar <strong>de</strong> in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, relaciona-se à liberda<strong>de</strong> e<br />

dignida<strong>de</strong>, e estabelece haver um direito às condições mínimas <strong>de</strong> existência<br />

digna.<br />

Já que sua <strong>de</strong>finição é marcada pela historicida<strong>de</strong>, torna-se dificultoso<br />

<strong>de</strong>terminá-la exaustivamente, visto que varia no tempo e no espaço (BARROSO,<br />

2015, p. 26). É possível afirmar, entretanto, que o mínimo existencial “estabelece<br />

um piso, abaixo <strong>do</strong> qual não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scer” e que o “legisla<strong>do</strong>r tem ampla<br />

liberda<strong>de</strong> para ir além <strong>do</strong> mínimo existencial, buscan<strong>do</strong> concretizar pelos mais<br />

88


varia<strong>do</strong>s meios (...) uma realização mais plena da igualda<strong>de</strong> material”, conforme<br />

pon<strong>de</strong>ra Daniel Sarmento (2016, p. 1658).<br />

Para Luís Roberto Barroso, o “mínimo existencial correspon<strong>de</strong> ao núcleo<br />

essencial <strong>do</strong>s direitos fundamentais sociais e seu conteú<strong>do</strong> equivale às précondições<br />

<strong>do</strong> exercício <strong>do</strong>s direitos individuais e políticos, da autonomia privada<br />

e pública” (2015, p. 288). Já Ana Paula <strong>de</strong> Barcellos (2011, p. 305, apud<br />

BARROSO, 2015, pp. 214-215), consi<strong>de</strong>ra o mínimo existencial como fração<br />

nuclear da dignida<strong>de</strong> humana, atrela<strong>do</strong> a direitos reconheci<strong>do</strong>s pela<br />

Constituição.<br />

Dessa forma, são indispensáveis ações direcionadas à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />

da população e <strong>do</strong> meio ambiente, visto que a universalização <strong>do</strong> acesso ao<br />

saneamento é essencial à proteção das presentes e futuras gerações,<br />

ameaçadas por circunstâncias globais que retratam a existência <strong>de</strong> uma<br />

“socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco”, como assinala Ulrich Beck (SARLET; FENSTERSEIFER,<br />

2012, p. 33), e que o mínimo a uma vida digna pressupõe higi<strong>de</strong>z e equilíbrio<br />

ambientais.<br />

Finalmente, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a Constituição reconheceu a dignida<strong>de</strong><br />

como fundamento da República e consagrou o direito ao meio ambiente, propõese<br />

que a concepção <strong>de</strong> mínimo existencial – enquanto “piso para a justiça social”<br />

(SARMENTO, 2016, p. 1678) – <strong>de</strong>ve abarcar a sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong>, os núcleos intangíveis<br />

<strong>do</strong>s direitos à vida, à saú<strong>de</strong>, à higi<strong>de</strong>z e segurança ambientais e ao saneamento<br />

básico, sem prejuízo <strong>de</strong> outros cujos núcleos sejam indissociáveis da dignida<strong>de</strong>.<br />

Em relação à atuação judicial em políticas públicas alu<strong>de</strong>-se que, assim<br />

como a Administração, o Judiciário está vincula<strong>do</strong> à Constituição e à<br />

proporcionalida<strong>de</strong>, tida como alternativa a problemáticas que não possam ser<br />

solucionadas pelas vias <strong>do</strong> controle popular <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, como o<br />

direito <strong>de</strong> petição aos órgãos públicos, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Usuário <strong>de</strong><br />

Serviços Públicos (Lei nº 13.460/17) e a Lei <strong>do</strong> Saneamento Básico, tampouco<br />

por meio <strong>de</strong> atuações extrajudiciais <strong>do</strong> Ministério Público, ou, ainda, mecanismos<br />

<strong>de</strong> responsabilização <strong>de</strong> agentes públicos e políticos.<br />

89


Em visão similar, Daniel Sarmento <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que, diante da complexida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> certas políticas públicas, é inviável que o Judiciário prescreva ações<br />

específicas sobre as quais não possui conhecimento técnico. Por essa razão,<br />

para o autor, o Judiciário <strong>de</strong>ve se valer <strong>de</strong> “técnicas jurisdicionais flexíveis e<br />

dialógicas” como alternativas preferíveis “tanto à omissão judicial quanto a um<br />

ativismo <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s duvi<strong>do</strong>sos”, dan<strong>do</strong> visibilida<strong>de</strong> aos problemas atinentes<br />

ao mínimo existencial e “forçan<strong>do</strong> os <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res a agir, sem, no entanto,<br />

apresentar soluções prontas para problemas altamente complexos, que muitas<br />

vezes ele não teria condições <strong>de</strong> elaborar a contento”. Propõe, portanto, que<br />

haja, preferencialmente, um “diálogo interinstitucional” (2016, pp. 1678-1679).<br />

Sobre o tema, Ada Pellegrini Grinover (2010, p. 36) afirma que os limites<br />

à atuação judicial são: “i. a restrição à garantia <strong>do</strong> mínimo existencial; ii. a<br />

razoabilida<strong>de</strong> da pretensão individual/social <strong>de</strong>duzida em face <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público<br />

e a irrazoabilida<strong>de</strong> da escolha <strong>do</strong> agente público; iii. a reserva <strong>do</strong> possível”.<br />

Finalmente, com o fito <strong>de</strong> direcionar a perspectiva teórica <strong>do</strong> artigo, passase,<br />

finalmente, à discussão acerca <strong>do</strong> saneamento básico e <strong>de</strong> sua intrínseca<br />

relação com a saú<strong>de</strong> pública e o meio ambiente. Inicialmente, o saneamento é<br />

conceitua<strong>do</strong> pela Lei 11.445/07 como serviço público que abrange o<br />

abastecimento <strong>de</strong> água potável, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e<br />

manejo <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s e a drenagem e manejo <strong>de</strong> águas pluviais urbanas.<br />

A<strong>de</strong>mais, o saneamento está previsto no artigo 23, IX, da Constituição,<br />

cuja redação aponta para a obrigação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em “promover programas <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> moradias e a melhoria das condições habitacionais e <strong>de</strong><br />

saneamento básico”. Portanto, se há um <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> promover o<br />

saneamento, há também um po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> titular <strong>de</strong>sse direito a requerer seu<br />

cumprimento. Esse titular é cada membro da coletivida<strong>de</strong>, ainda que por<br />

intermédio <strong>do</strong> Ministério Público, basea<strong>do</strong> nos artigos 127, caput, e 129, III, da<br />

Constituição.<br />

Frente a constantes violações ao mínimo existencial sob a alegação <strong>de</strong><br />

escassez financeira, mostrou-se essencial o reconhecimento <strong>do</strong> direito ao<br />

saneamento, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> criar um “sentimento constitucional” <strong>de</strong> sua<br />

essencialida<strong>de</strong> (BARROSO, 2015) e <strong>de</strong> tratá-lo como direito autônomo que,<br />

90


apesar <strong>de</strong> sempre interagir com <strong>de</strong>mais direitos, tem existência e importância<br />

próprias, sen<strong>do</strong> pressuposto à infraestrutura urbana.<br />

O saneamento, finalmente, relaciona-se a princípios basilares da<br />

Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e se <strong>de</strong>monstra imprescindível à<br />

vida, ten<strong>do</strong> em vista que visa a assegurar a to<strong>do</strong>s um ambiente ecologicamente<br />

equilibra<strong>do</strong>, indispensável ao bem-estar da coletivida<strong>de</strong>. Nesse contexto,<br />

assevera a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da resolução nº<br />

64/292/2010, que o saneamento é essencial à concretização <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos, conce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à coletivida<strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> vida dignos e a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s à<br />

proteção da saú<strong>de</strong>, ao direito à habitação e ao acesso aos <strong>de</strong>mais serviços<br />

públicos primordiais à igualda<strong>de</strong> e ao pleno <strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong><br />

humana (DUDH, arts. 1º, 22º e 25º).<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

A reflexão sobre os temas em análise levou à formulação das seguintes<br />

hipóteses: (i) o REsp nº 1.366.337/RS é um caso paradigmático <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> garantia <strong>do</strong> mínimo existencial, em contraposição à invocação <strong>do</strong> respeito à<br />

reserva <strong>do</strong> possível; (ii) os direitos humanos fundamentais mais básicos e<br />

essenciais estão vincula<strong>do</strong>s à garantia <strong>do</strong> direito ao meio ambiente<br />

ecologicamente equilibra<strong>do</strong> e à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida; e (ii) a inexistente ou<br />

ina<strong>de</strong>quada proteção <strong>do</strong> meio ambiente, a exemplo da precarieda<strong>de</strong> na<br />

prestação <strong>do</strong> serviço público <strong>de</strong> saneamento básico, é responsável pela violação<br />

<strong>de</strong> direitos constitucionalmente garanti<strong>do</strong>s.<br />

Para confirmar essas premissas, o presente trabalho foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> a<br />

partir da utilização <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> indutivo, eis que construiu o estu<strong>do</strong> teórico e<br />

atingiu os resulta<strong>do</strong>s pretendi<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> uma jurisprudência. Este méto<strong>do</strong> se<br />

caracteriza pelo procedimento que se vale da análise lógica e consiste em se<br />

estabelecer uma verda<strong>de</strong> universal ou uma referência geral com base no<br />

conhecimento <strong>de</strong> certo número <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s singulares.<br />

A<strong>de</strong>mais, o méto<strong>do</strong> principal foi robusteci<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> outras ferramentas<br />

complementares: (i) <strong>de</strong>scritivo, a partir da apresentação das variáveis propostas<br />

e <strong>de</strong> suas principais características; (ii) estatístico, para informar e avaliar da<strong>do</strong>s<br />

91


coleta<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica; (iii) jurídico-<strong>do</strong>utrinal, a fim <strong>de</strong> que<br />

as variáveis sejam corretamente <strong>de</strong>finidas a partir <strong>do</strong>s <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res, das<br />

normas brasileiras pertinentes e da jurisprudência utilizada como paradigma; e<br />

(iv) analítico, a fim <strong>de</strong> se reunir to<strong>do</strong>s os argumentos obti<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong>s<br />

instrumentos acima menciona<strong>do</strong>s para, finalmente, estabelecer um resulta<strong>do</strong><br />

científico que confirme as hipóteses formuladas. Desse mo<strong>do</strong>, a pesquisa po<strong>de</strong><br />

ser classificada como exploratória e bibliométrica. Quanto à coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, a<br />

classificação é <strong>do</strong>cumental e a abordagem <strong>do</strong> problema é qualitativa.<br />

RESULTADOS<br />

Diante <strong>do</strong> julga<strong>do</strong> analisa<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s fundamentos teóricos acima aludi<strong>do</strong>s,<br />

há <strong>de</strong> se reconhecer a indissociabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos à saú<strong>de</strong>, ao saneamento e<br />

ao meio ambiente, sen<strong>do</strong> certo que eventuais políticas públicas nessa seara<br />

<strong>de</strong>vem abranger a integralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores que influem nessa relação. Outro fato<br />

a ser <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> é o papel <strong>do</strong> Judiciário, que <strong>de</strong>ve exercer controle sobre ações<br />

ou omissões estatais sobre o cumprimento <strong>de</strong> direitos humanos fundamentais.<br />

Nessa seara, atesta-se que o saneamento é um direito fundamental<br />

implícito, eis que integrante <strong>do</strong> mínimo existencial socioambiental e, portanto,<br />

direta e imediatamente aplicável ao caso concreto pelos Po<strong>de</strong>res Públicos, <strong>de</strong><br />

forma a impedir que alegações <strong>de</strong> escassez financeira e falta <strong>de</strong> previsão<br />

orçamentária para políticas públicas sirvam <strong>de</strong> empecilhos ao fiel cumprimento<br />

da Constituição.<br />

O saneamento básico, <strong>de</strong>ssa forma, <strong>de</strong>ve ser protegi<strong>do</strong> conjunta e<br />

continuamente à tutela <strong>do</strong> meio ambiente, da saú<strong>de</strong> e da garantia <strong>do</strong> núcleo<br />

essencial da dignida<strong>de</strong> humana. A interpretação constitucional que reconheça<br />

essa indissociabilida<strong>de</strong> e a existência autônoma <strong>do</strong> direito ao saneamento é,<br />

portanto, paradigma a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> às políticas públicas e <strong>de</strong>cisões judiciais que<br />

tenham por propósito a efetivida<strong>de</strong> da Constituição e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Socioambiental<br />

<strong>de</strong> Direito.<br />

92


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A <strong>de</strong>cisão proferida no REsp 1.366.337/RS evi<strong>de</strong>nciou que a Constituição<br />

<strong>de</strong>ve ser interpretada e aplicada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a suprir mazelas que historicamente<br />

têm assola<strong>do</strong> a população brasileira, por vezes ocasionadas pela própria<br />

Administração Pública ao não gerenciar a<strong>de</strong>quadamente os recursos públicos.<br />

Para tanto, cabe ao Judiciário, ainda que subsidiariamente, atuar <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

a garantir efetivida<strong>de</strong> à Constituição, especialmente em face da existência <strong>de</strong><br />

escolhas financeiras dissociadas <strong>do</strong> interesse público, que impe<strong>de</strong>m a<br />

verda<strong>de</strong>ira a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> ações necessárias à superação <strong>de</strong> problemáticas sociais<br />

e ambientais.<br />

A<strong>de</strong>mais, uma proposta <strong>de</strong> concretização <strong>do</strong> Direito que seja antecedida<br />

<strong>de</strong> um olhar necessário à realida<strong>de</strong> é um efetivo instrumento <strong>de</strong> reconhecimento<br />

<strong>de</strong> direitos e da vinculação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> à Constituição, visto que sua aplicação<br />

não <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r apenas a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, como também às<br />

necessida<strong>de</strong>s existenciais – sociais, econômicas e ambientais – subjacentes às<br />

normas.<br />

Defen<strong>de</strong>-se, por fim, a relevância <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão judicial como<br />

<strong>de</strong>monstrativo da importância <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong><br />

infraestrutura urbana e <strong>do</strong> controle judicial <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, visan<strong>do</strong> à<br />

transformação <strong>do</strong> status quo por meio <strong>de</strong> um olhar necessário à realida<strong>de</strong><br />

brasileira em termos <strong>de</strong> carência <strong>de</strong> ações em saneamento básico, visan<strong>do</strong> à<br />

promoção <strong>de</strong> direitos fundamentais e da cidadania.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BARCELLOS, A. P. <strong>de</strong>. A eficácia jurídica <strong>do</strong>s princípios constitucionais: o<br />

princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. 3. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar,<br />

2011.<br />

BARROSO, L. R. Curso <strong>de</strong> direito constitucional contemporâneo: os<br />

conceitos fundamentais e a construção <strong>do</strong> novo mo<strong>de</strong>lo. 5. ed. São Paulo:<br />

Saraiva, 2015.<br />

93


FALSARELLA, C. Reserva <strong>do</strong> possível como aquilo que é razoável se exigir <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>. Associação <strong>do</strong>s procura<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo. São Paulo,<br />

2012. Disponível em: .Acesso<br />

em: 16 fev. 2018.<br />

GRINOVER, A. P. O controle das políticas públicas pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Revista <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Direito da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s e Direito, v. 7,<br />

n. 7, 2010. Disponível em: .<br />

Acesso em: 18 ago. 2018.<br />

INSTITUTO TRATA BRASIL. Principais estatísticas <strong>do</strong> Brasil 2018 (Saú<strong>de</strong>).<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 13 nov. 2018.<br />

________________________. Ranking <strong>do</strong> Saneamento 2018. Disponível em:<br />

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Acesso em: 13 nov. 2018.<br />

ITAMARATY. Transforman<strong>do</strong> Nosso Mun<strong>do</strong>: a Agenda 2030 para o<br />

Desenvolvimento Sustentável, 2016. Disponível em: <<br />

http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_<strong>de</strong>senvsust/Agenda2030completoportu<br />

gus12fev2016x.pdf>. Acesso em 10 nov. 2018.<br />

SARLET, I; FENSTERSEIFER, T. Direito constitucional ambiental:<br />

Constituição, direitos fundamentais e proteção <strong>do</strong> ambiente. 2ª ed. São<br />

Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2012.<br />

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à saú<strong>de</strong>: algumas aproximações. Revista <strong>de</strong> Doutrina da 4ª Região, Porto<br />

Alegre, n. 24, jul. 2008. Disponível em:<br />

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em: 6 mar. 2018.<br />

SARMENTO, D. O mínimo existencial / The right to basic conditions of<br />

life. Revista <strong>de</strong> Direito da Cida<strong>de</strong>, [S.l.], v. 8, n. 4, p. 1644-1689, nov. 2016.<br />

ISSN 2317-7721. Disponível em: .<br />

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TORRES, R. L. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Revista <strong>de</strong><br />

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5177. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

2 mar. 2018.<br />

94


A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO PROCESSO<br />

DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA<br />

(MEDIATION: THE FACILITATOR INSTRUMENT IN THE PROCESS OF REGULARIZATION)<br />

TEODORO, Rita <strong>de</strong> Kassia <strong>de</strong> França<br />

Mestranda em Direito Internacional pela Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos – UNISANTOS -BRASIL. Pós Graduada em<br />

Direito. Procura<strong>do</strong>ra Legislativa. rita.teo<strong>do</strong>ro@unisantos.br.<br />

FREITAS, Gilberto Passos <strong>de</strong><br />

Professor <strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong> pós-graduação da Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos – UNISANTOS - BRASIL. Doutor em<br />

Direito pela Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo-PUC/SP. Desembarga<strong>do</strong>r aposenta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

RESUMO<br />

O presente artigo preten<strong>de</strong> fazer uma análise da mediação como instituto<br />

previsto na Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017, para a facilitação da<br />

regularização fundiária urbana; para tanto abordar-se-á questão fundiária<br />

urbana; as dificulda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário em dar a solução a<strong>de</strong>quada; a<br />

mediação como instrumento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>.<br />

Palavras-chave: Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465/2017. Regularização Fundiária Urbana.<br />

Meios Alternativos <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos – ADR’s. Mediação. Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Desenvolvimento Sustentável.<br />

ABSTRACT<br />

The present article intends to make an analysis of mediation as an institute<br />

foreseen in Fe<strong>de</strong>ral Law 13,465, of July 11, 2017, for the facilitation of urban land<br />

regularization; to <strong>do</strong> so will address urban land issues; the difficulties of the<br />

Judiciary to provi<strong>de</strong> the appropriate solution; mediation as an appropriate<br />

instrument.<br />

Keywords: Fe<strong>de</strong>ral Law nº. 13.465/ 2017. Urban Land Adjustment. Mediation.<br />

ADR’s Judiciary. Sustainable <strong>de</strong>velopment.<br />

Sumário: Introdução. 1. A questão fundiária urbana. 2. A dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário para dar a solução a<strong>de</strong>quada. 3. A Facilitação <strong>de</strong> acesso à<br />

Justiça: meios consensuais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos. 4. A mediação: instrumento<br />

95


facilita<strong>do</strong>r da paz social. 5. Os mecanismos facilita<strong>do</strong>res da Regularização<br />

Fundiária Urbana na Lei nº. 13465/2017. 5.1 Mediação Comunitária. 5.2 A<br />

suspensão da prescrição: garantia <strong>de</strong> efetivação <strong>do</strong> procedimento. 6.<br />

Instauração <strong>de</strong> Câmaras <strong>de</strong> Mediação pelos Municípios e as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

implementação. 6.1 Convênios com os CEJUSC – Centros Judiciários <strong>de</strong><br />

Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania ou Câmaras <strong>de</strong> Mediação cre<strong>de</strong>nciadas. 7.<br />

Conclusões.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A Lei nº 13.465 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017 tem por foco a regularização <strong>do</strong>s<br />

assentamentos humanos irregulares, sejam estes no âmbito urbano quanto rural,<br />

preven<strong>do</strong> uma série <strong>de</strong> novos mecanismos facilita<strong>do</strong>res da regularização, com<br />

<strong>de</strong>staque para a mediação.<br />

A lei em comento está em consonância com o fenômeno inseri<strong>do</strong> na<br />

terceira onda renovatória <strong>do</strong> Processo Civil o qual inclui a maior abrangência <strong>de</strong><br />

garantia <strong>de</strong> acesso à justiça e a duração razoável <strong>do</strong> processo, que pertencem<br />

ao arcabouço jurídico <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>do</strong> que é inexorável a dignida<strong>de</strong> da<br />

pessoa humana, foco central <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, fim precípuo da<br />

atuação da Organização das Nações Unidas.<br />

Importante notar que a nova disciplina propicia a mediação extrajudicial<br />

para a regularização fundiária; verifica-se que o legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong>u especial atenção<br />

a esses mecanismos facilita<strong>do</strong>res da solução <strong>do</strong>s litígios <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sses<br />

assentamentos irregulares, o que dá nova tônica à Administração Pública no<br />

enfrentamento das questões tormentosas que envolvem a regularização<br />

fundiária.<br />

Sob este prisma, a Lei nº 13.465/2017 vem nessa toada a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r<br />

os objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável estabeleci<strong>do</strong>s na Agenda 2030,<br />

com o escopo <strong>de</strong> se construir uma socieda<strong>de</strong> equilibrada: social, econômica e<br />

ambientalmente, para que as presentes e futuras gerações possam usufruir <strong>de</strong><br />

um meio ambiente urbano a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

96


São esses e outros aspectos que abordaremos no presente paper,<br />

objetivan<strong>do</strong> clarear os mecanismos existentes na lei em comento como a<br />

arbitragem, a mediação extrajudicial, as Câmaras <strong>de</strong> Mediação criadas pelos<br />

Municípios, e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetivação da mediação através <strong>do</strong>s Centros<br />

Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania - CEJUSC e convênios firma<strong>do</strong>s<br />

pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário e entida<strong>de</strong>s privadas como as universida<strong>de</strong>s, e <strong>de</strong>linear os<br />

aspectos favoráveis da mediação, como instrumento facilita<strong>do</strong>r da resolução<br />

questões <strong>de</strong> regularização fundiária.<br />

1. A Questão Fundiária Urbana<br />

A preocupação com o regular <strong>de</strong>senvolvimento urbano tem assento<br />

constitucional, eis que trata<strong>do</strong> expressamente no texto da Constituição <strong>de</strong> 1988,<br />

no artigo 182, on<strong>de</strong> estabelece os objetivos mínimos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar o pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das funções sociais da cida<strong>de</strong> e garantia <strong>do</strong> bem-estar <strong>do</strong>s<br />

habitantes.<br />

O instrumento básico <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento urbano é o<br />

plano diretor, disciplina<strong>do</strong> pelos Municípios, que conterá as diretrizes <strong>do</strong> pleno<br />

crescimento urbano, da a<strong>de</strong>quação e or<strong>de</strong>nação regular <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> solo,<br />

evitan<strong>do</strong>-se o parcelamento excessivo e ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> da infraestrutura <strong>do</strong><br />

município (CF/88, art. 182 § 1 o , CF).<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, conforme prevê o seu artigo 30, portanto,<br />

conferiu aos Municípios a tarefa <strong>de</strong> realizar o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbano,<br />

aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aos princípios urbanísticos <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> sustentável<br />

e ambientalmente equilibrada.<br />

“A vinculação <strong>de</strong> cada terreno urbano ao or<strong>de</strong>namento territorial se dá pelo princípio da<br />

função social da proprieda<strong>de</strong>. Esta é <strong>de</strong>finida pelo plano diretor, <strong>do</strong>cumento que<br />

estabelece os parâmetros <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> cada região da cida<strong>de</strong>. Todas as ações,<br />

públicas ou privadas, que importem em modificação <strong>do</strong> ambiente construí<strong>do</strong> estão<br />

97


submetidas ao plano diretor, inclusive a implantação <strong>de</strong> infraestrutura, como sistema<br />

viário, linhas <strong>de</strong> metrô e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> energia elétrica e água.” 1<br />

Com efeito, o or<strong>de</strong>namento irregular <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> suma gravida<strong>de</strong>,<br />

uma vez que implica em diversos problemas socioambientais, pois a formação<br />

<strong>de</strong>senfreada <strong>de</strong> assentamentos clan<strong>de</strong>stinos implica geralmente em<br />

<strong>de</strong>sarticulação <strong>do</strong> sistema viário, assoreamento <strong>de</strong> rios, ausência <strong>de</strong><br />

equipamentos públicos no local (saú<strong>de</strong>, educação etc.), ausência <strong>de</strong><br />

saneamento básico, <strong>de</strong>ntre outros, com latente violação <strong>de</strong> direitos, em razão da<br />

ausência <strong>de</strong> condições mínimas <strong>de</strong> atendimento à dignida<strong>de</strong> humana, em<br />

contraponto à função social <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano, que busca, sobretu<strong>do</strong>,<br />

garantir o bem estar <strong>do</strong>s seus habitantes.<br />

A <strong>de</strong>ficiência no controle <strong>do</strong> surgimento e <strong>do</strong> aumento <strong>de</strong>sses<br />

assentamentos conduzem a um crescimento <strong>de</strong>sproporcional e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong><br />

das cida<strong>de</strong>s, geran<strong>do</strong> prejuízos socioambientais incalculáveis, ferin<strong>do</strong> o i<strong>de</strong>al<br />

internacional <strong>de</strong> equilibrar o <strong>de</strong>senvolvimento social, econômico e ambiental,<br />

garantin<strong>do</strong> às futuras gerações um ambiente sadio e com qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Essa preocupação <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> é prevista nos <strong>de</strong>zessete objetivos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, para,<br />

<strong>de</strong>ssa forma, atingir uma socieda<strong>de</strong> ambientalmente equilibrada; para tanto, o<br />

Brasil <strong>de</strong>verá se alinhar:<br />

● aos fundamentos e objetivos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Brasileiro, buscan<strong>do</strong> concretizar<br />

a dignida<strong>de</strong> humana (CF, Art. 1 o , III), o <strong>de</strong>senvolvimento nacional, a erradicação pobreza<br />

e da marginalização, a redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e regionais, a promoção <strong>do</strong><br />

bem <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s;<br />

● a visão holística <strong>do</strong> meio ambiente na implementação <strong>do</strong> equilíbrio<br />

ambiental, ten<strong>do</strong> em conta as <strong>de</strong>safiantes diversida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> meio físico, biótico e<br />

antrópico;<br />

1<br />

CARVALHO PINTO, V. Ocupação Irregular <strong>do</strong> Solo e Infraestrutura urbana: o caso da energia elétrica.<br />

In: Temas <strong>de</strong> Direito Urbanístico. 5, São Paulo: Imprensa Oficial (Organiza<strong>do</strong>r: CAOUMA-MPSP), 2007,<br />

p. 108.<br />

98


● à transversalida<strong>de</strong> da dimensão ambiental, visan<strong>do</strong> incorporar à política<br />

urbana, no caso, os objetivos e diretrizes traça<strong>do</strong>s pelas políticas ambientais (Política<br />

Nacional <strong>do</strong> Meio Ambiente, Política Nacional <strong>de</strong> Educação Ambiental, entre<br />

outras).(...). 2<br />

Essa questão tem íntima ligação com a função social urbana que tem por<br />

foco a pessoa na sua própria concepção para atingimento da dignida<strong>de</strong> humana,<br />

que tem ampla dimensão, abrangen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os aspectos da vida <strong>do</strong> ser humano.<br />

Em outras palavras, é a conjugação <strong>do</strong> fator social compreendi<strong>do</strong> em moradia,<br />

educação, lazer, saú<strong>de</strong>, bem-estar, econômico com a garantia <strong>de</strong> emprego e<br />

acesso a bens e serviços públicos e priva<strong>do</strong>s, propon<strong>do</strong> um ambiente saudável<br />

que garanta o piso vital mínimo <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, a segurança alimentar, e a<br />

manutenção da biota.<br />

“A exigência <strong>de</strong> atendimento das funções sociais da cida<strong>de</strong> resulta no<br />

direito a cida<strong>de</strong>s sustentáveis que, nos termos <strong>do</strong> Estatuto (art. 2 o , I)<br />

abrange, para as presentes e futuras gerações, os direitos<br />

fundamentais à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à<br />

infraestrutura urbana ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho<br />

e ao lazer.” 3<br />

O direito à moradia a<strong>de</strong>quada está ínsito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana<br />

em senti<strong>do</strong> concreto, uma vez que a dignida<strong>de</strong> humana não é uma essência que<br />

explica somente o ser humano, mas a natureza <strong>de</strong>le que parte <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

ações: proteger-se, trabalhar, <strong>de</strong>slocar-se, comunicar-se, estabelecer laços etc.,<br />

no que se insere o direito à ter uma habitação que lhe garanta executar ações<br />

ínsitas <strong>de</strong> sua própria natureza, <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> a atingir-se a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu bemestar,<br />

reconhecen<strong>do</strong>-se como ser e indivíduo no seio da socieda<strong>de</strong>.<br />

“É justamente neste senti<strong>do</strong> que assume particular relevância a<br />

constatação <strong>de</strong> que a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana é simultaneamente<br />

limite e tarefa <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res estatais e, no nosso sentir, da comunida<strong>de</strong><br />

2<br />

YOSHIDA, C.Y.M. Sustentabilida<strong>de</strong> Urbano-Ambiental: os conflitos sociais, as questões urbanísticas<br />

ambientais e os <strong>de</strong>safios à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nas cida<strong>de</strong>s. In: Sustentabilida<strong>de</strong> e temas fundamentais <strong>de</strong><br />

direito ambiental (organiza<strong>do</strong>r: MARQUES, J.R.), Campinas: Millenniun 2009, P.83/84.<br />

3 YOSHIDA, C.Y.M. Sustentabilida<strong>de</strong> Urbano-Ambiental: os conflitos sociais, as questões urbanísticas<br />

ambientais e os <strong>de</strong>safios à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nas cida<strong>de</strong>s. In: Sustentabilida<strong>de</strong> e temas fundamentais <strong>de</strong><br />

direito ambiental (organiza<strong>do</strong>r: MARQUES, J.R.), Campinas: Millenniun, 2009, P.84.<br />

99


em geral, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> cada um, condição dúplice esta que também<br />

aponta para uma paralela e conexa dimensão <strong>de</strong>fensiva e prestacional<br />

da dignida<strong>de</strong>, que voltará a ser referida oportunamente.” 4<br />

Assim, a dignida<strong>de</strong> humana é o norte da atuação estatal e da comunida<strong>de</strong><br />

como um to<strong>do</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, as ações sejam dirigidas tanto à manutenção da<br />

dignida<strong>de</strong> quanto à sua promoção, não só para as gerações existentes, como<br />

também para as novas, a fim <strong>de</strong> garantir ao ser humano a realização <strong>de</strong> suas<br />

necessida<strong>de</strong> existenciais básicas no aspecto econômico, social e ambiental, o<br />

que exige o implemento <strong>de</strong> políticas urbanas que proporcionem o regular<br />

or<strong>de</strong>namento urbano, com acesso aos serviços e equipamentos públicos<br />

essenciais.<br />

Todavia, com o gran<strong>de</strong> êxo<strong>do</strong> rural que ocorreu e vem ocorren<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

os i<strong>do</strong>s da revolução industrial, houve um gran<strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento populacional nos<br />

centros urbanos, com a crescente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais espaços para abrigar a<br />

gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> pessoas que se avolumavam nas cida<strong>de</strong>s, o que acarretou a<br />

proliferação <strong>de</strong> assentamentos urbanos irregulares, clan<strong>de</strong>stinos, com condições<br />

precárias <strong>de</strong> moradia e parcos acesso aos serviços públicos, e, também, o<br />

crescente incremento da criminalida<strong>de</strong> nas urbes.<br />

Assim, surgiram no âmbito das cida<strong>de</strong>s diversos espaços informais,<br />

verda<strong>de</strong>iros conglomera<strong>do</strong>s urbanos, que, não obstante terem se <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong><br />

às vistas <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público, foram crescen<strong>do</strong> à margem da lei e das diretrizes <strong>de</strong><br />

um or<strong>de</strong>namento urbano a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, causan<strong>do</strong> sensível celeuma e a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação diuturna da Administração Pública em regularizar tais<br />

situações.<br />

“Fato é que algumas políticas públicas vêm sen<strong>do</strong> a<strong>do</strong>tadas no intuito<br />

<strong>de</strong> se promover a reurbanização e a regularização fundiária <strong>de</strong>stes<br />

espaços informais, ten<strong>do</strong> também por objetivo melhorar as condições<br />

<strong>de</strong> vida das comunida<strong>de</strong>s em trajetória <strong>de</strong> risco social. Entretanto, o<br />

que ocorre em boa parte das intervenções é que a população local ou<br />

não é consultada ou quan<strong>do</strong> é, não é verda<strong>de</strong>iramente escutada. Não<br />

menos comum é a realização <strong>de</strong> projetos que não aten<strong>de</strong>m às<br />

comunida<strong>de</strong>s, sen<strong>do</strong> implanta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma autoritária, imposta e não<br />

dialogada. O <strong>de</strong>senvolvimento sustentável não é observa<strong>do</strong>, e as<br />

4<br />

SARLET, I.W. Dignida<strong>de</strong> da Pessoa Humana e <strong>Direitos</strong> Fundamentais, 9. Ed, Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong><br />

Advoga<strong>do</strong>, 2011, p. 58.<br />

100


intervenções <strong>de</strong> reurbanização acabam, por vezes, <strong>de</strong>srespeitan<strong>do</strong> os<br />

direitos <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res e agravan<strong>do</strong> a situação socioeconômica <strong>do</strong>s<br />

mesmos.” 5<br />

A questão <strong>de</strong> regularização <strong>do</strong>s assentamentos urbanos, promoven<strong>do</strong> o<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbanístico é <strong>de</strong> suma relevância, uma vez que esbarra<br />

em questões complexas, pois abarca tanto o aspecto social das pessoas<br />

envolvidas, quanto o aspecto ambiental, pois, não rara às vezes, os<br />

assentamentos se encontram em áreas <strong>de</strong> proteção ambiental, <strong>de</strong> risco, ou seja,<br />

<strong>de</strong> impossível regularização.<br />

Assim, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> algumas políticas públicas tem por solução<br />

a retirada <strong>do</strong> conglomera<strong>do</strong> urbano <strong>de</strong> certa localida<strong>de</strong> e realocada em outra, a<br />

fim <strong>de</strong> proporcionar a reurbanização e regularização fundiária, porém a questão,<br />

longe <strong>de</strong> ser a mais simples, esbarra em longas e infindáveis lutas judiciais.<br />

2. A Dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário para dar a Solução A<strong>de</strong>quada<br />

O Po<strong>de</strong>r Judiciário vem <strong>de</strong>sempenhan<strong>do</strong> papel fundamental na resolução<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas envolven<strong>do</strong> os conflitos <strong>de</strong> regularização fundiária, pois, como já<br />

ressalta<strong>do</strong>, são conflitos <strong>de</strong> natureza complexa e, muitas vezes “exigem<br />

tratamentos cirúrgicos drásticos, como <strong>de</strong>socupação e <strong>de</strong>molição forçada, para<br />

o retorno ou promoção <strong>do</strong> status quo <strong>de</strong> uma urbanização sustentável.” 6<br />

No entanto, o sistema processual não se coaduna com as <strong>de</strong>mandas que<br />

vem crescen<strong>do</strong>, notadamente, aquelas que busca tutelar interesses <strong>de</strong> múltiplas<br />

pessoas, e não se vislumbra um titular específico, mas toda uma coletivida<strong>de</strong>;<br />

os chama<strong>do</strong>s interesses transindividuais.<br />

“Os mecanismos tradicionais <strong>do</strong> processo civil não se a<strong>de</strong>quavam,<br />

então, ao atendimento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>manda que reunisse, por exemplo,<br />

direitos difusos, em que o autor não po<strong>de</strong>ria se arrogar a condição <strong>de</strong><br />

5<br />

ORSINI, A.G.<strong>de</strong> S.; SILVA, N.F. da. A mediação como via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em políticas<br />

públicas <strong>de</strong> reurbanização. disponível em:<br />

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=41c542dfe6e4fc3d. Acessa<strong>do</strong> em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />

6<br />

YOSHIDA, C.Y.M. Sustentabilida<strong>de</strong> Urbano-Ambiental: os conflitos sociais, as questões urbanísticas<br />

ambientais e os <strong>de</strong>safios à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nas cida<strong>de</strong>s. In: Sustentabilida<strong>de</strong> e temas fundamentais <strong>de</strong><br />

direito ambiental (organiza<strong>do</strong>r: MARQUES, J.R.), Campinas: Millenniun, 2009, p.92.<br />

101


proprietário da ‘sadia qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ar’ ou da ‘manutenção <strong>de</strong> meio<br />

ambiente equilibra<strong>do</strong>’.” 7<br />

Neste cenário foi concebida a Lei <strong>de</strong> Ação Civil Pública – Lei Fe<strong>de</strong>ral nº<br />

7.347/85, com mecanismos mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s à tutela coletiva, sen<strong>do</strong> ela<br />

aprimorada no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> tempo, com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e o<br />

Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r (Lei nº. 8.078/1990). Referi<strong>do</strong> diploma, apesar<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar importante papel na tutela <strong>do</strong>s interesses transindividuais,<br />

notadamente, nas questões envolven<strong>do</strong> regularização fundiária, ainda mais após<br />

a edição <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong> – Lei nº 10.257/2001, permitin<strong>do</strong> ao Ministério<br />

Público a tutela urbanística, não teve obti<strong>do</strong> o êxito espera<strong>do</strong>.<br />

A judicialização <strong>do</strong>s conflitos envolven<strong>do</strong> assentamentos irregulares e<br />

clan<strong>de</strong>stinos, no afã <strong>de</strong> proteger o cidadão e garantir a preservação <strong>do</strong> meio<br />

ambiente, não tem se apresenta<strong>do</strong> como a melhor forma, pois a jurisdição não<br />

possui mecanismos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para aten<strong>de</strong>r o tripé que suporta o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável: social, econômico e ambiental.<br />

Com efeito, ao Po<strong>de</strong>r Judiciário cabe à aplicação da lei ao caso concreto,<br />

e, sen<strong>do</strong> assim, “os conflitos <strong>de</strong> interesses se resolvem, <strong>de</strong> ordinário, pela<br />

subordinação <strong>do</strong>s seus sujeitos às or<strong>de</strong>ns abstratas da lei que os regula.” 8<br />

Sob este prisma, em regra, em ações visan<strong>do</strong> a regularização <strong>de</strong><br />

assentamentos urbanos há a participação <strong>do</strong> Ministério Público (como autor da<br />

ação) e <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público (como réu), ou seja, não há participação efetiva <strong>do</strong>s<br />

membros e pessoas da comunida<strong>de</strong> diretamente atingida por quaisquer medidas<br />

que venham a ser tomadas para o local, geran<strong>do</strong> problemas maiores às famílias,<br />

que, não raras vezes, são obrigadas a sair <strong>do</strong>s locais, sem <strong>de</strong>stino certo e,<br />

quan<strong>do</strong> o Po<strong>de</strong>r Público as transfere, coloca-as em locais extremamente<br />

distantes e sem a mesma infraestrutura a que as famílias possuíam, violan<strong>do</strong><br />

direitos <strong>de</strong>ssa parcela da população e agravan<strong>do</strong> sua situação socioeconômica.<br />

7<br />

CAZETTA, U. Instrumentos Judiciais e Extrajudiciais <strong>de</strong> Tutela Coletiva. In: O Direito e o<br />

Desenvolvimento Sustentável (organiza<strong>do</strong>res VEIGA RIOS, A.V.; IRIGARAY, C.T.H.), São Paulo:<br />

Petrópolis, 2005, p. 378.<br />

8<br />

SANTOS, M.A. Primeiras Linhas <strong>de</strong> Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 17. Ed, 1994, p.09.<br />

102


Aurélio Wan<strong>de</strong>r C. Bastos, em estu<strong>do</strong> intitula<strong>do</strong>, Conflitos Sociais e<br />

Limites <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, enten<strong>de</strong> que o sistema e a meto<strong>do</strong>logia a<strong>do</strong>tada<br />

para a estrutura <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário não são suficientes e a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para a<br />

solução <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas que possuem uma acentuada alteração <strong>do</strong> vínculo<br />

estrutural entre as partes envolvidas, bem como preten<strong>de</strong>m uma mudança social<br />

em curto espaço <strong>de</strong> tempo; em outras palavras, as situações <strong>do</strong> cotidiano, como<br />

manifestações da vida, por vezes não se enquadram nos mecanismos formais a<br />

que se encontra estabelecidas a <strong>do</strong>gmática judiciária.<br />

“Isto porque? No nosso enten<strong>de</strong>r, os fenômenos sociais não são<br />

normativos e sim normatizáveis (ou, mais amplamente,<br />

conjunturalizáveis). Embora possamos prever e esperar <strong>de</strong>terminadas<br />

condutas, estas condutas não só po<strong>de</strong>m não estar normatizadas como,<br />

também, po<strong>de</strong>m ocorrer diferentemente das prescrições normativas. É<br />

o espontaneísmo processual da vida social que nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisala<br />

segun<strong>do</strong> o sistematismo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> jurídico, político, moral etc. No<br />

caso especial <strong>do</strong> Direito, a aplicação da meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> sua análise à<br />

compreensão das diversas áreas <strong>de</strong> manifestação <strong>do</strong> comportamento<br />

po<strong>de</strong> levar a <strong>de</strong>svios profun<strong>do</strong>s na montagem <strong>de</strong> qualquer quadro<br />

teórico. 9<br />

Realmetne, se verificam conflitos que possam ou não ser absorvi<strong>do</strong>s pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, e, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da complexida<strong>de</strong>, mesmo absorvi<strong>do</strong>, não serão<br />

<strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>s.<br />

“Desta forma, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> da causa <strong>do</strong> conflito, das consequências da<br />

<strong>de</strong>cisão e <strong>do</strong> assentimento das partes, o conflito social po<strong>de</strong>rá ou não<br />

ser absorvi<strong>do</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. E, em muitos casos, po<strong>de</strong>rá ser<br />

absorvi<strong>do</strong> mas não será <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> (quadro 11). Como explicaremos esta<br />

ocorrência?<br />

(...)<br />

Isto porque, segun<strong>do</strong> argumento que <strong>de</strong>senvolveremos, estes conflitos<br />

não só não apresentam uma uniformida<strong>de</strong> na sua profundida<strong>de</strong> e na<br />

sua velocida<strong>de</strong> como também os seus vínculos estruturais são<br />

acentuadamente mais complexos <strong>do</strong> que as inter-relações entre as<br />

diversas funções judiciárias.<br />

(...)<br />

9<br />

BASTOS, A.W.C. Conflitos Sociais e Limites <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, Rio <strong>de</strong> Janeiro: El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>, 1975, p.<br />

29.<br />

103


A complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes tipos especiais <strong>de</strong> relação social,<br />

principalmente quan<strong>do</strong> assumem características antagônicas, torna o<br />

Judiciário, classicamente organiza<strong>do</strong>, incapacita<strong>do</strong> para absorvê-las.<br />

Conce<strong>de</strong>-se, como é o caso, o direito substantivo, mas transfere-se ao<br />

Executivo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> absorvê-los e, se for o caso, <strong>de</strong>cidi-los.” 10<br />

Sen<strong>do</strong> assim, a velocida<strong>de</strong> das mudanças sociais, frente ao novo mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> implementa<strong>do</strong> com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, volta<strong>do</strong> para a<br />

proteção <strong>do</strong> meio ambiente, preocupa<strong>do</strong> com as qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das presentes<br />

e futuras gerações, e colocan<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana no epicentro <strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>namento jurídico, <strong>de</strong>u novo senti<strong>do</strong> não só às <strong>de</strong>cisões judiciais, uma vez<br />

que <strong>de</strong>ve o julga<strong>do</strong>r não só estar atento ao atendimento <strong>do</strong> tripé <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável (ambiental, social e econômico), mas também à<br />

toda conjuntura política e social.<br />

“se o princípio <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável integra o ápice <strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>namento brasileiro, ele obriga o Judiciário observá-lo. (...)<br />

A preocupação com as futuras gerações trouxe uma dimensão nova<br />

para as <strong>de</strong>cisões judiciais. Em toda ação ambiental existe uma parte<br />

não processualmente representada, mas que merece proteção. (...)<br />

Se o constituinte conferiu a to<strong>do</strong>s a missão <strong>de</strong> preservar o meio<br />

ambiente para as futuras gerações, ele obrigou o juiz a reavaliar os<br />

critérios interpretativos.<br />

A aplicação da lei ambiental não é o exercício mecânico da regra<br />

silogística até então consagra<strong>do</strong> para as <strong>de</strong>mandas interindividuais.<br />

Nelas resi<strong>de</strong> uma transcendência.(...)” 11<br />

Enfim, atualmente o que se constata é que a Jurisdição exercida pelo<br />

Esta<strong>do</strong> é o principal meio <strong>de</strong> solução <strong>do</strong>s conflitos, isso em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong><br />

princípio da inafastabilida<strong>de</strong> a Jurisdição (art. 5 o , XXXV, CF); no entanto, o<br />

exercício da Jurisdição no mo<strong>de</strong>lo consagra<strong>do</strong> não tem si<strong>do</strong> suficiente para a<br />

solução <strong>de</strong> conflitos envolven<strong>do</strong> a regularização fundiária, notadamente, urbana,<br />

10<br />

BASTOS, A.W.C. Conflitos Sociais e Limites <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, Rio <strong>de</strong> Janeiro: El<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>, 1975,<br />

p.123;128;132/133.<br />

11<br />

NALINI, J.R. Ética e Sustentabilida<strong>de</strong> no Po<strong>de</strong>r Judiciário. In: O Direito e o Desenvolvimento<br />

Sustentável (organiza<strong>do</strong>res VEIGA RIOS, A.V.; IRIGARAY, C.T.H.), São Paulo: Petrópolis, 2005, p.<br />

285/286.<br />

104


frente aos limites ínsitos ao po<strong>de</strong>r jurisdicional, necessitan<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> novas<br />

posturas e outros mecanismos que possam estabelecer a paz social.<br />

3. A facilitação <strong>de</strong> acesso à Justiça: meios consensuais <strong>de</strong> solução<br />

<strong>de</strong> conflitos.<br />

O acesso à Justiça consiste em garantia fundamental abrangente, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> a assegurar não só apenas o acesso ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, mas também<br />

promover os meios e formas que lhe garantam uma or<strong>de</strong>m jurídica justa, sen<strong>do</strong><br />

via essencial <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> direitos 12 .<br />

O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> acesso à Justiça <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Mauro Cappelletti e Bryan<br />

Garth, aponta o panorama existente a partir das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> superação <strong>de</strong><br />

obstáculos observa<strong>do</strong>s, o que resultou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar mecanismos<br />

para promoção mais a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>ssa garantia, implican<strong>do</strong> em três ondas<br />

renovatórias 13 .<br />

“A primeira onda renovatória <strong>de</strong> universalização <strong>do</strong> acesso focou a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propiciar acesso aos marca<strong>do</strong>s pela vulnerabilida<strong>de</strong><br />

econômica. Já a segunda buscou reformar os sistemas jurídicos para<br />

<strong>do</strong>tá-los <strong>de</strong> meios atinentes à representação jurídica <strong>do</strong>s interesses<br />

‘difusos, atuan<strong>do</strong> especialmente sobre os conceitos processuais<br />

clássicos para adaptá-los à a<strong>de</strong>quada concepção <strong>de</strong> processo coletivo.<br />

A terceira onda, por seu turno, preconizou uma concepção mais ampla<br />

<strong>de</strong> acesso à justiça, com inclusão da advocacia, e uma especial<br />

atenção ao conjunto geral <strong>de</strong> instituições e mecanismos, pessoas e<br />

procedimentos utiliza<strong>do</strong>s para processar e prevenir disputas nas<br />

socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas.” 14<br />

A intensificação <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> mecanismos alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong><br />

conflitos (alternative disparate resolution – ADR, no inglês), está compreendida,<br />

portanto, na terceira onda renovatória <strong>de</strong> universalização <strong>de</strong> acesso à Justiça, a<br />

fim <strong>de</strong> propiciar maior facilitação <strong>do</strong>s meios e mecanismos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

pacificação <strong>de</strong> conflitos.<br />

12<br />

TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 82.<br />

13<br />

TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 82.<br />

14<br />

TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 83.<br />

105


O fomento à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> mecanismos alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mandas faz parte <strong>do</strong>s objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável estabeleci<strong>do</strong>s<br />

na agenda 2030, firmada pela Organização das Nações Unidas, conforme<br />

“Objetivo 16. Promover socieda<strong>de</strong>s pacíficas e inclusivas para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para to<strong>do</strong>s e<br />

construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em to<strong>do</strong>s os níveis” 15 ;<br />

e, portanto, ínsito à dimensão <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />

Assim, premente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver diversos mecanismos <strong>de</strong><br />

composição <strong>de</strong> conflitos diversos <strong>do</strong> paradigma jurisdicional, com objetivo <strong>de</strong> se<br />

atingir a paz social visada pela jurisdição. Nesse contexto, é importante<br />

compreen<strong>de</strong>r que o conflito não é uma manifestação negativa, pelo contrário, faz<br />

parte <strong>do</strong> convívio social e trata-se <strong>de</strong> uma experiência necessária, para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e crescimento pessoal(...) 16<br />

Realmente, o Po<strong>de</strong>r Judiciário não é o único meio <strong>do</strong> qual se possa buscar<br />

a solução <strong>do</strong>s conflitos, quan<strong>do</strong> há um litígio, notadamente, envolven<strong>do</strong><br />

interesses difusos e coletivos. A utilização <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário para solucionar<br />

conflitos ambientais (em especial no tocante ao manuseio <strong>do</strong>s instrumentos<br />

processuais coletivos) <strong>de</strong>ve ser utilizada apenas como última salvaguarda, ou<br />

seja, somente quan<strong>do</strong> as <strong>de</strong>mais instâncias tenham fracassa<strong>do</strong> na tutela<br />

ecológica. 17<br />

Nesse contexto, surge a noção <strong>de</strong> justiça consensual, conciliatória ou<br />

coexistencial, dan<strong>do</strong> lugar, pois, à autocomposição que propicia às partes em<br />

litígio a solução pelo consenso voluntário, não obstante possa ser utiliza<strong>do</strong> o<br />

auxílio <strong>de</strong> um terceiro, que não imporá a vonta<strong>de</strong> da lei ao caso concreto, mas<br />

atua como intermedia<strong>do</strong>r da vonta<strong>de</strong> das partes.<br />

15<br />

ODS Agenda 2030. Disponível em: https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento-sustentavel-da-onu/.<br />

16<br />

SPENGLER, F.M. e SPLENGER NETO, T. Mediação, Conciliação e Arbitragem. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV<br />

Editora, 2016, p. 21.<br />

17<br />

SARLET, I.W.; FENSTERSEIFER, T. Princípios <strong>do</strong> direito ambiental, São Paulo: Saraiva, 2. ed, 2017,<br />

p. 190/191.<br />

106


“A lógica consensual (coexistencial ou conciliatória) e aplicada em um<br />

ambiente on<strong>de</strong> a pauta é colaborativa: as pessoas se dispõem a<br />

dialogar sobre a controvérsia e a abordagem não é centrada apenas<br />

no passa<strong>do</strong>, mas inclui o futuro como perspectiva a ser consi<strong>de</strong>rada.<br />

Por prevalecer a autonomia <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s, o terceiro facilita<strong>do</strong>r da<br />

comunicação não intervém para <strong>de</strong>cidir sobre o mérito, mas para<br />

viabilizar o diálogo em prol <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s produtivos.” 18<br />

Sob este prisma, encontramos os méto<strong>do</strong>s não contenciosos <strong>de</strong> solução<br />

<strong>de</strong> conflitos: negociação, conciliação e a mediação; pelos quais as partes não<br />

atuam como conten<strong>do</strong>ras (ex advsersus), porém como colabora<strong>do</strong>ras no<br />

processo <strong>de</strong> solução da controvérsia, comungan<strong>do</strong> <strong>de</strong> um único objetivo comum:<br />

por fim ao litígio.<br />

Em linhas gerais, a negociação po<strong>de</strong> ser entendida como a<br />

comunicação estabelecida diretamente entre as partes, com avanços<br />

e retrocessos, em busca <strong>de</strong> um acor<strong>do</strong>.(...) As partes, elas mesmas,<br />

resolvem a disputa, sem a ajuda <strong>de</strong> terceiros (...). 19 Mediação é o meio<br />

consensual <strong>de</strong> abordagem <strong>de</strong> controvérsias em que uma pessoa isenta<br />

e <strong>de</strong>vidamente capacitada atua tecnicamente para facilitar a<br />

comunicação <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que os envolvi<strong>do</strong>s possam encontrar formas<br />

produtivas <strong>de</strong> lidar com as disputas. 20 Ao passo que a conciliação há<br />

maior intervenção <strong>do</strong> terceiro concilia<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> comumente utilizada<br />

para conflitos instantâneos, que surgem muitas vezes sem qualquer<br />

vínculo anterior envolven<strong>do</strong> os litigantes. 21<br />

Nesta linha, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça editou a Resolução nº<br />

125/2010 22 , que dispõe sobre a política nacional <strong>de</strong> tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

conflitos <strong>de</strong> interesses no âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, tem por enfoque a<br />

conciliação e a mediação, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> aos órgãos judiciários oferecer os meios<br />

consensuais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> controvérsias, vin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssa forma, ao encontro da<br />

18<br />

TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p. 82<br />

19<br />

GABBAY, D., FALECK D., TARTUCE, F. Meios alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

FGV, 2013, p 19.<br />

20<br />

I<strong>de</strong>m, p.45/46.<br />

21<br />

SPENGLER, F.M. e SPLENGER NETO, T. Mediação, Conciliação e Arbitragem. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV<br />

Editora, 2016, p. 268.<br />

22<br />

BRASIL. Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça. Resolução CNJ 125, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010. Disponível<br />

em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?<strong>do</strong>cumento=2579, acesso em 04 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2018.<br />

107


visão contemporânea <strong>de</strong> resolução consensual <strong>de</strong> litígios, priman<strong>do</strong> pela<br />

composição amigável.<br />

Nesta visão consensualista o Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil – Lei nº<br />

13.105/2015 a<strong>do</strong>tou a promoção <strong>de</strong> solução consensual <strong>do</strong> conflito (Art. 3 o , §2 o ),<br />

estabeleceu a audiência prévia <strong>de</strong> conciliação (art. 334), e aos atores<br />

processuais <strong>de</strong>terminou que incentivem a solução consensual da li<strong>de</strong> (art. 3 o ,<br />

§3 o ), e abriu portas à a<strong>do</strong>ção da mediação para o Po<strong>de</strong>r Público com as Câmaras<br />

<strong>de</strong> Mediação e Conciliação (art. 174), que veremos logo mais, ponto importante<br />

também para as questões fundiárias judicializadas.<br />

Nessa mesma esteira, a Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 13.140/2015 – Lei Nacional da<br />

Mediação, que, embora posterior ao Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil, entrou em<br />

vigor antes <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> diploma adjetivo, e disciplinou a mediação entre<br />

particulares bem como possibilitou a autocomposição <strong>do</strong>s conflitos no âmbito da<br />

Administração Pública, também conten<strong>do</strong> a previsão das Câmaras <strong>de</strong><br />

Conciliação e Mediação, se tornan<strong>do</strong> um marco regulatório da mediação como<br />

instrumento <strong>de</strong> acesso à Justiça e da cultura <strong>de</strong> paz.<br />

A Administração Pública pautada por princípios <strong>de</strong> Direito Público está<br />

vinculada ao interesse público <strong>do</strong> qual não po<strong>de</strong> se afastar o<br />

administra<strong>do</strong>r e, nesse regime jurídico <strong>de</strong> direito público, ela é sujeita<br />

a prerrogativas, e também sujeita à <strong>de</strong>veres, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, toda a sua<br />

atuação <strong>de</strong>ve estar pautada pelos princípios <strong>de</strong> direito público,<br />

notadamente aqueles expressos na constituição; não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o<br />

administra<strong>do</strong>r público abrir mão <strong>do</strong>s interesses postos em litígio, frente<br />

à indisponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> interesse público, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização<br />

legal e a transparência <strong>do</strong>s atos.<br />

(...)<br />

A Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 13.140/2015, sensível a essa peculiar realida<strong>de</strong> da<br />

Administração Pública, procurou estabelecer os requisitos mínimos<br />

para a participação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público na conciliação e mediação,<br />

preven<strong>do</strong> a aplicação <strong>de</strong>ssa norma aos entes públicos e estabelecen<strong>do</strong><br />

uma seção inteira para tratar da matéria, é o que se vê, pois, <strong>do</strong>s seus<br />

artigos 32 a 40. 23<br />

23<br />

TEODORO, R.K.F. A FAZENDA PÚBLICA E OS MEIOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE<br />

CONFLITOS. Disponível em: https://www.unaerp.br/revista-cientifica-integrada/edicao-atual/2966-rci-afazenda-publica-e-os-meios-consensuais-<strong>de</strong>-solucao-<strong>de</strong>-conflitos-06-2018/file.<br />

Acesso em 30 out. 2018.<br />

108


Todavia, em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> conflitos envolven<strong>do</strong> uma gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong><br />

pessoas, <strong>de</strong> âmbito complexo, como ocorre nos conflitos que tratam da<br />

regularização <strong>do</strong>s assentamentos urbanos, ainda pouco se tem utiliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>sses<br />

meios consensuais, diante da complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s casos e da ausência <strong>de</strong><br />

previsão específica <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autocomposição com o Po<strong>de</strong>r Público<br />

nesses casos, em razão da existência <strong>de</strong> interesses indisponíveis e <strong>do</strong>s<br />

princípios <strong>de</strong> direito administrativo a que está sujeito o Po<strong>de</strong>r Público.<br />

Porém o que se vem constatan<strong>do</strong> é que, para se chegar a uma solução<br />

a<strong>de</strong>quada, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estabelecer diálogo com a comunida<strong>de</strong><br />

envolvida, a fim <strong>de</strong> conduzir o conflito com razoabilida<strong>de</strong>, e garantir atendimento<br />

socioeconômico aos interessa<strong>do</strong>s, sem <strong>de</strong>scurar da proteção ambiental.<br />

Nessa perspectiva, é que a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465/2017, ressalta a<br />

mediação como ferramenta para solução <strong>de</strong> controvérsias fundiárias, por sua<br />

própria essência <strong>de</strong> restabelecimento <strong>de</strong> diálogo das partes em conflito,<br />

atingin<strong>do</strong> muito mais que um ponto final na questão, mas a paz social pelo<br />

diálogo, como se esclarecerá a seguir.<br />

4. A Mediação: instrumento facilita<strong>do</strong>r da paz social<br />

No cenário jurídico atual, a participação da socieda<strong>de</strong> nas <strong>de</strong>cisões<br />

governamentais tem si<strong>do</strong> cada vez mais requisitada, como expressão da<br />

<strong>de</strong>mocracia participativa <strong>de</strong>fendida pelo legisla<strong>do</strong>r constituinte, possibilitan<strong>do</strong> a<br />

atuação da população nas <strong>de</strong>cisões governamentais que lhes são<br />

inexoravelmente impactantes, razão porque os méto<strong>do</strong>s alternativos <strong>de</strong> solução<br />

<strong>do</strong>s conflitos têm ganhan<strong>do</strong> força, frente ao padrão <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> que o<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r.<br />

“Nesse senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>staca-se a mediação enquanto meio complementar<br />

<strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, em que os envolvi<strong>do</strong>s, auxilia<strong>do</strong>s por uma<br />

terceira pessoa – o media<strong>do</strong>r – buscam, por meio <strong>do</strong> diálogo, da<br />

criativida<strong>de</strong> e da intercompreensão, a melhor maneira <strong>de</strong> solucionar a<br />

questão se que uma das partes saia prejudicada. (...).” 24<br />

24<br />

ORSINI, A.G.<strong>de</strong> S.; SILVA, N.F. da. A mediação como via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em políticas<br />

públicas <strong>de</strong> reurbanização. disponível em:<br />

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=41c542dfe6e4fc3d, acesso em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />

109


O objetivo da mediação não é evitar novos processos judiciais, tampouco<br />

ser um mecanismo <strong>de</strong> diminuição das <strong>de</strong>mandas judicializadas, mas sua<br />

finalida<strong>de</strong>, como instituto <strong>de</strong> composição consensual <strong>de</strong> controvérsias, é a<br />

pacificação por meio da autocomposição das partes com restabelecimento <strong>de</strong><br />

diálogo.<br />

A mediação por ser um méto<strong>do</strong> consensual on<strong>de</strong> um terceiro imparcial<br />

atua com o objetivo <strong>de</strong> facilitar a comunicação entre as partes envolvidas, e, com<br />

isso, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as diversas perspectivas <strong>do</strong> conflito, por si mesmas encontrem<br />

uma solução mais a<strong>de</strong>quada e consentânea com a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> litígio; em outras<br />

palavras, por meio da mediação, as partes protagonizam a <strong>de</strong>cisão para a<br />

resolução da <strong>de</strong>manda conflituosa (art. 1 o , da Lei nº 13.140/2015).<br />

“A mediação configura um meio consensual porque não implica a<br />

imposição <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão por uma terceira pessoa; sua lógica, portanto,<br />

difere totalmente daquela em que um julga<strong>do</strong>r tem autorida<strong>de</strong> para<br />

impor <strong>de</strong>cisões.<br />

(...)<br />

A mediação permite que os envolvi<strong>do</strong>s na controvérsia atuem<br />

cooperativamente em prol <strong>de</strong> interesses comuns liga<strong>do</strong>s à superação<br />

<strong>de</strong> dilemas e impasse; afinal, quem po<strong>de</strong>ria divisar melhor a existência<br />

<strong>de</strong> saídas produtivas <strong>do</strong> que os protagonistas da história?” 25<br />

Com efeito, os crescentes conflitos envolven<strong>do</strong> os assentamentos<br />

irregulares, em áreas públicas, privadas e <strong>de</strong> proteção ambiental, têm exigi<strong>do</strong> a<br />

atuação diuturna <strong>do</strong>s órgãos públicos – Po<strong>de</strong>r Executivo, Judiciário e Ministério<br />

Público, na busca <strong>de</strong> meios e mecanismos que possam garantir <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

razoável, proporcional e sustentável, o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento territorial, com a<br />

proteção ambiental necessária, sem <strong>de</strong>scurar <strong>do</strong> aspecto socioeconômico da<br />

população envolvida.<br />

Nessa perspectiva, os méto<strong>do</strong>s alternativos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos,<br />

notadamente, a mediação, têm se mostra<strong>do</strong> ferramentas profícuas para a<br />

solução <strong>do</strong>s litígios, uma vez que garantem voz as partes, que po<strong>de</strong>m, em<br />

conjunto, encontrar a solução a<strong>de</strong>quada ao caso, razão porque, no Brasil, vem<br />

25<br />

TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018, p.188.<br />

110


ganhan<strong>do</strong> maior expressão referi<strong>do</strong> mecanismo para as regularizações<br />

fundiárias.<br />

5. Os mecanismos facilita<strong>do</strong>res da Regularização Fundiária Urbana<br />

na Lei nº 13.465/2017<br />

A Lei nº 13.465 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017, revogou parte da Lei n o .<br />

11.977/2009 que se tinha acera da Regularização Fundiária urbana 26 , e trouxe<br />

novas perspectivas para os procedimentos <strong>de</strong> regularização fundiária tanto na<br />

área urbana quanto na área rural, com o objetivo <strong>de</strong> facilitar os processos <strong>de</strong><br />

regularização <strong>do</strong>s espaços irregularmente ocupa<strong>do</strong>s, preven<strong>do</strong> os<br />

procedimentos e as diretrizes para a concessão <strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, aos<br />

ocupantes das áreas, para promoção <strong>do</strong> regular or<strong>de</strong>namento urbano.<br />

Assim, essa lei vem ao encontro <strong>do</strong>s objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável da Organização das Nações Unidas, pois preten<strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar o<br />

a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbano sob os princípios da sustentabilida<strong>de</strong><br />

econômica, social e ambiental e or<strong>de</strong>nação territorial, buscan<strong>do</strong> a ocupação <strong>do</strong><br />

solo <strong>de</strong> maneira eficiente, combinan<strong>do</strong> seu uso <strong>de</strong> forma funcional (art. 9 o , §1 o ).<br />

Na mesma toada, se encontra <strong>de</strong>ntre suas diretrizes, o estímulo à<br />

resolução extrajudicial <strong>do</strong>s conflitos, em reforço à consensualida<strong>de</strong> e à<br />

cooperação entre Esta<strong>do</strong> e socieda<strong>de</strong>, conforme inciso V <strong>do</strong> artigo 10 27 ,<br />

observan<strong>do</strong>-se que o legisla<strong>do</strong>r abriu um leque <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s ao Po<strong>de</strong>r<br />

Público em realizar a composição extrajudicial para a regularização <strong>do</strong>s conflitos<br />

fundiários, pois a erigiu como interesse público e fim precípuo da Administração<br />

Pública. 28<br />

26<br />

A Lei n o . 11.977, <strong>de</strong> 07 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2009, possuía regras para a regularização fundiária <strong>de</strong> assentamentos<br />

urbanos, com a edição da Lei n. 13.465/2017, foi revoga<strong>do</strong> o Capítulo III (artigos 46 a 71), que disciplinava<br />

essa matéria.<br />

27<br />

TARTUCE, F. Mediação nos Conflitos Civis. São Paulo: Méto<strong>do</strong>, 4. Ed, 2018.<br />

28<br />

“Don<strong>de</strong>, o interesse público <strong>de</strong>ve ser conceitua<strong>do</strong> como o interesse resultante <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s interesses<br />

que os indivíduos pessoalmente têm quan<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s em sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> membros da Socieda<strong>de</strong> e<br />

pelo simples fato <strong>de</strong> o serem.” ( MELLO, C.A.B.<strong>de</strong>. Curso <strong>de</strong> Direito Administrativo, 22. ed., São Paulo:<br />

Malheiros, 2007, p. 58).<br />

111


Realmente, a lei ao estabelecer como seu objetivo a resolução <strong>do</strong>s<br />

conflitos por meios extrajudiciais e consensuais, trouxe à lume critério <strong>de</strong><br />

finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato administrativo, pois, com essa lei, a resolução pacífica e<br />

extrajudicial <strong>do</strong>s litígios <strong>de</strong> regularização fundiária passou a constituir interesse<br />

público a ser persegui<strong>do</strong> pelo administra<strong>do</strong>r, possibilitan<strong>do</strong>, com isso, maior<br />

atuação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público frente ao espectro <strong>de</strong> abrangência da norma,<br />

fortalecen<strong>do</strong> o atributo <strong>de</strong> autoexecutorieda<strong>de</strong> da Administração Pública.<br />

Sob este prisma, se vê que a lei disciplina em diversas oportunida<strong>de</strong>s a<br />

a<strong>do</strong>ção da mediação (art. 16; §§3º e 4º, art. 21; 31, §3º; §3º, art. 34) e a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os Municípios criarem câmaras <strong>de</strong> prevenção e resolução<br />

administrativa <strong>de</strong> conflitos (art. 34, caput), possibilitan<strong>do</strong> à Administração Pública<br />

dialogar com a comunida<strong>de</strong> envolvida e dispor <strong>do</strong>s bens públicos <strong>de</strong> forma<br />

consensuada.<br />

Com a autorização legislativa prevista na norma em comento, a<br />

Administração Pública supera entraves jurídicos e axiológicos <strong>de</strong>correntes na<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> somente fazer aquilo que a lei lhe autoriza, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>corre o<br />

princípio da legalida<strong>de</strong> estampa<strong>do</strong> no caput <strong>do</strong> art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> 1988, conferin<strong>do</strong> novo contorno à atuação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público no que tange às<br />

regularizações fundiárias.<br />

Por seu turno, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> judicial ou<br />

extrajudicial diretamente com os interessa<strong>do</strong>s referente às áreas públicas para<br />

fins <strong>de</strong> regularização fundiária, <strong>de</strong>vidamente homologa<strong>do</strong> pelo juiz, é outro passo<br />

importante e <strong>de</strong>staque para a flexibilização propiciada frente ao princípio da<br />

indisponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> interesse público, que muitas vezes era limita<strong>do</strong>r da atuação<br />

consensual <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público.<br />

Outro <strong>de</strong>staque é o artigo 21, que estabelece em seu caput a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong><br />

procedimento extrajudicial <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> conflitos, no caso <strong>de</strong> impugnação<br />

na <strong>de</strong>marcação urbanística promovida pelo Po<strong>de</strong>r Público.<br />

Em haven<strong>do</strong> <strong>de</strong>manda judicial, que o impugnante seja parte e que verse<br />

sobre direitos reais ou possessórios relativos ao imóvel abrangi<strong>do</strong> pela<br />

<strong>de</strong>marcação urbanística, <strong>de</strong>verá informá-la ao po<strong>de</strong>r público, que comunicará ao<br />

juízo a existência <strong>do</strong> procedimento extrajudicial (art. 21, §1º).<br />

112


Na a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> procedimento extrajudicial <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> conflitos<br />

disciplina<strong>do</strong> no referi<strong>do</strong> dispositivo legal, prescreve que <strong>de</strong>verá ser feito um<br />

levantamento <strong>de</strong> eventuais passivos tributários, ambientais e administrativos<br />

associa<strong>do</strong>s aos imóveis objetos <strong>de</strong> impugnação, assim como das posses<br />

existentes, com vistas à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> prescrição aquisitiva da<br />

proprieda<strong>de</strong> (art. 21, §2º).<br />

O novel diploma permite, ainda, a alteração <strong>do</strong> auto <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação<br />

urbanística ou a<strong>do</strong>tar qualquer outra medida que possa afastar a oposição <strong>do</strong><br />

proprietário ou <strong>do</strong>s confrontantes à regularização da área ocupada, e possibilita<br />

a aplicação da Lei n º 13.140/2015 para referi<strong>do</strong> procedimento (art. 21, §3º).<br />

Por seu turno, dan<strong>do</strong> maior amplitu<strong>de</strong> à utilização <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s alternativos<br />

<strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, não sen<strong>do</strong> frutífera a mediação, a lei possibilita, <strong>de</strong> forma<br />

facultativa, a aplicação da arbitragem para solucionar o litígio (art. 21, §4º).<br />

Vê-se que o legisla<strong>do</strong>r colocou o uso da arbitragem <strong>de</strong> forma subsidiária<br />

e facultativa, eis que será ela utilizada, facultativamente, caso não se obtenha<br />

resulta<strong>do</strong> pela mediação.<br />

“Em relação à mediação e à negociação, uma das principais diferenças<br />

da arbitragem está na existência <strong>de</strong> um terceiro que irá <strong>de</strong>cidir o caso<br />

pelas partes (os árbitros), enquanto na mediação e na negociação são<br />

as próprias partes envolvida que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m o conflito, sen<strong>do</strong> o media<strong>do</strong>r<br />

um facilita<strong>do</strong>r da comunicação entre elas (...). A semelhança está em<br />

que a mediação, negociação e arbitragem são todas formas<br />

extrajudiciais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos.” 29<br />

Dessa forma, muito embora a arbitragem esteja classificada <strong>de</strong>ntre os<br />

méto<strong>do</strong>s alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, por meio <strong>de</strong>la as partes submetem<br />

a solução <strong>do</strong> conflito instala<strong>do</strong> à apreciação <strong>de</strong> uma terceira pessoa, <strong>de</strong>nominada<br />

árbitro, que resolverá o conflito impon<strong>do</strong> às partes sua <strong>de</strong>cisão (similarmente ao<br />

que ocorre com a <strong>de</strong>cisão judicial, a diferença é que na arbitragem as partes, por<br />

vonta<strong>de</strong> própria, escolhem a ela se submeterem).<br />

29<br />

GABBAY, D., FALECK D., TARTUCE, F. Meios alternativos <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

FGV, 2013, p. 76.<br />

113


Importante <strong>de</strong>stacar o quão custoso po<strong>de</strong> ser a utilização da arbitragem<br />

para as partes, uma vez que elas <strong>de</strong>vem suportar os ônus <strong>do</strong>s honorários <strong>do</strong><br />

árbitro 30 ; assim, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar os árbitros po<strong>de</strong> torná-la uma via<br />

dispendiosa, prejudican<strong>do</strong> o acesso às camadas sociais mais vulneráveis, como<br />

ocorre nos conflitos <strong>de</strong> regularização fundiária.<br />

Contu<strong>do</strong>, diante da autorização legislativa contida nos §§1º e 2º <strong>do</strong> art. 1º,<br />

da Lei nº. 9.307/96, introduzi<strong>do</strong>s pela Lei Fe<strong>de</strong>ral nº. 13.129/2015, combinada<br />

com o §4º <strong>do</strong> art. 21 da Lei nº. 13.465/2017, vê-se que, é possível a a<strong>do</strong>ção da<br />

arbitragem para a solução <strong>de</strong> controvérsias envolven<strong>do</strong> direitos disponíveis, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> facultativo, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o procedimento da mediação tenha si<strong>do</strong> infrutífero.<br />

Outro mecanismo <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> méto<strong>do</strong>s consensuais <strong>de</strong> solução <strong>do</strong><br />

litígio no âmbito da Lei nº. 13.465/2017, que é digno <strong>de</strong> nota, é o estabeleci<strong>do</strong><br />

no seu artigo 31, o qual prevê que, instaurada a Reurb, o Município <strong>de</strong>verá<br />

proce<strong>de</strong>r às buscas necessárias para <strong>de</strong>terminar a titularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s<br />

imóveis on<strong>de</strong> está situa<strong>do</strong> o núcleo urbano informal a ser regulariza<strong>do</strong>. E, na<br />

hipótese <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> impugnação, será inicia<strong>do</strong> o procedimento<br />

extrajudicial <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> conflito, versa<strong>do</strong> na lei (art. 31, caput e §3º).<br />

5.1. Mediação Comunitária<br />

Outro relevante <strong>de</strong>staque é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mediação comunitária<br />

prevista na Lei nº 13.465/2017 (art. 34, §3º), que faculta aos Municípios instaurar,<br />

<strong>de</strong> ofício ou mediante provocação, procedimento <strong>de</strong> mediação coletiva <strong>de</strong><br />

conflitos relaciona<strong>do</strong>s à Reurb.<br />

“A mediação comunitária se apresenta, portanto, como possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s cidadãos se envolverem não apenas na resolução das suas<br />

questões, mas também participarem ativamente da busca por soluções<br />

políticas, econômicas e sociais <strong>do</strong>s locais em que vivem. Os conflitos<br />

perpassam a comunida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser soluciona<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma mais<br />

sustentável, dan<strong>do</strong> voz e vez a to<strong>do</strong>s os atores sociais envolvi<strong>do</strong>s,<br />

chegan<strong>do</strong>, assim, a <strong>de</strong>cisões conquistadas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> conjunto e não<br />

30<br />

CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. (NORTHFLEET, E.G. trad.). Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sergio<br />

Antonio Fabris Editor, 2002 (reimp.), p. 82.<br />

114


unilateral, que correspondam aos interesses locais e garantam os<br />

direitos <strong>de</strong> seus mora<strong>do</strong>res” 31 .<br />

Vale salientar que a lei possibilita, inclusive, que esses acor<strong>do</strong>s sejam<br />

realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> comunitário, diretamente com a comunida<strong>de</strong>, o que po<strong>de</strong>rá<br />

ser <strong>de</strong>vidamente disciplina<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> Decreto <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

facilitan<strong>do</strong>, sobremaneira, a atuação da comunida<strong>de</strong> nas <strong>de</strong>cisões que lhe são<br />

diretamente afetas, consagran<strong>do</strong>-se, assim, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>mocrático <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Direito.<br />

Em linhas gerais, a mediação comunitária se soma aos méto<strong>do</strong>s<br />

extrajudiciais disciplina<strong>do</strong>s no novel diploma legal como visto, que têm por<br />

escopo a facilitação <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> regularização fundiária urbana.<br />

5.2. A suspensão da prescrição: garantia <strong>de</strong> efetivação <strong>do</strong><br />

procedimento<br />

Importante garantia contida no § 4 o <strong>do</strong> art. 34 da Lei nº 13. 465/2017, é a<br />

previsão <strong>de</strong> suspensão da prescrição <strong>de</strong>corrente da instauração <strong>de</strong><br />

procedimento administrativo para a resolução consensual <strong>de</strong> conflitos no âmbito<br />

da Reurb, que dá maior segurança às partes envolvidas no conflito.<br />

A relevância <strong>do</strong> tratamento expresso <strong>de</strong>ssa matéria, proporciona maior<br />

garantia às partes envolvidas no litígio, diante das controvérsias existentes no<br />

tocante ao <strong>de</strong>curso da prescrição das pretensões das partes, no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong><br />

trâmite administrativo <strong>de</strong> mediação.<br />

Em outras palavras, havia celeuma quanto a contagem <strong>do</strong>s prazos<br />

prescricionais, tanto para o Po<strong>de</strong>r Público quanto para os particulares<br />

envolvi<strong>do</strong>s, no caso das tratativas administrativas <strong>de</strong> regularização fundiária, o<br />

que, muitas vezes, atuava <strong>de</strong> forma negativa quan<strong>do</strong> ao assentimento das partes<br />

a<strong>do</strong>tarem procedimentos administrativos <strong>de</strong> mediação, pois que são, em regra,<br />

31<br />

ORSINI, A.G.<strong>de</strong> S.; SILVA, N.F. da. A mediação como via <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em políticas<br />

públicas <strong>de</strong> reurbanização. disponível em:<br />

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=41c542dfe6e4fc3d, acesso em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018<br />

115


<strong>de</strong>mora<strong>do</strong>s, e <strong>de</strong>sse transcurso <strong>de</strong> tempo, po<strong>de</strong>riam seus direitos abarca<strong>do</strong>s<br />

pela prescrição.<br />

Com a previsão expressa <strong>de</strong> que, a instauração <strong>do</strong> procedimento<br />

administrativo da mediação suspen<strong>de</strong> a prescrição, encerra a discussão, pois<br />

pelo teor <strong>do</strong> dispositivo, se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> que da instauração <strong>do</strong> processo os prazos<br />

<strong>de</strong> prescrição param <strong>de</strong> ser conta<strong>do</strong>s, retornan<strong>do</strong> ao término <strong>do</strong> procedimento,<br />

pelo perío<strong>do</strong> que ainda restarem, uma vez que a lei fala em suspensão;<br />

conferin<strong>do</strong>, assim, segurança e tranquilida<strong>de</strong> às partes envolvidas no conflito.<br />

6. Instauração <strong>de</strong> Câmaras <strong>de</strong> Mediação pelos Municípios e as<br />

dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> implementação<br />

O legisla<strong>do</strong>r possibilitou ao Município a criação e o regramento <strong>de</strong><br />

Câmaras, para a prevenção e resolução administrativa <strong>de</strong> conflitos,<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> que será estabeleci<strong>do</strong> em ato <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo municipal; além<br />

disso, autorizou celebrarem convênios com os Tribunais <strong>de</strong> Justiça estaduais<br />

para a solução consensual <strong>de</strong>sses litígios. 32<br />

Assim, o Po<strong>de</strong>r Executivo Municipal po<strong>de</strong>rá estabelecer, por meio <strong>de</strong><br />

Decreto, os procedimentos e regras administrativas para a realização <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s<br />

extrajudiciais e judiciais com as partes envolvidas, facilitan<strong>do</strong> o acesso <strong>do</strong>s<br />

indivíduos e a atuação da Administração Pública, pois a edição <strong>de</strong>sse ato<br />

dispensa o trâmite regular <strong>de</strong> um processo legislativo, e preenche o pressuposto<br />

<strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o ato administrativo, um <strong>do</strong>s maiores entraves ao Po<strong>de</strong>r<br />

Público para a consecução <strong>de</strong> resolução consensual <strong>de</strong> conflitos.<br />

Deveras, a lei propicia maior oxigenação aos procedimentos<br />

administrativos, e está em consonância com os objetivos <strong>do</strong> inciso V <strong>do</strong> seu<br />

artigo 10, bem como, com os próprios objetivos <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil<br />

vigente que tem por escopo maior acesso à Justiça, por meios facilita<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

composição <strong>de</strong> litígios (art. 3 o ).<br />

32<br />

PASSOS DE FREITAS, G. Papel da universida<strong>de</strong> na regularização fundiária. Disponível em:<br />

https://www.conjur.com.br/2017-ago-21/gilberto-freitas-papel-universida<strong>de</strong>-regularizacao-fundiaria.<br />

Acesso 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />

116


Além disso, o legisla<strong>do</strong>r consubstanciou o i<strong>de</strong>al fe<strong>de</strong>rativo <strong>de</strong> autonomia<br />

municipal, pois o constituinte garantiu aos Municípios o po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> legislar<br />

sobre interesses locais, suplementan<strong>do</strong> a legislação fe<strong>de</strong>ral, bem como,<br />

promover o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento urbano (art. 30, I, II, VII e art. 182, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988).<br />

A<strong>de</strong>mais, a lei estabeleceu que, na falta da edição <strong>do</strong> Decreto pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, o procedimento será regi<strong>do</strong> pelo disposto na Lei nº 13.140, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 2015, autorizan<strong>do</strong>, portanto, a imediata a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> procedimento<br />

consensual pelo Po<strong>de</strong>r Público (art. 34, §1º, parte final); <strong>de</strong>ssa forma, o legisla<strong>do</strong>r<br />

autorizou a Administração Pública agir sem a existência <strong>de</strong> lei específica (lei<br />

municipal), garantin<strong>do</strong> a aplicação imediata da norma, impedin<strong>do</strong> eventuais<br />

condutas protelatórias <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público sob o argumento <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> norma<br />

legal e violação <strong>do</strong> princípio da legalida<strong>de</strong>.<br />

Diante <strong>do</strong> consenso das partes, a nova lei permite a redução a termo <strong>do</strong><br />

acor<strong>do</strong> firma<strong>do</strong> entre elas, constituin<strong>do</strong>, o termo, condição para a conclusão da<br />

Reurb, com consequente expedição da Certidão <strong>de</strong> Regularização Fundiária -<br />

CRF (art. §2º art. 34); simplifican<strong>do</strong>, portanto, o encerramento <strong>do</strong> procedimento.<br />

A facilitação da regulamentação das Câmaras Municipais por meio <strong>de</strong><br />

Decreto e a utilização da Lei <strong>de</strong> Mediação 11.340/2015, são um <strong>do</strong>s aspectos<br />

relevantes da Lei n o 13.465/2017.<br />

Decorrente <strong>do</strong> próprio texto constitucional que conferiu aos Municípios a<br />

competência para promover o regular or<strong>de</strong>namento urbano (CF/88, art. 30, VIII<br />

e art. 182), conforme ressalta<strong>do</strong> acima, os procedimentos <strong>de</strong> regularização<br />

urbana são <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses entes políticos 33 que <strong>de</strong>vem promovê-<br />

33<br />

O entendimento <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça é <strong>de</strong> que os municípios são os legítimos responsáveis<br />

pela regularização <strong>de</strong> loteamentos urbanos irregulares, pois são eles os entes encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> disciplinar o<br />

uso, ocupação e parcelamento <strong>do</strong> solo, conforme previsão Constitucional – CF/88, art. 30, VIII e art. 182;<br />

Lei nº. 6.766/1979, art. 40, § 5º. (EREsp nº 1459774 / RS; REsp nº 1394701 / AC). Disponíveis em:<br />

http://www.stj.jus.br/sites/STJ/<strong>de</strong>fault/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/<br />

Munic%C3%ADpios-s%C3%A3o-respons%C3%A1veis-pela-regulariza%C3%A7%C3%A3o-<strong>de</strong>-lotesem-espa%C3%A7os-urbanos,<br />

acesso em 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2018.<br />

117


los <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a garantir a função social da proprieda<strong>de</strong> e o pleno <strong>de</strong>senvolvimento<br />

das funções sociais da cida<strong>de</strong> e o bem-estar <strong>de</strong> seus habitantes 34 .<br />

Contu<strong>do</strong>, não se po<strong>de</strong> olvidar as dificulda<strong>de</strong>s, sejam financeiras ou<br />

estruturais, <strong>do</strong>s Municípios em implantar tais Câmaras, e dar efetivida<strong>de</strong> aos<br />

mecanismos extrajudiciais <strong>de</strong> pacificação <strong>do</strong>s conflitos.<br />

Com efeito, há municípios que não contam com gran<strong>de</strong> estrutura<br />

administrativa e suas finanças <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, sobremaneira, <strong>do</strong>s auxílios<br />

financeiros <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da União, para aten<strong>de</strong>r as políticas públicas <strong>de</strong> que são<br />

responsáveis.<br />

Neste aspecto, o legisla<strong>do</strong>r foi sensível às múltiplas realida<strong>de</strong>s municipais<br />

e conferiu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os municípios firmar convênios, com entida<strong>de</strong>s<br />

públicas e privadas, para a consecução <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> regularização fundiária<br />

por meios consensuais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos através <strong>de</strong> Centros <strong>de</strong><br />

Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania e das Câmaras Privadas <strong>de</strong><br />

Mediação, como veremos a seguir.<br />

6.1. Convênios com os CEJUSC - Centros Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong><br />

Conflitos e Cidadania ou Câmaras <strong>de</strong> Mediação cre<strong>de</strong>nciadas<br />

Os Centros Judiciários previstos na Resolução CNJ n o. 125/2010 (art. 8 o<br />

a 11), são órgãos <strong>de</strong>vidamente estrutura<strong>do</strong>s com o objetivo <strong>de</strong> solução<br />

consensual <strong>do</strong>s conflitos, que po<strong>de</strong> ser tanto pré-processual quanto processual,<br />

têm por objetivo auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, facilitan<strong>do</strong> o<br />

acesso à Justiça.<br />

“Os Centros Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania, na dicção<br />

<strong>do</strong> art. 8o, da Resolução n. 125, <strong>do</strong> Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, se<br />

constituem em unida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, preferencialmente,<br />

34<br />

No mesmo senti<strong>do</strong> é a posição <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo: “O regular exercício <strong>do</strong><br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia não é mera faculda<strong>de</strong>, mas verda<strong>de</strong>iro po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver da Administração Pública, sem<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> conveniência e oportunida<strong>de</strong>, mas medidas efetivas para que se evitem<br />

danos ambientais e urbanísticos. Da mesma forma, fica afastada a responsabilização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ou da União,<br />

por ser comum a to<strong>do</strong>s os entes a proteção ambiental e caber a fiscalização das áreas urbanas ao Município,<br />

por ser ele o responsável pela ocupação e or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> solo urbano <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu território, na forma<br />

das normas acima elencadas. “ (Apelação nº 055554-44.2011.8.26.0224, 13a Câmara <strong>de</strong> Direito Público, j.<br />

09/08/2018)<br />

118


esponsáveis pela realização das sessões e audiências <strong>de</strong> conciliação<br />

e mediação que estejam a cargo <strong>de</strong> concilia<strong>do</strong>res e media<strong>do</strong>res, bem<br />

como pelo atendimento e orientação ao cidadão”. 35<br />

A Resolução CNJ n o . 125/2010 também autoriza os Tribunais a realizarem<br />

convênios e parcerias com entes públicos e priva<strong>do</strong>s para aten<strong>de</strong>r aos fins <strong>de</strong><br />

tratamento a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> aos conflitos <strong>de</strong> interesses no âmbito <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

(art. 7 o , VI).<br />

Sob este prisma, a Lei n o .13.645/2017 não foi inerte, preven<strong>do</strong> que os<br />

Municípios e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão, mediante celebração <strong>de</strong> convênio,<br />

utilizar <strong>de</strong>sses Centros Judiciários <strong>de</strong> Solução <strong>de</strong> Conflitos e Cidadania ou das<br />

câmaras <strong>de</strong> mediação cre<strong>de</strong>nciadas nos Tribunais <strong>de</strong> Justiça (§5 o <strong>do</strong> art. 34).<br />

Dentre os órgãos cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s junto ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça, especial<br />

<strong>de</strong>staque às Câmaras Privadas <strong>de</strong> Mediação existentes nas Universida<strong>de</strong>s, que<br />

são importantes equipamentos sociais para auxiliar o Po<strong>de</strong>r Público na condução<br />

da solução das <strong>de</strong>mandas no âmbito da Reurb.<br />

“E neste ponto, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stacada a Câmara Privada <strong>de</strong> Mediação<br />

para a solução <strong>de</strong> conflitos socioambientais e urbanísticos da<br />

Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos, que está cre<strong>de</strong>nciada junto ao<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo e vem atuan<strong>do</strong>, não só em casos<br />

relaciona<strong>do</strong>s com o meio ambiente, como na regularização fundiária<br />

urbana.<br />

Na Câmara, os media<strong>do</strong>res têm a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar com o apoio<br />

<strong>de</strong> professores e alunos das mais diversas áreas, o que muito contribui<br />

para o sucesso da mediação. De outra parte, por força da <strong>de</strong>manda,<br />

foi criada junto ao curso <strong>de</strong> pós-graduação em Direito Ambiental, um<br />

Grupo <strong>de</strong> Pesquisa versan<strong>do</strong> sobre a matéria, o qual, além <strong>de</strong> cumprir<br />

com seus objetivos principais, tem fomenta<strong>do</strong> a formação cidadã <strong>do</strong>s<br />

alunos, o aprofundamento <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e o <strong>de</strong>bate sobre questões<br />

fundiárias e socioambientais”. 36<br />

Dessa forma, o legisla<strong>do</strong>r com a previsão <strong>de</strong> celebração <strong>de</strong>sses<br />

convênios, propiciou maior efetivida<strong>de</strong> da atuação o Po<strong>de</strong>r Público municipal,<br />

35<br />

YAGHSISIAN, A. M.; FREITAS, G.P.<strong>de</strong>.; CARDOSO, S. A. Mediação: instrumento <strong>de</strong> cidadania e<br />

pacificação, Santos: Leopoldianum, 2018, p. 40.<br />

36 PASSOS DE FREITAS, G. Papel da universida<strong>de</strong> na regularização fundiária. Disponível em:<br />

https://www.conjur.com.br/2017-ago-21/gilberto-freitas-papel-universida<strong>de</strong>-regularizacao-fundiaria.<br />

Acesso 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2018.<br />

119


uma vez que, a licitação é dispensável para a celebração <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong><br />

ajuste da Administração Pública, ou seja, à celebração <strong>de</strong> convênios não<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser firma<strong>do</strong>s diretamente, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com que<br />

estabelece o artigo 24, inciso XXVI e artigo 116, to<strong>do</strong>s da Lei nº 8.666/1993 (Lei<br />

<strong>de</strong> Licitações).<br />

Enfim, verifica-se que a nova lei procurou garantir diversas formas para<br />

que o Po<strong>de</strong>r Público, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> meios extrajudiciais, notadamente a<br />

mediação, possa dar uma solução rápida aos conflitos fundiários urbanos,<br />

concorren<strong>do</strong> para a proteção <strong>do</strong> meio ambiente e, principalmente, para uma<br />

melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida aos cidadãos.<br />

CONCLUSÕES<br />

O crescente aumento <strong>do</strong>s assentamentos urbanos irregulares, exige <strong>do</strong><br />

Po<strong>de</strong>r Público a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> políticas públicas mais eficazes e consentâneas com<br />

as diretrizes internacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, a fim <strong>de</strong> garantir<br />

uma vida digna à população.<br />

Esses assentamentos em <strong>de</strong>corrência da irregularida<strong>de</strong> que lhe são<br />

inerentes, muitas vezes com a invasão <strong>de</strong> terras públicas e áreas <strong>de</strong> proteção<br />

ambiental, somam muitas ações judiciais, <strong>de</strong> solução altamente complexas, uma<br />

vez que não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mira o tripé da sustentabilida<strong>de</strong>: social,<br />

econômico e ambiental. E, neste tocante, o Po<strong>de</strong>r Judiciário não possui<br />

instrumentos a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s a proporcionar a solução aos conflitos, em virtu<strong>de</strong> da<br />

própria limitação da atuação da Jurisdição.<br />

A a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> meios extrajudiciais <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos, está em<br />

consonância com os objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento sustentável preconiza<strong>do</strong>s<br />

pela Organização das Nações Unidas; neste ponto ganha <strong>de</strong>staque a mediação<br />

como forma que mais aproxima à pacificação <strong>do</strong>s conflitos, uma vez que ela tem<br />

por foco a transformação <strong>do</strong> conflito, através da promoção <strong>do</strong> diálogo entre os<br />

atores <strong>do</strong> litígio.<br />

Nesse sentir, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mecanismos que coloquem a comunida<strong>de</strong><br />

mais próxima <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público para que haja solução razoável para as questões<br />

envolven<strong>do</strong> regularização fundiária, é que dá à mediação maior força no cenário<br />

120


atual, e possibilita, inclusive, a realização <strong>de</strong> mediação comunitária, promoven<strong>do</strong><br />

o diálogo não só entre as instituições públicas, mas entre estas e os particulares,<br />

procuran<strong>do</strong> encontrar a solução mais a<strong>de</strong>quada ao problema; fortalecen<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong>ssa forma, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>mocrático sob o qual se fundamenta o Esta<strong>do</strong> brasileiro<br />

(artigo 1º, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988).<br />

Enfim, a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 13.465/2017 é frutífera em mecanismos para a<br />

solução consensual <strong>do</strong>s conflitos socioambientais, que permeiam a<br />

regularização <strong>de</strong> assentamentos irregulares, muito contribuin<strong>do</strong> para uma<br />

melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s cidadãos.<br />

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124


A RECEPÇÃO E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS<br />

TRATADOS INTERNACIONAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA<br />

DI DOMENICO, Jackson<br />

Desembarga<strong>do</strong>r Eleitoral <strong>do</strong> TRE/DF. Brasília/DF, Brasil. Mestre em direito constitucional pelo IDP – Instituto <strong>de</strong> Direito<br />

Público <strong>de</strong> Brasília. Especialista em direito eleitoral e direito público<br />

<strong>do</strong>menico@jackson<strong>do</strong>menico.com.br<br />

+55 61 98121-7090<br />

RESUMO<br />

Este artigo discorre sobre os trata<strong>do</strong>s e convenções que são absorvi<strong>do</strong>s pelo<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro, por meio <strong>do</strong> controle convencional. Diante disso,<br />

como objetivo específico, haverá a análise <strong>do</strong> seu impacto em nossa legislação,<br />

<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> o Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica, por meio da candidatura avulsa.<br />

Tal candidatura também será analisada sob questões como (i) o recurso<br />

interposto no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF), o qual reconheceu a repercussão<br />

geral da matéria, (ii) a controvérsia acerca da recepção <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s<br />

internacionais pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, (iii) a hierarquia existente entre<br />

os trata<strong>do</strong>s internacionais e as normas constitucionais (iv) o posicionamento <strong>do</strong><br />

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Procura<strong>do</strong>ria Geral da República sobre o<br />

tema, (v) os pontos positivos e negativos presentes na liberação <strong>de</strong>ssas<br />

candidaturas.<br />

Palavras-chave: Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>; Trata<strong>do</strong>s Internacionais;<br />

Constitucionalida<strong>de</strong>;<br />

ABSTRACT<br />

Abstract: This article discusses the treaties and conventions that are ultilized<br />

by the Brazilian legal system, through conventional control. In view of this,<br />

as a specific objective, there will be an analysis of its impact on our<br />

legislation, highlighting the Pact of San José of Costa Rica, by means of an<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt candidacy. Such an application will also be analyzed un<strong>de</strong>r<br />

such issues as (i) the appeal filed in the Fe<strong>de</strong>ral Supreme Court (STF),<br />

which acknowledged the general repercussions concerning this matter, (ii)<br />

controversy concerning the receipt of international treaties by the Fe<strong>de</strong>ral<br />

125


Constitution of 1988, (iii) the hierarchy between international treaties and<br />

constitutional norms (iv) the position of the Supreme Electoral Tribunal<br />

(TSE) and the Attorney General's Office on the subject, (v) the positive and<br />

negative points present in the release of these candidatures.<br />

Keywords: Conventional Control; International Treaties; Constitutionality.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O controle <strong>de</strong> convencioalida<strong>de</strong> é utiliza<strong>do</strong> como forma <strong>de</strong> harmonizar as<br />

normas internas da Constituição Fe<strong>de</strong>ral com os Trata<strong>do</strong>s e Convenções<br />

Internacionais. Esse controle tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conformar a legislação<br />

brasileira com os Trata<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> direitos humanos em vigor no país.<br />

Nesse viés, a legislação nacional é tida como objeto, enquanto que os<br />

Trata<strong>do</strong>s Internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como<br />

parâmetros ou paradigmas, a ponto <strong>de</strong> ampliar a parametricida<strong>de</strong> constitucional.<br />

O controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> será utiliza<strong>do</strong> para conciliar as normas<br />

nacionais que estiverem compatíveis com a Constituição e com os Trata<strong>do</strong>s<br />

Internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong> forma a suplantar as normas<br />

inconvencionais. Assim, esse controle guarda íntima relação com o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral elenca a organização <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judiciário brasileiro<br />

e, como se sabe, cabe ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o guardião da Constituição,<br />

exercer o controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>. Dessa forma, parte da <strong>do</strong>utrina<br />

brasileira transla<strong>do</strong>u o procedimento <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong> para<br />

fundamentar o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> nacional, tanto no plano<br />

concentra<strong>do</strong> como no difuso.<br />

Contu<strong>do</strong>, em que pese o crescimento <strong>de</strong>sse tema no país, sua aplicação<br />

ainda é limitada, sen<strong>do</strong> mais aplicável em temas <strong>de</strong> cunho penal, ten<strong>do</strong> em vista<br />

as inúmeras discussões sobre os direitos humanos nesse ramo. Tratan<strong>do</strong>, em<br />

especial, sobre o direito eleitoral, o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> foi invoca<strong>do</strong><br />

em <strong>do</strong>is relevantes temas: a lei da ficha limpa (Lei Complementar 135, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 2010) e candidaturas avulsas.<br />

126


Nesse contexto, a priori, abordaremos sua aplicabilida<strong>de</strong> nas<br />

candidaturas avulsas.<br />

OBJETIVOS<br />

O objetivo geral da presente pesquisa é realizar um estu<strong>do</strong> sobre os<br />

trata<strong>do</strong>s e convenções que são absorvi<strong>do</strong>s pelo or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,<br />

por meio <strong>do</strong> controle convencional. Diante disso, como objetivo específico,<br />

haverá a análise <strong>do</strong> seu impacto em nossa legislação, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> o Pacto <strong>de</strong><br />

San José da Costa Rica, com o exemplo da candidatura avulsa.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Atualmente as normas <strong>de</strong> direito internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e as<br />

normas <strong>de</strong> direito nacional estão passan<strong>do</strong> por relevantes interpretações,<br />

influencian<strong>do</strong> sobremaneira a or<strong>de</strong>m jurídica brasileira. Nesse aspecto:<br />

O processo <strong>de</strong> internacionalização <strong>do</strong>s direitos humanos <strong>de</strong>corre,<br />

principalmente, das barbáries praticadas por ocasião da Segunda<br />

Guerra Mundial. Isso porque, inicialmente, a socieda<strong>de</strong> internacional<br />

assistiu <strong>de</strong> forma inerte o aviltamento da dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong><br />

pessoas, sem que houvesse si<strong>do</strong> coor<strong>de</strong>nada uma ação no plano<br />

internacional sobre a problemática. A questão era praticamente tratada<br />

como um problema <strong>de</strong> natureza <strong>do</strong>méstica, não sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s os<br />

instrumentos que hodiernamente estão consagra<strong>do</strong>s no direito<br />

internacional. Outro fator que tem si<strong>do</strong> aponta<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong> à<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitos governos na aquisição <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> política no<br />

campo internacional e, por consequência, o distanciamento <strong>de</strong> práticas<br />

atentatórias aos direitos humanos aplicadas no passa<strong>do</strong>. Não se po<strong>de</strong><br />

olvidar também que os movimentos sociais, as universida<strong>de</strong>s,<br />

pesquisa<strong>do</strong>res e outros segmentos têm <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> trabalho profícuo<br />

na conquista <strong>de</strong> direitos humanos, em razão <strong>do</strong> quadro <strong>de</strong> penúria<br />

social que gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas se encontra.<br />

Assim é que sobre a incorporação <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong><br />

direitos humanos na or<strong>de</strong>m jurídica interna apresentamos as teorias<br />

que se digladiam no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro: os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

direitos humanos com natureza supraconstitucional; os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

direitos humanos com natureza constitucional; os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos<br />

humanos com natureza <strong>de</strong> lei ordinária; os trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos<br />

humanos com natureza supralegal. 37<br />

37<br />

GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o<br />

Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. p. 175.<br />

127


Diante disso, surge o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>, o qual examina a<br />

forma hierárquica das leis que entrarão no país, sen<strong>do</strong> constitucionais ou<br />

infraconstitucionais, possibilitan<strong>do</strong> um duplo controle <strong>de</strong> verticalida<strong>de</strong>, ou seja,<br />

“as normas internas <strong>de</strong> um país <strong>de</strong>vem estar compatíveis tanto com a<br />

Constituição (controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>) quanto com os trata<strong>do</strong>s<br />

internacionais aceitos pelo país on<strong>de</strong> vigora tais normas (controle <strong>de</strong><br />

convencionalida<strong>de</strong>)” 38 . Portanto:<br />

Esse instituto garante controle sobre a eficácia das legislações<br />

internacionais e permite dirimir conflitos entre direito interno e normas<br />

<strong>de</strong> direito internacional e po<strong>de</strong>rá ser efetua<strong>do</strong> pela própria Corte<br />

Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> ou pelos tribunais internos <strong>do</strong>s<br />

países que fazem parte <strong>de</strong> tal Convenção. 39<br />

Assim, discutiremos a aplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> e<br />

seus reflexos na legislação brasileira.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> méto<strong>do</strong> e <strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> pesquisa, o presente estu<strong>do</strong><br />

recorrerá ao méto<strong>do</strong> <strong>de</strong>dutivo, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> geral (trata<strong>do</strong>s e convenções<br />

internacionais) para o particular (impacto na legislação brasileira e o controle <strong>de</strong><br />

convencionalida<strong>de</strong> em um exemplo prático) e o enriquecerá com o méto<strong>do</strong><br />

dialético, visan<strong>do</strong> à verificação das características e peculiarida<strong>de</strong>s, para<br />

sintetizar tu<strong>do</strong>, ao explorar e realizar um estu<strong>do</strong> sobre o Pacto <strong>de</strong> San José da<br />

Costa Rica.<br />

A técnica <strong>de</strong> pesquisa, por sua vez, será <strong>de</strong> natureza <strong>do</strong>cumental,<br />

<strong>de</strong>bruçada sobre os trata<strong>do</strong>s e convenções internacionais que são absorvi<strong>do</strong>s<br />

pelo or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro, por meio <strong>do</strong> controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>,<br />

e os impactos gera<strong>do</strong>s em nossa legislação. Aos <strong>do</strong>cumentos jurídicos somar-<br />

38<br />

GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o<br />

Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. p. 179.<br />

39<br />

GUERRA, Sidney. O Sistema Interamericano <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o<br />

Controle <strong>de</strong> Convencionalida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. p. 179.<br />

128


se-á, enfim, a técnica <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica, com revisão da literatura<br />

constitucional e <strong>de</strong>cisões exaradas pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>do</strong> Brasil. Tais técnicas<br />

serão utilizadas em razão <strong>do</strong> caráter teórico-argumentativo e comparativo <strong>do</strong><br />

projeto.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Como menciona<strong>do</strong> alhures, <strong>de</strong>stacaremos as candidaturas avulsas, as<br />

quais são candidaturas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, ou seja, que não necessitam <strong>de</strong> filiação<br />

partidária para concorrer às eleições. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral traz em seu artigo<br />

14, § 3º, condições para elegibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre elas, a filiação partidária 40 .<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF) reconheceu a repercussão geral da<br />

matéria tratada no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1054490, no qual o<br />

postulante recorre <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão que in<strong>de</strong>feriu sua candidatura avulsa a prefeito <strong>do</strong><br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro (RJ) nas eleições <strong>de</strong> 2016. No caso menciona<strong>do</strong>, a candidatura<br />

foi in<strong>de</strong>ferida pela Justiça Eleitoral sob o entendimento <strong>de</strong> que a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral (art. 14, §3º, inciso V) veda candidaturas avulsas ao estabelecer que a<br />

filiação partidária é condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>.<br />

Para o candidato, a norma <strong>de</strong>veria ser interpretada segun<strong>do</strong> a Convenção<br />

<strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> <strong>de</strong> San José da Costa Rica, que não prevê a filiação<br />

partidária como condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>. De acor<strong>do</strong> com o pacto, to<strong>do</strong> cidadão<br />

<strong>de</strong>ve ter direito <strong>de</strong> “votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas” e "<strong>de</strong> ter<br />

acesso, em condições gerais <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, às funções públicas <strong>de</strong> seu país”.<br />

A discussão em tela está no exame da recepção <strong>de</strong>sse trata<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s<br />

pactos cita<strong>do</strong>s pelo recorrente em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua candidatura, pela Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Isso porque após o advento da Emenda Constitucional<br />

45/2004, apenas os trata<strong>do</strong>s que versam sobre <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, aprova<strong>do</strong>s<br />

por um procedimento especial têm status <strong>de</strong> Emenda Constitucional.<br />

Dessa forma, os <strong>de</strong>mais trata<strong>do</strong>s não teriam força para invalidar a<br />

condição imposta pela carta Magna acerca da elegibilida<strong>de</strong>. Ocorre que existe<br />

40<br />

CF/88 - Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e<br />

secreto, com valor igual para to<strong>do</strong>s, e, nos termos da lei, mediante: [...] § 3º São condições <strong>de</strong><br />

elegibilida<strong>de</strong>, na forma da lei: [...] V - a filiação partidária.<br />

129


uma lacuna temporal na legislação brasileira em que se permite aprimorar esse<br />

entendimento. Antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, os<br />

Trata<strong>do</strong>s Internacionais em que o Brasil fosse parte, tinham o mesmo status<br />

constitucional, por força <strong>do</strong> art. 5º, § 2º, CF/88 41 , <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ratifica<strong>do</strong>s após a<br />

promulgação da Constituição, ou seja, após 1988 e antes <strong>de</strong> 2004.<br />

Nesse viés, ten<strong>do</strong> em vista que o principal fundamento a ser analisa<strong>do</strong> é<br />

o disposto no Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica, é importante salientar que sua<br />

ratificação pelo Brasil ocorreu em 1992, após a promulgação da Constituição e<br />

antes <strong>do</strong> advento da EC 45/2004, motivo pelo qual o argumento ganha força.<br />

O relator, Ministro Roberto Barroso, lembrou que, no caso da prisão <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>positário infiel, mesmo haven<strong>do</strong> previsão constitucional e legal para tanto, o<br />

STF enten<strong>de</strong>u que a aplicação das normas nesse senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>veria ser suspensa<br />

em razão <strong>do</strong> caráter supralegal <strong>do</strong> Pacto.<br />

Nesse julga<strong>do</strong>, o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, em trecho <strong>do</strong> voto, exarou o<br />

seguinte entendimento:<br />

Dispensada qualquer análise pormenorizada da irreconciliável<br />

polêmica entre as teorias monista (Kelsen)2 e dualista (Triepel)3 sobre<br />

a relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />

– a qual, pelo menos no tocante ao sistema internacional <strong>de</strong> proteção<br />

<strong>do</strong>s direitos humanos, tem-se torna<strong>do</strong> ociosa e supérflua –, é certo que<br />

qualquer discussão nesse âmbito pressupõe o exame da relação<br />

hierárquico-normativa entre os trata<strong>do</strong>s internacionais e a<br />

Constituição. 42<br />

Ainda sobre a invocação <strong>do</strong>s direitos humanos em casos populares,<br />

po<strong>de</strong>mos citar como exemplo a petição <strong>do</strong> ex presi<strong>de</strong>nte Luiz Inácio Lula da<br />

Silva, o qual alegou à Organização das Nações Unidas violação ao (i) art. 9 -<br />

proteção contra a prisão ou <strong>de</strong>tenção arbitrária; (ii) art. 14 - o direito a um tribunal<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial e direito <strong>de</strong> ser presumi<strong>do</strong> inocente até que se prove a<br />

culpa por lei; (iii) proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais na<br />

privacida<strong>de</strong>, família, lar ou correspondência, e contra ofensas ilegais à honra ou<br />

reputação; to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Pacto Internacional <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos, ratifica<strong>do</strong><br />

em 1992.<br />

41<br />

CF/88 – Art 5, § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> regime e <strong>do</strong>s princípios por ela a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, ou <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais em<br />

que a República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil seja parte.<br />

42<br />

STF - Recurso Extraordinário 466.343. Rel. Ministro Cezar Peluso<br />

130


O intuito principal <strong>do</strong> ex-presi<strong>de</strong>nte era assegurar e garantir o usufruto <strong>de</strong><br />

seus direitos políticos, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> confirmar sua candidatura à presidência da<br />

república em 2018, uma vez que, para ele, já havia se esgota<strong>do</strong> as possibilida<strong>de</strong>s<br />

pela legislação brasileira.<br />

Ocorre que, no que diz respeito à candidatura avulsa, to<strong>do</strong> o or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico brasileiro está basea<strong>do</strong> na existência <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos, ou seja, no<br />

papel que esse exerce sobre a <strong>de</strong>mocracia e a socieda<strong>de</strong> brasileira. No<br />

entendimento <strong>do</strong> Juízo a quo, o qual in<strong>de</strong>feriu o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> candidatura em tela,<br />

“enten<strong>de</strong>r pela prescindibilida<strong>de</strong> ou reduzir o papel <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos implica<br />

em subversão da or<strong>de</strong>m constitucional”.<br />

A<strong>de</strong>mais, concordar com a candidatura avulsa e com os argumentos<br />

trazi<strong>do</strong>s para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-la, seria aceitar que normas internacionais interferissem<br />

na autonomia e soberania <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, influencian<strong>do</strong> diretamente em sua<br />

organização política e <strong>de</strong>mocrática.<br />

A corrente contrária à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> candidatura avulsa se fundamenta na<br />

hiperfragmentação da representação, que já é alta por conta <strong>do</strong> número<br />

excessivo <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>s; a intensificação da personalização <strong>do</strong> voto, ou seja, o<br />

candidato po<strong>de</strong>ria apelar para o prestígio <strong>de</strong> sua imagem pública, e não <strong>de</strong> suas<br />

i<strong>de</strong>ias; além <strong>do</strong> que, as instâncias pertinentes precisarão aperfeiçoar as regras<br />

das eleições - distribuição <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> TV e rádio, fun<strong>do</strong> eleitoral, registro <strong>de</strong><br />

candidatura, conversão <strong>de</strong> votos em ca<strong>de</strong>iras - para o nível individual.<br />

O Tribunal Superior Eleitoral enten<strong>de</strong> que, além <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os argumentos<br />

acima expostos, a liberação das candidaturas avulsas afetaria a segurança <strong>do</strong><br />

procedimento eleitoral, refletin<strong>do</strong> também na distribuição <strong>de</strong> recursos, uma vez<br />

que ela está baseada no número <strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cada parti<strong>do</strong>.<br />

No entanto, esse tipo <strong>de</strong> candidatura ganhou apoio daqueles que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, com a ratificação <strong>do</strong> Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica,<br />

o <strong>Congresso</strong>, validamente, abriu mão da condição estabelecida pela<br />

Constituição da República, assumin<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver candidatura sem<br />

filiação partidária.<br />

Isso ocorre porque o que se discute em termos <strong>de</strong> hierarquia das normas<br />

conflitantes, como já menciona<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>-se solucionar observan<strong>do</strong>-se o lapso<br />

131


temporal entre a ratificação <strong>do</strong> Brasil nos trata<strong>do</strong>s, a promulgação da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral e a entrada em vigor da EC 45/2004.<br />

No momento em que o Brasil a<strong>de</strong>riu ao Pacto <strong>de</strong> San José, as normas<br />

que versavam sobre direitos humanos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

aprovação, teriam força <strong>de</strong> Emenda Constitucional. Logo, se no Pacto ora em<br />

comento não se exige a condição <strong>de</strong> filiação partidária e não há proibição<br />

constitucional <strong>de</strong> relevância intransponível, há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver<br />

candidatura avulsa e a legislação, principalmente infraconstitucional, precisará<br />

se amoldar a essa nova realida<strong>de</strong>.<br />

Apesar da relevância <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s políticos no atual contexto legal e<br />

social, o art. 60, § 4º, II, da CF 43 não incluiu os parti<strong>do</strong>s na cláusula <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong><br />

da Constituição <strong>de</strong> 1988. Nesse aspecto da organização social brasileira, a<br />

Constituição só <strong>de</strong>clarou como cláusula pétrea o “voto direto, secreto, universal<br />

e periódico”.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, não parece haver incompatibilida<strong>de</strong> entre a norma<br />

internacional aludida e as restrições a emendas constitucionais ou à<br />

incorporação <strong>do</strong> pacto na or<strong>de</strong>m brasileira, alinha<strong>do</strong> ao entendimento da<br />

Procura<strong>do</strong>ria Geral da República.<br />

A corrente que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a candidatura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte afirma que, com a<br />

liberação da filiação partidária, aumentam as chances <strong>de</strong> pessoas comuns<br />

chegarem a cargos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no Brasil. A limitação para que cidadãos participem<br />

da política está ligada, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com esse argumento, essencialmente ao<br />

controle exerci<strong>do</strong> por políticos tradicionais <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s.<br />

O autor da ação no Supremo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que as candidaturas avulsas<br />

proporcionariam uma renovação política, tanto no âmbito eleitoral quanto <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>do</strong>s próprios parti<strong>do</strong>s. Com a quebra <strong>de</strong> monopólio partidário sobre as<br />

candidaturas, os parti<strong>do</strong>s serão força<strong>do</strong>s a ser mais eficazes, transparentes e<br />

<strong>de</strong>mocráticos, permitin<strong>do</strong> aos cidadãos formarem as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong><br />

43<br />

CF/88 - Art. 60. A Constituição po<strong>de</strong>rá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será<br />

objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a proposta <strong>de</strong> emenda ten<strong>de</strong>nte a abolir: [...] II - o voto direto, secreto,<br />

universal e periódico;<br />

132


sua conveniência, afastan<strong>do</strong>-se das i<strong>de</strong>ologias já estabelecidas pela conjuntura<br />

vigente.<br />

Assim, verifica-se que o respeito aos Trata<strong>do</strong>s Internacionais e as<br />

Convenções é um <strong>de</strong>ver que <strong>de</strong>corre da própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, alinhan<strong>do</strong><br />

e integran<strong>do</strong> a prestação jurisdicional e as políticas públicas sobre temas que<br />

dizem respeito a toda humanida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> um<br />

importante instrumento para se chegar a este objetivo.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Diante <strong>do</strong> exposto, verifica-se que atualmente as normas <strong>de</strong> direito<br />

internacionais <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e as normas <strong>de</strong> direito nacional estão<br />

passan<strong>do</strong> por gran<strong>de</strong>s transformações, influencian<strong>do</strong> sobremaneira a or<strong>de</strong>m<br />

jurídica brasileira, surgin<strong>do</strong>, então, a ênfase ao controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>.<br />

Tal controle serve como pon<strong>de</strong>ração das leis, possibilitan<strong>do</strong> um duplo<br />

controle <strong>de</strong> verticalida<strong>de</strong>, ou seja, as normas internas <strong>de</strong> um país <strong>de</strong>vem estar<br />

compatíveis tanto com a Constituição (controle <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>) quanto<br />

com os trata<strong>do</strong>s internacionais acolhi<strong>do</strong>s pelo país on<strong>de</strong> vigora tais normas<br />

(controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong>).<br />

Diante disso, ten<strong>do</strong> em vista que a candidatura avulsa é o procedimento<br />

pelo qual o cidadão po<strong>de</strong> requerer seu direito <strong>de</strong> concorrer às eleições sem a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se submeter à condição <strong>de</strong> filiação partidária, conforme prevê o<br />

texto constitucional, tem-se que sua liberação encontra óbice na Constituição da<br />

República, a qual elenca como condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong> que o cidadão esteja<br />

vincula<strong>do</strong> a um parti<strong>do</strong> político.<br />

Ocorre, no entanto, que o Pacto <strong>de</strong> San Jose da Costa Rica trouxe nova<br />

possibilida<strong>de</strong> sobre a aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa condição. O texto ratifica<strong>do</strong> pelo Brasil<br />

em 1992, não abarcou a filiação partidária como condição para a elegibilida<strong>de</strong>.<br />

Em que pese exista discussão acerca da hierarquia entre o trata<strong>do</strong> e a<br />

norma constitucional, verifica-se <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto que não há<br />

proibição na Constituição Fe<strong>de</strong>ral acerca <strong>do</strong> tema, permitin<strong>do</strong>, então, que se<br />

interprete <strong>de</strong> forma favorável e integrativa a questão.<br />

133


Além disso, com a liberação da candidatura, aumentam as chances <strong>de</strong><br />

pessoas <strong>do</strong> povo, sem vínculo partidário, chegarem a cargos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no Brasil,<br />

diminuin<strong>do</strong> o controle e a influência exercida por segmentos eleitorais ou parti<strong>do</strong>s<br />

políticos tradicionais.<br />

Por oportuno, <strong>de</strong>staca-se que a corrente contrária à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> candidatura<br />

avulsa se fundamenta na hiperfragmentação da representação, na intensificação<br />

da personalização <strong>do</strong> voto, ou seja, o candidato po<strong>de</strong>ria apelar para o prestígio<br />

<strong>de</strong> sua imagem pública, e não <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias.<br />

Dessa forma, verifica-se que a observância <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s<br />

Internacionais e das Convenções é uma previsão constitucional. Assim, quan<strong>do</strong><br />

recepciona<strong>do</strong>, alinham-se com a prestação jurisdicional e as políticas públicas<br />

fundamentais sobre temas que dizem respeito a toda humanida<strong>de</strong>. Nessa<br />

perspectiva, o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> é um importante instrumento para<br />

se chegar a este objetivo, qual seja, a aplicabilida<strong>de</strong> e a efetivida<strong>de</strong> das<br />

Convenções e Trata<strong>do</strong>s Internacionais incorpora<strong>do</strong>s a nossa legislação.<br />

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Acesso: 01 out. 2018.<br />

135


RESUMO<br />

A TUTELA DA LIBERDADE RELIGIOSA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL<br />

EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS<br />

FAGUNDES, André<br />

Doutoran<strong>do</strong> e Mestre em Direito pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra<br />

andrecep@gmail.com<br />

O presente trabalho examina os parâmetros utiliza<strong>do</strong>s pelo Tribunal Europeu <strong>de</strong><br />

<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na tutela da liberda<strong>de</strong> religiosa. A este propósito, analisa-se<br />

os fundamentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s em diversos casos julga<strong>do</strong>s pela Corte, cotejan<strong>do</strong>-os<br />

com julga<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outros tribunais, e verifican<strong>do</strong> a conformida<strong>de</strong> com os diplomas<br />

internacionais que tratam da matéria. O direito à liberda<strong>de</strong> religiosa está previsto<br />

no artigo 9º da Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e para sua proteção o<br />

interessa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve apresentar uma queixa perante o TEDH, que analisará se<br />

<strong>de</strong>terminada conduta (omissiva ou comissiva) <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> interfere no exercício<br />

<strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> direito. Em caso positivo, o TEDH verifica se essa ingerência, se<br />

concretizada, seria lícita e necessária numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática para a<br />

realização <strong>de</strong> um ou mais objetivos legítimos previstos no n.º 2 <strong>do</strong> art. 9º.<br />

Verifica-se que muito embora o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>tenha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulamentar as<br />

diversas religiões existentes em seu território, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, inclusive, impor<br />

<strong>de</strong>terminadas restrições ao exercício da liberda<strong>de</strong> religiosa, <strong>de</strong>ve permanecer<br />

neutro em relação ao mérito das crenças religiosas. Demonstra-se que o respeito<br />

à pluriconfessionalida<strong>de</strong> não se trata apenas <strong>de</strong> um princípio relevante ou <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ética, mas uma necessida<strong>de</strong> política e jurídica, indispensável<br />

para a construção da paz e para o progresso econômico e social <strong>do</strong>s povos.<br />

Constata-se que não obstante a crença seja essencialmente pessoal e subjetiva,<br />

sua manifestação é tradicionalmente realizada em conjunto, através <strong>de</strong><br />

estruturas organizadas. Deste mo<strong>do</strong>, a recusa da concessão <strong>do</strong> status <strong>de</strong><br />

entida<strong>de</strong> jurídica à <strong>de</strong>terminada organização religiosa configura severa restrição<br />

à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> praticar a religião e acaba por, na prática, esvaziar o conteú<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião. Conclui-se que a ingerência estatal, além <strong>de</strong><br />

estar em consonância com a lei e correspon<strong>de</strong>r à uma necessida<strong>de</strong> social<br />

premente, <strong>de</strong>ve ser proporcional ao objetivo legítimo persegui<strong>do</strong>.<br />

136


Palavras-chave: liberda<strong>de</strong> religiosa, restrições, <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong>,<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

This article examines the parameters used by the European Court of Human<br />

Rights in the protection of religious free<strong>do</strong>m. For this purpose, it analyzes the<br />

foundations a<strong>do</strong>pted in several cases judged by the Court, comparing them with<br />

judgments of other courts, and verifying compliance with the international treaties<br />

<strong>de</strong>aling with the matter.<br />

The right to religious free<strong>do</strong>m is provi<strong>de</strong>d for in Article 9 of the European<br />

Convention on Human Rights and for its protection, the interested party must<br />

submit a complaint before the ECHR, which will analyze whether certain conduct<br />

(omissive or commissive) of the State interferes with the exercise of that right. If<br />

this is the case, the ECHR verifies whether such interference, if it had been<br />

fulfilled, would be lawful and necessary in a <strong>de</strong>mocratic society for the<br />

achievement of one or more of the legitimate objectives set forth in Article 9(2).<br />

It appears that although the State has the power to regulate the various religions<br />

in its territory, and may also impose certain restrictions on the exercise of religious<br />

free<strong>do</strong>m, it must remain neutral in relation to the merits of religious beliefs. It is<br />

shown that respect for the plurality of <strong>de</strong>nominations is not only a relevant<br />

principle or an ethical duty but a political and juridical necessity, indispensable for<br />

the construction of peace and for the economic and social progress of the<br />

peoples. It is observed that even though the belief is essentially personal and<br />

subjective, its manifestation is traditionally carried out together through organized<br />

structures. Therefore, that the refusal to grant the status of the legal entity to the<br />

particular religious organization configures severe restriction on the ability to<br />

practice religion and implies, in practice, emptying the content of the right to<br />

free<strong>do</strong>m of religion. It is conclu<strong>de</strong>d that the State interference, in addition to being<br />

in line with the law and correspond to a pressing social need, must be<br />

proportionate to the legitimate aim pursued.<br />

Keywords: free<strong>do</strong>m religious, restrictions, duty of impartiality, <strong>de</strong>mocratic<br />

society, European Court of Human Rights.<br />

137


INTRODUÇÃO<br />

Em virtu<strong>de</strong> das atrocida<strong>de</strong>s cometidas na Segunda Guerra Mundial, o<br />

<strong>Congresso</strong> da Europa reuniu-se para tomar medidas que pu<strong>de</strong>ssem efetivar<br />

alguns <strong>do</strong>s direitos previstos na Declaração Universal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Para<br />

tanto, criou-se o Conselho da Europa, que elaborou, em 1950, a Convenção para<br />

a Proteção <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e das Liberda<strong>de</strong>s Fundamentais, também<br />

conhecida como Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> «<strong>do</strong>ravante CEDH»,<br />

com a previsão <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> direitos e liberda<strong>de</strong>s civis e políticas, bem como<br />

a criação <strong>do</strong> Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> «<strong>do</strong>ravante TEDH», para<br />

garantir o respeito <strong>do</strong>s compromissos assumi<strong>do</strong>s pelos Esta<strong>do</strong>s signatários.<br />

Dentre os direitos tutela<strong>do</strong>s pela CEDH está o direito à liberda<strong>de</strong> religiosa,<br />

previsto no artigo 9º, juntamente com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong><br />

consciência. Para sua proteção, o interessa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve apresentar uma queixa<br />

perante o TEDH, que analisará se <strong>de</strong>terminada conduta (omissiva ou comissiva)<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> interfere no exercício <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> direito. Em caso positivo, o TEDH<br />

verifica se essa ingerência, se concretizada, seria lícita e necessária numa<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática para a realização <strong>de</strong> um ou mais objetivos legítimos<br />

previstos no n.º 2 <strong>do</strong> art. 9º. Isto é, realiza o controle através da metódica da<br />

proporcionalida<strong>de</strong>.<br />

Cumpre assinalar, ainda, que os acórdãos proferi<strong>do</strong>s pelo TEDH, por<br />

força <strong>do</strong> disposto no n.º 1 <strong>do</strong> artigo 46º da CEDH, são vinculantes aos 47 Esta<strong>do</strong>s<br />

membros <strong>do</strong> Conselho da Europa.<br />

OBJETIVOS<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho é realizar uma investigação acerca <strong>do</strong>s critérios<br />

utiliza<strong>do</strong>s pelo Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na tutela da liberda<strong>de</strong><br />

religiosa. Dentro disso, preten<strong>de</strong>-se examinar as possibilida<strong>de</strong>s e os limites da<br />

atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na regulamentação das organizações religiosas; analisar a<br />

abrangência <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver estatal <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> em matéria religiosa, abordan<strong>do</strong><br />

os fundamentos <strong>do</strong> princípio republicano e o princípio da igualda<strong>de</strong>; <strong>de</strong>monstrar<br />

o alcance das hipóteses <strong>de</strong> restrição <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> religiosa; examinar o<br />

artigo 9 em conjunto com o artigo 11 da Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />

138


<strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a melhor compreen<strong>de</strong>r a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reunião e associação<br />

com propósitos religiosos.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Um <strong>do</strong>s fundamentos da liberda<strong>de</strong> religiosa é a garantia <strong>de</strong> que as<br />

pessoas po<strong>de</strong>m seguir sua religião, ainda que seja diferente da maioria. É<br />

justamente o acolhimento das crenças minoritárias que distingue a <strong>de</strong>mocracia<br />

<strong>de</strong> um esta<strong>do</strong> totalitário. 1<br />

Para o efetivo cumprimento <strong>do</strong> respeito à pluriconfessionalida<strong>de</strong>, o Esta<strong>do</strong><br />

não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>terminar o que constitua ou não uma religião ou crença, como bem<br />

observou o TEDH em importantíssimo julga<strong>do</strong> sobre o tema (Seção <strong>de</strong> Moscou<br />

<strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação c. Rússia, n. 72.881/01).<br />

Outro ponto que merece <strong>de</strong>staque é que da análise <strong>do</strong> artigo 9º da<br />

Convenção, tem-se que a restrição à liberda<strong>de</strong> religiosa só está autorizada<br />

quan<strong>do</strong>, prevista em lei, constitua disposição necessária à preservação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>mocrático, à segurança pública, à proteção da or<strong>de</strong>m, da saú<strong>de</strong> e<br />

moral públicas, ou à proteção <strong>do</strong>s direitos e liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terceiros. 2<br />

Cumpre assinalar que o Esta<strong>do</strong> tem po<strong>de</strong>res para verificar se uma<br />

entida<strong>de</strong> esteja exercen<strong>do</strong>, sob aparentes finalida<strong>de</strong>s religiosas, ativida<strong>de</strong>s que<br />

sejam prejudiciais à população ou que possam pôr em perigo a segurança<br />

pública. Realmente, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scartar que o programa <strong>de</strong> uma organização<br />

possa escon<strong>de</strong>r objetivos e intenções distintos <strong>do</strong>s quais proclama. 3<br />

1<br />

TRIGG, Roger. Equality, Free<strong>do</strong>m, & Religion. Oxford: Oxford University Press, 2012. p.<br />

146.<br />

2<br />

O Pacto Internacional sobre os <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos prevê, em seu art. 18º, n.º 3,<br />

semelhante disposição.<br />

Com vistas à melhor esclarecer o alcance da referida norma, foi elabora<strong>do</strong> o Comentário Geral<br />

n.º 22, o qual, em razão <strong>de</strong> sua significativa importância, passamos a transcrever: “O artigo 18.º<br />

não está limita<strong>do</strong> na sua aplicação a religiões tradicionais ou a religiões e convicções com<br />

características institucionais ou práticas análogas às das religiões tradicionais. Assim, o Comitê<br />

vê com preocupação qualquer tendência a discriminar contra qualquer religião ou convicção,<br />

em particular as mais recentemente estabelecidas ou as que representam as minorias<br />

religiosas que possam ser objeto <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> religiosa<br />

pre<strong>do</strong>minante.” (grifo nosso).<br />

3<br />

Cf. Manoussakis e outros c. Grécia, n. 18.748/91, § 40; Stankov e a Organização Macedônia-<br />

Unida Ilin<strong>de</strong>n c. Bulgária, n. 29.221/95 e 29.225/95, § 84; e Sidiropoulos e outros c. Grécia, n.<br />

26.695/95, § 46.<br />

139


O TEDH consi<strong>de</strong>ra, por exemplo, que o fato <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> religiosa não<br />

apresentar às autorida<strong>de</strong>s a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> seus preceitos fundamentais po<strong>de</strong> ser<br />

motivo suficiente para a recusa <strong>de</strong> sua inscrição, na medida em que po<strong>de</strong><br />

representar um risco à socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática e os interesses fundamentais<br />

assegura<strong>do</strong>s pelo n.º 2 <strong>do</strong> artigo 9º da CEDH. 4<br />

No entanto, a fiscalização das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas, bem como a<br />

fixação das restrições à liberda<strong>de</strong> religiosa <strong>de</strong>vem ser utilizadas com mo<strong>de</strong>ração<br />

e <strong>de</strong> forma compatível com as obrigações impostas por força da CEDH. 5<br />

De fato, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> tratar-se <strong>de</strong> exceções à regra, o po<strong>de</strong>r estatal <strong>de</strong>ve<br />

ser interpreta<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma restrita, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que apenas razões convincentes e<br />

persuasivas po<strong>de</strong>m ser capazes <strong>de</strong> justificar limitações à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião e<br />

<strong>de</strong> associação. Qualquer intervenção <strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r a uma “necessida<strong>de</strong><br />

social premente” e ser “proporcional ao objetivo legítimo persegui<strong>do</strong>”. Por<br />

conseguinte, a caracterização <strong>do</strong> “necessário” não alberga noções vagas e<br />

flexíveis como “útil” ou “<strong>de</strong>sejável”. 6<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

O presente trabalho <strong>de</strong>screve uma pesquisa <strong>de</strong> natureza aplicada, isto é,<br />

que objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigi<strong>do</strong>s à solução das<br />

controvérsias existentes em torno <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião e <strong>de</strong> crença.<br />

Um <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s utiliza<strong>do</strong>s para a apreciação <strong>do</strong> problema é o exame<br />

analítico <strong>do</strong>s fundamentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelo Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />

<strong>Humanos</strong>, cotejan<strong>do</strong>-os com julga<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outros tribunais, e verifican<strong>do</strong> a<br />

conformida<strong>de</strong> com os diplomas internacionais que tratam da matéria.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

A partir <strong>do</strong> exame crítico <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s, constatou-se que a Corte <strong>de</strong><br />

Estrasburgo enten<strong>de</strong> que a existência <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> pacífica e <strong>de</strong>mocrática<br />

4<br />

Cf. Cârmuirea Spirituală a Musulmanilor da República da Moldávia c. Moldávia, n. 12.282/02;<br />

Igreja da Cientologia <strong>de</strong> Moscou c. Rússia, n. 18.147/02, § 93; e Lajda e outros c. República<br />

Checa, n. 20.984/05.<br />

5<br />

Cf. Testemunhas <strong>de</strong> Jeová <strong>de</strong> Moscou e outros c. Rússia, n. 302/02, § 100.<br />

6<br />

Cf. Seção <strong>de</strong> Moscou <strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação c. Rússia, já referi<strong>do</strong>, § 62; e Gorzelik e outros<br />

c. Polônia, n. 44.158/98, § 92.<br />

140


só é possível com respeito à pluriconfessionalida<strong>de</strong>. 7 À vista disso, o direito <strong>do</strong>s<br />

crentes à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião assegura<strong>do</strong> pela CEDH abrange também a<br />

expectativa <strong>de</strong> que a comunida<strong>de</strong> terá permissão para funcionar pacificamente,<br />

po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> professar sua convicção sem qualquer intervenção injustificada <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>. 8<br />

No caso Igreja Metropolitana <strong>de</strong> Bessarábia e outros v. Moldávia (n.<br />

45.701/99), o Tribunal consignou que num Esta<strong>do</strong> laico, a recusa <strong>do</strong><br />

reconhecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada confissão religiosa - com o propósito <strong>de</strong> forçála<br />

a se reunir sob uma li<strong>de</strong>rança unificada, contra as suas aspirações - constitui<br />

nítida interferência arbitrária na liberda<strong>de</strong> religiosa <strong>do</strong>s cidadãos.<br />

Conquanto o governo <strong>de</strong>tenha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulamentar as diversas<br />

religiões existentes em seu território, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, inclusive, impor <strong>de</strong>terminadas<br />

restrições ao exercício da liberda<strong>de</strong> religiosa, <strong>de</strong>ve permanecer neutro em<br />

relação ao mérito das crenças religiosas.<br />

Vale dizer, o direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião, tal como assegura<strong>do</strong> pela<br />

CEDU, exclui qualquer po<strong>de</strong>r discricionário por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para <strong>de</strong>terminar<br />

a legitimida<strong>de</strong> das crenças religiosas e suas formas <strong>de</strong> manifestação. Do<br />

contrário, estaríamos diante <strong>de</strong> um árbitro <strong>de</strong> <strong>do</strong>gmas religiosos.<br />

Não obstante a crença seja essencialmente pessoal e subjetiva, sua<br />

manifestação é tradicionalmente realizada em conjunto, através <strong>de</strong> estruturas<br />

organizadas. Não é por outro motivo que a Convenção garante o direito <strong>de</strong><br />

manifestar a religião <strong>de</strong> forma coletiva, no seio <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s religiosas.<br />

Nessa linha, a jurisprudência <strong>do</strong> TEDH firmou o entendimento <strong>de</strong> que a<br />

recusa da concessão <strong>do</strong> status <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> jurídica à <strong>de</strong>terminada organização<br />

religiosa configura severa restrição à sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> praticar a religião,<br />

mesmo nos casos em que a ausência <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> jurídica possa ser<br />

compensada, em parte, pela criação <strong>de</strong> associações auxiliares. Assim, ainda que<br />

7<br />

Como bem pontua Roger TRIGG (2012, p. 08), Diretor Acadêmico <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

Religião na Vida Pública <strong>de</strong> Kellogg College, da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Oxford, a questão da<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência e da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião surge na sua forma mais intensa quan<strong>do</strong><br />

posições minoritárias impopulares ou antiquadas estão em questão. A liberda<strong>de</strong> é<br />

salvaguardada apenas quan<strong>do</strong> a maioria permite que as crenças que elas <strong>de</strong>saprovam sejam<br />

manifestadas.<br />

8<br />

Ver Seção <strong>de</strong> Moscou <strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação c. Rússia, já referi<strong>do</strong>, § 71; e Hasan e Chaush<br />

c. Bulgária, n. 30.985/96, § 62.<br />

141


não haja <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> prejuízo ou dano à comunida<strong>de</strong> religiosa, o<br />

impedimento <strong>de</strong> seu registro constitui injustificada discriminação. 9<br />

Com efeito, o direito ao reconhecimento oficial <strong>de</strong> uma igreja é corolário<br />

lógico <strong>do</strong> respeito à liberda<strong>de</strong> religiosa. Trata-se <strong>de</strong> um natural <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento,<br />

uma faceta <strong>do</strong> direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião. A não efetivação <strong>do</strong> registro acaba<br />

por, na prática, esvaziar - significativa ou mesmo integralmente - o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

direito à liberda<strong>de</strong> religiosa.<br />

Além <strong>do</strong> mais, o artigo 11º da CEDH assegura que os cidadãos <strong>de</strong>vem<br />

ser capazes <strong>de</strong> formar uma pessoa jurídica, a fim <strong>de</strong> que possam agir<br />

coletivamente em um campo <strong>de</strong> interesse mútuo - incluin<strong>do</strong>, obviamente, os<br />

propósitos religiosos -, sem interferências arbitrárias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Caso contrário,<br />

tal direito seria <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer significa<strong>do</strong>. 10<br />

Vale <strong>de</strong>stacar que para <strong>de</strong>terminada convicção pessoal ou coletiva se<br />

valer <strong>do</strong> direito à "liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> religião" -<br />

assegura<strong>do</strong> pelo artigo 9º da Convenção Europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong>ve<br />

atingir um certo nível <strong>de</strong> coerência, serieda<strong>de</strong> e importância. Des<strong>de</strong> que essas<br />

condições estejam satisfeitas, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é<br />

incompatível com a avaliação sobre a legitimida<strong>de</strong> das crenças religiosas e a<br />

forma como essas crenças são expressas. 11<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, <strong>de</strong>corre da proteção <strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> artigo, a vedação<br />

ao Esta<strong>do</strong> em interferir sobre a <strong>do</strong>utrina professada pelas religiões. 12<br />

Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, a religião e as convicções são,<br />

essencialmente, pessoais e subjetivas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que não compete ao Esta<strong>do</strong> -<br />

sob pena <strong>de</strong> violação ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> - impor, <strong>de</strong> maneira direta ou<br />

indireta, uma linha interpretativa a respeito <strong>do</strong>s preceitos professa<strong>do</strong>s, ainda que<br />

contrários a um entendimento <strong>do</strong>minante como, por exemplo, na crença <strong>de</strong><br />

9<br />

Cf. Comunida<strong>de</strong> Religiosa das Testemunhas <strong>de</strong> Jeová e outros v. Áustria, n. 40.825/98, § 67.<br />

10<br />

Cf. Seção <strong>de</strong> Moscou <strong>do</strong> Exército <strong>de</strong> Salvação v. Rússia, já referi<strong>do</strong>, §§ 58-59.<br />

11<br />

Cf. Eweida e outros c. Reino Uni<strong>do</strong>, n. 48.420/10, 59.842/10, 51.671/10 e 36.516/10, § 81.<br />

12<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente não estão incluídas aqui as manifestações que resultem em propaganda a<br />

favor da guerra ou em apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que constitua uma<br />

incitação à discriminação, à hostilida<strong>de</strong> ou à violência, conforme preceitua o artigo 20 <strong>do</strong> Pacto<br />

Internacional sobre os <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos.<br />

142


<strong>de</strong>terminadas seitas 13 sobre a existência da reencarnação e sua conformida<strong>de</strong><br />

com os ensinos da fé cristã. 14<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

I<strong>de</strong>ntificou-se que o Tribunal Europeu <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> possui<br />

entendimento consolida<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> consciência e<br />

<strong>de</strong> religião, é um <strong>do</strong>s fundamentos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Trata-se <strong>de</strong><br />

um <strong>do</strong>s elementos mais importantes que compõem, não só a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

crentes e suas concepções <strong>de</strong> vida, mas também <strong>do</strong>s ateus, agnósticos, céticos<br />

e indiferentes. Destarte, o pluralismo - que tem si<strong>do</strong> conquista<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong>s<br />

séculos - é indissociável <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. 15<br />

A Corte pontuou também que, numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, em que<br />

diferentes religiões coexistem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma mesma população, po<strong>de</strong> ser<br />

necessário o estabelecimento <strong>de</strong> restrições a essa liberda<strong>de</strong>, para o fim <strong>de</strong><br />

conciliar os interesses <strong>do</strong>s diversos grupos e garantir que todas as crenças<br />

sejam respeitadas.<br />

Verificou-se que a <strong>de</strong>finição e a interpretação <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong>utrinários<br />

integra, indubitavelmente, a esfera da fé religiosa; é elemento fundamental, que<br />

está no núcleo da convicção religiosa; constitui verda<strong>de</strong>ira reserva absoluta da<br />

13<br />

Vale ressaltar que o Pacto Internacional sobre os <strong>Direitos</strong> Civis e Políticos prevê uma<br />

garantia especial às minorias religiosas contra as ingerências <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>: “Artigo 27. Nos Esta<strong>do</strong>s<br />

em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas<br />

minorias não <strong>de</strong>vem ser privadas <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> ter, em comum com os outros membros <strong>do</strong> seu<br />

grupo, a sua própria vida cultural, <strong>de</strong> professar e <strong>de</strong> praticar a sua própria religião ou <strong>de</strong> empregar<br />

a sua própria língua.” (grifo nosso).<br />

14<br />

A respeito <strong>do</strong> tema, merece <strong>de</strong>staque o brilhante posicionamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo Tribunal<br />

Constitucional Português, ao assinalar que “qualquer forma <strong>de</strong> dirigismo cultural fere o bem<br />

comum e mina os alicerces <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito. O Esta<strong>do</strong> não po<strong>de</strong>, pois, impor aos cidadãos<br />

quaisquer formas <strong>de</strong> concepção <strong>do</strong> homem, <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e da vida.” (Tribunal Constitucional.<br />

Relator: Alves Correia, Proc. n. 88-0322, j. 17/02/1993).<br />

15<br />

A esse respeito, Robert AUDI <strong>de</strong>staca que on<strong>de</strong> há liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve haver espaço para o<br />

pluralismo. Nas socieda<strong>de</strong>s em que a vida sociocultural é complexa, a liberda<strong>de</strong> praticamente<br />

salvaguarda o pluralismo. (AUDI, Robert. Natural reason, religious conviction, and the<br />

justification of coercion in <strong>de</strong>mocratic societies. In: Law, State and Religion in the New<br />

Europe. Debates and Dilemmas. Edited by ZUCCA, Lorenzo; UNGUREANU, Camil.<br />

Cambridge: Cambridge University Press, 2012. p. 66).<br />

143


confissão religiosa, funcionan<strong>do</strong> como norma <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> competências<br />

negativas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. 16<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o Esta<strong>do</strong> não está, e nem <strong>de</strong>veria estar, na posição <strong>de</strong><br />

árbitro <strong>do</strong>s <strong>do</strong>gmas religiosos, 17 ao estatuir um entendimento como sen<strong>do</strong> o<br />

correto, nitidamente infringe o seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> imposto pelo princípio<br />

da separação, e consequentemente viola o direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião, tal<br />

como ocorre quan<strong>do</strong> há imisção estatal sobre os rituais pelos quais a crença se<br />

manifesta. 18<br />

Além disso, verificou-se que além <strong>de</strong> estar em consonância com a lei e<br />

aten<strong>de</strong>r a um objetivo legítimo, a interferência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve satisfazer a<br />

exigência da proporcionalida<strong>de</strong>. Nos conflitos envolven<strong>do</strong> o direito à liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> religião e <strong>de</strong> crença, a proporcionalida<strong>de</strong> está estreitamente ligada com a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter o verda<strong>de</strong>iro pluralismo religioso, inerente ao conceito<br />

<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Destarte, tentar resolver os conflitos existentes entre<br />

organizações religiosas através <strong>do</strong> impedimento <strong>do</strong> registro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las é<br />

atuação absolutamente <strong>de</strong>sproporcional, contrária à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática, em que há pluralismo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong> crenças.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANDRADE, José Carlos Vieira <strong>de</strong>. Os <strong>Direitos</strong> Fundamentais na Constituição<br />

Portuguesa <strong>de</strong> 1976. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2012.<br />

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da<br />

República Portuguesa Anotada. v. 1. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2007.<br />

16<br />

MACHADO, Jónatas E. M. A liberda<strong>de</strong> religiosa numa comunida<strong>de</strong> constitucional<br />

inclusiva: <strong>do</strong>s direitos da verda<strong>de</strong> aos direitos <strong>do</strong>s cidadãos. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 247.<br />

17<br />

Cf. Syndicat Northcrest v. Amselem, 2004 SCC 47, [2004] 2 S.C.R. 551, da Suprema Corte<br />

<strong>do</strong> Canadá.<br />

18<br />

Como bem advertem J. J. Gomes CANOTILHO e Vital MOREIRA, é elemento implícito da<br />

afirmação <strong>do</strong> princípio republicano o “estabelecimento da separação entre o Esta<strong>do</strong> e as<br />

igrejas, com a consagração <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> não confessional e <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

religiosa” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República<br />

Portuguesa Anotada. v. 1. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2007. p. 201).<br />

144


CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da<br />

Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.<br />

CHEHOUD, Heloísa Sanches Querino. A liberda<strong>de</strong> Religiosa nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Mo<strong>de</strong>rnos. Coimbra: Almedina, 2012.<br />

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Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> em Direito Público, Internacional e Europeu, sob a<br />

orientação da Prof.a Dra. Catarina Botelho. Porto: 2016.<br />

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Fairness. Princeton: Princeton University Press, 2006.<br />

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Latin America. Revista <strong>de</strong> Estudios Sociales. n. 51, p. 25-35. Bogotá: enero -<br />

marzo <strong>de</strong> 2015.<br />

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Minoritários. Boletim da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Coimbra, LXXII, 1996.<br />

_____. A liberda<strong>de</strong> religiosa numa comunida<strong>de</strong> constitucional inclusiva:<br />

<strong>do</strong>s direitos da verda<strong>de</strong> aos direitos <strong>do</strong>s cidadãos. Coimbra: Coimbra, 1996.<br />

_____. Tomemos a sério a separação das igrejas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (Comentário ao<br />

acórdão <strong>do</strong> Tribunal Constitucional n.º 174/93). Revista <strong>do</strong> Ministério Público,<br />

n. 58, Lisboa, 1994.<br />

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Court of Human Rights. 2. ed. Manchester: Manchester University Press, 1995.<br />

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Routledge, 2017.<br />

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PROCTOR, James D. Science, Religion, and the Human Experience. Oxford:<br />

Oxford University Press, 2005.<br />

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Press, 2012.<br />

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Publishers, 1995.<br />

ZUCCA, Lorenzo; UNGUREANU, Camil. Law, State and Religion in the New<br />

Europe. Debates and Dilemmas. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.<br />

146


JUSTIÇA RESTAURATIVA NO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA<br />

A MULHER: ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA LUSO-BRASILEIRA.<br />

RESUMO<br />

JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so<br />

Pós-<strong>do</strong>utor em Ciências Criminais<br />

t_allisson@hotmail.com<br />

FERREIRA, Amanda Passos<br />

Graduanda em Direito<br />

amandapassosferreira@gmail.com<br />

PAIXÃO, Hilza Maria Feitosa<br />

Especialista em Direito Processual Civil<br />

Hilzapaixao@yahoo.com.br<br />

O estu<strong>do</strong> trata da aplicação da justiça restaurativa aos casos <strong>de</strong> violência<br />

<strong>do</strong>méstica conjugal. Versan<strong>do</strong> sobre os aspectos históricos e culturais da<br />

violência contra a mulher e os crescentes da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> violência,<br />

<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> Brasil e Portugal, ten<strong>do</strong> em vista que no Brasil a violência <strong>do</strong>méstica<br />

é uma das causas <strong>do</strong> feminicidio, todavia esperava-se que esses casos viessem<br />

a diminuir com o advento da Lei Maria da Penha. Preten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>monstrar que a<br />

resolução da violência contra a mulher não está limitada a seara <strong>do</strong> direito pelos<br />

diversos aspectos psicodinâmicos presentes no que tange a relação homem e<br />

mulher. Dissertou-se acerca da Justiça Restaurativa que por meio <strong>do</strong><br />

consentimento das partes utilizan<strong>do</strong> o diálogo, visa sanar o conflito geran<strong>do</strong> nas<br />

partes conscientização sem excluir a culpabilida<strong>de</strong> ou a punição penal,<br />

pon<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> papel da Justiça Restaurativa e seus resulta<strong>do</strong>s no Brasil<br />

e Portugal. Por fim buscou-se constatar que a ausência <strong>de</strong> uma intervenção<br />

diferenciada para a violência <strong>do</strong>méstica e contra a mulher, levan<strong>do</strong> em<br />

consi<strong>de</strong>ração a ineficácia <strong>do</strong> tratamento dispensa<strong>do</strong> no âmbito da Justiça<br />

Criminal, tanto no Brasil como Portugal, o que acarreta na insatisfação das<br />

vítimas com o sistema. Analisa-se <strong>de</strong>sta forma, as práticas restaurativas como<br />

maneira <strong>de</strong> resolução da violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher em que se<br />

encontra argumentos e posicionamentos favoráveis a este méto<strong>do</strong>. Por<br />

conseguinte, conclui-se que há espaço no Brasil e Portugal para implementá-la.<br />

147


Palavras-chave: Violência Doméstica; Justiça Restaurativa; Portugal; Brasil.<br />

ABSTRACT<br />

The research talk about the application of restorative justice to cases of spousal<br />

abuse. Dealing with historical and cultural aspects about violence against<br />

women and the rising data of report highlighting countries such as Brazil and<br />

Portugal, consi<strong>de</strong>ring that in Brazil <strong>do</strong>mestic violence is one of the causes of<br />

femici<strong>de</strong>, however it was expected that these cases would <strong>de</strong>crease with the<br />

advent of the Maria da Penha Law. It is inten<strong>de</strong>d to <strong>de</strong>monstrate that the<br />

resolution of violence against women is not limited to the área of law by the<br />

various psychodynamic aspects present in what involve the relation to man and<br />

woman It was said about the Restorative Justice which, through the consent of<br />

the parties using the conversation, aims to heal the conflict generating in the<br />

parties awareness without excluding guilt or criminal punishment, pon<strong>de</strong>ring<br />

about Restorative Justice and its results in Brazil and Portugal. Lastly it was<br />

sought to verify the absence of differentiated intervention for <strong>do</strong>mestic violence,<br />

taking into account the inefficacy of the treatment provi<strong>de</strong>d in the Criminal Justice<br />

both in Brazil and Portugal, wich result in the dissatisfaction of the victims with<br />

the justice system. Analyzed in this way, the restorative practices as a way of<br />

solving <strong>do</strong>mestic violence against women in which arguments and positions are<br />

favorable to this method. Therefore it is conclu<strong>de</strong>d that there is space in Brazil<br />

and Portugal to implement it.<br />

Keywords: Spousal Abuse; Restorative Justice; Portugal; Brazil.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A violência <strong>do</strong>méstica é apresentada como um fato complexo envolto em<br />

efeitos negativos no âmbito social. Deste mo<strong>do</strong> esta pesquisa almeja analisar a<br />

viabilida<strong>de</strong> da justiça restaurativa como via a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> tutela penal aos casos<br />

<strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica e familiar, fazen<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> da violência <strong>do</strong>méstica e a<br />

urgência <strong>de</strong> novas ferramentas que possibilitem a eficácia na tentativa <strong>de</strong><br />

148


solução da li<strong>de</strong>, obten<strong>do</strong> uma resposta assertiva aos direitos e interesses da<br />

mulher vítima <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito.<br />

A Justiça Restaurativa representa uma nova lente para a resolução <strong>do</strong>s<br />

litígios na esfera criminal, da<strong>do</strong> que o ser humano em sua complexida<strong>de</strong> possui<br />

peculiarida<strong>de</strong>s e particularida<strong>de</strong>s que o difere uns <strong>do</strong>s outros, portanto o conflito<br />

faz parte da socieda<strong>de</strong>, contu<strong>do</strong> é necessário implementar meios que não<br />

somente solucionem o litigio, mas que busque promover a cultura <strong>do</strong> diálogo e<br />

paz, uma vez que a cultura da sentença é ineficaz na maioria <strong>do</strong>s casos.<br />

Levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração as semelhanças entre vários aspectos <strong>do</strong><br />

sistema jurídico a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> no Brasil e em Portugal, é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> proveito o estu<strong>do</strong><br />

comparativo acerca das diferenças entre a implementação da Justiça<br />

Restaurativa em ambos, da<strong>do</strong> que a violência <strong>do</strong>méstica é um problema mundial<br />

e infelizmente nenhum país está isento <strong>de</strong> presenciá-la em seu âmbito social.<br />

Desta forma, urge tratar da importância da Justiça Restaurativa, analisan<strong>do</strong> a<br />

implementação <strong>do</strong>s círculos <strong>de</strong> restaurativismo e paz nos tribunais brasileiros<br />

bem como no judiciário português.<br />

OBJETIVOS<br />

Este estu<strong>do</strong> buscou pon<strong>de</strong>rar a respeito da possibilida<strong>de</strong> da aplicação da<br />

Justiça Restaurativa no tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> violência <strong>do</strong>méstica<br />

contra a mulher, analisan<strong>do</strong> e comparan<strong>do</strong> os parâmetros legislativos e<br />

judiciários <strong>de</strong> Portugal e <strong>do</strong> Brasil, pautan<strong>do</strong>-se nos princípios e diretrizes <strong>do</strong><br />

restaurativismo. Cujos objetivos específicos são: analisar historicamente o<br />

posicionamento da mulher na socieda<strong>de</strong>; averiguar os princípios das práticas<br />

restaurativas ante o combate da violência contra a mulher e <strong>de</strong>monstrar a<br />

ineficácia <strong>do</strong> aprisionamento <strong>do</strong> agressor, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração os anseios<br />

das vítimas, analisar a legislação luso-brasileira no que diz respeito a violência<br />

contra a mulher e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementação das práticas restaurativas<br />

no tratar da questão.<br />

149


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça (CNJ) conceitua que a Justiça restaurativa é<br />

uma técnica <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflito e violência que se orienta pela criativida<strong>de</strong> e<br />

sensibilida<strong>de</strong> a partir da escuta <strong>do</strong>s ofensores e das vítimas. O professor<br />

Damásio <strong>de</strong> Jesus explica que na seara criminal a justiça restaurativa é um<br />

processo colaborativo em que as partes, agressor e vítima, afetadas mais<br />

diretamente por um crime, <strong>de</strong>terminam a melhor forma <strong>de</strong> reparar o dano<br />

causa<strong>do</strong> pela transgressão.<br />

Segun<strong>do</strong> Pallamolla “O processo <strong>de</strong> mediação entre vítima-ofensor visa<br />

possibilitar que estes implica<strong>do</strong>s encontrem-se num ambiente seguro,<br />

estrutura<strong>do</strong> e capaz <strong>de</strong> facilitar o diálogo.” Da<strong>do</strong> que a violência geralmente é<br />

gerada pela falta <strong>do</strong> diálogo.<br />

No que tange o conflito, Buber trata que a relação eu-tu, rompe com os<br />

paradigmas <strong>do</strong> olhar redutivo e analítico <strong>do</strong> homem, em que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

termina por diluir as relações interpessoais, ten<strong>do</strong> em vista que o diálogo na<br />

prática restaurativa coloca em questão a totalida<strong>de</strong> da pessoa, sen<strong>do</strong> possível<br />

perceber o outro a sua frente. O vicioso círculo <strong>do</strong>s conflitos tem origem na falta<br />

<strong>de</strong> diálogo, que se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong> forma negativa com ausência <strong>de</strong> empatia e<br />

<strong>de</strong>sprezo pelas necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> próximo. Desta forma, observa-se o po<strong>de</strong>r <strong>do</strong><br />

diálogo frente o combate à violência <strong>do</strong>méstica. Andréa Ribeiro dispõe que a<br />

mediação criminal é o mecanismo mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para o refazimento <strong>do</strong> elo<br />

rompi<strong>do</strong> com a prática <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito para que as partes possam por meio <strong>do</strong> diálogo,<br />

superar a origem <strong>do</strong> <strong>de</strong>lito.<br />

Marília Montenegro trata que “no processo <strong>de</strong> criminalização, não se atentou a<br />

uma questão peculiar <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> violência conjugal: o vínculo que há entre o<br />

autor da agressão e a ofendida”. As práticas restaurativas nos conflitos <strong>de</strong><br />

violência <strong>do</strong>méstica, aumentam as chances das mulheres vítimas <strong>de</strong> violência<br />

<strong>do</strong>méstica buscarem ajuda, da<strong>do</strong> que permite que a mulher seja realmente<br />

escutada e <strong>de</strong>monstre seus interesses, além <strong>de</strong> contribuir para que ela possa<br />

compreen<strong>de</strong>r sobre o fato criminoso.<br />

Em Portugal a violência <strong>do</strong>méstica foi i<strong>de</strong>ntificada como um problema social a<br />

partir da década <strong>de</strong> oitenta, apesar <strong>de</strong> ser um assunto antigo, passou a ter<br />

150


visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a atuação <strong>de</strong> algumas organizações não governamentais<br />

como a APAV- Associação Portuguesa <strong>de</strong> Apoio à Vítima, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> país<br />

não possuir até então legislação específica <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> problema.<br />

Lamentavelmente a violência <strong>do</strong>méstica está presente em muitos lares, sen<strong>do</strong><br />

consi<strong>de</strong>rada um fenômeno complexo e mundial, embora alguns países possuam<br />

mais <strong>de</strong>staque no que concerne a legislação, medidas protetivas e políticas <strong>de</strong><br />

atuação e combate como o Brasil, que tem a lei Maria da Penha e a tipificação<br />

<strong>do</strong> crime <strong>de</strong> feminicidio. Enquanto outros países a exemplo da Rússia que<br />

<strong>de</strong>scriminalizou a violência <strong>de</strong> gênero e muitos outros países da Ásia em que<br />

não se pune o estupro ocorri<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> casamento.<br />

Em relação ao Brasil, Cesar Barros fala que “Fazemos referência a uma prática<br />

<strong>de</strong> justiça muito diferente <strong>do</strong>s padrões ordinários da justiça penal, esta <strong>de</strong> corte<br />

nitidamente dissuasório, retributivo-punitivo, baseada no excesso <strong>de</strong><br />

formalismos, na estrita legalida<strong>de</strong>, e uma relação traumática, adversarial, por<br />

vezes hostil, marcada pelo distanciamento, cujos atores principais são estatais<br />

– polícia, promotor <strong>de</strong> justiça e juiz – já que o <strong>de</strong>lito é visto, num bipolar, como<br />

uma <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> autor-Esta<strong>do</strong>, id est, como uma ofensa contra o Esta<strong>do</strong>.”<br />

No sistema retributivo as penas po<strong>de</strong>m ser reduzidas em excluir a pessoa da<br />

socieda<strong>de</strong>, não permitin<strong>do</strong> que ela evi<strong>de</strong>ncie as condições expostas e os<br />

motivos. Acredita-se que a ciência mo<strong>de</strong>rna reduz a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser, ao<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada indivíduo, <strong>de</strong>limitan<strong>do</strong>-o em conceitos<br />

pré-<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s.<br />

Um <strong>do</strong>s valores que norteiam a Justiça Restaurativa é a não <strong>do</strong>minação, <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com Raffaella Pallamolla, que dispõe acerca <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> o procedimento<br />

estar organiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma a minimizar as diferenças e as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais,<br />

culturais e históricas, no momento <strong>do</strong> encontro entre atingi<strong>do</strong>s pelo conflito penal.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Com base na sociologia reflexiva em Bourdieu e Foucault, a pesquisa<br />

possui caráter exploratório, <strong>de</strong> abordagem qualitativa e quantitativa, com uso <strong>de</strong><br />

técnicas <strong>de</strong> pesquisa bibliográfica e <strong>do</strong>cumental bem como análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong><br />

151


e <strong>do</strong> discurso, almejan<strong>do</strong> construir as relações que contribuam para as<br />

discussões <strong>do</strong> problema <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

É <strong>de</strong> suma importância ressaltar que a Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral – STF, a Ministra Carmén Lúcia, posicionou-se favorável à Justiça<br />

Restaurativa no enfretamento à violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher que <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com ela “consiste em uma técnica que busca os anseios das vítimas e<br />

<strong>do</strong>s agressores”. O que <strong>de</strong>monstra que o judiciário está aberto a mudanças que<br />

sejam em prol <strong>do</strong> bem comum.<br />

No Brasil foi feita uma pesquisa em que reúne as experiências em relação<br />

as práticas restaurativas, <strong>de</strong>ntre as quais <strong>de</strong>staca-se o Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, Vera<br />

Regina dispõe que no Juiza<strong>do</strong> da Paz Doméstica, que recebe os conflitos<br />

familiares e <strong>do</strong>mésticos provenientes da Delegacia da Mulher, a audiência <strong>de</strong><br />

acolhimento e <strong>de</strong> verificação <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> medida protetiva (para os casos em<br />

que há pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> medida protetiva) constitui o principal momento para avaliação<br />

e seleção das situações que serão encaminhadas ao CEJUSC – Central<br />

restaurativa. Os casos seleciona<strong>do</strong>s para serem enfrenta<strong>do</strong>s por meio das<br />

práticas restaurativas são <strong>de</strong> maneira geral consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> baixa gravida<strong>de</strong> e<br />

entre pessoas com vínculos afetivos ou relações continuadas.<br />

Em Novo Hamburgo são realiza<strong>do</strong>s Círculos <strong>de</strong> Fortalecimento e <strong>de</strong><br />

Resgate da Autoestima, Círculos Conflituosos (com a participação da vítima, <strong>do</strong><br />

ofensor e <strong>do</strong>s familiares) e Grupos Reflexivos <strong>de</strong> Gênero. Durante entrevista com<br />

a juíza e a advogada que atuam no grupo focal estas <strong>de</strong>stacaram que as vítimas<br />

chegam <strong>de</strong> maneira totalmente passiva sem capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reação e saem <strong>do</strong><br />

procedimento com <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> suas vidas e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir <strong>de</strong>cisões<br />

futuras.<br />

O programa <strong>de</strong> mediação vítima-infrator e justiça restaurativa <strong>de</strong> Portugal<br />

é um projeto <strong>de</strong> pesquisa e investigação <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pela Escola <strong>de</strong><br />

Criminologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto, o qual o serviço <strong>de</strong><br />

mediação era presta<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma gratuita para os participantes e para o Ministério<br />

<strong>de</strong> Justiça. De acor<strong>do</strong> com os da<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s casos<br />

152


encaminha<strong>do</strong>s referia-se a crimes contra as pessoas, apenas <strong>de</strong>z <strong>de</strong> sessenta e<br />

oito casos os envolvi<strong>do</strong>s não se conheciam anteriormente ao fato, nos <strong>de</strong>mais<br />

casos a vítima e o infrator eram vizinhos, colegas ou tinham ligações familiares,<br />

as motivações em sua maioria eram oriundas <strong>de</strong> uma longa história <strong>de</strong> conflitos.<br />

Os resulta<strong>do</strong>s foram encoraja<strong>do</strong>res visto que to<strong>do</strong>s terminaram com a retirada<br />

da queixa.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Em face da ineficácia <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo penal tradicional no que<br />

tange ao tratar da violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher, surge o mo<strong>de</strong>lo<br />

restaurativo <strong>de</strong> justiça como uma opção para a solução <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> litigio, se<br />

assim as partes <strong>de</strong>sejarem.<br />

A<strong>de</strong>mais quan<strong>do</strong> uma mulher é agredida a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral se<br />

volta a punição e o encarceramento <strong>do</strong> homem, o restaurativismo tem se<br />

mostra<strong>do</strong> uma abordagem mais a<strong>de</strong>quada para sanar os conflitos <strong>de</strong> violência<br />

contra a mulher e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m familiar. A Justiça Restaurativa se preocupa com as<br />

necessida<strong>de</strong>s das vítimas possibilitan<strong>do</strong> a estas o envolvimento com o processo<br />

e amplian<strong>do</strong> sua participação no mesmo, com um olhar humano <strong>de</strong>mocrático, as<br />

práticas restaurativas não se limitam ao direito penal tradicional para alcançar<br />

resulta<strong>do</strong>s efetivos.<br />

Ten<strong>do</strong> em vista que a exclusão social <strong>do</strong> agressor apenas alimenta a<br />

alienação social <strong>do</strong> mesmo e sustenta o ciclo <strong>de</strong> violência, conclui-se portanto<br />

que é possível aplicar a Justiça Restaurativa em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s casos <strong>de</strong><br />

violência <strong>do</strong>méstica contra a mulher, contu<strong>do</strong> sen<strong>do</strong> utilizada como complemento<br />

e não como substitutiva <strong>do</strong> processo penal.<br />

Em um cenário <strong>de</strong> crescentes da<strong>do</strong>s estatísticos <strong>de</strong> violência contra a<br />

mulher, <strong>de</strong>sponta a justiça restaurativa como um mecanismo que sonda as<br />

necessida<strong>de</strong>s da vítima, mediante seus princípios, valores e técnicas, reputan<strong>do</strong><br />

como finalida<strong>de</strong> teleológica a pacificação social, além disso é por meio <strong>do</strong><br />

empo<strong>de</strong>ramento que a vítima consegue alcançar sua emancipação e superação<br />

<strong>do</strong> <strong>de</strong>lito se retiran<strong>do</strong> da estigmatização da consequência <strong>do</strong> crime.<br />

153


REFERÊNCIAS<br />

APAV – Associação Portuguesa <strong>de</strong> Apoio à Vítima (2018), “Estatísticas 2017,<br />

1º semestre.<br />

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Tradução: Kuhner, Maria Helena.<br />

7. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.<br />

BUBER, Martin. Do diálogo e <strong>do</strong> dialógico. Tradução Marta Ekstein <strong>de</strong> Souza<br />

Queiroz e Regina Weinberg. São Paulo: Perspectiva, 2009.<br />

LEAL, César Barros. Justiça Restaurativa amanhecer <strong>de</strong> uma era: aplicação<br />

em prisões e centros <strong>de</strong> internação <strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescentes infratores. Curitiba: Juruá,<br />

2014.<br />

PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. A justiça restaurativa da teoria à<br />

prática. 1ª ed. São Paulo: IBCCRIM, 2009.<br />

SANTA CATARINA. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça. Relatório Analítico Propositivo. Justiça Pesquisa, <strong>Direitos</strong> e<br />

Garantias Fundamentais - PILOTANDO A JUSTIÇA RESTAURATIVA: O<br />

PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO. (2018) Florianópolis.<br />

ZEHR, Howard. Trocan<strong>do</strong> as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça.<br />

Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena, 2008.<br />

154


RESUMO<br />

A ALIENAÇÃO PARENTAL E O NOVO REGIME JURÍDICO NO<br />

CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES<br />

SOEIRO DE CARVALHO, Ana Branca<br />

Doutoramento<br />

acarvalho@estgl.ipv.pt<br />

BONITO, Álvaro<br />

Mestre<br />

abonito@estgl.ipv.pt<br />

GOMES, Jacinto<br />

Especialista<br />

jgomes@estgl.ipv.pt<br />

A Alienação Parental é, na atualida<strong>de</strong>, um <strong>do</strong>s maiores problemas relaciona<strong>do</strong>s<br />

com o direito <strong>de</strong> família. O seu novo regime jurídico visa dar orientação e solução<br />

para o caos nas relações familiares e, consequentemente, evitar que sejam<br />

postos em causa direitos fundamentais. Com este trabalho, tentámos abordar<br />

uma questão socialmente disruptiva e legalmente relevante. Tal ocorre porque<br />

se tenta articular o "interesse superior <strong>do</strong> menor" e sua coexistência na e com a<br />

estrutura familiar.<br />

Em termos meto<strong>do</strong>lógicos neste trabalho <strong>de</strong> carácter humanistico interpretativo<br />

com base qualitativa foi feita análise <strong>do</strong>cumental com base legislativa e<br />

jurispru<strong>de</strong>ncial, procuran<strong>do</strong> recolher informação sobre o que existe e <strong>do</strong> que<br />

<strong>de</strong>ve ser trata<strong>do</strong>, nessa área tão sensível da socieda<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />

Está estrutura<strong>do</strong> em 3 partes - uma introdução, uma análise conceitual e a<br />

conclusão.<br />

Desta forma, to<strong>do</strong>s os casos em que a situação familiar vai além <strong>do</strong> que é<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> “normal”, precisa <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada e regulada para não criar<br />

comportamentos <strong>de</strong>sviantes e graves, sen<strong>do</strong> exemplo disso o questionar, pelos<br />

progenitores, o <strong>de</strong>senvolvimento físico, psicológico e moral <strong>do</strong>s filhos, ou seja,<br />

quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> alguma forma os colocam em perigo ou os põem em perigo.<br />

Palavras-chaves: Alienação parental, criança, família, responsabilida<strong>de</strong>s<br />

parentais<br />

155


ABSTRACT<br />

Parental Alienation is, at present, one of the biggest problems related to family<br />

law. Its new legal framework aims to provi<strong>de</strong> guidance and a solution to the chaos<br />

in family relations and, as a consequence, to avoid fundamental rights being<br />

called into question. With this work, we have attempted to address a socially<br />

disruptive and legally relevant issue. This is because it attempts to articulate the<br />

"best interests of the minor" and their coexistence in and with the family structure.<br />

In metho<strong>do</strong>logical terms, in this work of a humanistic and interpretative nature on<br />

a qualitative basis, a <strong>do</strong>cumentary analysis was carried out with legislative and<br />

jurispru<strong>de</strong>ntial basis, seeking to collect information on what exists and what<br />

should be treated in this sensitive area of society and human rights.<br />

It is structured in 3 parts - an introduction, a conceptual analysis and the<br />

conclusion.<br />

In this way, all cases in which the family situation goes beyond what is consi<strong>de</strong>red<br />

"normal", needs to be consi<strong>de</strong>red and regulated so as not to create <strong>de</strong>viant and<br />

serious behaviors, such as the questioning of parents' physical, psychological<br />

and morality of their children, that is, when they somehow put them in danger or<br />

put them in danger.<br />

Keywords: Parental Alienation, child, family, parental responsibilities<br />

INTRODUÇÃO<br />

O direito, nas suas múltiplas áreas, tem ti<strong>do</strong> um papel relevante em termos<br />

sociais, isto porque vem a acompanhar as mutações e alterações que têm<br />

ocorri<strong>do</strong> na socieda<strong>de</strong>.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a nossa Constituição da República Portuguesa até<br />

aos novos diplomas jurídicos, o princípio da igualda<strong>de</strong> tem vin<strong>do</strong> a ser, cada vez<br />

mais, acentua<strong>do</strong> e, por isso, existe, neste momento, uma temática que urge<br />

analisar, por ser pouco tratada, em termos legislativos e jurispru<strong>de</strong>nciais.<br />

Assim, tentamos, com este trabalho, abordar um tema socialmente<br />

fraturante e juridicamente relevante porque põe em causa o “superior interesse<br />

<strong>do</strong> menor” e a sua convivência na e com a estrutura familiar.<br />

156


A nossa investigação incidirá essencialmente sobre a importância que o<br />

exercício das responsabilida<strong>de</strong>s parentais tem para a formação <strong>do</strong> menor e para<br />

a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> seu superior interesse, bem como a influência que po<strong>de</strong> ter no futuro,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> nós à partida, quanto à guarda, um regime-regra, por vezes diferente<br />

<strong>do</strong> instituí<strong>do</strong>, por consi<strong>de</strong>rarmos ser o que melhor protege os direitos das<br />

crianças e jovens quan<strong>do</strong> os progenitores não coabitam pois é aí que é<br />

necessário regular o seu relacionamento, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parâmetros que na nossa<br />

socieda<strong>de</strong> são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s normais.<br />

Ficam <strong>de</strong> fora, por específicos, to<strong>do</strong>s os casos em que a situação familiar<br />

foge ao que é o consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> normal, como por exemplo acontece quan<strong>do</strong><br />

qualquer <strong>do</strong>s progenitores põe em causa o são <strong>de</strong>senvolvimento físico, psíquico<br />

e moral <strong>do</strong>s filhos, i.e., quan<strong>do</strong>, por alguma forma, os põe em risco ou em perigo.<br />

De referir que as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>ssas situações exige<br />

que sejam objeto <strong>de</strong> tratamento diferencia<strong>do</strong> porque como se costuma dizer em<br />

direito, “cada caso é um caso”. Em Portugal também se tem discuti<strong>do</strong> o problema<br />

da alienação parental na <strong>do</strong>utrina. Utilizan<strong>do</strong> aqui a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> José Manuel<br />

Aguilar (2008),<br />

“O Síndrome <strong>de</strong> Alienação Parental (que passará a ser <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> por<br />

SAP) é um distúrbio caracteriza<strong>do</strong> pelo conjunto <strong>de</strong> sintomas<br />

resultantes <strong>do</strong> processo pelo qual um progenitor transforma a<br />

consciência <strong>do</strong>s seus filhos, mediante diferentes estratégias, com o<br />

objectivo <strong>de</strong> impedir, obstaculizar ou <strong>de</strong>struir os seus vínculos com o<br />

outro progenitor, até a tornar contraditória em relação ao que <strong>de</strong>via<br />

esperar-se da sua condição” [3] [4].<br />

Como se disse, apesar <strong>de</strong> não existir este crime tipifica<strong>do</strong> na lei, a verda<strong>de</strong><br />

é que a acusação <strong>de</strong> alienação parental tem si<strong>do</strong> uma arma muitas vezes usada<br />

pelos agressores para continuar a praticar os crimes que levaram a cabo durante<br />

a relação conjugal, o que leva a que se encontrem, muitas vezes, mais próximos<br />

<strong>do</strong>s ofendi<strong>do</strong>s ou, outras vezes, tu<strong>do</strong> fazen<strong>do</strong> para que a resolução <strong>do</strong>s<br />

processos se protele no tempo. Mas a conclusão que se tira sempre no final é<br />

que os prejudica<strong>do</strong>s são sempre aqueles que menos proteção têm e que são os<br />

filhos, que se veem envolvi<strong>do</strong>s nas “guerras” entre os pais, sen<strong>do</strong>, muitas vezes,<br />

leva<strong>do</strong>s a tomar parti<strong>do</strong> por um ou outro, mesmo contra a sua vonta<strong>de</strong>.<br />

Por isso, facilmente po<strong>de</strong>mos concluir que a verificação <strong>de</strong> uma situação<br />

<strong>de</strong> alienação parental apenas terá importância e <strong>de</strong>verá ser apreciada,<br />

157


principalmente quan<strong>do</strong> existe uma regulação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s parentais,<br />

porque aí será importante saber a quem se confia a guarda <strong>do</strong> menor e que<br />

competência tem esse progenitor para permitir e fomentar o contacto com o<br />

outro, sem que se <strong>de</strong>ixe influenciar pelas questões, muitas vezes mal resolvidas,<br />

entre ambos.<br />

A problemática da alienação parental surge, normalmente, quan<strong>do</strong> os<br />

progenitores se separam e fica a existir entre eles alguma animosida<strong>de</strong> que não<br />

conseguem resolver, passan<strong>do</strong>, por isso, a utilizar as crianças como “armas <strong>de</strong><br />

arremesso” com o objetivo principal <strong>de</strong> o atingir, provocan<strong>do</strong>-lhe o maior dano<br />

possível.<br />

Como dissemos, os tribunais não reconhecem a existência <strong>do</strong> conceito<br />

como sen<strong>do</strong> uma <strong>do</strong>ença, até porque a comunida<strong>de</strong> médica também não<br />

reconhece, mas aceitam que existem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s comportamentos pratica<strong>do</strong>s<br />

pelos progenitores que põem em causa o superior interesse da criança e refletem<br />

isso nas suas <strong>de</strong>cisões.<br />

Para isso os tribunais têm <strong>de</strong> trabalhar em estreita colaboração com as<br />

equipas multidisciplinares <strong>de</strong> especialistas que avaliam os intervenientes, seja<br />

um psicólogo ou um psiquiatra ou os assistentes sociais, para que a <strong>de</strong>cisão<br />

proteja a criança. Significa isto que aquela <strong>de</strong>cisão, mais <strong>do</strong> que servir para punir<br />

os progenitores, <strong>de</strong>ve ter em conta o interesse da criança e <strong>de</strong>cidir <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />

com ele.<br />

OBJETIVOS<br />

Definimos como principal objetivo <strong>de</strong>ste estu<strong>do</strong> - compreen<strong>de</strong>r o conceito<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s parentais e sua importância nas relações familiares.<br />

A questão <strong>de</strong> partida que orientará este estu<strong>do</strong> será: De que forma a<br />

Alienação Parental explica a aplicação <strong>do</strong> novo regime jurídico ao conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

relações familiares?<br />

Como objetivos centrais <strong>do</strong> nosso trabalho, <strong>de</strong> forma a conseguirmos<br />

respon<strong>de</strong>r à questão <strong>de</strong> partida, <strong>de</strong>finimos os seguintes:<br />

1. Pereceber o que é responsabilida<strong>de</strong> parental;<br />

2. Analisar o conceito, exercício e inibição ou exclusão;<br />

158


3. Descrever a importância da implementação integrada <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres e<br />

direitos nos atos <strong>do</strong> dia a dia, nas relações familiares e em sua importância em<br />

termos legais.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Quan<strong>do</strong> o legisla<strong>do</strong>r português acolheu a <strong>de</strong>signação responsabilida<strong>de</strong>s<br />

parentais, aparentemente a<strong>de</strong>riu a esta <strong>de</strong>nominação internacionalmente<br />

a<strong>do</strong>ptada e que representa, simbolicamente, um <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> eixo <strong>do</strong><br />

conceito da vertente das faculda<strong>de</strong>s para a vertente das obrigações.<br />

Ao substituir a <strong>de</strong>signação po<strong>de</strong>r paternal pelo conceito <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>s parentais muda-se o centro <strong>de</strong> atenção: ele passa a estar,<br />

não naquele que <strong>de</strong>tém o “po<strong>de</strong>r” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos<br />

direitos se querem salvaguardar, ou seja, as crianças. (Lei nº 61/2008)<br />

Face às necessida<strong>de</strong>s atuais relacionadas com o direito da família, urge<br />

analisar questões que põem em causa os direitos fundamentais.<br />

A alienação parental consiste, hoje, na tentativa <strong>de</strong> um progenitor impedir<br />

que o outro tenha contacto com a criança, pon<strong>do</strong> em causa o seu superior<br />

interesse.<br />

Essa tentativa tem um leque alarga<strong>do</strong> <strong>de</strong> atuações graves até ao expoente<br />

máximo, que é o que existe hoje, da <strong>de</strong>núncia da prática <strong>de</strong> atos hedion<strong>do</strong>s,<br />

sen<strong>do</strong> crimes públicos, <strong>de</strong> maus tratos, abuso sexual, rapto parental, que marca<br />

o outro progenitor para toda a vida.<br />

Quan<strong>do</strong> não se consegue por outra forma, acusa-se o outro progenitor,<br />

saben<strong>do</strong> que este tem <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, com base, muitas vezes, em falsos<br />

pressupostos.<br />

Verifica-se, <strong>de</strong>pois, que muitos casos são arquiva<strong>do</strong>s logo no inquérito, na<br />

primeira fase da recolha <strong>de</strong> prova, já que se verifica não existirem sequer indícios<br />

da prática <strong>de</strong> crime mas, no entanto, o “rótulo” já está lá posto (vi<strong>de</strong> Código Penal<br />

e Processual Penal).<br />

A Síndrome <strong>de</strong> Alienação Parental (SAP) não é, ainda, reconhecida como<br />

uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m pelas comunida<strong>de</strong>s médica e jurídica e a teoria <strong>de</strong> Gardner<br />

(1998), assim como pesquisas relacionadas com ela, têm si<strong>do</strong> amplamente<br />

159


criticadas por estudiosos <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, que alegam falta <strong>de</strong><br />

valida<strong>de</strong> científica e fiabilida<strong>de</strong>. No entanto, o conceito distinto, porém<br />

relaciona<strong>do</strong>, <strong>de</strong> alienação parental - isto é, o estranhamento <strong>de</strong> uma criança por<br />

um <strong>do</strong>s pais - é reconheci<strong>do</strong> como uma dinâmica em algumas famílias durante<br />

o divórcio.<br />

Gardner (1998) <strong>de</strong>screveu a SAP como uma preocupação por parte da<br />

criança com a crítica e <strong>de</strong>saprovação <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s pais, afirman<strong>do</strong> que no contexto<br />

<strong>de</strong> disputas da custódia da criança, quan<strong>do</strong> um progenitor - <strong>de</strong>liberada ou<br />

inconscientemente - tenta afastar a criança <strong>do</strong> outro, implica um conjunto <strong>de</strong> oito<br />

sintomas que aparecem na criança. Estes incluem:<br />

- Campanha <strong>de</strong> difamação e ódio contra o progenitor-alvo;<br />

- Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para justificar esta<br />

<strong>de</strong>preciação e ódio;<br />

- Falta da ambivalência usual sobre o progenitor-alvo;<br />

- Afirmações fortes <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> rejeitar o pai ou a mãe é só <strong>de</strong>la<br />

(fenómeno "pensa<strong>do</strong>r in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte");<br />

- Apoio ao progenitor favoreci<strong>do</strong> no conflito;<br />

- Falta <strong>de</strong> culpa quanto ao tratamento da<strong>do</strong> ao progenitor aliena<strong>do</strong>;<br />

- Uso <strong>de</strong> situações e frases emprestadas <strong>do</strong> pai/mãe alienantes; e<br />

- Difamação não apenas <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s progenitores, mas direcionada<br />

também para a família e os amigos <strong>do</strong>s mesmos.<br />

Apesar <strong>de</strong> frequentes citações <strong>de</strong>sses fatores na literatura científica, "o<br />

valor atribuí<strong>do</strong> a eles ainda não foi explora<strong>do</strong> com profissionais da área <strong>do</strong><br />

direito".<br />

Ao longo <strong>do</strong> século XX, o conceito <strong>de</strong> criança foi-se modifican<strong>do</strong>. A criança<br />

alcançou um estatuto <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong> que nunca atingira anteriormente. Do<br />

mesmo mo<strong>do</strong>, aprofun<strong>do</strong>u-se a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “risco” como elemento essencial que<br />

torna a criança <strong>de</strong>sigual perante <strong>de</strong>terminadas circunstâncias, necessitan<strong>do</strong> da<br />

proteção da própria socieda<strong>de</strong> em que está inserida.<br />

Neste contexto surgiram as instituições <strong>de</strong> proteção à infância, bem como<br />

um conjunto <strong>de</strong> diplomas legais, que muitas vezes não foram eficazes, com o<br />

objetivo <strong>de</strong> incluir a criança em situação <strong>de</strong> perigo na socieda<strong>de</strong>, dan<strong>do</strong>-lhe<br />

160


utilida<strong>de</strong>. Assim, a Proteção à Infância, através da criação da Lei <strong>de</strong> Proteção<br />

<strong>de</strong> Crianças e Jovens em Perigo, constituiu um contributo assinalável no<br />

contexto nacional e europeu.<br />

A Organização Tutelar <strong>de</strong> Menores começou a ser criada no Esta<strong>do</strong> Novo,<br />

em 1962, com a criação <strong>do</strong> Decreto-Lei 44288/1962, <strong>de</strong> 20/04.<br />

Todavia, será já na era <strong>do</strong> Portugal Democrático, enquadra<strong>do</strong> por<br />

princípios europeus, que a criança alcança um reconhecimento social e legal que<br />

outrora dificilmente a socieda<strong>de</strong> assumiria. A criança <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser vista como<br />

um adulto “em ponto pequeno”, para passar a ser uma criança com direitos<br />

próprios da sua ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, por isso, assim ser tratada e respeitada.<br />

Portanto, tu<strong>do</strong> aquilo que acabamos <strong>de</strong> referir encontra a sua fundação<br />

na evolução das mentalida<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>s processos históricos.<br />

O sistema instaura<strong>do</strong> pela Lei <strong>de</strong> Proteção da Infância, além <strong>do</strong> seu<br />

alargamento à escala nacional em 1925, apenas foi objeto <strong>de</strong> reforma aquan<strong>do</strong><br />

da publicação da Organização Tutelar <strong>de</strong> Menores (OTM), em 1962. Este<br />

diploma atribuiu ao Ministério Público a função <strong>de</strong> representante das crianças e<br />

jovens, competin<strong>do</strong>-lhe velar e zelar pelos seus interesses. Foram introduzidas<br />

duas formas processuais <strong>de</strong> tratamento das questões, uma relativa a matérias<br />

<strong>de</strong> natureza penal-tutelar e outra para providências <strong>de</strong> natureza tutelar cível<br />

(Abreu et al, 2010).<br />

Na década <strong>de</strong> 40, cria-se a Organização Nacional <strong>de</strong> Defesa da Família,<br />

remo<strong>de</strong>lam-se e centralizam-se os serviços <strong>de</strong> assistência, conce<strong>de</strong>-se o abono<br />

<strong>de</strong> família às famílias mais necessitadas, criam-se benefícios materno-infantis e<br />

à infância em geral, cria-se o Instituto Maternal para a Infância e constitui-se o<br />

Instituto <strong>de</strong> Assistência aos Menores, fora da área <strong>de</strong> Lisboa, já que na capital<br />

tal função cabia à Casa Pia <strong>de</strong> Lisboa (Martins, 2006).<br />

A publicação <strong>do</strong> estatuto judiciário <strong>de</strong> 1944 alterou a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong><br />

Tutoria da Infância para Tribunal <strong>de</strong> Menores e em 1977 a Lei nº 82/77, introduziu<br />

profundas alterações à organização <strong>do</strong>s Tribunais Judiciais, levan<strong>do</strong> à divisão<br />

entre Tribunais <strong>de</strong> Menores e Tribunais <strong>de</strong> Família (Tomé, 2010).<br />

Refira-se ainda que Portugal ratificou, em 16 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2003, o Protocolo<br />

facultativo à Convenção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> da Criança relativo à venda <strong>de</strong> crianças,<br />

161


prostituição e pornografia infantis e a 19 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003, o Protocolo<br />

facultativo à Convenção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> da Criança relativo ao envolvimento <strong>de</strong><br />

crianças em conflitos arma<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> que ambos os protocolos foram a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000 (Reis, 2009).<br />

Assim, o ano <strong>de</strong> 1999 traz-nos a Lei Tutelar Educativa (Lei nº 166/99, <strong>de</strong><br />

14 <strong>de</strong> setembro) e a Lei <strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Crianças e Jovens em Perigo (Lei<br />

N.º147/99, <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> setembro), regulamentada em 2000 pelo Decreto-Lei nº 332-<br />

B/2000, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />

Em 2003, através da Lei nº 31/2003, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> agosto proce<strong>de</strong>-se à<br />

alteração ao Código Civil, à Lei <strong>de</strong> Proteção <strong>de</strong> Crianças e Jovens em Perigo, ao<br />

Decreto-Lei nº185/93, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> maio, à Organização Tutelar <strong>de</strong> Menores e ao<br />

Regime Jurídico da A<strong>do</strong>ção (Pacheco, 2010).<br />

Na sequência <strong>de</strong> uma prática <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 15 anos e quase outro tanto <strong>de</strong><br />

apelos a mudanças legislativas a esse respeito, através da Lei n.º 4/2015 <strong>de</strong> 15<br />

<strong>de</strong> janeiro, proce<strong>de</strong>u-se à primeira alteração à Lei Tutelar Educativa (Lei n.º<br />

166/99, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro), que se aplica a jovens com ida<strong>de</strong>s compreendidas<br />

entre os 12 e 16 anos que pratiquem atos que a lei qualifique como crime.<br />

Quan<strong>do</strong> o legisla<strong>do</strong>r português acolheu a <strong>de</strong>signação responsabilida<strong>de</strong>s<br />

parentais, aparentemente a<strong>de</strong>riu a esta <strong>de</strong>nominação internacionalmente<br />

a<strong>do</strong>tada e que representa, simbolicamente, um <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> eixo <strong>do</strong><br />

conceito da vertente das faculda<strong>de</strong>s para a vertente das obrigações.<br />

Ao substituir a <strong>de</strong>signação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r paternal pelo conceito <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>s parentais muda-se o centro <strong>de</strong> atenção: ele passa a estar,<br />

não naquele que <strong>de</strong>tém o “po<strong>de</strong>r” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos<br />

direitos se querem salvaguardar, ou seja, as crianças. (Lei nº 61/2008).<br />

Face às necessida<strong>de</strong>s atuais relacionadas com o direito da família, urge<br />

analisar questões que põem em causa os direitos fundamentais e uma <strong>de</strong>las é o<br />

conceito, novo, <strong>de</strong> alienação parental.<br />

A alienação parental consiste, hoje, na tentativa <strong>de</strong> um progenitor impedir,<br />

por qualquer forma, que o outro tenha contacto com a criança, pon<strong>do</strong> em causa<br />

o seu superior interesse.<br />

162


Essa tentativa tem um leque alarga<strong>do</strong> <strong>de</strong> atuações e comportamentos,<br />

muitas vezes graves, até ao expoente máximo que passa pela <strong>de</strong>núncia da<br />

prática <strong>de</strong> atos hedion<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s crimes públicos, tais como violência<br />

<strong>do</strong>méstica, maus tratos, abuso sexual e rapto parental, situações que marcam o<br />

outro progenitor para toda a vida.<br />

Quan<strong>do</strong> não se consegue por outra forma, acusa-se o outro progenitor,<br />

muitas vezes, com base em falsos pressupostos, saben<strong>do</strong> que este tem <strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, o que não é nada fácil, sen<strong>do</strong> que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>,<br />

a marca fica para sempre.<br />

Acontece, <strong>de</strong>pois, que muitos <strong>do</strong>s casos são arquiva<strong>do</strong>s logo no inquérito,<br />

na primeira fase da recolha <strong>de</strong> prova, já que se verifica não existirem sequer<br />

indícios da prática <strong>de</strong> crime mas, no entanto, o “rótulo” já está lá posto (vi<strong>de</strong><br />

Código Penal e Processual Penal).<br />

A questão da regulação <strong>do</strong> exercício das responsabilida<strong>de</strong>s parentais<br />

coloca-se quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> haver coabitação entre os progenitores pois, uma vez<br />

que ambos passam a residir em habitações diferentes, é necessário saber a<br />

quem é confiada a guarda <strong>do</strong> menor, ou seja, com quem é que o menor vai<br />

passar a viver, e aqui é que surgem, muitas vezes, os gran<strong>de</strong>s problemas.<br />

Hoje, o nosso or<strong>de</strong>namento jurídico faz prevalecer o princípio da<br />

igualda<strong>de</strong> entre os progenitores, o que vale por dizer que a criança tanto po<strong>de</strong><br />

ser confiada à mãe como ao pai, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> das condições <strong>de</strong> cada um para a<br />

ter consigo, mas nem sempre foi assim.<br />

A nossa legislação sobre esta matéria tem vin<strong>do</strong> a evoluir, tal como a<br />

socieda<strong>de</strong>, e a verda<strong>de</strong> é que não há outra matéria em direito, a não ser o direito<br />

da família, que evolui, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>.<br />

No início <strong>de</strong> vigência <strong>do</strong> nosso Código Civil, que entrou em vigor em 1967,<br />

o princípio da igualda<strong>de</strong> entre os progenitores não existia, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se nessa<br />

altura que as crianças <strong>de</strong>veriam ser entregues sempre às mães, isto porque<br />

havia a atribuição <strong>de</strong> funções sociais a cada um <strong>do</strong>s progenitores.<br />

A figura <strong>do</strong> “Pai” correspondia ao titular <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r familiar, ou seja, era a<br />

ele que competia “dirigir” a família, era a ele que pertencia o “direito” <strong>de</strong> dar as<br />

163


autorizações necessárias aos filhos, isto porque era a ele quem cabia a<br />

obrigação <strong>de</strong> sustentar, economicamente, a família.<br />

A “Mãe” tinha apenas as obrigações especiais <strong>de</strong> zelar e cuidar <strong>do</strong>s filhos<br />

e da casa, sen<strong>do</strong> que o resto da gestão familiar só lhe pertencia se o pai<br />

estivesse impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> o fazer.<br />

Assim, se o pai, em caso <strong>de</strong> litígio ou <strong>de</strong> divórcio quisesse ficar com a<br />

guarda <strong>do</strong>s filhos, raramente o conseguia.<br />

Aliás, a Jurisprudência da altura era clara, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>fendia que a guarda<br />

<strong>do</strong>s menores <strong>de</strong>veria ser, por regra, sempre entregue às mães. Só<br />

excecionalmente, e se houvesse razões muito fortes, é que a criança po<strong>de</strong>ria ser<br />

confiada ao pai. A título <strong>de</strong> exemplo, po<strong>de</strong>mos verificar isso nos Acórdãos<br />

proferi<strong>do</strong>s pela Relação <strong>de</strong> Lisboa em 13 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1963 (Revista <strong>de</strong><br />

Infância e Juventu<strong>de</strong>, nº 37º, pág. 41) e em 16 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1966 (Revista <strong>de</strong><br />

Infância e Juventu<strong>de</strong>, nº 45º, p. 41). Po<strong>de</strong> dizer-se que, naquela época, para que<br />

a criança fosse confiada ao pai, seria necessário que a mãe tivesse to<strong>do</strong>s os<br />

<strong>de</strong>feitos imagináveis, cujo comportamento afetasse gravemente o menor e o pai<br />

fosse, socialmente, um exemplo a seguir, e mesmo assim, teria <strong>de</strong> ter a<br />

assistência da avó paterna.<br />

Hoje, com a evolução legislativa, e com a implementação <strong>do</strong> princípio da<br />

igualda<strong>de</strong>, esta questão já não se coloca, isto porque vemos plasma<strong>do</strong> no nosso<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico o princípio <strong>de</strong> que as responsabilida<strong>de</strong>s parentais são<br />

exercidas em conjunto, por ambos os progenitores, ainda que a nossa lei se<br />

refira, neste ponto, às questões <strong>de</strong> “particular importância”. Quer isto dizer que,<br />

no caso <strong>de</strong> haver uma separação entre os progenitores, aquele que ficar com a<br />

guarda <strong>do</strong> menor não tem o po<strong>de</strong>r absoluto sobre ele, tem para com o outro<br />

progenitor o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> o informar sobre o mo<strong>do</strong> como exerce as<br />

responsabilida<strong>de</strong>s parentais, <strong>de</strong>signadamente sobre a sua educação e as suas<br />

condições <strong>de</strong> vida.<br />

Aqui coloca-se outra questão, muito discutida nos dias <strong>de</strong> hoje, e que se<br />

pren<strong>de</strong> com o conceito <strong>de</strong> “guarda alternada” ou “guarda partilhada” e tu<strong>do</strong> o que<br />

isso possa implicar para a criança. É importante saber se a nossa legislação,<br />

hoje prevê, ou não, tal situação.<br />

164


Quan<strong>do</strong> se fala em “guarda partilhada”, estamos a falar “grosso mo<strong>do</strong>” na<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o menor residir, alternadamente, com cada um <strong>do</strong>s<br />

progenitores, por perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tempo idênticos, (por exemplo uma semana, 15<br />

dias, um mês).<br />

Quanto a esta matéria, a nossa <strong>do</strong>utrina e jurisprudência não tem si<strong>do</strong><br />

muito apologista da aplicação <strong>de</strong>sta medida, principalmente porque, como diz<br />

Maria Clara Sottomayor:<br />

“acarreta para a criança inconvenientes graves pela instabilida<strong>de</strong> que cria<br />

nas suas condições <strong>de</strong> vida e pelas separações repetidas relativamente a cada<br />

um <strong>do</strong>s seus pais, causadas pela constante mudança <strong>de</strong> residência.”<br />

Além disso, continua a autora,<br />

“a guarda alternada compromete o equilíbrio da criança, a estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

seu quadro <strong>de</strong> vida e a continuida<strong>de</strong> e unida<strong>de</strong> da sua educação, pois não<br />

garante a colaboração <strong>do</strong>s pais no interesse da mesma, constituin<strong>do</strong> esta forma<br />

<strong>de</strong> guarda um sistema salomónico que, repartin<strong>do</strong> a criança entre ambos os pais<br />

como se <strong>de</strong> um objeto se tratasse, satisfaz os interesses <strong>do</strong>s pais, sacrifican<strong>do</strong><br />

o <strong>do</strong>s filhos.” (2011, pp. 73-107)<br />

Esta posição foi <strong>de</strong>fendida também pela nossa jurisprudência, indican<strong>do</strong>se<br />

meramente a título <strong>de</strong> exemplo, o Acórdão <strong>do</strong> Tribunal da Relação <strong>de</strong> Lisboa,<br />

proferi<strong>do</strong> em 06/02/2007, no processo nº 705/2007–7, em que foi relatora Dina<br />

Monteiro, quan<strong>do</strong> diz que “a lei não contém qualquer disposição que permita a<br />

guarda alternada sen<strong>do</strong> certo que se enten<strong>de</strong> que tal solução sempre<br />

conten<strong>de</strong>ria com os interesses da menor, impedin<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> estabelecer qual a sua<br />

casa, o seu lar e/ou o seu centro <strong>de</strong> vida.”<br />

No entanto, existem ao mesmo tempo alguns argumentos a favor da<br />

“guarda partilhada” e a nossa jurisprudência também os consagra, como<br />

po<strong>de</strong>mos ver, também a título <strong>de</strong> exemplo no Acórdão <strong>do</strong> Tribunal da Relação<br />

<strong>de</strong> Lisboa, proferi<strong>do</strong> em 14/12/2006, no processo 3456/2006 – 8, em que foi<br />

relator Bruto da Costa, quan<strong>do</strong> diz que:<br />

“em tese geral e <strong>de</strong> jure con<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ou constituen<strong>do</strong>, já concluímos há<br />

muito que o melhor regime <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r paternal é a chamada “guarda<br />

conjunta” ou “guarda alternada”.<br />

165


“Por outro la<strong>do</strong>, há que reconhecer que nesse regime é potenciada<br />

alguma instabilida<strong>de</strong> na vida da criança, da<strong>do</strong> que – e esta é a maior crítica que<br />

é feita ao regime – normalmente muda <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> 15 em 15 dias.<br />

O argumento é, quanto a nós e salvo o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> respeito por opinião<br />

contrária, razoavelmente inconsistente: é que ten<strong>do</strong> os pais separa<strong>do</strong>s, haverá<br />

sempre instabilida<strong>de</strong> na vida da criança com ou sem guarda conjunta a vida <strong>do</strong><br />

menor será sempre condicionada por esse da<strong>do</strong> básico, o afastamento <strong>do</strong>s pais;<br />

também nos aprece que a criança não andará a mudar <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> 15 em 15<br />

dias, mas passará a ter duas casas…<br />

Há muito que enten<strong>de</strong>mos que tal regime <strong>de</strong>veria ser o regime-regra<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os progenitores e respetivas famílias tivessem condições para o<br />

praticar.”<br />

Ora, perante estas duas posições, aquela que melhor se a<strong>de</strong>qua, na<br />

nossa opinião, ten<strong>do</strong> em conta o or<strong>de</strong>namento jurídico português, <strong>de</strong>verá ser a<br />

primeira, isto é, a regra <strong>de</strong>verá ser a <strong>de</strong> não haver “guarda partilhada”, sen<strong>do</strong> o<br />

contrário a exceção, ou seja, po<strong>de</strong>rá haver, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> algumas<br />

condições, que <strong>de</strong>fendam o superior interesse <strong>do</strong> menor, tais como a proposta<br />

partir <strong>de</strong> ambos os progenitores, portanto haver acor<strong>do</strong> entre eles para promover<br />

essa situação, e ter havi<strong>do</strong> já, anteriormente, um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> experiência e <strong>do</strong><br />

qual seja razoável concluir que tal situação não irá colidir com aquele superior<br />

interesse, que é o mais importante.<br />

E aqui, entramos num novo conceito que <strong>de</strong>verá estar sempre presente<br />

em qualquer tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão em que intervenham crianças – o seu superior<br />

interesse.<br />

Como se sabe, este conceito é vago e in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que<br />

não se consegue, objetivamente, <strong>de</strong>screver uma forma única <strong>de</strong> o integrar. O<br />

interesse <strong>do</strong> menor é, por isso, um conceito aberto e que terá, forçosamente, <strong>de</strong><br />

ser analisa<strong>do</strong> caso a caso, uma vez que os elementos que servem para o<br />

preencher numa <strong>de</strong>terminada situação, po<strong>de</strong>rão não ser suscetíveis <strong>de</strong> o<br />

preencher noutra, especialmente naquilo a que se refere o art. 1878º <strong>do</strong> Código<br />

Civil, quan<strong>do</strong> fala em zelar pela segurança e saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> menor, prover ao seu<br />

sustento e dirigir a sua educação.<br />

166


Por isso se diz que em função <strong>de</strong> cada caso concreto é que se <strong>de</strong>ve aferir<br />

<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> “interesse <strong>do</strong> menor”, isto porque, em direito,<br />

interesse é aquilo que convém a <strong>de</strong>terminada pessoa num da<strong>do</strong> momento. Vale<br />

isto por dizer que o interesse <strong>de</strong> uma criança, num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento po<strong>de</strong><br />

não ser o <strong>de</strong> outra, em circunstâncias idênticas.<br />

Apesar <strong>de</strong>, como se disse, não haver uma <strong>de</strong>finição concreta <strong>do</strong> conceito,<br />

nem <strong>do</strong>utrinal nem jurispru<strong>de</strong>ncialmente, sempre se po<strong>de</strong> dizer que é o direito<br />

que o menor “tem ao <strong>de</strong>senvolvimento são e normal no plano físico, intelectual,<br />

moral, espiritual e social, em condições <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e dignida<strong>de</strong>” (Rodrigues,<br />

1985, pp. 18-19).<br />

Assim, po<strong>de</strong>remos dizer que o interesse <strong>do</strong> menor, quan<strong>do</strong> se está<br />

perante uma regulação das responsabilida<strong>de</strong>s parentais, <strong>de</strong>ve ser ti<strong>do</strong> em conta<br />

no momento em que se discute a sua guarda, e é nesse momento que o conceito<br />

<strong>de</strong>ve ser analisa<strong>do</strong> e integra<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em conta a situação em que o menor se<br />

encontra, o relacionamento afetivo que tem com cada um <strong>do</strong>s progenitores e,<br />

<strong>de</strong>pois, através da análise da capacida<strong>de</strong> educativa <strong>do</strong>s pais e da<br />

disponibilida<strong>de</strong> manifestada por cada um para promover as relações normais<br />

com o outro progenitor.<br />

Prevenir implica estar atento, pois existem evidências <strong>de</strong> que muitas<br />

situações po<strong>de</strong>m estar já em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> alienação parental e não se dá conta disso,<br />

po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> estar aí em causa o próprio menor. Como esta temática é ainda pouco<br />

tratada, tentaremos no ponto seguinte fazer uma síntese <strong>de</strong>ste conceito.<br />

As situações <strong>de</strong> alienação parental surgem, normalmente, por causa da<br />

forma como a relação entre os progenitores termina, ou seja, se a sua separação<br />

envolver situações que implicam a rutura total <strong>do</strong>s contactos entre ambos, ou as<br />

causas da separação continuarem a impedir um relacionamento, por menor que<br />

seja, entre eles, a forma que mais facilmente encontram para atingir o outro é<br />

“usar” aquilo que os vai ligar durante toda a vida, vale isto por dizer, que são os<br />

filhos.<br />

Muitas vezes, nestas situações os filhos são usa<strong>do</strong>s como uma “arma <strong>de</strong><br />

arremesso” contra o outro e se pu<strong>de</strong>rem evitar esses contactos, então irão fazer<br />

tu<strong>do</strong> o que estiver ao seu alcance para o conseguir.<br />

167


Embora essa hostilida<strong>de</strong>, felizmente, nem sempre leve à alienação<br />

parental, a verda<strong>de</strong> é que é frequentemente a causa <strong>de</strong> tal alienação. Isso é<br />

muito prejudicial para as crianças, bem como para o progenitor que não tem a<br />

guarda da criança (Johnston et al., 2001, 2005). Às vezes, como se disse, os excompanheiros<br />

continuam incompatibiliza<strong>do</strong>s entre si, mas dão-se conta, ao<br />

mesmo tempo, que têm responsabilida<strong>de</strong>s para com os seus filhos e, por isso,<br />

procuram assegurar a sua participação e a obrigação <strong>de</strong> criar os seus filhos,<br />

tanto quanto possível. No entanto, quan<strong>do</strong> essa hostilida<strong>de</strong> leva ao processo <strong>de</strong><br />

alienação, temos aí um problema, e os tribunais precisam <strong>de</strong> reconhecer o<br />

problema para agir <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a situação.<br />

É aqui que os tribunais têm <strong>de</strong> trabalhar em estreita colaboração com as<br />

equipas multidisciplinares <strong>de</strong> especialistas que tratam <strong>do</strong>s casos - seja um<br />

psicólogo ou um psiquiatra ou ainda os assistentes sociais – e tentar fazer a<br />

mediação entre as partes, sempre que possível, a fim <strong>de</strong> torná-las conscientes<br />

das suas responsabilida<strong>de</strong>s básicas para com seus filhos, e principalmente um<br />

para com o outro, nesse processo (Gardner, 1998; Lowenstein, 1998 e 2008;<br />

Heiliger, 2003). Nem to<strong>do</strong>s os pais interagem e participam <strong>de</strong> bom gra<strong>do</strong> (ou nem<br />

participam, em alguns casos) no processo <strong>de</strong> mediação, o qual tem o objetivo <strong>de</strong><br />

envolver os <strong>do</strong>is progenitores e que preten<strong>de</strong> assegurar que o contacto entre as<br />

crianças e o progenitor ausente seja regular e <strong>de</strong> uma natureza positiva (Palmer,<br />

2002).<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

A meto<strong>do</strong>logia a utilizar neste estu<strong>do</strong> é <strong>de</strong> caráter qualitativo que assenta<br />

numa meto<strong>do</strong>logia humanístico-interpretativa <strong>do</strong> fenómeno a estudar.<br />

Quanto ao propósito da investigação, esta é <strong>de</strong> caráter <strong>de</strong> pesquisa<br />

aplicada pois, no estu<strong>do</strong>, o que mais importa é analisar a legislação existente<br />

sobre o Po<strong>de</strong>r Paternal e as Responsabilida<strong>de</strong>s Parentais, ten<strong>do</strong> em conta a falta<br />

<strong>de</strong> regulamentação e conhecimento em termos <strong>de</strong> legislação comunitária, <strong>de</strong><br />

forma a po<strong>de</strong>r colmatar algumas lacunas que põem em causa direitos<br />

fundamentais. Pese embora, já exista legislação que preveja a situação da<br />

alienação parental e das responsabilida<strong>de</strong>s parentais como base jurídica<br />

168


fundamental, não existe um trabalho <strong>de</strong> investigação que analise em<br />

profundida<strong>de</strong> os factos que chegam aos tribunais e são relata<strong>do</strong>s na<br />

jurisprudência.<br />

Quanto ao méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, este é um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, “é carateriza<strong>do</strong><br />

por um estu<strong>do</strong> profun<strong>do</strong> e exaustivo <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a permitir um conhecimento<br />

<strong>de</strong>talha<strong>do</strong> e amplo po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> aplicar-se sobre um contexto, um indivíduo, uma<br />

família, um grupo, uma instituição ou até uma comunida<strong>de</strong>”. (Antunes, 2016, p.<br />

17). Neste caso, em especial, será um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> processos e <strong>de</strong> jurisprudência<br />

no direito da família. Procura-se através <strong>de</strong>ste méto<strong>do</strong> uma interpretação da<br />

legislação aplicada nas diferentes situações e nas diversas respostas sociais,<br />

muitas vezes questionadas.<br />

Neste estu<strong>do</strong> em particular verifica-se como técnicas: a análise<br />

<strong>do</strong>cumental, que engloba to<strong>do</strong>s os diplomas jurídicos, registos <strong>de</strong> alguns<br />

processos judiciais e jurisprudência proferida, que tenham informações <strong>de</strong> relevo<br />

para este estu<strong>do</strong>.<br />

O tratamento meto<strong>do</strong>lógico das fontes investigadas, quer <strong>do</strong>s diplomas<br />

legais e <strong>do</strong>s acórdãos jurispru<strong>de</strong>nciais, constituiu-se como um elemento<br />

importantíssimo no processo <strong>de</strong> pesquisa. O cruzamento e confronto das fontes<br />

é uma operação indispensável nesta matéria para o que a leitura hermenêutica<br />

da <strong>do</strong>cumentação constitua uma operação importante <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />

investigação, já que nos possibilita uma leitura não apenas literal das<br />

informações contidas nos <strong>do</strong>cumentos, mas uma compreensão real,<br />

contextualizada pelo cruzamento entre fontes que se complementam, em termos<br />

explicativos.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Perante a falta <strong>de</strong> diplomas legais específicos que tutelem a matéria em<br />

mérito, tivemos necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer à jurisprudência contida em alguns<br />

acórdãos <strong>do</strong>s tribunais da relação, mais propriamente:<br />

- Tribunal da Relação <strong>de</strong> Guimarães,<br />

- Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto;<br />

169


- Tribunal da Relação Lisboa (to<strong>do</strong>s os Acórdãos respectivos foram<br />

obti<strong>do</strong>s através da Base Jurídico-<strong>do</strong>cumental, conforme consta da bibliografia).<br />

Importa, por isso, fazer uma análise <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>s Acórdãos que têm<br />

vin<strong>do</strong> a ser proferi<strong>do</strong>s pelos Tribunais da Relação em que abordam, <strong>de</strong> diferentes<br />

formas, o problema da alienação parental, principalmente, quan<strong>do</strong> a questão se<br />

discute no âmbito da regulação das responsabilida<strong>de</strong>s parentais, mais<br />

concretamente quan<strong>do</strong> é necessário <strong>de</strong>cidir-se sobre a guarda <strong>do</strong> menor, ou<br />

quan<strong>do</strong> se discute a alteração <strong>do</strong> regime previamente fixa<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> a questão<br />

é levantada.<br />

170


Tabela 1 – Síntese jurispru<strong>de</strong>ncial<br />

Tribunais Matéria <strong>de</strong> facto Decisão<br />

Tribunal da Relação <strong>de</strong> Recusa da menor visitar o Cumprimento <strong>do</strong> acor<strong>do</strong><br />

Guimarães<br />

Pai – Incumprimento <strong>do</strong><br />

acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> regulação<br />

celebra<strong>do</strong> quanto ao regime<br />

<strong>de</strong> visitas<br />

Tribunal da Relação <strong>de</strong> Menor confia<strong>do</strong> à mãe, com Menor confia<strong>do</strong> ao pai, com<br />

Lisboa<br />

visitas <strong>do</strong> pai<br />

visitas da mãe<br />

Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto Menores confia<strong>do</strong>s Menores confia<strong>do</strong>s<br />

provisoriamente à mãe <strong>de</strong>finitivamente ao pai.<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

Em primeiro lugar convém salientar que a alienação parental não é uma<br />

questão <strong>de</strong> género, ou seja, se é mais praticada pelo pai ou pela mãe, é, antes,<br />

um fenómeno familiar e, <strong>de</strong>pois, jurídico, uma vez que só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> verifica<strong>do</strong> no<br />

seio da família, em que estão envolvi<strong>do</strong>s os progenitores e os filhos, é que a<br />

questão é discutida nos Tribunais.<br />

O problema da alienação parental mais não é, como se tem vin<strong>do</strong> a dizer,<br />

<strong>do</strong> que a transformação <strong>do</strong>s problemas conjugais em problemas <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>s parentais.<br />

Tabela 2 - Síntese <strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> SAP<br />

Tipo Ligeiro<br />

Ligação afetiva <strong>do</strong> filho a ambos os<br />

progenitores, apesar <strong>do</strong><br />

reconhecimento <strong>do</strong>s conflitos entre<br />

eles.<br />

Tipo<br />

Deterioração da relação afetiva<br />

Mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong><br />

filho/progenitor aliena<strong>do</strong>, com hostilida<strong>de</strong><br />

para com a família alargada.<br />

Tipo Grave Progenitor aliena<strong>do</strong> é visto como<br />

“inimigo”. Aparecem sentimentos <strong>de</strong> ódio<br />

entre progenitor e o filho.<br />

Fonte: Elaboração própria<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

171


A problemática da alienação parental surge, normalmente, quan<strong>do</strong> os<br />

progenitores se separam e fica a existir entre eles alguma animosida<strong>de</strong> que não<br />

conseguem resolver, passan<strong>do</strong>, por isso, a utilizar as crianças como “armas <strong>de</strong><br />

arremesso” com o objetivo principal <strong>de</strong> o atingir, provocan<strong>do</strong>-lhe o maior dano<br />

possível.<br />

Ten<strong>do</strong> em conta este problema que tantas vezes se discute nos nossos<br />

tribunais e perante a falta <strong>de</strong> diplomas legais específicos que tutelem esta<br />

matéria em mérito, uma vez que a alienação parental não é uma <strong>do</strong>ença, mas<br />

um fenómeno social, recorremos à jurisprudência contida em alguns acórdãos<br />

<strong>do</strong>s tribunais da relação, para percebermos <strong>de</strong> que forma esta questão está a<br />

ser tratada nos processos <strong>de</strong> regulação das responsabilida<strong>de</strong>s parentais.<br />

Verificámos com o nosso estu<strong>do</strong> que a alienação parental não é uma<br />

questão <strong>de</strong> género, ou seja, se é mais praticada pelo pai ou pela mãe, é,<br />

primeiramente, um fenómeno familiar e, <strong>de</strong>pois, jurídico, isto porque só <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> verifica<strong>do</strong> no seio da família, é que a questão é discutida nos Tribunais.<br />

Para que esta questão possa ser melhor discutida e aceite nos tribunais,<br />

passan<strong>do</strong> a fazer parte <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico, é necessário que em primeiro<br />

lugar a alienação parental seja reconhecida como uma <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista<br />

médico legal, pois só assim se po<strong>de</strong>rá legislar mais concretamente sobre o<br />

assunto. Sem esse reconhecimento teremos <strong>de</strong> continuar a analisar os<br />

comportamentos apenas através da influência negativa que eles têm na criança,<br />

pon<strong>do</strong> em causa o seu superior interesse.<br />

Como vimos nos acórdãos analisa<strong>do</strong>s, todas as <strong>de</strong>cisões que foram<br />

tomadas, basearam-se na análise <strong>do</strong>s comportamentos <strong>do</strong> progenitor alienante<br />

e na influência que eles tiveram no <strong>de</strong>senvolvimento das crianças, o que levou a<br />

que estas tenham si<strong>do</strong> retiradas e entregues aos progenitores aliena<strong>do</strong>s,<br />

aqueles se viram priva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> contacto com os filhos.<br />

Os comportamentos <strong>do</strong>s progenitores alienantes fundavam-se em<br />

situações <strong>de</strong> difamação e <strong>de</strong> falsas acusações da prática <strong>de</strong> crimes hedion<strong>do</strong>s,<br />

tais como o <strong>de</strong> abuso sexual, num <strong>do</strong>s casos.<br />

172


Concluímos que os tribunais estão agora a lançar mão das equipas<br />

multidisciplinares <strong>de</strong> apoio, compostas por técnicos da área da saú<strong>de</strong> e da área<br />

social para <strong>de</strong>cidirem melhor sobre esta questão em especial, respeitan<strong>do</strong>, cada<br />

vez mais, o superior interesse das crianças.<br />

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173


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Portugal (2017) – Código Civil. Reimpressão da 8ª edição. Coimbra: Edições Almedina.<br />

Portugal (2017) – Código <strong>do</strong> Processo Civil. 31ª edição. Coimbra: Edições Almedina.<br />

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Revista Julgar, n.º 13 (Janeiro/Abril 2011), pp. 73-107.<br />

174


SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO: os direitos e o acesso à justiça<br />

TORRES, Maria Adriana<br />

Professora associada da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Serviço Social e vice coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós-graduação em Serviço<br />

Social (Mestra<strong>do</strong> e Doutora<strong>do</strong>) da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Alagoas – UFAL, Brasil. Pós-<strong>do</strong>utoranda em <strong>Direitos</strong><br />

Sociais pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salamanca, Espanha.<br />

mariaadrianatorres@hotmail.com<br />

RESUMO<br />

Este texto <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> iniciação à pesquisa científica sobre o” Esta<strong>do</strong><br />

social x Esta<strong>do</strong> penal: reflexões sobre os direitos sociais no Brasil”, no âmbito <strong>do</strong><br />

grupo <strong>de</strong> pesquisa: “Direito, Justiça e Socieda<strong>de</strong>” da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Alagoas – UFAL. Portanto, trata-se das primeiras reflexões fruto <strong>de</strong> uma<br />

pesquisa quali-qualitativa <strong>do</strong>cumental, mediante os aportes <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> histórico<br />

e crítico-reflexivo sobre o controle das massas da socieda<strong>de</strong> contemporânea,<br />

remeten<strong>do</strong> à compreensão <strong>do</strong> contexto brasileiro. Nesse viés, a criminalização<br />

<strong>de</strong>ssas massas associa-se às condições materiais <strong>de</strong> existência humana, à falta<br />

<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s iguais para to<strong>do</strong>s, às mudanças no cenário <strong>do</strong> trabalho em<br />

meio à introdução <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> flexibilização e tecnologias e à<br />

concentração <strong>de</strong> riqueza. No Brasil, as estatísticas são alarmantes em relação<br />

à população carcerária. Essa população “disfuncional” à socieda<strong>de</strong> recebe o<br />

tratamento da política e <strong>do</strong> Judiciário, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> contê-la, especificamente os<br />

jovens homens pobres, negros e analfabetos. As mudanças na socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

trabalho, o <strong>de</strong>semprego em massa, o trabalho precário e a retração da proteção<br />

social <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> fazem emergir estratégias para o disciplinamento <strong>de</strong> frações da<br />

classe trabalha<strong>do</strong>ra. Esse tratamento social torna-se mais ostensivo nos países<br />

<strong>de</strong> economia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que não vivenciaram um Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> bem-estar social,<br />

caracteriza<strong>do</strong>s pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social que, sem oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> emprego<br />

nem a proteção social <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, alimentam a criminalida<strong>de</strong>. Essa realida<strong>de</strong> é<br />

compreendida à luz da luta pela efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos humanos e sociais, que<br />

se contrapõe à concepção tradicional da justiça criminal e, nesse contexto, se<br />

tem uma melhor análise sobre a justiça social, o sistema carcerário e os limites<br />

postos à efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses direitos para assistir à população carcerária.<br />

Palavras-chave: Cárcere; <strong>Direitos</strong>; Justiça; Brasil.<br />

175


ABSTRACT<br />

This text stems from the initiation project to the scientific research on the "Social<br />

State x Criminal State: reflections on social rights in Brazil", within the research<br />

group: "Law, Justice and Society" of the Fe<strong>de</strong>ral University of Alagoas - UFAL.<br />

Therefore, the first reflections are the result of qualitative and qualitative<br />

<strong>do</strong>cumentary research, through the contributions of the historical and criticalreflexive<br />

method on the control of the masses of contemporary society, referring<br />

to the un<strong>de</strong>rstanding of the Brazilian context. In this bias, the criminalization of<br />

these masses is associated with the material conditions of human existence, the<br />

lack of equal opportunities for all, the changes in the work scenario amid the<br />

introduction of new forms of flexibilization and technologies and the concentration<br />

of wealth. In Brazil, statistics are alarming in relation to the prison population. This<br />

"dysfunctional" population of society receives the treatment of politics and the<br />

judiciary, in the sense of containing it, specifically the poor, black and illiterate<br />

young men. The changes in the labor society, mass unemployment, precarious<br />

work, and the retraction of state social protection, have emerged strategies for<br />

the disciplining of working class fractions. This social treatment becomes more<br />

evi<strong>de</strong>nt in countries of <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt economy that have not experienced a welfare<br />

state, characterized by social inequality that, without employment opportunities<br />

or social protection of the State, feed crime. This reality is un<strong>de</strong>rstood in the light<br />

of the struggle for the effectiveness of human and social rights, which contrasts<br />

with the traditional conception of criminal justice and, in this context, has a better<br />

analysis on social justice, the prison system and the limits placed on their<br />

effectiveness. to better assist the prison population.<br />

Keywords: Prison; Rights; Justice; Brazil.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A compreensão das condições precárias <strong>do</strong> cárcere no cenário<br />

contemporâneo brasileiro, <strong>de</strong>riva das expressões da acumulação <strong>do</strong> capital,<br />

mais especificamente, da crise contemporânea <strong>do</strong> capital e suas estratégias<br />

para a retomada <strong>de</strong> lucros, que <strong>de</strong>ixam marcas acentuadas nos países <strong>de</strong><br />

capitalismo periférico como o Brasil, cuja história é marcada por fortes laços <strong>de</strong><br />

176


<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social. As formas <strong>de</strong> enfrentamento <strong>de</strong>ssa crise afetam os<br />

segmentos mais vulnerabiliza<strong>do</strong>s socialmente, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao avanço <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>semprego, da violência e da criminalização <strong>do</strong>s que estão alija<strong>do</strong>s da<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bem-estar social. Assim, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema carcerário brasileiro,<br />

revela os nexos com um contexto <strong>de</strong> pouca efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos humanos e<br />

sociais e, <strong>de</strong>ssa forma, se tem a emergência <strong>do</strong> que Wacquant <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong><br />

Esta<strong>do</strong> penal, que se situa na crise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social, ou seja, na crise <strong>do</strong> capital<br />

<strong>de</strong> 1970, afetan<strong>do</strong> todas as instâncias da vida social.<br />

No Brasil, o Esta<strong>do</strong> penal se institucionalizou com bases mais perversas<br />

<strong>de</strong> coação e controle societário, todavia a prisão possui configurações<br />

societárias <strong>de</strong> classe, gênero e étnico-raciais que só po<strong>de</strong>m ser compreendidas<br />

à luz da formação sócio-histórica da realida<strong>de</strong> mundial e da sua vinculação ao<br />

capitalismo <strong>de</strong>pe<strong>de</strong>nte.<br />

Compreen<strong>de</strong>r o sistema <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>s e o tratamento social da miséria<br />

e suas refrações às parcelas <strong>do</strong> subproletaria<strong>do</strong> requer o conhecimento das<br />

relações <strong>de</strong> subordinação coloniza<strong>do</strong>ra à estrutura econômica internacional e a<br />

conexão entre a questão criminal e a questão social. Logo, remete ao<br />

entendimento <strong>de</strong> que a justiça restaurativa po<strong>de</strong> contribuir para efetivar um<br />

tratamento mais humaniza<strong>do</strong> da população carcerária, respeitan<strong>do</strong> os direitos<br />

humanos e sociais inerentes ao processo <strong>de</strong> ressocialização.<br />

OBJETIVOS<br />

Este estu<strong>do</strong> tem como propósito maior elaborar uma análise sobre o<br />

Esta<strong>do</strong> criminal brasileiro, recuperan<strong>do</strong> sua historicida<strong>de</strong> e, especificamente, sua<br />

contemporaneida<strong>de</strong> para compreen<strong>de</strong>r a criminalização <strong>de</strong> segmentos sociais<br />

na complexa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> controle e punição <strong>do</strong> cárcere. Nesse ínterim, <strong>de</strong>monstrar<br />

como a justiça, nessa esfera, se distancia da efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos humanos e<br />

sociais da população carcerária por ser fundamentada em um viés punitivo com<br />

feições <strong>de</strong> uma “segunda justiça”, que alimenta práticas punitivas, vigilantes e<br />

controla<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>s pobres em contraposição a práticas restaurativas e <strong>de</strong><br />

ressocialização.<br />

177


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classes no século XXI tornaram-se insustentáveis.<br />

A elevação da taxa <strong>de</strong> lucro e a concentração <strong>de</strong> capital elevaram as taxas <strong>de</strong><br />

subalternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parcelas significativas da população mundial, produzin<strong>do</strong> um<br />

exército <strong>de</strong> “seres <strong>de</strong>scartáveis” para o merca<strong>do</strong>. Os “in<strong>de</strong>sejáveis” para o<br />

merca<strong>do</strong> são assisti<strong>do</strong>s pela racionalida<strong>de</strong> neoliberal e encontram no Esta<strong>do</strong><br />

repressor um espaço <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação e segregação mundial.<br />

A violência e as formas <strong>de</strong> repressão ao crime têm explicação nesse<br />

contexto econômico-social que marginaliza parcela significativa da população. A<br />

crise contemporânea <strong>do</strong> capital da década <strong>de</strong> 1970 <strong>de</strong>strói a força humana que<br />

trabalha, fragiliza os direitos sociais, marginaliza segmentos populacionais<br />

vulnerabiliza<strong>do</strong>s pelo trabalho mediante o <strong>de</strong>semprego estrutural e a<br />

precarização <strong>do</strong>s postos <strong>de</strong> trabalho e ainda fragiliza os sindicatos, agudizan<strong>do</strong><br />

as condições <strong>de</strong> vida e reprodução social da classe trabalha<strong>do</strong>ra (ANTUNES,<br />

1999).<br />

A partir <strong>de</strong>sse contexto, o capital <strong>de</strong>senvolve novas tecnologias <strong>de</strong><br />

produção em um processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva com vistas a garantir os<br />

superlucros e a sua reprodução ampliada; com isso, traz novas configurações<br />

para o Esta<strong>do</strong> mediante os <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos apresenta<strong>do</strong>s pelo neoliberalismo<br />

<strong>de</strong> finais <strong>do</strong>s anos <strong>de</strong> 1980. A liberalização econômica e a retração <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

campo social evi<strong>de</strong>nciam as formas <strong>de</strong> velar os efeitos <strong>de</strong>ssas mudanças<br />

societárias e, ao mesmo tempo, impõem novas regras ao jogo <strong>de</strong> controle das<br />

massas pauperizadas.<br />

A i<strong>de</strong>ologia da segurança, em <strong>de</strong>corrência da hipertrofia <strong>do</strong> capitalismo e<br />

da crise <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-providência, estabelece o reforço ao controle da socieda<strong>de</strong><br />

pelo Esta<strong>do</strong> penal. Dessa forma, o Esta<strong>do</strong> social típico <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> europeu após<br />

a Segunda Gran<strong>de</strong> Guerra Mundial, a partir da década <strong>de</strong> 1980 assume a forma<br />

<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> penal, com a função <strong>de</strong> garantir a segurança da burguesia em relação<br />

à classe “perigosa”, os que se encontram, alija<strong>do</strong>s <strong>do</strong> acesso a bens e serviços<br />

da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe. Assim, a “parte pobre <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> terminou contribuin<strong>do</strong><br />

(novamente) para financiar a construção <strong>do</strong> bem-estar social na parte rica – uma<br />

178


espécie <strong>de</strong> transfusão <strong>de</strong> sangue às avessas, <strong>de</strong> organismos <strong>de</strong>bilita<strong>do</strong>s para<br />

corpos robustos” (TRINDADE, 2011, p. 199).<br />

O Esta<strong>do</strong> penal é contextualiza<strong>do</strong> nas obras <strong>de</strong> Loic Wacquant, como: Do<br />

Esta<strong>do</strong> Providência ao Esta<strong>do</strong> Penal (1998), As prisões da miséria (1999), As<br />

duas faces <strong>do</strong> gueto (2008), Punir os pobres: o governo neoliberal <strong>de</strong><br />

insegurança social (2009). Nelas há o questionamento sobre as estratégias <strong>de</strong><br />

esvaziamento das ações <strong>de</strong> proteção social estatal no contexto neoliberal e a<br />

emergência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> penal.<br />

O Esta<strong>do</strong> penal se sobrepõe ao Esta<strong>do</strong> social, que cessou ou diminuiu<br />

gastos com programas e políticas sociais. Isto se iniciou nos governos <strong>de</strong><br />

Margaret Thatcher, na Inglaterra, e <strong>de</strong> Ronald Reagan, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s;<br />

<strong>de</strong>senvolveu-se na América <strong>do</strong> Norte, <strong>de</strong>pois na Europa e, por fim, na América<br />

Latina e em outras regiões. Há um aparato repressor policial-penal que<br />

criminaliza a miséria, ou seja, os grupos sociais marginaliza<strong>do</strong>s (WACQUANT,<br />

1999). Cria-se também, em alguns países, o que se chama <strong>de</strong> justiça<br />

restaurativa, uma forma <strong>de</strong> acessar os sujeitos <strong>do</strong> crime e suas vítimas,<br />

contrapon<strong>do</strong>-se aos ritos da justiça punitiva <strong>de</strong> base positivista.<br />

A segregação societária é eivada <strong>de</strong> estigmas construí<strong>do</strong>s pelo tempo<br />

histórico, termo utiliza<strong>do</strong> pelos gregos, como as marcas no corpo <strong>do</strong> indivíduo<br />

que o distanciava <strong>do</strong> contato social (GOFFMAN, 1993). Contemporaneamente,<br />

trata-se <strong>de</strong> um termo que caracteriza o indivíduo mau para a socieda<strong>de</strong>, que por<br />

sua vez possui uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>teriorada. O termo estigma esten<strong>de</strong>-se aos<br />

grupos pela sua condição ética e social, por isso estão predispostos a ameaçar<br />

a socieda<strong>de</strong>, à or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> capital, seus objetivos e sua reprodução. Dessa forma,<br />

o Esta<strong>do</strong> penal criminaliza os grupos sociais pela condição <strong>de</strong> classe, gênero e<br />

etnia, aprofunda os efeitos <strong>de</strong>letérios da crise <strong>do</strong> capital e produz mais<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.<br />

Já o conceito <strong>de</strong> criminalização é explica<strong>do</strong> como o ato <strong>de</strong> imputar crime<br />

ou o ato <strong>de</strong> tomar como crime a ação ou ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s grupos sociais.<br />

Contemporaneamente, a criminalização e o estigma assumem contornos raciais<br />

e étnicos, na medida em que jovens pobres e negros e a população <strong>de</strong> rua são<br />

ti<strong>do</strong>s como perigosos para a socieda<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s ameaça para a<br />

179


proprieda<strong>de</strong> privada e para a reprodução <strong>do</strong> capital. Portanto, os países que não<br />

vivenciaram as conquistas civilizatórias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> social, que têm na sua<br />

formação um lastro <strong>de</strong> segregação societária <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o perío<strong>do</strong> da sua<br />

colonização, absorvem os novos contornos da acumulação <strong>do</strong> capital em razão<br />

<strong>de</strong> sua formação sócio-histórica.<br />

Os da<strong>do</strong>s da justiça brasileira têm <strong>de</strong>mostra<strong>do</strong> que o sistema prisional<br />

possui <strong>de</strong>ficiências estruturais e funcionais, a exemplo da <strong>de</strong>mora no julgamento<br />

<strong>do</strong>s presos, da superlotação carcerária e <strong>de</strong> condições <strong>de</strong>sumanas no <strong>de</strong>correr<br />

da custódia, revelan<strong>do</strong> que o Brasil <strong>de</strong>scumpre os acor<strong>do</strong>s manti<strong>do</strong>s com as<br />

convenções e trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> direitos humanos e as leis nacionais. A<br />

lógica <strong>de</strong> construção e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sses direitos no tempo histórico<br />

remete a uma história social “com vigilante senso crítico – para não se apaixonar<br />

pelos fatos ou por seus protagonistas, nem romper com eles antes <strong>de</strong> a narrativa<br />

completar-se” (TRINDADE, 2011, p. 16).<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Mesmo com o processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização no Brasil, que culminou com<br />

a Constituição <strong>de</strong> 1988, o país não conseguiu constituir um Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito. As<br />

mais <strong>de</strong> duas décadas <strong>de</strong> ditadura militar continuam a influenciar no<br />

funcionamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e na operacionalização da política <strong>de</strong> segurança<br />

pública. Em meio à violência urbana, aos conflitos promovi<strong>do</strong>s pelo crime<br />

organiza<strong>do</strong> e às lutas agrárias, a socieda<strong>de</strong> ten<strong>de</strong> a confundir os direitos<br />

humanos com a proteção à bandidagem e a cultura política permanece<br />

influenciada pelo autoritarismo e pelas relações <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação <strong>de</strong> classe.<br />

Desenvolver um Esta<strong>do</strong> penal volta<strong>do</strong> ao controle <strong>do</strong>s miseráveis, das<br />

minorias éticas e raciais, aos <strong>de</strong>spossuí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> emprego e da assistência por<br />

meio <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social, para respon<strong>de</strong>r às crises da<br />

socieda<strong>de</strong> capitalista e, consequentemente, controlar as massas mediante a<br />

repressão da polícia e <strong>do</strong> Judiciário, equivale ao que Wacquant (1999) chama<br />

<strong>de</strong> “uma verda<strong>de</strong>ira ditadura sobre os pobres”, cujo princípio da igualda<strong>de</strong> numa<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong>veria ser o funcionamento da lei para to<strong>do</strong>s.<br />

Há elementos que revelam a lógica escravocrata ainda presente na<br />

política criminal contemporânea da socieda<strong>de</strong> brasileira. O Esta<strong>do</strong> mostra-se<br />

180


pretensamente <strong>de</strong>mocrático, todavia os direitos e as garantias fundamentais não<br />

são estendi<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Assim, para os<br />

excluí<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssas oportunida<strong>de</strong>s resta o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> exceção ou Esta<strong>do</strong> penal, no<br />

qual a lógica <strong>de</strong> punição é direcionada à população pobre e marginalizada,<br />

estigmatizada por sua condição cultural, econômica e social. Os vínculos com o<br />

<strong>de</strong>terminismo e o preconceito ainda não foram rompi<strong>do</strong>s. Prevalecem no sistema<br />

prisional brasileiro, com suas <strong>de</strong>formações e <strong>de</strong>ficiências estruturais, condições<br />

<strong>de</strong>sumanas <strong>de</strong> custódia que têm impingi<strong>do</strong> ao Brasil a marca <strong>de</strong> um país que<br />

<strong>de</strong>srespeita os direitos humanos fundamentais.<br />

Para compreen<strong>de</strong>r o sistema prisional brasileiro, recuperam-se os da<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>s relatórios <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> justiça brasileiro que evi<strong>de</strong>nciam esse Esta<strong>do</strong> penal<br />

no Brasil, o terceiro país no mun<strong>do</strong> com a maior população carcerária, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

somente para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e a China (INFOPEN, 2017). Ao recuperar os<br />

da<strong>do</strong>s sobre o perfil da população carcerária brasileira, verifica-se que se<br />

mantêm os segmentos excluí<strong>do</strong>s da socieda<strong>de</strong> como incluí<strong>do</strong>s no sistema<br />

prisional. Tal exclusão tem configurações societárias <strong>de</strong> classe, gênero e étnicoraciais<br />

que só po<strong>de</strong>m ser compreendidas à luz da formação sócio-histórica. Os<br />

da<strong>do</strong>s da população carcerária brasileira disponibiliza<strong>do</strong>s pelo Ministério da<br />

Justiça e Segurança Pública, mediante o Levantamento Nacional <strong>de</strong><br />

Informações Penitenciárias (Infopen) foram consulta<strong>do</strong>s, sistematiza<strong>do</strong>s e<br />

analisa<strong>do</strong>s à luz da literatura apresentada anteriormente. Somam-se a isso a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira e as particularida<strong>de</strong>s e limites da justiça no campo<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> penal remeten<strong>do</strong> à compreensão <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> é um complexo<br />

social, assim como o Esta<strong>do</strong>, os <strong>Direitos</strong> e o acesso à justiça. Em Wacquant<br />

(1999) encontram-se as explicações sobre “as prisões da miséria” da socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea; seus escritos ajudam a <strong>de</strong>svendar como funciona o Esta<strong>do</strong>penal,<br />

a quem ele serve e por que ele existe e se mantém com tamanha<br />

<strong>de</strong>senvoltura e soberania.<br />

181


RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Da<strong>do</strong>s e resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s até o momento revelam que no Brasil há<br />

726.712 pessoas privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e, aproximadamente, 40% das pessoas<br />

presas no Brasil, em julho <strong>de</strong> 2016, não haviam si<strong>do</strong> julgadas e con<strong>de</strong>nadas; No<br />

total, 38% da população con<strong>de</strong>nada, cumpre pena em regime fecha<strong>do</strong>; 32% das<br />

vagas existentes <strong>de</strong>stinam-se aos presos sem con<strong>de</strong>nação; 55% da população<br />

prisional é composta por jovens com menos <strong>de</strong> 29 anos, segun<strong>do</strong> o Estatuto da<br />

juventu<strong>de</strong>; 64% da populaçõ prisional é composta por pessoas negras;17% da<br />

populção prisional, não acessou o ensino médio; (INFOPEN, 2017).<br />

A população carcerária feminina no Brasil, correspon<strong>de</strong> a 42.355<br />

mulheres privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> em 2016. Há um déficit <strong>de</strong> vagas: 15.326, isso<br />

porque nos espaços com capacida<strong>de</strong> para 10 mulheres, encontram-se<br />

custodiadas 16 mulheres. Entre 2000 e 2016 a taxa <strong>de</strong> aprisionamento <strong>de</strong><br />

mulheres aumentou em 455%; e 45% das mulheres presas não haviam si<strong>do</strong><br />

julgadas e con<strong>de</strong>nadas. Os da<strong>do</strong>s revelam que 74% das unida<strong>de</strong>s prisionais<br />

<strong>de</strong>stinam-se aos homens, a arquitetura prisional e os serviços penais não foram<br />

planeja<strong>do</strong>s para o público feminino, posteriormente adapta<strong>do</strong>s para a custodia<br />

<strong>de</strong> mulheres, portanto são incapazes <strong>de</strong> observar as especificida<strong>de</strong>s das<br />

necessida<strong>de</strong>s cotidianas <strong>do</strong>s espaços e serviços <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s às mulheres<br />

(INFOPEN, 2018). A população prisional feminina é composta por 55% <strong>de</strong> jovens<br />

18 até 29 anos; 62% constituída por mulheres negras; 66% não acessou o ensino<br />

médio, ten<strong>do</strong> concluí<strong>do</strong>, no máximo, o ensino fundamental e, apenas 15%<br />

concluiu o ensino médio; 62% cometeu crimes relaciona<strong>do</strong>s ao tráfico <strong>de</strong> drogas<br />

(I<strong>de</strong>m). Apenas 14% das unida<strong>de</strong>s femininas ou mistas contam com berçário<br />

e/ou centro <strong>de</strong> referência materno-infantil, para bebês <strong>de</strong> até 2 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e,<br />

apenas, 3% das unida<strong>de</strong>s prisionais contam com serviço <strong>de</strong> creche. Todavia,<br />

70% das mulheres privadas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> têm filhos em ida<strong>de</strong> escolar.<br />

Ao longo da pesquisa foi possível perceber através <strong>do</strong>s relatórios <strong>do</strong><br />

Infopen e da literatura específica sobre o tema, que o esta<strong>do</strong> das prisões<br />

brasileiras se parece com “campos <strong>de</strong> concentração” para pobres ou com<br />

“empresas públicas para <strong>de</strong>pósito <strong>do</strong>s <strong>de</strong>jetos sociais”, <strong>do</strong> que com instituições<br />

para fins <strong>de</strong> reinserção. “O sistema penitenciário brasileiro acumula com efeito<br />

182


as taras das piores jaulas <strong>do</strong> Terceiro Mun<strong>do</strong> [..] o que se traduz por condições<br />

<strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> higiene abomináveis caracterizadas pela falta <strong>de</strong> espaço, luz,<br />

alimentos [...]” (WACQUANT, 2004, p. 7)<br />

Constata-se a frágil assistência (material, jurídica, social, educacional,<br />

religiosa e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>), <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o que regulamenta a Lei <strong>de</strong> Execução<br />

Penal – LEP, <strong>de</strong> 1984. Por isso, a criminalização <strong>do</strong>s pobres, obstrução <strong>do</strong><br />

princípio da legalida<strong>de</strong> e a distribuição <strong>de</strong>sigual <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> cidadão, com<br />

configurações alicerçadas nos mecanismos <strong>de</strong> difusão das penalida<strong>de</strong>s<br />

neoliberais reforça a suposta saída: o avanço <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Penal e o recuo <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> Social.<br />

Há, portanto, a redução <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Social via efetivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

direitos sociais e humanos e endurecimento da intervenção penal. O Esta<strong>do</strong><br />

Penal: criminaliza e estigmatiza indivíduos compreendi<strong>do</strong>s como “anormais” para<br />

o convívio societário (GOFFMAN, 1993). Constatan<strong>do</strong>-se que o sistema prisional<br />

brasileiro representa a instância <strong>de</strong> punição da criminalida<strong>de</strong>, em particular <strong>de</strong><br />

segmentos vulnerabiliza<strong>do</strong>s (principalmente homens e mulheres com baixa<br />

escolarida<strong>de</strong>, em ida<strong>de</strong> produtiva para o trabalho e com precário acesso aos<br />

direitos humanos e sociais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong>ntro e fora <strong>do</strong> sistema<br />

prisional).<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

A partir <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s analisa<strong>do</strong>s, verifica-se que não é apenas a liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> locomoção que é tolhida para a população carcerária, mas se interditam<br />

também o acesso a outros direitos humanos fundamentais. Assim, a justiça falha<br />

para os que estão encarcera<strong>do</strong>s e o máximo que se oferece são frágeis direitos,<br />

que não dão possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se construir outro tipo <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> senão a <strong>de</strong><br />

um sistema que classifica e estigmatiza os que já são antes <strong>de</strong>sclassifica<strong>do</strong>s<br />

pela sua condição social, raça e gênero.<br />

Por isso, a justiça aparece distante <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> mostrada pelos<br />

indica<strong>do</strong>res sociais, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> as <strong>de</strong>ficiências estruturais e funcionais <strong>do</strong><br />

sistema carcerário, a exemplo da <strong>de</strong>mora no julgamento <strong>do</strong>s presos, da<br />

superlotação carcerária e <strong>de</strong> condições <strong>de</strong>sumanas no <strong>de</strong>correr da custódia,<br />

183


evelan<strong>do</strong> que o Brasil <strong>de</strong>scumpre os acor<strong>do</strong>s manti<strong>do</strong>s com as convenções e<br />

trata<strong>do</strong>s internacionais <strong>de</strong> direitos humanos e as leis nacionais, como o Código<br />

Penal, a Lei <strong>de</strong> Execução Penal e a Constituição <strong>de</strong> 1988 .<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong> acesso à justiça agravou a proporção<br />

mesma em que a socieda<strong>de</strong> se tornou mais complexa e os conflitos sociais<br />

tornaram-se mais acentua<strong>do</strong>s. Assim, os direitos humanos e sociais e o sistema<br />

penal não acompanharam o ritmo <strong>do</strong>s novos tempos, porque mantiveram<br />

práticas tradicionais <strong>de</strong> controle social baseadas na punição das “classes<br />

perigosas”, na contramão da política <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos humanos<br />

(ADORNO, 2006).<br />

Há, portanto, avanços no campo <strong>de</strong>mocrático no Brasil, mas que não<br />

lograram êxito, porque não romperam com as heranças <strong>do</strong> regime autoritário,<br />

ainda, pre<strong>do</strong>minante nas prisões pelo isolamento e segregação <strong>do</strong>s<br />

sentencia<strong>do</strong>s. Dessa forma, o Brasil revela um cenário <strong>de</strong> profundas e<br />

sucessivas violações <strong>de</strong> direitos.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ADORNO, Sérgio. Políticas <strong>de</strong> Segurança e Justiça Penal (Versão). Revista<br />

Iberoamericana. Universidad <strong>de</strong> Alcalá (espanha), 2016, p. 41-49.<br />

GOFFMAN, E. Estigma: la i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong>teriorada. 5. ed. Buenos Aires:<br />

Amorrortu, 1993.<br />

WACQUANT, L. As Prisões da Miséria. Tradução <strong>de</strong> André Telles. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Jorge Zahar, 1999.<br />

TRINDADE, José Damião <strong>de</strong> Lima. História social <strong>do</strong>s direitos humanos. 3.<br />

ed. São Paulo: Peirópolis, 2011.<br />

BRASIL. Decreto-lei n o 2.848, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1940. Presidência da<br />

República, Planalto, Brasília.<br />

______. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988. Presidência<br />

da República, Planalto, Brasília.<br />

______. Lei <strong>de</strong> Execução Penal. Lei nº 7.210, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1984.<br />

Presidência da República, Planalto, Brasília.<br />

184


INFOPEN – Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional <strong>de</strong><br />

Informações Penitenciárias. Ministério da Justiça e Segurança Pública –<br />

Atualização julho <strong>de</strong> 2016. Brasília/DF, 2017.<br />

_____. Levantamento Nacional <strong>de</strong> Informações Penitenciárias – Infopen<br />

Mulheres. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Brasília/DF, 2. Ed., 2018.<br />

185


RESUMO<br />

TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS E OS RISCOS A DIREITOS<br />

FUNDAMENTAIS NA SUPREMA CORTE BRASILEIRA<br />

BARBOSA, Gabriel Henrique Vieira<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

gh.barbosa@gmail.com<br />

SOUZA, Marcia Cristina Xavier <strong>de</strong><br />

Orienta<strong>do</strong>ra - Doutora<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

marciasouza@direito.ufrj.br<br />

Inteligências Artificiais geralmente evocam ficção científica ou algum gênero <strong>de</strong><br />

fantasia; no entanto, essas tecnologias já são uma realida<strong>de</strong> em nosso dia a dia,<br />

ainda que não sejam muito aparentes na rotina e já <strong>de</strong>finem diversos aspectos<br />

<strong>de</strong> nossas vidas. Totalmente distintas <strong>do</strong>s simpáticos ou maléficos robôs<br />

representa<strong>do</strong>s em filmes <strong>de</strong> Hollywood, se parecen<strong>do</strong> mais com gran<strong>de</strong>s salas<br />

<strong>de</strong> supercomputa<strong>do</strong>res programa<strong>do</strong>s com algoritmos que realizam tarefas, as<br />

chamadas IA’s, trabalham <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidin<strong>do</strong> qual o anúncio mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> que<br />

aparecerá em re<strong>de</strong>s sociais até quais as melhores estratégias processuais a<br />

serem buscadas por escritórios <strong>de</strong> advocacia.<br />

O Direito vem, cada vez mais, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> suas barreiras para essas novas<br />

tecnologias em seu exercício, realizan<strong>do</strong> tarefas até então inimagináveis, pon<strong>do</strong><br />

em perspectiva uma mudança na realida<strong>de</strong> da mão <strong>de</strong> obra na advocacia;<br />

entretanto, quan<strong>do</strong> alcançam o campo da ativida<strong>de</strong> jurisdicional estatal estes<br />

softwares colocam em xeque uma ampla gama <strong>de</strong> paradigmas e <strong>de</strong>safios ainda<br />

não analisa<strong>do</strong>s pela <strong>do</strong>utrina tradicional.<br />

Mesmo que limitadas a não proferir sentenças, o uso Inteligências Artificiais em<br />

funcionamento em tribunais superiores brasileiros como o STF (Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral) acaba por <strong>do</strong>tar esses algoritmos <strong>de</strong> uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória<br />

residual. E, a falta da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auditabilida<strong>de</strong> das mesmas ou mesmo a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se culpabilizar a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um software fazem emergir<br />

questionamentos sobre a garantia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> Fundamentais e Princípios<br />

Processuais, lançan<strong>do</strong> sombras e dúvidas se estamos prontos para uma nova<br />

era tecnológica sem que, no processo, acabemos por ferir princípios basilares<br />

<strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito.<br />

186


Palavras-chave: Inteligência Artificial; Suprema Corte Brasileira; Direito<br />

Processual; <strong>Direitos</strong> Fundamentais; <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

Artificial Intelligence (AI) is a term that often evokes genres such as science<br />

fiction or fantasy. However, these technologies are already a reality in everyday<br />

life, <strong>de</strong>fining several aspects of our lives <strong>de</strong>spite not being very evi<strong>de</strong>nt on a daily<br />

basis. Totally distinct from the friendly or evil robots portrayed in Hollywood films,<br />

AIs resemble large supercomputer centers, programmed with task-performing<br />

algorithms. Their job ranges from <strong>de</strong>ciding which are the most appropriate social<br />

media advertisements to helping law firms find the best strategies in procedural<br />

law.<br />

The legal field has been increasingly breaking <strong>do</strong>wn barriers in or<strong>de</strong>r to insert<br />

these new technologies into its practices: often given innocent names, they are<br />

capable of completing tasks that were inconceivable up until now, putting a<br />

change in lawyers' labor force reality into perspective. Nonetheless, when it<br />

comes to jurisdictional activity, these softwares face a wi<strong>de</strong> spectrum of<br />

paradigms and challenges that have yet to be analyzed by most jurists.<br />

Regardless of not being able to ren<strong>de</strong>r a judgement, AIs have been en<strong>do</strong>wed<br />

with a residual <strong>de</strong>cision-making capacity through their algorithms after being<br />

used in higher courts, such as the Brazilian Supreme Fe<strong>de</strong>ral Court (STF). On<br />

the other hand, their lack of practical auditability, as well as the nearly impossible<br />

obstacles when it comes to holding softwares responsible for their <strong>de</strong>cisions, put<br />

fundamental rights and procedural principles into jeopardy and bring out <strong>do</strong>ubts<br />

about our ability to face a new technological age without violating fundamental<br />

principles and the rule of law throughout this process.<br />

Keywords: Artificial Intelligence; Brazilian Supreme Court; Procedure Law;<br />

Fundamental Rights; Human Rights.<br />

187


INTRODUÇÃO<br />

Tecnologias que são capazes <strong>de</strong> promover uma ruptura <strong>de</strong> pensamento<br />

e mudam o entendimento sobre <strong>de</strong>terminada prática, crian<strong>do</strong> uma nova cultura<br />

ao entorno <strong>de</strong> si que não po<strong>de</strong> ser comparada a nada anteriormente realiza<strong>do</strong><br />

são chamadas <strong>de</strong> Disruptivas. As Inteligências Artificiais construídas a partir <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>s neurais e <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> uma capacida<strong>de</strong> comumente chamada Machine<br />

Learning po<strong>de</strong>m ser classificadas <strong>de</strong>ssa maneira, uma vez que têm uma infinita<br />

e ainda muito pouco mapeada potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar tarefas antes realizadas<br />

apenas por humanos, principalmente em sua altíssima capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta<br />

a problemas até então ti<strong>do</strong>s como impossíveis <strong>de</strong> serem respondi<strong>do</strong>s<br />

computacionalmente.<br />

A revolução trazida por esse tipo <strong>de</strong> tecnologia resi<strong>de</strong> na aptidão <strong>de</strong>sses<br />

algoritmos, quan<strong>do</strong> acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> hardwares <strong>de</strong> enorme capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

processamento, <strong>de</strong> não apenas apresentarem uma resposta não programada<br />

por completo como <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r novas práticas durante o processamento <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, além <strong>de</strong> se conseguirem se condicionar a bases<br />

<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s previamente processadas como mo<strong>de</strong>lo.<br />

Tais práticas po<strong>de</strong>m parecer totalmente a<strong>de</strong>quadas ao pensamento<br />

jurídico atual e na obtenção <strong>de</strong> auxílio, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> tarefas que<br />

<strong>de</strong>safogam as <strong>de</strong>mandas processuais. Ten<strong>do</strong> em vista que esses softwares<br />

po<strong>de</strong>m realizar em segun<strong>do</strong>s uma tarefa que atualmente um assessor jurídico<br />

ou mesmo o próprio magistra<strong>do</strong> leva preciosas horas; situação que <strong>de</strong>senvolve<br />

especial significa<strong>do</strong> ao se pensar no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro e sua<br />

colossal fila processual.<br />

Neste momento os exemplos trazi<strong>do</strong>s pelos escritórios <strong>de</strong> advocacia e os<br />

impressionantes da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> rendimento e economia <strong>de</strong> tempo são sedutores. A<br />

IA Ross, <strong>de</strong>senvolvida pela IBM e já em uso no Brasil 1 , é capaz <strong>de</strong> diminuir em<br />

até 30% 2 o gasto <strong>de</strong> tempo realiza<strong>do</strong> pelos profissionais; o mesmo caso da IA<br />

1<br />

AGRELA, Lucas. Inteligência artificial da IBM já ajuda advoga<strong>do</strong>s brasileiros – Exame.<br />

Disponível em https://exame.abril.com.br/tecnologia/inteligencia-artificial-da-ibm-ja-ajudaadvoga<strong>do</strong>s-brasileiros/.<br />

Acesso em: 13. Nov. 2018<br />

2<br />

BECKER, Daniel; LAMEIRÃO, Pedro. Better call ROSS – Associação Brasileira <strong>de</strong> Lawtechs<br />

& Legaltechs. Disponível em https://www.ab2l.org.br/better-call-ross/. Acesso em 13. Nov. 2018<br />

188


Coin, <strong>de</strong>senvolvida pela JPMorgan, que, por sua vez, realiza em um ano o que<br />

um humano levaria 360 mil horas <strong>de</strong> trabalho 3 , sen<strong>do</strong> o equivalente ao trabalho<br />

anual <strong>de</strong> 202 funcionários.<br />

Os números analisa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma fria chocam e geram uma tendência <strong>de</strong><br />

aceitação pelo uso <strong>de</strong>ssas tecnologias em tribunais, contu<strong>do</strong>, há <strong>de</strong> se salientar<br />

uma diferença fundamental no uso <strong>de</strong> tais ferramentas como parte da estratégia<br />

da advocacia em relação a seu uso no Juízo: Advoga<strong>do</strong>s atuam na esfera<br />

particular tanto no que tange ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estratégias quanto nos<br />

contratos com clientes propriamente ditos, uma vez que a prática da advocacia,<br />

em geral, é meramente satisfatória. Em caso <strong>de</strong> erros ou mesmo <strong>de</strong> insatisfação<br />

<strong>do</strong> cliente, as consequências são apenas entre as partes <strong>do</strong> contrato e po<strong>de</strong>m<br />

ser sanadas <strong>de</strong> diversas formas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que o advoga<strong>do</strong> se resguarda no uso<br />

das tecnologias, sob pena <strong>de</strong> perda <strong>do</strong> cliente em caso <strong>de</strong> uso indiscrimina<strong>do</strong> ou<br />

erro <strong>de</strong> software. Quan<strong>do</strong> trazidas para a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Juízo as consequências<br />

geralmente vão além <strong>do</strong> caso em questão e os erros po<strong>de</strong>m gerar mais custos<br />

ao Esta<strong>do</strong>, pon<strong>do</strong> em risco o patrimônio, a liberda<strong>de</strong> ou outros direitos<br />

fundamentais das partes envolvidas no litígio.<br />

OBJETIVOS<br />

Os objetivos <strong>do</strong> presente artigo são, inicialmente, realizar um<br />

mapeamento das funções atuais e planejadas para a Inteligência Artificiai da<br />

Suprema Corte brasileira. Isto posto, efetuar uma análise <strong>de</strong>ssas funções a partir<br />

<strong>do</strong>s princípios que regem a Teoria Geral <strong>do</strong> Processo no que tange à<br />

manutenção e efetivação <strong>do</strong>s direitos fundamentais das partes. Por fim,<br />

questionar se é possível que tais algoritmos já sejam capazes <strong>de</strong> realizar suas<br />

tarefas <strong>de</strong> maneira satisfatória resguardan<strong>do</strong> as garantias previstas na<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira ou quais são os paradigmas e <strong>de</strong>safios a serem<br />

enfrenta<strong>do</strong>s pelo direito ante a implementação <strong>de</strong>sses algoritmos no processo.<br />

3<br />

BICUDO, Lucas. Robô faz em segun<strong>do</strong>s o que <strong>de</strong>morava 360 mil horas para um advoga<strong>do</strong> –<br />

Startse. Disponível em https://startse.com/noticia/software-<strong>do</strong>-jpmorgan. Acesso em: 13. Nov.<br />

2018<br />

189


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

A teoria que norteia o funcionamento e <strong>de</strong>senvolvimento das Inteligências<br />

Artificiais, trazida por Simon Haykin (2008), sobre a forma que se comportam<br />

algoritmos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Machine Learning, sua incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auditabilida<strong>de</strong><br />

completa e <strong>de</strong> busca por <strong>de</strong>cisões padronizadas que não necessariamente<br />

seguem limites morais postos, ten<strong>do</strong> por efeito apenas uma perpetuação <strong>do</strong><br />

treinamento ou constante mudança a partir <strong>do</strong>s com o qual se alimenta o<br />

sistema, <strong>de</strong>monstra que; posto por visão principiológica <strong>de</strong> Direito Processual,<br />

conforme Fredie Didier Jr. (2017); Lênio Streck (2017); Leonar<strong>do</strong> Greco (2015)<br />

e Nelson Nery Jr. (2018) po<strong>de</strong>rá haver o surgimento <strong>de</strong> diversas lacunas e<br />

flexibilizações nas garantias e direitos fundamentais quan<strong>do</strong> no transcorrimento<br />

<strong>de</strong> processos por meio <strong>de</strong> tais gêneros <strong>de</strong> software. Esta situação po<strong>de</strong>rá ser<br />

agravada quan<strong>do</strong> seu uso estiver generaliza<strong>do</strong> na mais alta corte <strong>do</strong> Brasil, o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que ostenta a posição <strong>de</strong> ser tribunal constitucional<br />

e, também, a última corte recursal. Aos objetivos <strong>do</strong> presente trabalho se mostra<br />

a<strong>de</strong>quada a análise da utilização da IA utilizada pelo STF, <strong>de</strong>nominada Victor,<br />

suscitan<strong>do</strong> a discussão se seria realmente a<strong>de</strong>quada a forma <strong>de</strong> instalação e<br />

uso <strong>de</strong> Inteligências Artificiais no juízo brasileiro partin<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> instâncias<br />

superiores.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

A pesquisa se realiza por meio <strong>de</strong> análise bibliográfica <strong>do</strong>utrinária sobre<br />

garantias processuais e constitucionais, bem como por estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

funcionamento e aprendizagem das IA’s atualmente empregadas em tribunais;<br />

posteriormente, o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> casos ilustrativos e consolida<strong>do</strong>s sobre o tema em<br />

conjunto com a observação <strong>do</strong> funcionamento e resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> algoritmo<br />

emprega<strong>do</strong> no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Com base em to<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s<br />

coleta<strong>do</strong>s, objetiva-se realizar um diagnóstico sobre o funcionamento à luz da<br />

<strong>do</strong>utrina jurídica atual realizan<strong>do</strong> uma comparação entre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> agir da<br />

máquina ante o procedimento que era realiza<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> sua implementação.<br />

190


RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

As consequências <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> Inteligências Artificiais na atuação <strong>de</strong><br />

tribunais po<strong>de</strong>m ser entendidas em meio a exemplos estrangeiros que tornam<br />

cristalinos alguns <strong>do</strong>s riscos à direitos fundamentais que as limitações <strong>de</strong>ssa<br />

tecnologia ainda são capazes <strong>de</strong> trazer ao <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal.<br />

Nos EUA a ONG Propublica trouxe à público em 2016 4 um estu<strong>do</strong> sobre<br />

a COMPAS (Correctional Offen<strong>de</strong>r Management Profiling for Alternative<br />

Sanctions) uma Inteligência Artificial <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> Machine Learning e que tem por<br />

função traçar a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reincidência <strong>de</strong> réus em diversos Esta<strong>do</strong>s e,<br />

com ajuda <strong>de</strong>sses números, os juízes proferem sentenças. A Inteligência<br />

Artificial toma por base, entre outros, a jurisprudência, casos <strong>de</strong> reincidência e<br />

da<strong>do</strong>s sociais da região <strong>de</strong> residência <strong>do</strong> réu, para, <strong>de</strong>sta forma, traçar a chance<br />

<strong>de</strong> reincidência; entretanto, foi constata<strong>do</strong> no estu<strong>do</strong> que IA atua <strong>de</strong> maneira a<br />

ter uma avaliação mais negativa para homens negros em uma discrepância que<br />

chega ao <strong>do</strong>bro da <strong>de</strong> homens na mesma situação.<br />

Em um primeiro momento esta avaliação po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sconcertante, mas,<br />

à luz <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> funcionamento <strong>de</strong>sses algoritmos essa conclusão se torna<br />

menos surpreen<strong>de</strong>nte, uma vez que Inteligências Artificiais como a COMPAS<br />

são <strong>de</strong>senvolvidas para i<strong>de</strong>ntificar e dar uma resposta a padrões e<br />

comportamentos, as quais se inserem os preconceitos.<br />

Quan<strong>do</strong> se parte <strong>de</strong> uma base <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s formada por comportamentos<br />

humanos, como a jurisprudência, certos padrões se perpetuam no tempo, no<br />

caso acima, esse padrão é o preconceito racial que assola a socieda<strong>de</strong> norte<br />

americana. Ao se ver diante <strong>de</strong>ste padrão a IA ten<strong>de</strong> a repeti-lo uma vez que<br />

numa análise <strong>de</strong> <strong>de</strong>sse gênero não se processa a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação<br />

e senso crítico da máquina ou mesmo a argumentação utilizada pelos<br />

advoga<strong>do</strong>s, esses preceitos são postos <strong>de</strong> la<strong>do</strong> em troca <strong>de</strong> se formar o<br />

chama<strong>do</strong> Big Data, um banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>codifica em números os mais<br />

diversos comportamentos humanos.<br />

4<br />

LARSON, Jeff; ANGWIN, Julia; KIRCHNER, Lauren; MATTU, Surya. Machine Bias: There’s<br />

software used acorss the country to predict future criminals. And it’s biased against blacks. –<br />

ProPublica. Disponível em https://www.propublica.org/article/machine-bias-risk-assessments-incriminal-sentencing.<br />

Acesso em: 11. nov. 2018<br />

191


Ao tentar funcionar como o cérebro humano, uma IA incorre em erros<br />

humanos, no entanto, há uma diferença. Um humano po<strong>de</strong> ser culpabiliza<strong>do</strong> por<br />

seus atos, enquanto um software não po<strong>de</strong> sofrer qualquer tipo <strong>de</strong> sanção, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> que seus erros ten<strong>de</strong>m a ter consequências ainda não mapeadas na<br />

efetivação <strong>do</strong>s direitos fundamentais das partes envolvidas.<br />

Devi<strong>do</strong> ao caso COMPAS, começa a se tornar claro que as <strong>de</strong>stacadas<br />

capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong> e <strong>de</strong> respostas “imprevisíveis” 5 por parte <strong>do</strong>s<br />

Softwares <strong>de</strong> Inteligência Artificial po<strong>de</strong>m gerar lacunas legais ou até mesmo<br />

transgredir liberda<strong>de</strong>s individuais quan<strong>do</strong> utilizadas nos tribunais.<br />

Cabe aqui ressaltar que a imprevisibilida<strong>de</strong> dita não é aquela proveniente<br />

<strong>de</strong> uma aleatorieda<strong>de</strong>, mas sim <strong>de</strong> ser uma resposta diferente <strong>de</strong> uma<br />

anteriormente dada: quan<strong>do</strong> lidamos com algoritmos comuns, a programação é<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se mapear to<strong>do</strong> e qualquer tipo <strong>de</strong> situação possível <strong>de</strong> ser<br />

resolvi<strong>do</strong> pelo programa e a partir disso ele dará uma resposta mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />

com a pensada pelo programa<strong>do</strong>r. Por exemplo, ao se apertar a tecla com o<br />

<strong>de</strong>senho “X” seu smartphone ou computa<strong>do</strong>r saberá que <strong>de</strong>ve colocar uma letra<br />

“X” no texto que o usuário está redigin<strong>do</strong>, limitan<strong>do</strong> as respostas ao número <strong>de</strong><br />

teclas <strong>do</strong> tecla<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> receber <strong>de</strong> estímulo. Todavia, um software <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

“Machine Learning” criará, assim como o cérebro humano, uma resposta a partir<br />

<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s que foram recebi<strong>do</strong>s e, através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> treinamento,<br />

<strong>de</strong>senvolverá o aprendiza<strong>do</strong> necessário para a realização da tarefa. Esta<br />

capacida<strong>de</strong> o faz capaz <strong>de</strong> escrever um texto sobre qualquer tema sem que um<br />

ser humano precise efetuar digitação relativa ao assunto a ser aborda<strong>do</strong>. Desta<br />

forma, cria-se um salto <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> entre o que seria <strong>de</strong>corrente meramente<br />

<strong>de</strong> resposta para um aprendiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> certa forma próximo ao humano, porém,<br />

em um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> tempo muito menor que a curva <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> uma<br />

inteligência natural.<br />

Como consequência <strong>de</strong>sses aspectos <strong>de</strong> funcionamento, uma Inteligência<br />

Artificial também po<strong>de</strong> trabalhar por analogia, buscan<strong>do</strong> em diversos conjuntos<br />

5<br />

FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel; WOLFKART, Erik Navarro. “Arbitrium ex machina”:<br />

panorama, riscos e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulação da <strong>de</strong>cisões informadas por algoritmos – São<br />

Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, v. 107, n. 995, p. 635-655, set. 2018.<br />

192


<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s algum tipo <strong>de</strong> semelhança e <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> uma resposta, tal qual um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jurisprudência, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> condicionada a um padrão imposto por<br />

da<strong>do</strong>s apreendi<strong>do</strong>s anteriormente.<br />

Essas duas capacida<strong>de</strong>s em especial são as que mais geram impacto<br />

quan<strong>do</strong> trazidas para o Direito. É importante salientar que, em usos distintos <strong>do</strong><br />

jurídico, geralmente, pouco importa ao usuário final <strong>do</strong> software, o caminho<br />

percorri<strong>do</strong> e os pressupostos leva<strong>do</strong>s em consi<strong>de</strong>ração pela Inteligência<br />

Artificial, além <strong>do</strong>s conjuntos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s iniciais até uma <strong>de</strong>terminada resposta<br />

contanto que se alcancem os resulta<strong>do</strong>s almeja<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> uma IA é<br />

alimentada com uma série <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> animais, por exemplo, e é questionada<br />

quais <strong>de</strong>ssas são <strong>de</strong> gatos, pouco importa o conceito que este software <strong>de</strong>fine<br />

para o que seria um gato, ou mesmo qual seria exatamente o méto<strong>do</strong> para<br />

encontrá-lo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam gatos na resposta, e esse fosse o único objetivo,<br />

ele estaria alcança<strong>do</strong>. No pensamento jurídico, tão importantes quanto os<br />

resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s são a forma e a fundamentação utiliza<strong>do</strong>s para se chegar<br />

aquele ponto.<br />

O que po<strong>de</strong>mos nomear como o fundamento da resposta <strong>de</strong> uma<br />

Inteligência Artificial é algo irrastreável: sabe-se quais da<strong>do</strong>s são forneci<strong>do</strong>s à<br />

máquina e tem-se a informação <strong>de</strong> quais resulta<strong>do</strong>s são obti<strong>do</strong>s; mas ao se<br />

utilizar os princípios <strong>do</strong> Machine Learning em um programa, não se tem uma<br />

noção completa <strong>de</strong> como a máquina utilizou esses da<strong>do</strong>s para a obtenção <strong>do</strong>s<br />

resulta<strong>do</strong>s, o que, no caso <strong>do</strong> Direito, po<strong>de</strong> levar a violações <strong>de</strong> direitos<br />

fundamentais <strong>do</strong> ser humano.<br />

Ten<strong>do</strong> em vista a forma <strong>de</strong> funcionamento das inteligências artificiais e<br />

toman<strong>do</strong> por partida os primeiros paradigmas mapea<strong>do</strong>s ainda na fase<br />

introdutória <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, a discussão começa a tomar corpo quan<strong>do</strong> se toma<br />

conhecimento <strong>de</strong> Victor, o nome que guarda o po<strong>de</strong>roso sistema em<br />

implementação no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF) em parceria com a<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília. Nomeada em homenagem a Victor Nunes Leal 6 ,<br />

6<br />

//DG. Inteligência artificial vai agilizar a tramitação <strong>de</strong> processos no STF – Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Disponível em<br />

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu<strong>do</strong>=380038. Acesso em: 10.<br />

Nov. 2018<br />

193


Magistra<strong>do</strong> que criou e implementou as súmulas vinculantes, Victor é uma<br />

Inteligência Artificial com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar diversas tarefas <strong>do</strong> Tribunal ao<br />

mesmo tempo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> leitura e processamento <strong>de</strong> textos até análise e <strong>de</strong>scrição<br />

<strong>de</strong> imagens. Também é capaz <strong>de</strong> realizar classificações e até mesmo <strong>de</strong>finir se<br />

<strong>de</strong>terminadas peças assumem certas características esperadas para que sejam<br />

admitidas no STF, tecnicamente poupan<strong>do</strong> tempo e horas <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>s<br />

servi<strong>do</strong>res da instituição que, segun<strong>do</strong> informou a então presi<strong>de</strong>nte da casa,<br />

Ministra Carmen Lúcia, serão realoca<strong>do</strong>s para outras tarefas <strong>de</strong>ntro da<br />

organização <strong>do</strong> Tribunal.<br />

Inician<strong>do</strong> seus trabalhos no dia 30 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2018 7 como a primeira<br />

Inteligência Artificial a atuar diretamente em tribunais <strong>do</strong> país, Victor tem por<br />

tarefa, inicialmente, realizar o processamento; separação <strong>de</strong> inicio e fim <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>cumentos e classificação por matéria da gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s recursos<br />

extraordinários recepciona<strong>do</strong>s pelo Tribunal (atualmente em torno <strong>de</strong> 95% <strong>do</strong>s<br />

temas são analisa<strong>do</strong>s), sem, segun<strong>do</strong> a ministra, proferir qualquer tipo <strong>de</strong><br />

sentença. No entanto, faz o juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> recurso extraordinário,<br />

<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> se tal recurso é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> ou não <strong>de</strong> repercussão geral, ten<strong>do</strong>, portanto,<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisória residual em relação a distribuição <strong>do</strong>s RE’s; além disso, é<br />

espera<strong>do</strong> pela equipe que gere o projeto que, em breve, to<strong>do</strong>s os tribunais <strong>do</strong><br />

país po<strong>de</strong>rão se usar <strong>de</strong> Victor para realizar o processamento <strong>de</strong> seus<br />

respectivos Recursos Extraordinários.<br />

A partir <strong>de</strong>stas atribuições <strong>de</strong> tarefas e ten<strong>do</strong> em vista os conceitos <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>s neurais, é possível realizar uma análise com base nos princípios<br />

processuais que são perpassa<strong>do</strong>s durante os procedimentos realiza<strong>do</strong>s por<br />

Victor e quais os riscos impostos à garantia <strong>do</strong>s direitos fundamentais diante das<br />

capacida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> software em realizar tais tarefas <strong>de</strong> maneira satisfatória.<br />

7<br />

PR/AD. Ministra Cármen Lúcia anuncia início <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> Projeto Victor, <strong>de</strong><br />

inteligência artificial – Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Disponível em<br />

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu<strong>do</strong>=388443. Acesso em: 10.<br />

out. 2018<br />

194


CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Ainda não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> possível realizar to<strong>do</strong> o mapeamento <strong>de</strong> impacto <strong>do</strong><br />

uso <strong>de</strong> Victor enquanto ferramenta da Suprema Corte brasileira, foi, até o<br />

momento, chegar às seguintes conclusões e questionamentos:<br />

O primeiro direito fundamental afeta<strong>do</strong> diretamente é o <strong>de</strong> acesso à<br />

informação, já que, lastrea<strong>do</strong> pelo princípio da fundamentação judicial e da<br />

publicida<strong>de</strong>, toda e qualquer <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> juízo, mesmo que não sen<strong>do</strong> uma<br />

sentença, <strong>de</strong>veria ser tornada pública acompanhada <strong>do</strong>s fundamentos que<br />

motivaram a tomada da mesma, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> processual ou mesmo<br />

responsabilização <strong>do</strong> membro <strong>do</strong> juízo que a <strong>de</strong>terminou. Quan<strong>do</strong> recai sobre<br />

um algoritmo a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar tanto se é um caso <strong>de</strong><br />

repercussão geral quanto qual o tema que o acompanha, há nessa <strong>de</strong>cisão uma<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentação e <strong>de</strong> entendimento das motivações que levaram<br />

o algoritmo a pensar <strong>de</strong>ssa maneira para caso <strong>de</strong> um questionamento via recurso<br />

ou mesmo <strong>de</strong> validação humana <strong>do</strong> procedimento. Entretanto, como já<br />

observa<strong>do</strong>, a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auditabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão coloca em xeque essa<br />

possibilida<strong>de</strong>, inclusive geran<strong>do</strong> obstáculos para o livre exercício <strong>do</strong><br />

contraditório, pois não fornece ao impetrante material o bastante para<br />

entendimento <strong>do</strong> ato e argumentação em senti<strong>do</strong> oposto.<br />

Ao não se ser capaz <strong>de</strong> realizar a auditoria <strong>do</strong> algoritmo, atingimos um<br />

novo nível <strong>de</strong> problemática no procedimento realiza<strong>do</strong>, pois nesse momento o<br />

comportamento da IA não po<strong>de</strong> ser audita<strong>do</strong> por agir tal qual um cérebro<br />

humano, no entanto, ainda que não sejam auditáveis, humanos são<br />

culpabilizáveis. Tal característica proporciona um bom andamento <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />

processo legal uma vez que há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um recurso ou reexame da<br />

<strong>de</strong>cisão por parte <strong>do</strong> juízo, a exemplo <strong>de</strong> procedimentos com os Embargos <strong>de</strong><br />

Declaração, contu<strong>do</strong>, não há no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro qualquer tipo <strong>de</strong><br />

recurso que tenha em vista o questionamento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão que não tenha<br />

si<strong>do</strong> tomada por um ser humano e tal possibilida<strong>de</strong> evoca uma série <strong>de</strong><br />

consequências <strong>do</strong>utrinárias; seria uma Inteligência Artificial capaz <strong>de</strong> ser<br />

igualada a um ser humano a ponto <strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> recurso? Neste caso, seriam<br />

necessárias Alterações ao Artigo 5º inciso LIII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que<br />

195


<strong>de</strong>fine o princípio <strong>do</strong> Juiz Natural, para abarcar também os algoritmos?<br />

Perguntas até o momento com respostas latentes em nossa experiência jurídica.<br />

À exemplo da COMPAS, ainda recai sobre Victor uma série <strong>de</strong> dúvidas<br />

sobre como seriam suas respostas aos comportamentos da corte a partir <strong>de</strong> <strong>do</strong>is<br />

aspectos principais: 1) Como ocorreria a organicida<strong>de</strong> na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e<br />

mudança <strong>de</strong> entendimento por parte <strong>do</strong>s ministros enquanto órgão colegia<strong>do</strong> em<br />

relação com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> treinamento da Inteligência Artificial e como<br />

introduzir novos padrões a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão vinculante da corte?; 2) quais<br />

ferramentas tanto <strong>de</strong> programação quanto jurídicas capazes <strong>de</strong> evitar com que<br />

Vitor reproduza em seus diagnósticos os mesmos vícios nota<strong>do</strong>s no<br />

comportamento <strong>do</strong> Software estaduni<strong>de</strong>nse? ; questões ainda nebulosas diante<br />

da necessida<strong>de</strong> constante <strong>de</strong> busca por padrões como força motora <strong>do</strong><br />

funcionamento <strong>de</strong>sses algoritmos.<br />

REFERÊNCIAS<br />

DIDIER JR, Fredie. Curso <strong>de</strong> direito processual civil: introdução ao direito<br />

processual civil, parte geral e processo <strong>de</strong> conhecimento/Fredie Didier Jr. – 19.<br />

Ed. – Salva<strong>do</strong>r: Ed. Jus Podivm, 2017. V.1. 880p<br />

NUNES, Dierle; STRECK, Lenio Luiz; CUNHA, Leonar<strong>do</strong> Carneiro da.<br />

Comentários Ao Código De Processo Civil . 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017<br />

GRECO, Leonar<strong>do</strong>. Instituições <strong>de</strong> Processo Civil. Introdução ao Direito<br />

Processual Civil - Volume I: Volume 1. 5ª Ed. rev. e atual. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Forense, 2015.<br />

NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Código De Processo Civil<br />

Comenta<strong>do</strong>. 17ª Ed. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2018.<br />

HAYKIN, S. O. Neural Networks and Learning Machines. 3 Ed. Ontario: Prentice<br />

Hall, 2008.<br />

196


FERRARI, Isabela; BECKER, Daniel; WOLFKART, Erik Navarro. “Arbitrium ex<br />

machina”: panorama, riscos e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulação da <strong>de</strong>cisões<br />

informadas por algoritmos – São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, v. 107, n. 995, p.<br />

635-655, set. 2018.<br />

197


UMA NOVA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO DE ACESSO À<br />

JUSTICA, ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E CIDADANIA<br />

RESUMO<br />

MONTEIRO, Susana Isabel da Cunha Sardinha<br />

Doutora em Direito<br />

IJP - Politécnico <strong>de</strong> Leiria<br />

susana.monteiro@ipleiria.pt<br />

CEBOLA, Cátia Sofia Marques<br />

Doutora em Direito<br />

IJP – Politécnico <strong>de</strong> Leiria<br />

catia.cebola@ipleiria.pt<br />

O direito <strong>de</strong> acesso aos Tribunais constitui um direito fundamental que encontra<br />

consagração expressa em Constituições e leis fundamentais <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>rnos<br />

Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mocráticos, bem como nos principais textos internacionais <strong>de</strong><br />

proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Destacamos, neste âmbito, o art. 6.º da<br />

Convenção Europeia <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem (CEDH). Não obstante o conteú<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>sta norma, enten<strong>de</strong>-se que po<strong>de</strong>m existir limitações ao direito <strong>de</strong> acesso aos<br />

tribunais na medida em que essas limitações sejam justificadas. O mo<strong>de</strong>lo<br />

tradicional <strong>de</strong> Administração da Justiça, assente num quase monopólio da<br />

atuação <strong>do</strong>s Tribunais, não se coaduna com o atual conceito <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito<br />

<strong>de</strong>mocrático nem com um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cidadania. Uma cidadania ativa,<br />

participativa e responsável que reclama uma maior intervenção no espaço<br />

público e, consequentemente, no acesso à Justiça. Ora, os meios extrajudiciais<br />

<strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos não terão <strong>de</strong> contrariar o art. 6.º da CEDH, mas antes<br />

afirmam-se como concretiza<strong>do</strong>res da justiça <strong>de</strong> cada caso.<br />

Palavras-chave: <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>; Acesso à Justiça; Cidadania; MARL<br />

ABSTRACT<br />

The right of access to the Courts is a fundamental right that is established in<br />

Constitutions and fundamental laws of mo<strong>de</strong>rn <strong>de</strong>mocratic states, as well as in<br />

the main international texts for the protection of Human Rights. In this specific<br />

context we highlight, art. 6 of the European Convention on Human Rights<br />

(ECHR).<br />

198


Despite the content of this legal standard, it is commonly un<strong>de</strong>rstood that there<br />

may be limitations to the right of access to the courts as far as such limitations<br />

are justified. The traditional mo<strong>de</strong>l of Administration of Justice, based on an<br />

almost exclusively Courts' jurisdiction, is not in line with the current concept of a<br />

<strong>de</strong>mocratic State of Law or even with a new mo<strong>de</strong>l of citizenship. An active,<br />

participatory and responsible citizenship that <strong>de</strong>mands greater intervention in the<br />

public sphere, including the access to justice. However, the implementation of<br />

alternative dispute resolution mechanisms <strong>do</strong>es not necessary implied a violation<br />

of the art. 6 of the ECHR, but rather stand as an a<strong>de</strong>quate mean of establishing<br />

justice in each matter.<br />

Keywords: Human rights; Access to justice; Citizenship; ADR<br />

1. O reconhecimento e a proclamação <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na Europa e<br />

no Mun<strong>do</strong>: fundamentos, princípios e evolução<br />

De origem cristã, os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> 1 são atualmente um símbolo não<br />

apenas da Europa, mas também um símbolo mundial, ou pelo menos um<br />

símbolo para o mun<strong>do</strong> oci<strong>de</strong>ntal. De tal forma que os direitos fundamentais, civis,<br />

políticos, económicos, sociais e culturais, assim como as liberda<strong>de</strong>s<br />

fundamentais que se encontram, hoje, consagradas nas Constituições da maior<br />

parte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s da comunida<strong>de</strong> internacional, bem como em diversos<br />

instrumentos jurídicos internacionais (Cartas, Convenções, Declarações, Pactos<br />

e Protocolos Internacionais) não são mais <strong>do</strong> que o reflexo das vicissitu<strong>de</strong>s e<br />

contingências da evolução histórica da humanida<strong>de</strong>. São o resulta<strong>do</strong> da luta e<br />

conquista <strong>do</strong> Homem por um conjunto <strong>de</strong> valores e princípios consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />

essenciais e básicos aos olhos <strong>do</strong>s cidadãos <strong>do</strong> século XXI. Valores e princípios<br />

1<br />

Os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> são os direitos <strong>do</strong> Homem, intemporais e váli<strong>do</strong>s para to<strong>do</strong>s os povos<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> assumin<strong>do</strong>, assim, a dimensão <strong>de</strong> direito natural. Resultam da própria essência<br />

humana, sen<strong>do</strong> portanto uma i<strong>de</strong>ia, um conceito que transcen<strong>de</strong> instituições, organizações e o<br />

próprio Esta<strong>do</strong>. Valem por si mesmos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer positivação, pelo que<br />

sem ela o Homem <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> o ser, razão pela qual quan<strong>do</strong> se fala em <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong><br />

estamos perante um conceito que transcen<strong>de</strong> a relação Esta<strong>do</strong>/Individuo, assumin<strong>do</strong> foros<br />

internacionais na medida em que nos reportamos ao núcleo duro da dignida<strong>de</strong> da pessoa<br />

humana.<br />

199


como a dignida<strong>de</strong>, a liberda<strong>de</strong>, a igualda<strong>de</strong>, a solidarieda<strong>de</strong> que, por sua vez, se<br />

baseiam noutros como os da responsabilida<strong>de</strong>, da autorida<strong>de</strong> e da<br />

universalida<strong>de</strong> 2 .<br />

Mas o reconhecimento, a proclamação, a institucionalização e a difusão<br />

<strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais não se concretizaram num<br />

curto espaço <strong>de</strong> tempo, nem <strong>de</strong> forma simultânea. Foram o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />

longa luta e evolução <strong>do</strong>s homens pela liberda<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os seres humanos. Mais longa ainda, foi a interiorização e aceitação, pelas<br />

socieda<strong>de</strong>s politicamente organizadas, da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os direitos <strong>de</strong> alguns<br />

<strong>de</strong>viam ser os direitos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, ou seja, <strong>do</strong> princípio da universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses<br />

mesmos direitos. Para tal foi necessário ultrapassar muitos e varia<strong>do</strong>s<br />

obstáculos, impedimentos e resistências.<br />

As atrocida<strong>de</strong>s cometidas durante a II Guerra Mundial, nomeadamente o<br />

genocídio <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us, fizeram aumentar as preocupações com a<br />

salvaguarda <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> o que impôs uma atenção especial por parte<br />

da comunida<strong>de</strong> internacional, pela sua consagração e consequente proteção.<br />

A Organização das Nações Unidas (ONU) <strong>de</strong>sempenhou um<br />

importantíssimo papel na proclamação e salvaguarda <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e<br />

das liberda<strong>de</strong>s fundamentais. Neste senti<strong>do</strong> e como forma <strong>de</strong> assegurar a paz e<br />

a segurança internacional, a ONU enten<strong>de</strong>u equacionar e codificar os princípios<br />

e as regras fundamentais inerentes aos <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> aprovada<br />

pela Assembleia Geral da ONU, a 10 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1948, a Declaração<br />

Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem. Logo no Preâmbulo a Assembleia Geral<br />

consi<strong>de</strong>ra que “o <strong>de</strong>sconhecimento e o <strong>de</strong>sprezo <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> homem<br />

conduziram a actos <strong>de</strong> barbárie que revoltam a consciência da humanida<strong>de</strong>” e<br />

que “um mun<strong>do</strong> em que os serem humanos sejam livres <strong>de</strong> falar e <strong>de</strong> crer,<br />

libertos <strong>do</strong> terror e da miséria foi proclamada como a mais alta inspiração <strong>do</strong><br />

homem”. Proclama, ainda, a “fé nos direitos fundamentais <strong>do</strong> homem, na<br />

2<br />

Os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> são concebi<strong>do</strong>s como realida<strong>de</strong>s universais e eternas. São inerentes à<br />

natureza humana. To<strong>do</strong>s os homens têm to<strong>do</strong>s os direitos e <strong>de</strong>veres. São universais (pois<br />

dizem respeito a to<strong>do</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sua condição ou situação); são originários e<br />

inalienáveis, porque nascem com o ser humano e referem-se-lhe quase geneticamente.<br />

200


dignida<strong>de</strong> e no valor da pessoa humana, na igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos <strong>do</strong>s homens e<br />

mulheres”.<br />

Após a tomada <strong>de</strong> posição da ONU, a Europa, principal vítima das<br />

atrocida<strong>de</strong>s cometidas durante a II Guerra Mundial, procurou a sua própria via,<br />

no senti<strong>do</strong> da proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Destaca-se a atuação <strong>do</strong><br />

Conselho da Europa 3 cuja criação se encontra indissociavelmente ligada à<br />

implementação <strong>de</strong> um espaço europeu <strong>de</strong> reconhecimento, valorização e<br />

proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Sob os seus auspícios foi a<strong>do</strong>tada em Roma,<br />

em Maio <strong>de</strong> 1950, a Convenção Europeia <strong>de</strong> Salvaguarda <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong><br />

Homem e das Liberda<strong>de</strong>s Fundamentais (CEDH), que entrou em vigor a 3 <strong>de</strong><br />

Setembro <strong>de</strong> 1953. Assente numa base i<strong>de</strong>ológica comum centrada na <strong>de</strong>fesa<br />

<strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, na <strong>de</strong>mocracia pluralista e no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, bem<br />

como na valorização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural e diversida<strong>de</strong> da Europa, o Conselho<br />

da Europa assumiu-se como o principal fórum europeu <strong>de</strong> implementação e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> europeia <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, <strong>de</strong> um<br />

espaço <strong>de</strong> valorização e reconhecimento <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, que se<br />

esten<strong>de</strong>u muito para além das fronteiras geográficas da Europa 4 .<br />

Não é nosso propósito, ten<strong>do</strong> em conta o tema central da presente<br />

investigação e o espaço forçosamente restrito <strong>de</strong>ste trabalho, apresentar uma<br />

exposição exaustiva <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Limitar-nos-emos a traçar, em<br />

termos gerais, a consagração <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> acesso à justiça, no âmbito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Direito.<br />

2. O direito <strong>de</strong> acesso à justiça – da sua evolução conceptual<br />

O conceito <strong>de</strong> acesso ao direito e à justiça foi ganhan<strong>do</strong> diferentes<br />

<strong>de</strong>nsificações por influência das i<strong>de</strong>ologias políticas e sociais vigentes ao longo<br />

3<br />

O Conselho da Europa, organização <strong>de</strong> cooperação europeia, foi instituí<strong>do</strong> pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Londres, assina<strong>do</strong> em 4 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1949.<br />

4<br />

A CEDH serviu <strong>de</strong> referência para os textos <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s noutros<br />

continentes, especialmente África e América. A nível da Organização <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Americanos<br />

e da União Africana, foram a<strong>do</strong>tadas a Convenção Americana sobre os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>,<br />

assinada a 22 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1969 em São José da Costa Rica (1969) e a Carta Africana <strong>do</strong>s<br />

<strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem e <strong>do</strong>s Povos a<strong>do</strong>tada em 1981 e entrada em vigor a 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1986.<br />

201


da sua evolução. Seguin<strong>do</strong> <strong>de</strong> perto o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cappelletti e Garth (1978, pp.<br />

6-7), nos Esta<strong>do</strong>s Liberais <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XVIII e <strong>do</strong> século XIX, o direito <strong>de</strong><br />

acesso à justiça era concebi<strong>do</strong> como um direito natural, não necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> suficiente que este não permitisse sua violação.<br />

Após a II Guerra Mundial, consoli<strong>do</strong>u-se uma nova tendência <strong>de</strong><br />

reconhecimento <strong>de</strong> direitos e obrigações sociais que os governos <strong>de</strong>veriam<br />

concretizar, sen<strong>do</strong> frequente a alusão ao Esta<strong>do</strong> Providência ou Welfare State.<br />

Neste contexto, o direito <strong>de</strong> acesso à justiça torna-se uma obrigação estatal que<br />

<strong>de</strong>ve ser assegura<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s os cidadãos, exigin<strong>do</strong>-se a eliminação <strong>de</strong> quaisquer<br />

barreiras que impeçam a sua realização.<br />

A promoção <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> acesso à justiça conduziu a um enorme<br />

crescimento da litigiosida<strong>de</strong> a que os tribunais judiciais não <strong>de</strong>ram a resposta<br />

necessária, em concreto pela crescente e evi<strong>de</strong>nte morosida<strong>de</strong> na resolução das<br />

<strong>de</strong>mandas colocadas pelos cidadãos (Cebola, 2013, pp. 44-48). Começa então<br />

a florescer a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, juntamente com os tribunais, <strong>de</strong>vem emergir e ser<br />

implementadas outras vias <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos. Surge, assim, uma nova<br />

tendência <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> meios alternativos aos tribunais que assume nos<br />

EUA a <strong>de</strong>signação Alternative Dispute Resolution (ADR) e que hoje tem a<strong>de</strong>são<br />

e repercussão em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />

O direito <strong>de</strong> acesso à justiça paulatinamente <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> restringir-se à<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer cidadão po<strong>de</strong>r recorrer a um tribunal judicial, para se<br />

concretizar na realização da justiça <strong>do</strong> caso concreto, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> garantir-se a<br />

efetiva igualda<strong>de</strong> das partes e a imparcialida<strong>de</strong> na administração da justiça, seja<br />

qual for a via seguida para a resolução <strong>de</strong> um conflito 5 . Verificou-se, portanto, a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> justiça, integran<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os meios<br />

legítimos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos jurídicos 6 .<br />

5<br />

Neste senti<strong>do</strong> Paula Costa e Silva afirma que “o direito <strong>de</strong> acesso ao Direito, pilar<br />

fundamental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, vem sofren<strong>do</strong> profundas transformações. Deixou <strong>de</strong> ser um<br />

direito <strong>de</strong> acesso ao Direito através <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> acesso aos tribunais para passar a ser um<br />

direito <strong>de</strong> acesso ao direito, <strong>de</strong> preferência sem contacto ou sem passagem pelos tribunais”<br />

(Silva, 2009, p. 19). Também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que os ADR estão incluí<strong>do</strong>s no conceito <strong>de</strong> acesso à<br />

justiça, veja-se Francioni, 2007, pp. 4-5.<br />

6<br />

Como refere Pedroso (2002, p.12) “O novo sistema integra<strong>do</strong> <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> litígios, <strong>de</strong>ve<br />

ter como consequência a assunção e reconhecimento pelo Esta<strong>do</strong> duma política pública <strong>de</strong><br />

202


3. Os meios extrajudiciais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos e a Convenção<br />

Europeia <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem<br />

Em termos europeus, o direito <strong>de</strong> acesso à justiça está consagra<strong>do</strong> no art.<br />

6.º, n.º 1 da CEDH. Com esta norma preten<strong>de</strong>-se garantir a to<strong>do</strong>s o direito a que<br />

um tribunal conheça e aprecie qualquer questão ou pretensão relativa a direitos<br />

e obrigações <strong>de</strong> carácter civil. Assim sen<strong>do</strong>, importa analisar a conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

art. 6.º, n.º 1 da CEDH, com a existência e implementação <strong>de</strong> meios extrajudiciais<br />

<strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos, uma vez que estes visam a solução <strong>do</strong> conflito sem<br />

recurso a um tribunal, o que, à primeira vista, parece contrariar aquela regra.<br />

Pois bem, nesta questão, o Tribunal Europeu <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem<br />

(TEDH) <strong>de</strong>clarou, em diversas ocasiões, que o direito <strong>de</strong> acesso à justiça não é<br />

absoluto, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sofrer limitações, uma vez que a sua natureza exige<br />

regulamentação por parte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, o que po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> tempo<br />

e <strong>do</strong> lugar ou <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s e recursos da comunida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s<br />

indivíduos em questão. Essas limitações não po<strong>de</strong>m, todavia, privar totalmente<br />

o indivíduo <strong>do</strong> acesso a um tribunal e, por outro la<strong>do</strong>, só serão consi<strong>de</strong>radas<br />

válidas se buscarem objetivos legítimos e forem proporcionais ao alcance<br />

<strong>de</strong>sses objetivos.<br />

Com base nessas premissas, o TEDH enten<strong>de</strong>u, por exemplo, que os<br />

Esta<strong>do</strong>s Contratantes não são obriga<strong>do</strong>s a submeter conflitos <strong>de</strong> natureza civil a<br />

procedimentos que sejam leva<strong>do</strong>s a cabo em cada um <strong>do</strong>s seus estádios <strong>de</strong><br />

resolução perante "tribunais". Assim, o TEDH consi<strong>de</strong>rou que imperativos <strong>de</strong><br />

flexibilida<strong>de</strong> e eficácia, totalmente compatíveis com a proteção <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos, po<strong>de</strong>m justificar a intervenção prévia <strong>de</strong> órgãos administrativos ou não<br />

jurisdicionais 7 .<br />

No processo Deweer vs. Bélgica, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1980, o TEDH<br />

analisou precisamente a conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s meios extrajudiciais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong><br />

conflitos com o art. 6 da CEDH, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> que cláusulas compromissórias<br />

justiça, que inclui os tribunais judiciais e o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “pluralismo jurídico e judicial”, ou seja,<br />

que reconhece também aos meios não judiciais legitimida<strong>de</strong> para dirimir conflitos”.<br />

7<br />

Veja-se, entre outras, as Sentenças <strong>do</strong> TEDH nos casos Lithgow e outros vs. Reino Uni<strong>do</strong> (8<br />

<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1986) e Philis vs. Grécia (27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1991).<br />

203


em contratos ou, no âmbito penal, o pagamento <strong>de</strong> multas acordadas pelas<br />

partes são, em princípio, soluções válidas, uma vez que revelam vantagens tanto<br />

para os cidadãos, como para a administração da justiça.<br />

A título <strong>de</strong> conclusão, enten<strong>de</strong>-se que po<strong>de</strong>m existir limitações ao direito<br />

<strong>de</strong> acesso à justiça na medida em que essas limitações sejam justificadas, pelo<br />

que os MARL não terão <strong>de</strong> contrariar o art. 6.º <strong>do</strong> TEDH.<br />

4. Em torno <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> cidadania<br />

Enten<strong>de</strong>-se por cidadania o conjunto <strong>de</strong> direitos e obrigações, civis e<br />

políticas, que ligam o indivíduo ao respetivo Esta<strong>do</strong>. Citamos Moura Ramos para<br />

quem “[a] cidadania (status civitatis <strong>do</strong>s Romanos) é o vínculo jurídico-político<br />

que, traduzin<strong>do</strong> a pertinência <strong>de</strong> um indivíduo a um Esta<strong>do</strong>, liga um indivíduo a<br />

um Esta<strong>do</strong>, o constitui perante este num particular conjunto <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong><br />

obrigações” (Ramos, 1983, p. 824-825).<br />

Este vínculo permite ao seu titular participar, direta ou indiretamente, nas<br />

<strong>de</strong>cisões soberanas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. O referi<strong>do</strong> vínculo confere-lhe três níveis <strong>de</strong><br />

direitos: primeiro, o direito que garante a igualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos perante a lei;<br />

segun<strong>do</strong>, direitos políticos, que permitem ao indivíduo participar no exercício da<br />

soberania nacional; e, terceiro, os direitos sociais que são o marco final <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da cidadania.<br />

A cidadania não é uma abstração, mas é um conceito in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, com<br />

múltiplas facetas e em torno <strong>do</strong> qual se circunscreve o espaço cívico. O cidadão<br />

é o homem universal <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> “direitos naturais, sagra<strong>do</strong>s e inalienáveis” 8 . A<br />

cidadania permite, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a participação, direta ou indireta, no exercício <strong>do</strong><br />

po<strong>de</strong>r político. Mas é mais <strong>do</strong> que isso, pelo que reduzir a cidadania ao direito<br />

<strong>de</strong> participação política, ao direito <strong>de</strong> voto, seria <strong>de</strong>formar a dimensão<br />

fundamental sociocultural <strong>do</strong> homem enquanto ente social com múltiplas<br />

dimensões e pertenças: territoriais, comunitárias, culturais.<br />

Foi com a formação e consolidação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um<br />

po<strong>de</strong>r soberano, supremo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (sem paralelo na or<strong>de</strong>m interna, nem<br />

8<br />

Preâmbulo da DUDH.<br />

204


igual na or<strong>de</strong>m externa) que o conceito <strong>de</strong> cidadania se foi <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong>,<br />

ganhan<strong>do</strong> projeção e se aproximou <strong>do</strong> seu conceito atual. Foi-se amplian<strong>do</strong> o<br />

círculo <strong>do</strong>s beneficiários <strong>do</strong>s direitos <strong>de</strong> cidadania, na medida em que se foram<br />

reduzin<strong>do</strong> as categorias <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> participar nos assuntos políticos <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>. A cidadania surge com as primeiras disposições legais que conferem<br />

direitos cívicos aos indivíduos e alarga-se aos direitos políticos com a<br />

implantação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mocráticos.<br />

Torna-se assim claro que a história e evolução <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> cidadania<br />

está indissociavelmente ligada à história e à evolução da <strong>de</strong>mocracia. As<br />

garantias da cidadania são a base, o fundamento, o sustentáculo <strong>de</strong> um sistema<br />

<strong>de</strong>mocrático. Relembramos as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles que <strong>de</strong>fendia ser nas<br />

<strong>de</strong>mocracias que se encontra o protótipo <strong>do</strong> cidadão. A cidadania refere-se a um<br />

conjunto <strong>de</strong> direitos, em especial aos direitos humanos e civis, e ao facto <strong>de</strong> nas<br />

<strong>de</strong>mocracias mo<strong>de</strong>rnas a soberania ter si<strong>do</strong> concebida como residin<strong>do</strong> no povo,<br />

<strong>de</strong>finida como o conjunto <strong>do</strong>s seus nacionais. Assim, não é possível a existência<br />

<strong>de</strong> uma cidadania real, sem ser no seio <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática na qual<br />

os cidadãos são os principais atores políticos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos inalienáveis à<br />

participação, proteção e providência. Estes direitos também sugerem, embora<br />

em termos menos rígi<strong>do</strong>s, direitos iguais, formalmente iguais a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong><br />

grau <strong>de</strong> pertença da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> reconhecimento e <strong>de</strong> integração.<br />

O mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> cidadania pren<strong>de</strong>-se com o mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>mocrático. Representa a revolução da igualda<strong>de</strong> e incorpora<br />

o princípio da valorização da responsabilida<strong>de</strong> individual. Não se coaduna com<br />

a visão clássica da cidadania cívico-política, uma cidadania passiva, limitada, no<br />

seu alcance e efeitos.<br />

O mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> cidadania <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> alargamento da sua base <strong>de</strong><br />

sustentação a novos <strong>do</strong>mínios da vida social, económica, associativa, jurídica e<br />

judicial. Impõe-se, para tal, <strong>de</strong>senvolver e estimular uma cidadania prática, ativa,<br />

informada, crítica, participativa, vigilante, empenhada e responsável. Um novo<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> cidadania em que se estimule e incentive a sua participação nos<br />

processos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão que, direta ou indiretamente, o afetam.<br />

205


5. Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito <strong>de</strong>mocrático, cidadania e acesso à justiça<br />

Socorremo-nos das <strong>do</strong>utas palavras <strong>de</strong> Gomes Canotilho que carateriza<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito como “(…) um Esta<strong>do</strong> ou uma forma <strong>de</strong> organização políticoestadual<br />

cuja activida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>terminada e limitada pelo direito” (Canotilho, 1999,<br />

p. 13) e que se caracteriza por um “governo <strong>de</strong> leis (e não <strong>de</strong> homens!) gerais e<br />

racionais, organização <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r segun<strong>do</strong> o princípio da divisão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res,<br />

prima<strong>do</strong> <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, garantia <strong>de</strong> tribunais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, reconhecimento <strong>de</strong><br />

direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias, pluralismo político, funcionamento <strong>do</strong> sistema<br />

organizatório estadual subordina<strong>do</strong> aos princípios da responsabilida<strong>de</strong> e <strong>do</strong><br />

controlo, exercício <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r estadual através <strong>de</strong> instrumentos jurídicos<br />

constitucionalmente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s” (Canotilho, 1999, p. 22).<br />

Na caracterização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito e relaciona<strong>do</strong> com o objeto <strong>de</strong>ste<br />

nosso estu<strong>do</strong>, importa fazer uma menção particular aos tribunais, órgãos <strong>de</strong><br />

soberania, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, imparciais e passivos, aos quais compete, em<br />

cumprimento <strong>do</strong> princípio da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e no exercício da função<br />

jurisdicional “administrar a justiça em nome <strong>do</strong> povo” 9 . Gomes Canotilho precisa<br />

a este propósito que “[n]um Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito pertence aos tribunais, através <strong>de</strong><br />

juízes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, dizer o direito. Num Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito <strong>de</strong>mocrático cabe<br />

aos magistra<strong>do</strong>s judicias dizer o direito em nome <strong>do</strong> povo” (Canotilho, 1999, p.<br />

71).<br />

Neste mesmo senti<strong>do</strong> Bacelar <strong>de</strong> Vasconcelos sustenta ser possível <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scortinar na justiça um senti<strong>do</strong> mais técnico, com um núcleo mais restrito <strong>de</strong><br />

funções, na medida em que “(…) a justiça se ocupa <strong>de</strong> certos conflitos que os<br />

cidadãos não são capazes <strong>de</strong> resolver sozinhos e que, por isso, o Direito<br />

submeteu à <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> incontestável, imparcial e tecnicamente<br />

apetrechada: o po<strong>de</strong>r judicial”. (Vasconcelos, 1998, p. 10).<br />

Assim, no tradicional mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Administração <strong>de</strong> Justiça cabe aos<br />

tribunais o exclusivo da função jurisdicional que se traduz na “(…) activida<strong>de</strong> que<br />

o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolve, normalmente a solicitação <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s, para resolver<br />

os conflitos <strong>de</strong> interesses” (Fernan<strong>de</strong>s, 2010, p. 114).<br />

9<br />

Art. 202.º da CRP.<br />

206


Mas hoje, e cada vez menos, os cidadãos se revêm neste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

Justiça. Uma Justiça <strong>do</strong>minada por terceiros, advoga<strong>do</strong>s e juízes, assente num<br />

mo<strong>de</strong>lo impositivo e na dialética entre direitos e <strong>de</strong>veres. Um mo<strong>de</strong>lo que não<br />

integra os cidadãos, que reduz ao mínimo a sua participação, levan<strong>do</strong>-os a<br />

questionarem a respetiva legitimida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong> (<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judicial). Uma<br />

justiça que assenta na igualda<strong>de</strong> absoluta entre os cidadãos, em matérias como<br />

os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e o acesso aos tribunais, mas que enferma <strong>de</strong> uma<br />

contradição <strong>de</strong> base <strong>de</strong>corrente das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso à justiça<br />

(tradicional) <strong>de</strong>terminadas pela riqueza e pelo po<strong>de</strong>r.<br />

Um mo<strong>de</strong>lo que está afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cidadãos, daquilo que é a essência da<br />

cidadania – a participação. Cidadãos que reclamam uma maior intervenção na<br />

justiça; que estan<strong>do</strong> mais conscientes <strong>do</strong>s seus direitos, reclamam o seu<br />

cumprimento (ainda que nem sempre <strong>de</strong> forma informada e esclarecida); que<br />

exigem uma justiça mais eficaz e mais próxima das suas necessida<strong>de</strong>s.<br />

A Justiça não é, e não po<strong>de</strong> ser “um <strong>de</strong>sígnio exclusivo <strong>do</strong>s tribunais. (…)<br />

A justiça é tarefa comum <strong>do</strong> parlamento, <strong>do</strong> governo, <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r local, da<br />

administração central e das polícias. Das autorida<strong>de</strong>s públicas e também <strong>do</strong>s<br />

cidadãos” (Vasconcelos, 1998, p. 9).<br />

Sustentamos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver e implementar um novo<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Administração da Justiça que, ao contrário <strong>do</strong> tradicional, não só<br />

envolva eficazmente os cidadãos, mas estimule a sua participação direta, efetiva<br />

e responsável. Um mo<strong>de</strong>lo integra<strong>do</strong> e integra<strong>do</strong>r (com os MRAL), responsável<br />

e responsabiliza<strong>do</strong>r (<strong>do</strong>s diversos intervenientes judiciais e inclusivamente <strong>do</strong>s<br />

cidadãos). Um mo<strong>de</strong>lo no seio <strong>do</strong> qual os cidadãos sejam, não só parte<br />

interessada num processo, mas participantes diretos no seu andamento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o início até ao resulta<strong>do</strong> final.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

1. O tradicional mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Administração da Justiça assente no po<strong>de</strong>r<br />

jurisdicional <strong>do</strong>s tribunais não se coaduna com um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

cidadania, ativa, participativa e responsável.<br />

207


2. Os cidadãos reclamam um maior controlo das suas vidas e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />

uma intervenção direta nos processos <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões que, direta<br />

ou indiretamente, os afetam.<br />

3. Num mo<strong>de</strong>rno Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>mocrático impõe-se um novo<br />

entendimento <strong>do</strong> Direito Humano <strong>de</strong> acesso à justiça que não se restrinja<br />

à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso aos tribunais judiciais, mas que se concretize<br />

na realização da justiça <strong>do</strong> caso concreto, seja através <strong>de</strong> meios judiciais<br />

ou extrajudiciais.<br />

4. Analisan<strong>do</strong> a conformida<strong>de</strong> <strong>do</strong> art. 6.º, n.º 1 da CEDH, com a existência e<br />

implementação <strong>de</strong> meios extrajudiciais <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> conflitos, uma vez<br />

que estes visam a solução <strong>do</strong> conflito sem recurso a um tribunal, o que, à<br />

primeira vista, parece contrariar aquela norma, conclui-se que po<strong>de</strong>m<br />

existir limitações ao direito <strong>de</strong> acesso à justiça na medida em que essas<br />

limitações sejam justificadas, pelo que os ADR não terão <strong>de</strong> contrariar o<br />

art. 6.º <strong>do</strong> TEDH.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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CasaComum.org, Disponível HTTP:<br />

http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_160333 (2018-11-13)<br />

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Vol. I. Milão: Giuffrѐ Editore.<br />

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temáticas, 3.ª Edição, Porto: Porto Editora.<br />

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Westport: Greenwood Press.<br />

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fundamental em questão. Observatório Permanente da Justiça. Coimbra:<br />

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Socieda<strong>de</strong> e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Lisboa: Verbo.<br />

208


SILVA, P. C. (2009). A nova face da justiça – os meios extrajudiciais <strong>de</strong><br />

resolução <strong>de</strong> controvérsias. Lisboa: Coimbra Editora.<br />

VASCONCELOS, P. B. (1998), A Crise da Justiça em Portugal, Gradiva,<br />

Lisboa, CasaComum.org. Disponível HTTP:<br />

http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_160343 (2018-11-12).<br />

209


A COLABORAÇÃO PREMIADA COMO MEIO DE COMBATE EFICAZ À<br />

CORRUPÇÃO<br />

BRITTO, Nara Pinheiro Reis Ayres <strong>de</strong><br />

Advogada, Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universida<strong>de</strong> Autónoma <strong>de</strong> Lisboa (Portugal) – UAL. Bacharel em<br />

Direito pelo Centro Universitário <strong>de</strong> Brasília – UNICEUB<br />

nara.ayresbritto@gmail.com<br />

RESUMO<br />

RODRIGUES, Natuzza Pereira<br />

Advogada, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário <strong>de</strong> Brasília – UNICEUB<br />

natuzzarodrigues@gmail.com<br />

CERQUEIRA, Paloma Gurgel <strong>de</strong> Oliveira<br />

Advogada, Doutoranda, Universida<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Mar Del Plata<br />

palomagurgel_adv@hotmail.com<br />

A legislação brasileira prevê o instituto da colaboração premiada na Lei n.<br />

12.850/2013, Lei <strong>de</strong> Organização Criminosa. O objeto <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong> visa<br />

analisar o instituto da colaboração premiada no Brasil. A justificativa da<br />

relevância temática está na inclusão da colaboração premiada como um meio<br />

eficaz para o combate à corrupção. A meto<strong>do</strong>logia da pesquisa é bibliográfica,<br />

publicações físicas e virtuais, bem como <strong>de</strong> obras literárias e artigos científicos.<br />

O presente trabalho tem como objetivo aprimorar o <strong>de</strong>bate acerca <strong>do</strong> tema da<br />

colaboração premiada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a análise <strong>do</strong> seu contexto histórico até a<br />

implementação <strong>do</strong> instituto pela Lei Nacional que trata da Organização<br />

Criminosa. Nessa análise, concluímos que instituto da <strong>de</strong>lação premiada tem<br />

si<strong>do</strong> um forte instrumento nas investigações criminosas e um meio eficiente para<br />

auxiliar as autorida<strong>de</strong>s investigativas a combater os crimes <strong>de</strong> corrupção por um<br />

meio legítimo <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a combater a criminalida<strong>de</strong> e a violência organizada em<br />

todas as esferas sociais.<br />

Palavras-chave: Corrupção; Organização Criminosa; Colaboração Premiada;<br />

Brasil.<br />

ABSTRACT<br />

The Brazilian legislation provi<strong>de</strong>s for the institute of collaboration awar<strong>de</strong>d in Law<br />

n. 12,850/2013, Criminal Organization Act. The objective of the present study is<br />

to analyze the institute of the collaboration awar<strong>de</strong>d in Brazil. The justification for<br />

210


thematic relevance lies in the inclusion of award-winning collaboration as an<br />

effective means of combating corruption. The metho<strong>do</strong>logy of the research is<br />

bibliographical, physical and virtual publications, as well as of literary works and<br />

scientific articles. This paper aims to improve the <strong>de</strong>bate about the topic of the<br />

award-winning collaboration, from the analysis of its historical context to the<br />

implementation of the institute by the National Law that <strong>de</strong>als with the Criminal<br />

Organization. In this analysis, we conclu<strong>de</strong> that the prize-giving institute has been<br />

a strong tool in criminal investigations and an efficient means to assist<br />

investigating authorities to combat crimes of corruption by a legitimate means in<br />

or<strong>de</strong>r to combat organized crime and violence in all spheres social policies.<br />

Keywords: Corruption; Criminal Organization; Prize Collaboration; Brazil.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Atualmente, um <strong>do</strong>s efeitos da globalização, fenômeno que toma conta da<br />

vida humana como uma avalanche é o <strong>de</strong> tornar crimes cada vez mais<br />

complexos. Dentre eles está a corrupção, que será tratada com afinco no<br />

presente trabalho.<br />

A corrupção é um <strong>do</strong>s mais claros indícios <strong>de</strong> que a estrutura política,<br />

social e econômica <strong>de</strong> um país não vai bem. Por trás <strong>de</strong>ste crime, estão grupos<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s, com po<strong>de</strong>r e influência em suas mãos, benefician<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> suas<br />

condutas ardilosas que criam rombos significativos aos cofres públicos.<br />

Em função <strong>de</strong> tamanha complexida<strong>de</strong> que carregam os crimes <strong>de</strong><br />

corrupção na atualida<strong>de</strong>, a Justiça tem encontran<strong>do</strong> cada vez mais dificulda<strong>de</strong>s<br />

em elucidar casos como estes, tornan<strong>do</strong>-se quase impossível comprovar com<br />

exatidão a materialida<strong>de</strong> e, principalmente, a autoria <strong>de</strong>sses crimes.<br />

Diante <strong>do</strong> cenário apresenta<strong>do</strong>, qual solução po<strong>de</strong>ria ser encontrada<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico para reverter este quadro? Ou seja, que<br />

instrumentos utilizar para que haja efetivo sucesso na investigação <strong>de</strong> crimes tão<br />

complexos? Vislumbran<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar méto<strong>do</strong>s eficazes para<br />

combater e elucidar tais crimes, o legisla<strong>do</strong>r trouxe a chamada colaboração<br />

211


premiada ao or<strong>de</strong>namento jurídico, ferramenta que vem sen<strong>do</strong> amplamente<br />

utilizada no Brasil.<br />

O presente trabalho trará um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> <strong>do</strong> instituto da <strong>de</strong>lação<br />

premiada no Brasil, analisan<strong>do</strong>-se seu panorama histórico, entendimentos<br />

<strong>do</strong>utrinários, empregos em leis, aplicações a casos concretos e prejuízos que<br />

sua não aplicação po<strong>de</strong> acarretar, objetivan<strong>do</strong>-se, por fim, uma conclusão bem<br />

fundamentada acerca <strong>de</strong> sua importância como meio <strong>de</strong> combate eficaz à<br />

corrupção, à violência e ao crime organiza<strong>do</strong>.<br />

OBJETIVOS<br />

O presente estu<strong>do</strong> objetiva analisar, à luz da legislação brasileira, o<br />

instituto da colaboração premiada no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,<br />

possibilitan<strong>do</strong>, nessa análise, uma perspectiva que se enten<strong>de</strong> útil para o<br />

combate eficaz à corrupção <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />

Direito, tema que merece investigação, análise e submissão ao escrutínio<br />

acadêmico.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Tem-se registro <strong>do</strong> instituto da colaboração premiada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios<br />

bíblicos, percorren<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong> Clássica, a Ida<strong>de</strong> Média, a Era da<br />

Revolução Industrial até chegar à Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. (MENDRONI, 2007, p. 37).<br />

Em princípio, no Brasil, o instituto da colaboração premiada tem origem<br />

no acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> entre as partes, reportan<strong>do</strong>-se às chamadas Or<strong>de</strong>nações<br />

Filipinas, que se tratava <strong>de</strong> um compila<strong>do</strong> jurídico português que <strong>de</strong>u início à<br />

história jurídico-positiva <strong>do</strong> Direito brasileiro. Vigente à época <strong>do</strong> Brasil-Colônia,<br />

o cita<strong>do</strong> diploma era <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> dispositivos penais altamente severos, injustos e<br />

parciais. (MENDRONI, 2007, p. 37).<br />

Na referida época, os meios investigativos não eram suficientes para uma<br />

apuração efetiva <strong>do</strong>s fatos criminosos, portanto, qualquer <strong>de</strong>núncia oferecida<br />

pela população era <strong>de</strong> singular importância. Assim, diante <strong>de</strong> tamanha escassez<br />

no âmbito probatório, “aquele que primeiro <strong>de</strong>latasse atos que <strong>de</strong>notassem crime<br />

<strong>de</strong> lesa majesta<strong>de</strong> recebia o perdão e recompensas da realeza e, no caso <strong>do</strong>s<br />

212


inconfi<strong>de</strong>ntes, ren<strong>de</strong>u ao <strong>de</strong>lator a remissão <strong>de</strong> suas dívidas pessoais”.<br />

(FERREIRA, 2009, p.80).<br />

Posteriormente, a colaboração premiada ganhou impulso e se mostrou<br />

indispensável na aplicação e resolução <strong>de</strong> diversos casos <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>. Dentre eles, alguns movimentos histórico-políticos que marcaram o<br />

Brasil, como: a Inconfidência Mineira, em 1798, em que o conjura<strong>do</strong> Coronel<br />

Joaquim Silvério <strong>do</strong>s Reis <strong>de</strong>latou seus companheiros, obten<strong>do</strong> em troca o<br />

perdão <strong>de</strong> suas dívidas; e a Conjuração Baiana, em 1798, em que, da mesma<br />

forma, em troca <strong>de</strong> vantagens, um capitão <strong>de</strong>latou seu solda<strong>do</strong>, culminan<strong>do</strong> na<br />

morte <strong>de</strong>ste. (REIS, 2005, p. 52).<br />

Mais recentemente, durante o Golpe Militar <strong>de</strong> 1964, não raro ocorria a<br />

<strong>de</strong>lação <strong>de</strong> relevantes personalida<strong>de</strong>s da política brasileira, com o fito ordinário<br />

<strong>de</strong> safar-se <strong>de</strong> uma prisão ou tortura.<br />

Quase 400 anos <strong>de</strong>pois das Or<strong>de</strong>nações Filipinas, pela primeira vez a<br />

figura da colaboração premiada foi positivada em lei no Brasil, mais<br />

especificamente a Lei 8.072/1990. O referi<strong>do</strong> diploma legal, além <strong>de</strong> arrolar<br />

taxativamente os <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s crimes hedion<strong>do</strong>s, também trouxe a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o participante ou associa<strong>do</strong> que <strong>de</strong>nunciar à autorida<strong>de</strong> a<br />

organização criminosa, possibilitan<strong>do</strong> seu <strong>de</strong>smantelamento, terá pena reduzida<br />

<strong>de</strong> um a <strong>do</strong>is terços. (BITTAR, 2011).<br />

Des<strong>de</strong> então, diversos diplomas legais brasileiros passaram a prever em<br />

seu texto o instituto em comento, como analisaremos adiante, <strong>de</strong> maneira<br />

cronologicamente or<strong>de</strong>nada.<br />

Cite-se a Lei 9.034/95, surgida em razão da necessida<strong>de</strong> emergencial <strong>do</strong><br />

país em se adaptar aos novos crimes que se estabeleciam no nosso sistema.<br />

Assim, previu em seu art. 6º a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação da <strong>de</strong>lação premiada<br />

nos crimes pratica<strong>do</strong>s por organizações criminosas.<br />

Já as leis 7.492/86 (art. 25, §2º) e 8.137/90 (art. 16, parágrafo único)<br />

sofreram modificação pela Lei 9.080/95, que a elas incorporou o instituto premial,<br />

passan<strong>do</strong> este, então, a ser aplica<strong>do</strong> aos crimes contra a or<strong>de</strong>m tributária e<br />

econômica, e contra o sistema financeiro nacional.<br />

213


O Código Penal, em seu art. 159, §4º, permite a <strong>de</strong>lação premiada no<br />

crime <strong>de</strong> extorsão mediante sequestro, condicionan<strong>do</strong> sua aplicação à facilitação<br />

para a libertação <strong>do</strong> sequestra<strong>do</strong>.<br />

O advento da Lei 9.613/98 trouxe uma novida<strong>de</strong> ao or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

pátrio quanto aos benefícios oferta<strong>do</strong>s ao <strong>de</strong>lator: além da redução <strong>de</strong> pena,<br />

agora o <strong>de</strong>lator po<strong>de</strong>rá iniciá-la em regime mais bran<strong>do</strong> e, melhor ainda, po<strong>de</strong><br />

ter o perdão judicial aplica<strong>do</strong> em seu favor. O menciona<strong>do</strong> diploma serviu,<br />

inclusive, como referência para outras leis, que <strong>de</strong>vem, por respeito ao escorço<br />

histórico, ser citadas. (SILVA, 2017, 5).<br />

Em análise <strong>de</strong>tida à Lei <strong>de</strong> Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei nº<br />

9.087/99), nota-se relevante avanço quanto à previsão <strong>do</strong> instituto em comento.<br />

Nela, também há previsão <strong>do</strong> perdão judicial, porém com concessão<br />

condicionada ao cumprimento <strong>de</strong> certos requisitos (art. 13, caput e parágrafo<br />

único), senão, será agracia<strong>do</strong> com mera redução <strong>de</strong> pena (art. 14). Ressalte-se<br />

a preocupação <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> diploma legal com a segurança daquele que <strong>de</strong>lata seus<br />

parceiros <strong>de</strong> crime ao estabelecer medidas especiais <strong>de</strong> proteção em seu favor<br />

(art. 15).<br />

A Lei <strong>de</strong> Drogas (11.343/06) prevê unicamente a redução da pena como<br />

benefício ao <strong>de</strong>lator eventualmente con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>. Para tanto, <strong>de</strong>termina-se,<br />

também, o atendimento cumulativo a alguns requisitos. São eles: i) existência <strong>de</strong><br />

inquérito e/ou processo criminal contra o <strong>de</strong>lator; ii) colaboração voluntária, ou<br />

seja, livre <strong>de</strong> coações; iii) concurso <strong>de</strong> pessoas; iv) recuperação total ou parcial<br />

<strong>do</strong> produto <strong>do</strong> crime.<br />

Por sua vez, a Lei 12.529/11 traz o chama<strong>do</strong> programa <strong>de</strong> leniência,<br />

possibilitan<strong>do</strong>, em seu art. 86, a celebração <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> leniência, com a<br />

extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução <strong>de</strong> um a <strong>do</strong>is<br />

terços da pena, com os autores (pessoas físicas ou jurídicas) <strong>de</strong> infração à<br />

or<strong>de</strong>m econômica.<br />

A exemplo, cite-se a previsão mais recente da figura da <strong>de</strong>lação premiada,<br />

presente na Lei 12.850/13. No referi<strong>do</strong> diploma, o instituto premial ganha Seção<br />

própria, <strong>de</strong>nominada “Da Colaboração Premiada”, on<strong>de</strong> se discorre com muito<br />

214


mais <strong>de</strong>talhes sobre o mesmo e se nota maior preocupação na eficácia <strong>de</strong> sua<br />

aplicação.<br />

Deveras, a insegurança na aplicação da colaboração premiada ao longo<br />

<strong>do</strong> tempo gerou numerosas falhas e manipulações, tanto em favor quanto em<br />

<strong>de</strong>sfavor <strong>do</strong> <strong>de</strong>lator, razão pela qual a Lei 12.850/2013, que revogou a Lei<br />

9.034/1995, representou vultoso esclarecimento na sistemática processual, uma<br />

vez que disciplinou <strong>de</strong>talhadamente a <strong>de</strong>lação premiada, arrematan<strong>do</strong>, por<br />

exemplo, a celeuma sobre sua natureza jurídica. (SILVA, 2017, p. 5).<br />

Após tortuoso caminho percorri<strong>do</strong> pela colaboração premiada,<br />

notadamente, a persistência em sua aplicação como meio <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> prova,<br />

ao longo <strong>do</strong> tempo, surtiu consi<strong>de</strong>ráveis aprimoramentos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, como<br />

afirma o renoma<strong>do</strong> jurista Carlos Ayres Britto, tal instituto tem cumpri<strong>do</strong> um papel<br />

eficaz e eficiente, embora ainda esteja sen<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong> no aspecto da qualida<strong>de</strong><br />

jurídica (BRITTO, 2016).<br />

A corrupção po<strong>de</strong> ser conceituada como o atenta<strong>do</strong> à normas, princípios<br />

e valores jurídicos ou sociais. O termo revela algo não só corrompi<strong>do</strong>, como<br />

<strong>de</strong>smoraliza<strong>do</strong> e perverti<strong>do</strong>, o que permite <strong>de</strong>duzir que a pessoa corrupta rompe<br />

com as finalida<strong>de</strong>s e interesses da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> o que se tem como<br />

unida<strong>de</strong> social <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> valores. (CARMO, 2005).<br />

Quanto à origem <strong>de</strong>sta atitu<strong>de</strong> apodrecida e pecaminosa, e sob um viés<br />

filosófico, como bem sugere o inglês Thomas Hobbes no clássico “Leviatã”, o ser<br />

humano possui uma condição natural atrelada ao esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> guerra, precisan<strong>do</strong><br />

ter suas necessida<strong>de</strong>s atendidas a qualquer custo, mesmo que o faça <strong>de</strong><br />

maneira violenta e egoísta. (HOBBES, 2006).<br />

Tal realida<strong>de</strong> conflituosa da natureza <strong>do</strong>s indivíduos é confirmada por<br />

Nicolau Maquiavel na obra “O Príncipe” (1513), on<strong>de</strong> pontifica que a condução<br />

<strong>do</strong> governo se orienta pelas pon<strong>de</strong>rações <strong>do</strong> governante, que <strong>de</strong>veria aban<strong>do</strong>nar<br />

os pressupostos morais e éticos para imperar e garantir a preservação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>. (MAQUIAVEL, 2013)<br />

Assim, a estrutura estatal, instrumento <strong>de</strong> freio para o ser humano<br />

intrinsecamente mau, precisa <strong>de</strong> organização e cooperação da coletivida<strong>de</strong>, mas<br />

esse mo<strong>de</strong>lo coletivista, como é sabi<strong>do</strong>, possui um sistema <strong>de</strong> repartição <strong>de</strong><br />

215


iquezas injusto, em que a i<strong>de</strong>ologia da igualda<strong>de</strong> não se aplica na realida<strong>de</strong>. Se<br />

<strong>de</strong> um la<strong>do</strong> o homem precisa ser governa<strong>do</strong> para que se imponha limites às suas<br />

atitu<strong>de</strong>s tidas como perigosas, <strong>de</strong> outro, os governantes também são homens<br />

falhos, que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r e, em razão <strong>do</strong> seu caráter, po<strong>de</strong>m transformar este<br />

po<strong>de</strong>r em arma contra o bem comum.<br />

A corrupção, portanto, tem início no caráter <strong>do</strong> ser humano e se exterioriza<br />

na socieda<strong>de</strong>, configuran<strong>do</strong>-se uma patologia cíclica. Trata-se <strong>de</strong> conduta<br />

extremamente gravosa, não importan<strong>do</strong> se provém <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, social<br />

ou político-estatal. (CARMO, 2005).<br />

O Índice <strong>de</strong> Percepções <strong>de</strong> Corrupção, publica<strong>do</strong> anualmente pela<br />

Transparency International - TI, é, atualmente, a principal ferramenta indica<strong>do</strong>ra<br />

<strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> corrupção no setor público <strong>de</strong> 176 países. (EXPRESSO, 2017).<br />

Segun<strong>do</strong> o índice <strong>de</strong> 2016, Portugal ocupa a 29ª posição, ten<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong><br />

uma posição com relação ao ano anterior. Contu<strong>do</strong>, uma análise <strong>do</strong>s últimos<br />

cinco anos indica uma tendência à estagnação <strong>do</strong> país na busca pelo combate<br />

à corrupção. Em comentário aos resulta<strong>do</strong>s, a direção da TIAC - Transparência<br />

e Integrida<strong>de</strong>, Associação Cívica -, que representa a TI em Portugal, consi<strong>de</strong>rou<br />

que o país per<strong>de</strong>, anualmente, oportunida<strong>de</strong>s em avançar no combate à<br />

corrupção e em ganhar confiança <strong>de</strong> investi<strong>do</strong>res <strong>do</strong> exterior, fatores estes<br />

relevantes para a recuperação e o <strong>de</strong>senvolvimento social <strong>de</strong> Portugal.<br />

O Brasil, por seu turno, ocupa o 79º lugar no cita<strong>do</strong> índice, ten<strong>do</strong> caí<strong>do</strong><br />

significativamente no ranking nos últimos anos <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a escândalos <strong>de</strong><br />

corrupção envolven<strong>do</strong> autorida<strong>de</strong>s políticas e gran<strong>de</strong>s empresários. No entanto,<br />

conforme observação da TI, no último ano o Brasil mostrou que, por meio <strong>do</strong><br />

trabalho in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s incumbidas da responsável aplicação da lei,<br />

responsabilizar autorida<strong>de</strong>s antes consi<strong>de</strong>radas intocáveis é tarefa plenamente<br />

possível. (SALOMÃO, 2016).<br />

O Brasil, mesmo envolto em vícios no combate aos esquemas <strong>de</strong><br />

corrupção, utiliza a colaboração premiada como importante ferramenta para<br />

auxiliar nesta tarefa. A relevância <strong>de</strong> tal instrumento tomará as próximas linhas<br />

<strong>do</strong> presente trabalho, numa tentativa <strong>de</strong> apresentar como se dá sua aplicação e<br />

efetivida<strong>de</strong> no Brasil, como exposto a seguir.<br />

216


O instituto da colaboração premiada está em <strong>de</strong>staque no cenário jurídicopolítico<br />

brasileiro, uma vez que, atualmente, gran<strong>de</strong>s processos estão se<br />

valen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta ferramenta. O caso em maior evidência no momento é a Operação<br />

Lava Jato, que, iniciada em 2014, investiga e processa crimes no âmbito da<br />

Petrobrás, em que alguns réus já celebraram Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Delação Premiada junto<br />

ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2018).<br />

Num cenário normal, para contratar com a Petrobrás, empreiteiras<br />

concorreriam entre si em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação e a estatal contrataria a empresa<br />

usan<strong>do</strong> o critério <strong>do</strong> menor preço ofereci<strong>do</strong>. Agin<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira ilícita, as<br />

empreiteiras formaram um cartel, fazen<strong>do</strong> uma concorrência aparente parecer<br />

real.<br />

Os preços ofereci<strong>do</strong>s à Petrobras eram ajusta<strong>do</strong>s em reuniões em que se<br />

<strong>de</strong>liberava quem ganharia o contrato e por qual preço, infla<strong>do</strong> em benefício<br />

priva<strong>do</strong> e em prejuízo <strong>do</strong>s cofres da estatal.<br />

Os funcionários da Petrobrás garantiam que só participassem das<br />

licitações as empresas envolvidas no cartel. Os funcionários se omitiam sobre o<br />

cartel e o favoreciam, limitan<strong>do</strong> convida<strong>do</strong>s e incluin<strong>do</strong> a ganha<strong>do</strong>ra entre as<br />

empresas participantes da licitação.<br />

Por sua vez, os opera<strong>do</strong>res financeiros intermediavam o pagamento da<br />

propina com dinheiro já lava<strong>do</strong> e os agentes políticos, pessoas com prerrogativa<br />

<strong>de</strong> função, eram os responsáveis por indicar e manter os diretores da Petrobrás.<br />

Desta forma, possuíam influência direta sobre os indica<strong>do</strong>s a estes cargos.<br />

Importante salientar que os agentes políticos foram cita<strong>do</strong>s na operação<br />

por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>lações premiadas ocorridas na primeira instância. Depois disto,<br />

vários foram os <strong>de</strong>latores que obtiveram a premiação <strong>de</strong> diminuição da pena e<br />

outros benefícios, contribuin<strong>do</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento das investigações, com<br />

elucidações relevantes e satisfatórias.<br />

É cediço que o instituto premial tornou-se ferramenta imprescindível para<br />

o alcance da solução <strong>de</strong> crimes envolven<strong>do</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organizações criminosas<br />

mas, por outro la<strong>do</strong>, ainda apresenta clara insegurança por, em alguns casos,<br />

aparentar ferir a ética e algumas normas <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento pátrio.<br />

217


Neste senti<strong>do</strong> é o entendimento <strong>do</strong> professor Luiz Flávio Gomes (GOMES,<br />

2015):<br />

“A <strong>de</strong>lação premiada, na medida em que implica uma traição e<br />

“<strong>de</strong>duragem” <strong>de</strong> terceiras pessoas, é (eticamente) uma imoralida<strong>de</strong>, mas que se<br />

tornou útil e até mesmo necessária (dizem seus sectários) naqueles países com<br />

capacida<strong>de</strong> investigativa falida ou sensivelmente enfraquecida (como o Brasil)”.<br />

Quan<strong>do</strong> os países se <strong>de</strong>param com a impotência ao <strong>de</strong>scobrir seus mais<br />

hedion<strong>do</strong>s crimes contra a coletivida<strong>de</strong>, principalmente os cometi<strong>do</strong>s por<br />

po<strong>de</strong>rosos, eles se unem ao criminoso com o objetivo <strong>de</strong> captar sua prestimosa<br />

colaboração. Assim, consequência inevitável é que, pela ineficiência <strong>do</strong> próprio<br />

sistema, o “colarinho branco” acaba ten<strong>do</strong> uma carta na manga com a <strong>de</strong>lação<br />

premiada.<br />

Para que a colaboração seja efetiva, é necessário que esta produza<br />

resulta<strong>do</strong> concreto e positivo ao longo da investigação ou <strong>do</strong> processo criminal,<br />

sen<strong>do</strong> o prêmio concedi<strong>do</strong> conforme a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta colaboração.<br />

Como já cita<strong>do</strong>, o instituto em comento é inevitável e sua aplicação já<br />

tomou conta <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro no que diz respeito ao auxílio à<br />

persecução e solução <strong>de</strong> crimes. Os acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>lação premiada têm si<strong>do</strong> uma<br />

das mais relevantes ferramentas da polícia e <strong>do</strong> MP nos processos que<br />

investigam casos <strong>de</strong> corrupção, a exemplo da já citada Operação Lava Jato.<br />

É por isso que, conforme o jurista Ayres Britto afirma, apesar da<br />

importância da <strong>de</strong>lação premiada, a medida <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como apenas<br />

mais um <strong>do</strong>s elementos <strong>de</strong> uma investigação, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, sozinha, servir para<br />

con<strong>de</strong>nar alguém. Ela precisa se fazer acompanhar <strong>de</strong> elementos probatórios,<br />

configuran<strong>do</strong> instrumento auxiliar, jamais central. (BRITTO, 2015).<br />

Sua aplicação <strong>de</strong>ve se dar com extrema cautela <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às nuances já<br />

mencionadas. Mas além <strong>de</strong> acentua<strong>do</strong> seu caráter <strong>de</strong> meio <strong>de</strong> prova, também<br />

serve como inibi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> esquemas ilícitos hábeis a vicejar em organizações<br />

criminosas que esten<strong>de</strong>m seus tentáculos sobre <strong>de</strong>sonra<strong>do</strong>s agentes estatais.<br />

218


METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

A meto<strong>do</strong>logia a<strong>do</strong>tada para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> presente trabalho foi<br />

realizada por meio <strong>de</strong> artigos científicos, publicações físicas e virtuais, além <strong>de</strong><br />

revisão bibliográfica, obras literárias. Na fase <strong>de</strong> abordagem foi emprega<strong>do</strong> o<br />

méto<strong>do</strong> indutivo para aprimorar o conhecimento em face das constatações assim<br />

como das indagações <strong>do</strong>s autores no presente estu<strong>do</strong>.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Extrai-se <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong> que o instituto legal da colaboração<br />

premiada previsto na legislação brasileira e, mais recentemente, na Lei nº<br />

12.850, conhecida como Lei <strong>de</strong> Organizações Criminosas, auxilia o combate<br />

eficaz à corrupção. Exemplo <strong>de</strong>sse resulta<strong>do</strong> é o índice <strong>de</strong> Percepções <strong>de</strong><br />

Corrupção, publica<strong>do</strong> pela Transparency International – TI, que constata que o<br />

Brasil caiu o seu ranking <strong>de</strong> entre os países com mais corrupção no mun<strong>do</strong> e<br />

isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que as entida<strong>de</strong>s públicas incumbidas <strong>de</strong> aplicar a lei,<br />

têm-se utiliza<strong>do</strong> <strong>de</strong> instrumentos normativos para o combate à corrupção, a<br />

violência e os crimes organiza<strong>do</strong>s e a colaboração premiada é, notadamente, um<br />

<strong>de</strong>sses instrumentos.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Do extraí<strong>do</strong> no trabalho, há <strong>de</strong> se perceber que a corrupção é um mal que<br />

assola a economia, a política e a socieda<strong>de</strong> em si, precisan<strong>do</strong> ser combatida<br />

com afinco, e a <strong>de</strong>lação premiada mostra-se arma fundamental nesta batalha. É<br />

imprescindível que o sistema persecutório seja rígi<strong>do</strong> e eficaz na luta contra<br />

crimes, principalmente aqueles que envolvem o patrimônio público.<br />

Nota-se que Brasil tem um sistema processual que visa punir as condutas<br />

criminosas, mas que algumas <strong>de</strong>las levam muito tempo para serem<br />

solucionadas. Operações e investigações minuciosas po<strong>de</strong>m tomar muito tempo,<br />

como é o caso da “Operação Lava Jato” e <strong>do</strong> caso <strong>de</strong> José Sócrates, que<br />

perduram há anos. No entanto, nota-se gran<strong>de</strong> diferença no caminhar <strong>de</strong> ambos<br />

os processos, porquanto aquele utiliza-se amplamente da colaboração<br />

premiada, o que tem mostra<strong>do</strong> efetivida<strong>de</strong> na solução <strong>do</strong> caso, enquanto este,<br />

219


investiga<strong>do</strong> em país com resistência à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> tal instituto, parece andar em<br />

círculos, sem perspectiva <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> sua autoria.<br />

É importante mencionar que encerrar a investigação põe fim à<br />

insegurança jurídica e à insegurança da coletivida<strong>de</strong> em si, colocan<strong>do</strong>-a<br />

novamente em equilíbrio e restauran<strong>do</strong> a confiança <strong>de</strong> um povo que já está<br />

<strong>de</strong>sgasta<strong>do</strong> com a falência <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> governo que <strong>de</strong>moram a punir e<br />

solucionar conflitos.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, <strong>de</strong>ve-se notar a importância e gran<strong>de</strong>za <strong>do</strong> assunto<br />

estuda<strong>do</strong>, uma vez que, a <strong>de</strong>lação premiada, quan<strong>do</strong> empregada com cautela,<br />

auxilia e reduz o tempo <strong>de</strong> investigação, aumentan<strong>do</strong> a eficácia e a segurança<br />

das provas, trazen<strong>do</strong> ao direito uma importante nova e ferramenta jurídica e<br />

manten<strong>do</strong> a paz social, importante alicerce para uma socieda<strong>de</strong>, seja <strong>de</strong><br />

Portugal, seja <strong>do</strong> Brasil, ou <strong>de</strong> qualquer lugar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Portanto, o direito premial mostra-se um revés ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> agir corrupto,<br />

<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser utiliza<strong>do</strong> como medida eficaz <strong>de</strong> combate à corrupção e à<br />

criminalida<strong>de</strong> em geral, principalmente quan<strong>do</strong> esta avança contra o patrimônio<br />

público, como se presencia frequentemente nos últimos anos da história política<br />

<strong>do</strong> Brasil.<br />

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220


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indisponíveis (the plea bargaining and the waive of inalienable rights).<br />

2017.<br />

221


LINCHAMENTOS NO MARANHÃO, POLÍTICA CRIMINAL E<br />

INVISIBILIDADE DO FENÔMENO: uma análise sobre a mitigação <strong>do</strong>s<br />

RESUMO<br />

direitos humanos fundamentais no esta<strong>do</strong> brasileiro pós-1988<br />

MACEDO, Marcos Vinícius Boaes<br />

Graduan<strong>do</strong> <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Direito<br />

da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>do</strong> Maranhão (BRASIL). Bolsista PIBIC/UEMA/FAPEMA.<br />

vinijb4@hotmail.com<br />

JESUS, Thiago Allisson Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong><br />

Doutor em Políticas Públicas pela UFMA. Professor Adjunto <strong>do</strong> Curso <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>do</strong><br />

Maranhão – UEMA e da Universida<strong>de</strong> Ceuma (BRASIL).<br />

Orienta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Iniciação Científica.<br />

t_allisson@hotmail.com<br />

Analisa a sistemática violação <strong>de</strong> direitos humanos fundamentais, perpetrada<br />

nos fenômenos <strong>de</strong> linchamentos ocorri<strong>do</strong>s no Maranhão (Brasil), no contexto <strong>de</strong><br />

um suposto Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, este com um amplo quadro <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ologias que se influenciam reciprocamente <strong>de</strong> maneira efervescente em<br />

conformida<strong>de</strong> com diversas conjunturas. Para tanto, faz-se uma análise acerca<br />

da afirmação histórica <strong>de</strong>sses direitos no plano normativo em concurso com o<br />

mascaramento <strong>do</strong>s suplícios na justiça criminal, constatan<strong>do</strong>-se uma quase total<br />

incoerência entre o plano <strong>do</strong> ser e <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver ser. Além disso, consi<strong>de</strong>ra-se os<br />

linchamentos como a <strong>de</strong>núncia da crise <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pressupostos <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, este que falha em conter os altos índices <strong>de</strong> violência, geran<strong>do</strong><br />

o me<strong>do</strong> e revolta na população que age <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>senfreada para punir aqueles<br />

que são alcança<strong>do</strong>s pelos rótulos <strong>do</strong> preconceito, sen<strong>do</strong> assim, frutos <strong>do</strong><br />

processo <strong>de</strong> exclusão social que coisifica os sujeitos, retiran<strong>do</strong> <strong>de</strong>stes o próprio<br />

direito <strong>de</strong> ser humano, portanto, <strong>de</strong>stituin<strong>do</strong>-os <strong>do</strong> direito a personalida<strong>de</strong>, num<br />

processo <strong>de</strong> espetacularização <strong>do</strong>s suplícios.<br />

Palavras-chave: Linchamentos; <strong>Direitos</strong>; Mitigação.<br />

ABSTRACT<br />

Analyze the systematic violation of fundamental human rights, perpetrated<br />

through the phenomena of lynchings occurred in the state of Maranhão (Brazil),<br />

in the context of an alleged Democratic State of Law, the latter inserted in a broad<br />

context of i<strong>de</strong>ologies that influence each other in an effervescent way in<br />

222


accordance with different circumstances. Therefore, an analysis is ma<strong>de</strong> of the<br />

historical affirmation of these rights in the normative plan at the same time in<br />

which the masking of tortures in the criminal justice system, finding an almost<br />

total incoherence between the plane of "is" and of "ought". In addition, lynchings<br />

are consi<strong>de</strong>red as the <strong>de</strong>nouncement of the legitimacy crisis related to<br />

presuppositions of the mo<strong>de</strong>rn State, which fails to contain the high numbers of<br />

violence, generating fear and riot among the population which acts rampantly to<br />

punish those reached by the labels of prejudice, and are thus fruits of the process<br />

of social exclusion that objetifies individuals, withdrawing from them the very right<br />

to be treated as humans, therefore, <strong>de</strong>priving them of the right to personality, in<br />

a process of spectacularization of tortures.<br />

Keywords: Lynchings; Rights; Mitigations<br />

INTRODUÇÃO<br />

Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma pesquisa em andamento, financiada pelo Programa<br />

Institucional <strong>de</strong> Bolsas <strong>de</strong> Iniciação Científica (PIBIC/FAPEMA/Brasil), a partir da<br />

qual <strong>de</strong>senvolve-se uma análise acerca da mitigação <strong>do</strong>s direitos humanos<br />

fundamentais, no contexto que envolve o fenômeno <strong>do</strong>s linchamentos e as<br />

relações entre as verda<strong>de</strong>s construídas por diversos sujeitos <strong>de</strong> conhecimento e<br />

ali entrelaça<strong>do</strong>s (FOUCAULT, 2002). Assim constituí<strong>do</strong>, cabe <strong>de</strong>limitar que esse<br />

fenômeno encontra-se no terreno <strong>de</strong> um dito Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito,<br />

aquele representa<strong>do</strong> pelas promessas não cumpridas (BOBBIO, 2015). O<br />

suposto Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito que configura a base <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>ste<br />

trabalho é aquele em que impera a representação parlamentar <strong>de</strong> interesses<br />

particulares; em que persistem as oligarquias; que não ocupa to<strong>do</strong>s os espaços<br />

da socieda<strong>de</strong>; que se sustenta à pífia educação para a cidadania e afirmação <strong>de</strong><br />

direitos; e que ocupa os pódios <strong>do</strong>s rankings em violação <strong>de</strong> direitos, ou seja,<br />

afiguran<strong>do</strong> como o Esta<strong>do</strong> que se tem e não o Esta<strong>do</strong> que se espera(ou)<br />

(BOBBIO, 2015). Percebe-se, também, que a afirmação <strong>do</strong>s direitos humanos<br />

foi e continua sen<strong>do</strong> um processo lento e longe <strong>de</strong> ser gradual, marca<strong>do</strong> por<br />

<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s. Depreen<strong>de</strong>-se ser o sistema político mo<strong>de</strong>rno, parcamente<br />

garanti<strong>do</strong>r <strong>do</strong> gozo <strong>do</strong> direito às diferenças e <strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s da cultura <strong>de</strong> paz e<br />

223


da comunicação não-violenta, é uma “fórmula política encontrada pela burguesia<br />

para extinguir os antigos privilégios <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is principais estamentos <strong>do</strong> antigo<br />

regime– o clero e a nobreza – e tornar o governo responsável perante a classe<br />

burguesa” (COMPARATO, 2010, p. 63). Observa-se então os <strong>de</strong>scompassos em<br />

um lento processo <strong>de</strong> afirmação <strong>do</strong>s direitos humanos no contexto <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong> capitalista e neoliberal. Portanto, enquanto a<br />

lógica humanitária <strong>de</strong> base kantiana afirma, no plano i<strong>de</strong>al, que “o princípio <strong>de</strong><br />

toda a ética é o <strong>de</strong> que o ser humano e, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, to<strong>do</strong> ser racional, existe<br />

como um fim em si mesmo” (KANT, Apud COMPARATO, 2010, p. 33); admitese,<br />

ao mesmo tempo, no plano real, a coisificação <strong>do</strong> ser humano e a <strong>de</strong>stituição<br />

<strong>de</strong> suas subjetivida<strong>de</strong>s em uma nítida lógica punitivista e aviltante. Nessa esteira<br />

<strong>de</strong> raciocínio, a presente análise não se propõe a apenas investigar o <strong>de</strong>senrolar<br />

<strong>do</strong>s linchamentos na sua dimensão física ou, como <strong>de</strong>scrito por José <strong>de</strong> Souza<br />

Martins, na sua dimensão ritual (MARTINS, 2015), e apontar os <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong>s<br />

entre os direitos humanos fundamentais. Entretanto, eleva-se ao foco da ‘luneta<br />

científica “um composto <strong>de</strong> impulsos e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns totalizantes diversas”<br />

(GIDDENS, 1997, p. 17) em que se insere o fenômeno no Maranhão, um <strong>do</strong>s<br />

esta<strong>do</strong>s mais pobres <strong>do</strong> Brasil, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se que o cenário é complexo,<br />

marca<strong>do</strong> por (<strong>de</strong>s)continuida<strong>de</strong>s e por discursos punitivos <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

coerência e <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> (ZAFFARONI, 2001). Assim, analisar-se-á o fenômeno<br />

<strong>do</strong>s linchamentos, que representam a violação sistemática <strong>de</strong> diversos direitos<br />

que são ti<strong>do</strong>s como fundamentais pelo Esta<strong>do</strong>, pelos diversos sujeitos,<br />

institucionaliza<strong>do</strong>s ou não.<br />

OBJETIVOS<br />

Analisar, sociológica e juridicamente, as diversas violações <strong>de</strong> direitos<br />

humanos fundamentais e suas transversalida<strong>de</strong>s referentes aos linchamentos,<br />

contextualizan<strong>do</strong> o fenômeno no Or<strong>de</strong>namento Jurídico Brasileiro e nos estu<strong>do</strong>s<br />

da axiologia contemporânea.<br />

224


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

O Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong> Direito, aquele i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> na Constituição da<br />

República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 1988, tem por função principal a garantia <strong>do</strong>s<br />

direitos humanos fundamentais (BARROSO, 2010). Por direitos humanos<br />

fundamentais, enten<strong>de</strong>-se os direitos humanos reconheci<strong>do</strong>s como tais pelas<br />

autorida<strong>de</strong>s às quais se atribui o po<strong>de</strong>r político <strong>de</strong> editar normas, tanto no âmbito<br />

interno <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s quanto no plano internacional (COMPARATO, 2010, p.52).<br />

Além disso, um ponto fundamental é a constatação <strong>de</strong> que os governantes<br />

<strong>de</strong>vem agir em benefício <strong>do</strong>s governa<strong>do</strong>s e não em benefício próprio, pois os<br />

direitos humanos fundamentais “são inerentes à própria condição humana,<br />

<strong>de</strong>vem ser reconheci<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s e não po<strong>de</strong>m ser havi<strong>do</strong>s como mera<br />

concessão <strong>do</strong>s que exercem o po<strong>de</strong>r” (COMPARATO, 2010, p. 53). Todavia, “as<br />

constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem<br />

violadas, tu<strong>do</strong> em proveito <strong>de</strong> indivíduos e oligarquias, são fenômeno corrente<br />

em toda a história da América <strong>do</strong> Sul” (HOLANDA, Apud BERCOVICI, 1999).<br />

Logo, “na medida em que se amplia a falta <strong>de</strong> concretização constitucional, com<br />

as responsabilida<strong>de</strong>s e respostas sempre transferidas para o futuro, intensificase<br />

o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança e <strong>de</strong>scrédito no Esta<strong>do</strong>” (NEVES, Apud BERCOVICI,<br />

1999). O que se observa, pois, é a “crescente ingovernabilida<strong>de</strong> das socieda<strong>de</strong>s<br />

complexas” (BOBBIO, 2015), a exemplo da socieda<strong>de</strong> brasileira. Por<br />

conseguinte, mais <strong>do</strong> que uma crise constitucional, há uma crise da socieda<strong>de</strong>,<br />

<strong>do</strong> governo e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (BONAVIDES, Apud BERCOVICI, 1999). A<strong>de</strong>mais,<br />

percebe-se que as instituições <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong> justiça falham em cumprir o<br />

seu papel constitucional estimulan<strong>do</strong> à a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> soluções privadas para<br />

conflitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social (ADORNO, 2015). Portanto, como José <strong>de</strong> Souza<br />

Martins já bem <strong>de</strong>stacara, “o linchamento não é uma manifestação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m,<br />

mas <strong>de</strong> questionamento da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m” (MARTINS, 2015, p.27), corroboran<strong>do</strong><br />

que “a prática da violência como toda ação, transforma o mun<strong>do</strong>, mas a<br />

transformação mais provável é em um mun<strong>do</strong> mais violento” (ARENDT, 1994).<br />

225


METODOLOGIA<br />

Com base na sociologia reflexiva, articulan<strong>do</strong> referenciais teóricos<br />

meto<strong>do</strong>lógicos para a investigação <strong>de</strong>sse profícuo campo <strong>de</strong> luta por meio <strong>de</strong>ssa<br />

pesquisa <strong>de</strong> natureza exploratória, foram utilizadas técnicas <strong>de</strong> análise <strong>de</strong><br />

discurso (FOUCAULT, 2009) e <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> (BARDIN, 2009), bem como<br />

levantamento bibliográfico em literaturas nacionais e internacionais que tratam<br />

<strong>do</strong> fenômeno <strong>do</strong>s linchamentos e das categorias Violências, Esta<strong>do</strong> Democrático<br />

<strong>de</strong> Direito, <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> Fundamentais, Linchamentos, entre outras<br />

correlatas ao objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>. Além disso, <strong>de</strong>senvolveram-se pesquisas <strong>de</strong><br />

campo através <strong>do</strong> uso da técnica <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> questionários e realização <strong>de</strong><br />

entrevistas semi-estruturada, pois, é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialogar que “permite<br />

ultrapassar o plano das conveniências preconceituosas interessadas em<br />

<strong>de</strong>smoralizar o ‘outro’” (DAMATTA, 2010). Assim sen<strong>do</strong>, a análise foi construída,<br />

ten<strong>do</strong> em vista que “cada momento da vida social carrega a marca da totalida<strong>de</strong>”<br />

(GIDDENS, 1997, p. 17), mas, “a totalida<strong>de</strong> não é, porém, uma ‘socieda<strong>de</strong>’<br />

abrangente e limitada, mas um composto <strong>de</strong> impulsos e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns totalizantes<br />

diversas” (GIDDENS, 1997). Partiu-se da hipótese que “a população lincha para<br />

punir; mas, sobretu<strong>do</strong> para indicar seu <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com alternativas <strong>de</strong> mudança<br />

social que violam concepções, valores e normas <strong>de</strong> conduta tradicionais,<br />

relativas a uma certa concepção <strong>do</strong> humano” (MARTINS, 2015).<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

No último século, tivemos um gran<strong>de</strong> avanço na afirmação <strong>de</strong> direitos<br />

humanos fundamentais como a vida, a liberda<strong>de</strong>, a igualda<strong>de</strong>, a segurança, a<br />

proprieda<strong>de</strong>, a honra, a imagem, a privacida<strong>de</strong> e as limitações ao po<strong>de</strong>r punitivo<br />

estatal (art. 5º, caput, CR/88), assim como outros que formam o conjunto <strong>do</strong>s<br />

direitos humanos fundamentais, <strong>de</strong>nso acervo jurídico <strong>de</strong> proteção à pessoa<br />

humana. No entanto, os acontecimentos históricos que acompanham esse<br />

avanço <strong>de</strong>monstraram que trata-se ainda <strong>de</strong> uma afirmação mais no plano<br />

teórico/normativo <strong>do</strong> que no plano ontológico, que revolucione discursos,<br />

práticas e mentalida<strong>de</strong>s. Além disso, no Brasil e no Maranhão, ainda hoje,<br />

constatam-se inúmeras práticas afrontosas a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e aos<br />

226


direitos fundamentais. Empiricamente, “a região metropolitana <strong>de</strong> São Luís<br />

manteve a média mensal <strong>de</strong> um linchamento com vítima fatal por mês (12 casos,<br />

com 12 mortes), tendência verificada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2013. Números que <strong>de</strong>vem ser<br />

soma<strong>do</strong>s ainda a várias <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> espancamentos e agressões que não<br />

resultaram em morte, que se disseminaram em efeito cascata, muito<br />

especialmente após a repercussão nacional <strong>do</strong> linchamento <strong>de</strong> Clei<strong>de</strong>nilson<br />

Pereira da Silva, no bairro <strong>do</strong> São Cristóvão, no mês <strong>de</strong> julho. Apesar <strong>de</strong><br />

promessas e comissões criadas, nada <strong>de</strong> efetivo foi feito para modificar o ciclo<br />

vicioso <strong>de</strong> me<strong>do</strong>, ódio e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança, que se ampliou nos últimos meses.”<br />

(SMDH, 2015). Houve ocorrências <strong>de</strong> linchamentos, ainda a partir <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s<br />

sistematiza<strong>do</strong>s pela Socieda<strong>de</strong> Maranhense <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, em diversos<br />

municípios <strong>de</strong>sse que é um <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s mais pobres <strong>do</strong> Brasil, a saber:<br />

Imperatriz; Codó; Zé Doca; São João <strong>do</strong> Sóter; Santa Quitéria; Bom Jardim;<br />

Matinha; São Bernar<strong>do</strong> (SMDH, 2015). Todavia, cabe <strong>de</strong>stacar, assim como<br />

fizera José <strong>de</strong> Sousa Martins, que o número <strong>de</strong> casos noticia<strong>do</strong>s é<br />

significativamente menor <strong>do</strong> que a quantida<strong>de</strong> que <strong>de</strong> fato ocorre (MARTINS,<br />

2015), <strong>de</strong>notan<strong>do</strong> a nítida cifra oculta, <strong>de</strong>marcada em invisibilida<strong>de</strong>s e<br />

indiferença a esse complexo fenômeno. A quantida<strong>de</strong> noticiada <strong>de</strong>sproporcional<br />

ao número real <strong>de</strong> casos ocorre por diversos motivos, mas três são os mais<br />

aparentes. O primeiro é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m intrínseca ao próprio fenômeno <strong>de</strong> linchamento<br />

pois “resulta da <strong>de</strong>cisão quase sempre repentina, impensada, <strong>de</strong> motivação<br />

súbita e, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, imprevisível.” (MARTINS, 2015, p. 22). O segun<strong>do</strong> e o<br />

terceiro, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m externa, estão relaciona<strong>do</strong>s com os interesses <strong>do</strong>s noticiários<br />

sobre os casos e a localização geográfica <strong>do</strong> fatídico. Entretanto, mesmo com a<br />

possível não compatibilida<strong>de</strong> entre os da<strong>do</strong>s e o número real <strong>de</strong> casos; no ano<br />

<strong>de</strong> 2016, o número <strong>de</strong> mortes por linchamentos mais que quadriplicou em relação<br />

aos da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2013. Em 2016, o Maranhão foi palco <strong>de</strong> quarenta e duas<br />

mortes por linchamentos (SMDH, 2017); não obstante existir autorida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> que pontuam “que linchamentos não são comuns no Maranhão” (G1,<br />

2015). As perguntas para anaálise partem das premissas que a vida <strong>do</strong>s que se<br />

‘foram’ não <strong>de</strong>ve ser avaliada em números, pressupon<strong>do</strong> que “To<strong>do</strong> homem tem<br />

dignida<strong>de</strong> e não um preço, como as coisas. A humanida<strong>de</strong> como espécie, e cada<br />

227


ser humano em sua individualida<strong>de</strong>, é propriamente insubstituível: não tem<br />

equivalente, não po<strong>de</strong> ser troca<strong>do</strong> por coisa alguma.” (COMPARATO, 1999, p.<br />

34, grifo <strong>do</strong> autor). As noventa e cinco pessoas que morreram <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2013<br />

ao ano <strong>de</strong> 2016 e que foram vítimas <strong>de</strong> linchamentos não possuem equivalente<br />

em lugar nenhum no mun<strong>do</strong>, pois “é radicalmente impossível assumir a<br />

experiência existencial da morte alheia.” (HEIDEGGER, Apud COMPARATO,<br />

1999, p. 40). Todavia, cabe pontuar que a vida não po<strong>de</strong> ser valorada através <strong>de</strong><br />

meras disputas hermenêuticas. Sob as bases <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático que se<br />

espera, segun<strong>do</strong> o caput <strong>do</strong> artigo 5º, apregoou-se que “to<strong>do</strong>s são iguais perante<br />

a lei, sem distinção <strong>de</strong> qualquer natureza, garantin<strong>do</strong>-se aos brasileiros e aos<br />

estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no País a inviolabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito à vida”. A vida,<br />

portanto, constitui umas das razões <strong>de</strong> existência <strong>do</strong> próprio Esta<strong>do</strong> (HOBBES,<br />

Apud Sarlet, 2012), sen<strong>do</strong> um direito que atrai diversas garantias, entre as quais<br />

a que po<strong>de</strong> sofrer limitações somente em casos <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>clarada (art. 5.º,<br />

XLVII, a). Depreen<strong>de</strong>u-se, ainda, a partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> questionário aplica<strong>do</strong><br />

no Centro <strong>de</strong> Ensino João Paulo II (Apêndice B), na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Luís/MA/Brasil, que uma quantida<strong>de</strong> significativa das respostas <strong>de</strong>monstra um<br />

conflito com as disposições constitucionais. A exemplo, quan<strong>do</strong> se questionou:<br />

“O que <strong>de</strong>ve acontecer com quem comete um crime?”, as respostas, que a<br />

pesquisa <strong>de</strong>monstrará em tabulação e trato a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> no texto final <strong>de</strong>sse<br />

trabalho, foram no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que quem comete um crime <strong>de</strong>ve ser julga<strong>do</strong>,<br />

preso; outros respon<strong>de</strong>ram que <strong>de</strong>veriams ser preso e “sofrer amargamente”; e<br />

tantos apontaram que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> crime, <strong>de</strong>ve ser “preso ou morto” e, para<br />

alguns outros que respon<strong>de</strong>ram o questionário, quem comete um crime <strong>de</strong>ve<br />

“levar um tiro na mão” ou receber <strong>de</strong> volta exatamente o que fez (“pagar na<br />

mesma moeda”). Ainda, com base no questionário, observou-se como o sistema<br />

educacional <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> Maranhão falhou em promover uma educação voltada<br />

ao respeito aos direitos e garantias fundamentais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático <strong>de</strong><br />

Direito e para a cultura <strong>de</strong> paz, alterida<strong>de</strong> e comunicação não-violenta, ainda que<br />

quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong>s sobre o nível <strong>de</strong> conhecimento a respeito <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos, mais <strong>de</strong> 80% das pessoas auto avaliou-se com conhecimento regular<br />

ou abaixo disso. Reiterou-se a hipótese central <strong>de</strong>sse trabalho a partir <strong>do</strong> qual o<br />

228


linchamento representa uma “legitimida<strong>de</strong> alternativa, que escapa das regras <strong>do</strong><br />

direito [...] sonega à vítima o direito <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e o <strong>de</strong> ser julgada por um juiz<br />

imparcial, além <strong>de</strong> sonegar o direito ao recurso e a novo julgamento em face <strong>de</strong><br />

um juízo que, <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong>, possa ser parcial. O julgamento da vítima <strong>de</strong><br />

linchamento é <strong>de</strong>finitivo e sem apelo. [...] Nega à vítima o direito a uma pena<br />

relativa e restitutiva para o <strong>de</strong>lito eventualmente cometi<strong>do</strong>: to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>litos são<br />

iguala<strong>do</strong>s – tanto o pequeno roubo quanto o assassinato” (MARTINS, 2015, pp.<br />

50-51), sen<strong>do</strong> um fenômeno complexo, manifestação <strong>de</strong> uma mentalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

uma cultura <strong>de</strong> punição.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS<br />

Percebeu-se que os linchamentos <strong>de</strong>nunciam a crise <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>, afiguran<strong>do</strong>-se para a população como uma forma alternativa e “legítima”<br />

<strong>de</strong> combater as violências no Maranhão. Porém, embora os linchamentos sejam<br />

contrários aos postula<strong>do</strong>s normativos que compõem os preceitos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Democrático <strong>de</strong> Direito, ainda compartilham da mesma lógica penal <strong>do</strong> ‘real’<br />

Esta<strong>do</strong>, lógica construída através <strong>de</strong> discursos punitivistas, <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

coerência e <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> (ZAFFARONI, 2001). Tal fenômeno é um processo <strong>de</strong><br />

coisificação <strong>do</strong> sujeito (<strong>de</strong>s)enquadra<strong>do</strong> nos mol<strong>de</strong>s da ‘pureza’, no qual aqueles<br />

con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s a serem lincha<strong>do</strong>s são como os ‘agentes polui<strong>do</strong>res’, reais coisas<br />

fora <strong>do</strong> lugar (BAUMAN, 1998, p. 29). São, com efeito, sujeitos que tem seus<br />

direitos viola<strong>do</strong>s no processo <strong>de</strong> inquisição social, <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s<br />

e alvos <strong>do</strong>s <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> vingança oriun<strong>do</strong>s da socieda<strong>de</strong>, refém <strong>do</strong> me<strong>do</strong> e<br />

distantes da racionalida<strong>de</strong> jurídica em conformida<strong>de</strong> com os valores <strong>de</strong> proteção<br />

à pessoa humana, apregoa<strong>do</strong>s pela Constituição. Portanto, os direitos<br />

fundamentais afirma<strong>do</strong>s na Constituição <strong>de</strong> 1988 ainda estão longe <strong>de</strong> serem<br />

efetiva<strong>do</strong>s num grau satisfatório. Os sujeitos envolvi<strong>do</strong>s na trama <strong>do</strong>s<br />

linchamentos são aqueles historicamente esqueci<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong>: De um la<strong>do</strong><br />

são aqueles que são joga<strong>do</strong>s para o “lixo social” e <strong>do</strong> outro uma população que,<br />

erguen<strong>do</strong> valores morais, <strong>de</strong>scontam seus sentimentos <strong>de</strong> insegurança, me<strong>do</strong>,<br />

revolta e insatisfação perante a indiferença estatal, configuran<strong>do</strong> um fenômeno<br />

marca<strong>do</strong> pela barbárie, supostamente superada nos discursos das ‘mo<strong>de</strong>rnas’<br />

229


constituições. Nesse senti<strong>do</strong>, conclui-se que os linchamentos ocorri<strong>do</strong>s nos<br />

últimos 10 anos no Maranhão foram o resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> fracasso das instituições<br />

públicas na implementação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> segurança e justiça e da<br />

potencialização da cultura <strong>do</strong> ódio, <strong>do</strong> me<strong>do</strong> e da punição, o que estimulou a<br />

naturalização das violências no contexto da conflituosida<strong>de</strong> social. Portanto, o<br />

fenômeno, mais <strong>do</strong> que um complexo ato <strong>de</strong> barbárie, coloca em evidência a<br />

revolta social contra a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m integrada e a perda da legitimida<strong>de</strong> estatal<br />

nesse histórico processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagregação social.<br />

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231


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232


AGENDA 2030 PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A<br />

TEORIA DA EQUIDADE INTERGERACIONAL: estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Piauí<br />

GALVÃO, Débora Gomes<br />

Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Santos (UNISANTOS). Mestre em<br />

Ciência Política, pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Piauí. Bolsista Capes Prosup, tem experiência na área <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong><br />

Ciência Política, atualmente, trabalha com consultoria e <strong>de</strong>senvolve pesquisa em Direito Ambiental Internacional,<br />

atuan<strong>do</strong> principalmente nos seguintes temas: Governança <strong>Global</strong>, Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030,<br />

Paradiplomacia Ambiental e Implementação <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />

Pesquisa<strong>do</strong>ra conveniada com o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí no Projeto BRA/16/024. Email: <strong>de</strong>boragalvao@unisantos.br.<br />

RESUMO<br />

A presente pesquisa aborda a institucionalização da Agenda 2030 para um<br />

Desenvolvimento Sustentável, um plano <strong>de</strong> ação para erradicar a pobreza,<br />

proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperida<strong>de</strong>.<br />

Com uma análise da Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional, que estabelece que as<br />

gerações humanas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da época que vivam, têm iguais direitos ao<br />

meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>. Com objetivo principal <strong>de</strong> examinar,<br />

oo caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, que atualmente, <strong>de</strong>senvolve Projeto BRA/16/024<br />

com apoio <strong>do</strong> Programa das Nações Unidas, com o objetivo <strong>de</strong> formular,<br />

implementar políticas voltadas para o Desenvolvimento Territorial e para<br />

concretização <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS) e elevar o<br />

Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano – IDH <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos. Tal<br />

Esta<strong>do</strong> é um entesubnacional brasileiro que tem atuação paradiplomática com<br />

intuito <strong>de</strong> implementar a Agenda 2030, fenômeno que vem sen<strong>do</strong> nota<strong>do</strong> com a<br />

a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> projetos com repercusão internacional por outros entes subnacionais<br />

no Brasil e no mun<strong>do</strong>. O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolveu-se com uma pesquisa classificada<br />

quanto à natureza, como qualitativa teórica, <strong>de</strong> caráter bibliográfico, por<br />

intermédio da análise <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s internacionais, legislação nacional, <strong>do</strong>utrina<br />

nacional e estrangeira sobre o tema, levantamento <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos e estu<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí. Por fim, foi realiza<strong>do</strong> um panorama <strong>do</strong> avanço da<br />

Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Teoria da Equida<strong>de</strong><br />

Intergeracional, com ênfase no caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />

233


Palavras-chave: Agenda 2030; Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional; Objetivos<br />

<strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável; Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano; Esta<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> Piauí.<br />

ABSTRACT<br />

This research addresses the institutionalization of Agenda 2030 for Sustainable<br />

Development, a plan of action to eradicate poverty, protect the planet and ensure<br />

that people achieve peace and prosperity. With an analysis of the Theory of<br />

Intergenerational Equity, which establishes that human generations, regardless<br />

of the time they live, have equal rights to the ecologically balanced environment.<br />

With the main objective of examining the case of the State of Piauí, which is<br />

currently <strong>de</strong>veloping Project BRA / 16/024 with the support of the United Nations<br />

Program, with the objective of formulating, implementing policies aimed at<br />

Territorial Development and attaining the Sustainable Development (ODS) and<br />

raise the HDI Human Development In<strong>de</strong>x of Piauí in the next 10 years. This State<br />

is a Brazilian entity that acts paradiplomatically in or<strong>de</strong>r to implement Agenda<br />

2030, a phenomenon that has been noticed with the a<strong>do</strong>ption of projects with<br />

international repercussions by other subnational entities in Brazil and in the world.<br />

The study was <strong>de</strong>veloped with a classification of the nature, as theoretical<br />

qualitative, of bibliographical character, through the analysis of international<br />

agreements, national legislation, national and foreign <strong>do</strong>ctrine on the subject,<br />

collection of <strong>do</strong>cuments and case study of the State of Piauí. Finally, an overview<br />

of the progress of the Agenda 2030 for Sustainable Development of the Theory<br />

of Intergenerational Equity was carried out, with emphasis on the case of the<br />

State of Piauí.<br />

Keywords: Agenda 2030; Theory of Intergenerational Equity; Sustainable<br />

Development Objectives; Human <strong>de</strong>velopment In<strong>de</strong>x; State of Piauí.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A Organização das Nações Unidas (ONU), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1972, passou a<br />

promover, periodicamente, conferências versan<strong>do</strong> sobre o Meio Ambiente.<br />

Estimulan<strong>do</strong> representantes <strong>de</strong> vários países, tais conferências <strong>de</strong>sempenham<br />

234


papel fundamental para conscientização <strong>de</strong> problemáticas, introduzin<strong>do</strong> nas<br />

agendas <strong>do</strong>s países a preocupação com o Meio Ambiente, através <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />

políticas internas e externas.<br />

A organização <strong>de</strong>ssas conferências é fruto <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates entre órgãos e a<br />

percepção <strong>de</strong> atores <strong>de</strong> diversos países quanto à gravida<strong>de</strong> da crise ambiental.<br />

Dentre as questões tratadas nas conferências, o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />

teve sua relevância consagrada expressamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Declaração <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro e a Agenda 21.<br />

Em setembro <strong>de</strong> 2015, lí<strong>de</strong>res mundiais congregaram-se na se<strong>de</strong> da<br />

ONU, em Nova York, e <strong>de</strong>cidiram um plano <strong>de</strong> ação para erradicar a pobreza,<br />

proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperida<strong>de</strong>:<br />

a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a qual contém o conjunto<br />

<strong>de</strong> 17 Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS).<br />

A análise da evolução <strong>do</strong> Discurso <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável na<br />

Conferência das Nações Unidas, com ênfase na implantação <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável, e, a Agenda 2030, especialmente sua aplicação<br />

no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí é o objeto central da presente pesquisa.<br />

Busca-se compreen<strong>de</strong>r como essa i<strong>de</strong>ia tem si<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> criar projetos<br />

visan<strong>do</strong> o cumprimento <strong>de</strong> metas e tarefas entre os atores, traçan<strong>do</strong> ainda, uma<br />

análise da Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional, que surge com a preocupação<br />

com a justiça para as gerações futuras em relação ao Meio Humano.<br />

A teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional tem amparo na ciência jurídica,<br />

sen<strong>do</strong> implementada através <strong>de</strong> instrumentos legais internacionais e nacionais,<br />

positivan<strong>do</strong> a proteção <strong>do</strong>s recursos ambientais para com as futuras gerações.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, a fim <strong>de</strong> alcançar metas para o equilíbrio <strong>do</strong> Meio Humano,<br />

e para a institucionalização da Agenda 2030 para a concretização <strong>do</strong>s objetivos<br />

<strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí (PI), ênfase <strong>de</strong>ste<br />

trabalho, preten<strong>de</strong> ser implantar tal agenda por intermédio <strong>de</strong> um projeto com<br />

apoio <strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong><br />

PNUD (2015).<br />

O projeto é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> entendimento, assina<strong>do</strong> em<br />

outubro <strong>de</strong> 2016, que estabelece o marco para cooperação técnica entre o<br />

235


Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí e o PNUD, e encontra-se fundamenta<strong>do</strong> sob a égi<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> Básico <strong>de</strong> Cooperação Técnica <strong>de</strong> 29/12/64, promulga<strong>do</strong> pelo Decreto<br />

n.º 59.308/1966, que prevê o estabelecimento <strong>de</strong> arranjos para a assistência<br />

técnica entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas e suas Agências<br />

Especializadas.<br />

O Piauí possui áreas propícias ao: agronegócio, mineração, investimento<br />

em energia renovável e gás natural e turismo. Para tanto, questiona-se: Qual o<br />

papel da teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional no avanço <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate nas<br />

conferências internacionais? Terá o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, ente subnacional brasileiro,<br />

meios <strong>de</strong> implementação da Agenda 2030 e aumento <strong>do</strong> Índice <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Humano (IDH) nos próximos 10 anos?<br />

Por fim, consegue-se traçar um paralelo entre avanço das conferências<br />

para institucionalização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável,<br />

da Teoria da Equida<strong>de</strong> Intergeracional, para presentes e futuras gerações, ten<strong>do</strong><br />

como foco o caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />

OBJETIVOS<br />

O Objetivo Geral da presente pesquisa é analisar o caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Piauí, que firmou Projeto BRA/16/024, com apoio <strong>do</strong> Programa das Nações<br />

Unidas, com o objetivo <strong>de</strong> formular, implementar políticas voltadas para o<br />

Desenvolvimento Territorial e para concretização <strong>do</strong>s Objetivos <strong>do</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável (ODS) e elevar o Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos.<br />

Para isso, como objetivos específicos, pecorre-se o caminho <strong>de</strong><br />

construção da teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional, e <strong>do</strong> avanço das conferências<br />

internacionais até ser firmada pelos lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> países em 2015, a Agenda 2030<br />

com 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Na trajetória da vida <strong>do</strong> homem este interagiu com o meio ambiente, na<br />

busca <strong>de</strong> sua subsistência e <strong>de</strong>senvolvimento. Consoante Veiga (2010), “é da<br />

236


combinação <strong>de</strong> dádivas da natureza com trabalho humano que surge o recurso<br />

inicial da economia <strong>de</strong> qualquer comunida<strong>de</strong>”.<br />

A expansão capitalista não se incomo<strong>do</strong>u com as questões ambientais,<br />

tratan<strong>do</strong> o meio ambiente como um recurso infinito e inesgotável. Segun<strong>do</strong> Porto<br />

Gonçalves (2013), a crença era <strong>de</strong> que a natureza é uma fonte inesgotável <strong>de</strong><br />

recursos e que sua exploração não geraria efeitos nocivos.<br />

Como uma resposta à industrialização começou o movimento ambiental,<br />

em 1972 a ONU convocou a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente<br />

Humano, em Estocolmo (Suécia): “Defen<strong>de</strong>r e melhorar o meio ambiente para<br />

as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a<br />

humanida<strong>de</strong>” (ESTOCOLMO, 1972, s.p.), parágrafo 6. 10<br />

De acor<strong>do</strong> com Brown (1991), a Conferência <strong>de</strong> Estocolmo que culminou<br />

com a criação <strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),<br />

com a preocupação veemente com as gerações futuras e a melhoria <strong>do</strong> meio<br />

ambiente, contribuiu para o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> direito internacional<br />

nesta área.<br />

A teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional encontra forte alicerce na ciência<br />

jurídica, sen<strong>do</strong> implementada através <strong>de</strong> instrumentos legais internacionais e<br />

nacionais, positivan<strong>do</strong> a proteção <strong>do</strong>s recursos ambientais para com as futuras<br />

gerações.<br />

Em 1983, o Secretário-Geral da ONU convi<strong>do</strong>u Gro Harlem Brundtland, a<br />

ex-Primeira Ministra da Noruega, para estabelecer e presidir a Comissão Mundial<br />

sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.<br />

10<br />

Chegamos a um momento da história em que <strong>de</strong>vemos orientar nossos atos em to<strong>do</strong><br />

o mun<strong>do</strong> com particular atenção às consequências que po<strong>de</strong>m ter para o meio ambiente.<br />

Por ignorância ou indiferença, po<strong>de</strong>mos causar danos imensos e irreparáveis ao meio<br />

ambiente da terra <strong>do</strong> qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m nossa vida e nosso bem-estar. Ao contrário, com<br />

um conhecimento mais profun<strong>do</strong> e uma ação mais pru<strong>de</strong>nte, po<strong>de</strong>mos conseguir para<br />

nós mesmos e para nossa posterida<strong>de</strong>, condições melhores <strong>de</strong> vida, em um meio<br />

ambiente mais <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s e aspirações <strong>do</strong> homem. (…) A <strong>de</strong>fesa<br />

e o melhoramento <strong>do</strong> meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras se<br />

converteram na meta imperiosa da humanida<strong>de</strong>, que se <strong>de</strong>ve perseguir, ao mesmo<br />

tempo em que se mantém as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento econômico e social em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, e em conformida<strong>de</strong> com elas.<br />

(ESTOCOLMO, 1972), parágrafo 6.<br />

237


A Comissão Brundtlant ou Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e<br />

Desenvolvimento (CMMAD) auxiliou a nova interpretação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

conti<strong>do</strong> no relatório “Nosso Futuro Comum”, também reputa<strong>do</strong> Relatório<br />

Brundtlant (1987), que estabeleceu uma nova orientação <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

assentada em três dimensões fundamentais a serem cumpridas: dimensão<br />

econômica, ambiental e equida<strong>de</strong> social. A expressão <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável tornou-se universal a partir da publicação <strong>do</strong> menciona<strong>do</strong> relatório<br />

“Nosso Futuro Comum”.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento sustentável é aquele que aten<strong>de</strong> “às necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong><br />

presente sem comprometer a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as gerações futuras aten<strong>de</strong>rem<br />

as suas próprias necessida<strong>de</strong>s” (CMMAD, 1991, p. 46).<br />

As discussões e orientações tratadas na Comissão Brundtlant<br />

acarretaram à realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio<br />

Ambiente e o Desenvolvimento, que colocou o assunto na agenda pública. A<br />

“Cúpula da Terra”, ocorrida no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1992, a<strong>do</strong>tou a “Agenda 21’,<br />

que é uma <strong>de</strong>lineação da proteção <strong>do</strong> nosso planeta e seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável.<br />

Na Agenda 21, os governos traçaram formas <strong>de</strong> mudar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

crescimento econômico em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> meio ambiente, apontan<strong>do</strong> para<br />

ativida<strong>de</strong>s que protejam os recursos ambientais.<br />

Assim, o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável adquiriu importância para o Direito<br />

Internacional <strong>do</strong> Meio Ambiente ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> expressamente em textos<br />

internacionais, tais como a Declaração <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro e a Agenda 21, e com<br />

fundamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> com as gerações futuras.<br />

Dentre as inúmeras interpretações que o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável<br />

apresenta, quatro postula<strong>do</strong>s são elementares: a equida<strong>de</strong> intergerações e<br />

intragerações, a utilização sustentável <strong>do</strong>s recursos naturais e a idéia <strong>de</strong><br />

integração.<br />

A equida<strong>de</strong> é axiomática no conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento no relatório<br />

Brundtland, na Declaração Final das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e<br />

na Declaração <strong>do</strong> Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, já que estes<br />

<strong>de</strong>monstram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar no bem-estar da geração atual, mas sem<br />

238


prejudicar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das gerações futuras (OLIVEIRA e ALVERNE,<br />

2015).<br />

O princípio 3 da Declaração <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro estabelece expressamente<br />

que “O direito ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve ser exerci<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a permitir que<br />

sejam atendidas equitativamente as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong><br />

meio ambiente das gerações presentes e futuras.”<br />

Portanto, é preciso zelar para que a exploração para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da geração atual, não venha a comprometer os recursos para uma geração<br />

futura.<br />

Em 2002, durante a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento<br />

Sustentável, realizada em Johannesburgo, <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois da Rio 92, com a<br />

participação <strong>de</strong> 193 países, foram aprova<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos oficiais, que<br />

dispõe <strong>de</strong> três pilares para o Desenvolvimento Sustentável (Declaração <strong>de</strong><br />

Joanesburgo e o seu Plano <strong>de</strong> Implementação).<br />

Posteriormente, em 2012, ocorreu a então conhecida como Rio+20, com<br />

o objetivo <strong>de</strong> repisar o compromisso <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s com o Desenvolvimento<br />

Sustentável. Neste evento, houve o estabelecimento <strong>do</strong>s objetivos para o<br />

Desenvolvimento Sustentável (ODS), em substituição aos objetivos <strong>do</strong> milênio<br />

da ONU, a partir <strong>de</strong> 2015.<br />

Em continuida<strong>de</strong> e ainda no mesmo contexto, os chefes <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong><br />

Governo e altos representantes, reuni<strong>do</strong>s na se<strong>de</strong> das Nações Unidas em Nova<br />

York <strong>de</strong> 25 a 27 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2015 <strong>de</strong>cidiram sobre os novos Objetivos <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável globais.<br />

A nova Agenda, aprovada no evento <strong>de</strong> 2015, tem 17 Objetivos <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável e 169 metas, sen<strong>do</strong> um <strong>de</strong>safio global e um plano<br />

<strong>de</strong> ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperida<strong>de</strong>. Ela também<br />

busca fortalecer a paz universal com mais liberda<strong>de</strong>.<br />

Portanto, a Agenda <strong>de</strong> 2030 se propõe a trazer noções e diretrizes para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2016 a 2030.<br />

De acor<strong>do</strong> com os objetivos e metas, são previstas ações mundiais nas<br />

áreas <strong>de</strong> erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saú<strong>de</strong>,<br />

educação, igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, energia, água e<br />

239


saneamento, padrões sustentáveis <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> consumo, mudança <strong>do</strong><br />

clima, cida<strong>de</strong>s sustentáveis, proteção e uso sustentável <strong>do</strong>s oceanos e <strong>do</strong>s<br />

ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura,<br />

industrialização, entre outros.<br />

Diante <strong>do</strong> cenário internacional <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças urgentes,<br />

consagra-se a necessida<strong>de</strong> da preocupação com as futuras gerações. No Brasil,<br />

ten<strong>do</strong> como sua principal disposição elencada no art. 225 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, em conformida<strong>de</strong> com a teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional.<br />

Nesse contexto <strong>de</strong> observância <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s traça<strong>do</strong>s em conferências<br />

internacionais, o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, que criou territórios para <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Lei Complementar N° 87 <strong>de</strong> 2007 (BRASIL, 2007), preten<strong>de</strong> através <strong>de</strong><br />

um Projeto <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> BRA/16/024, implantar a Agenda 2030 com vistas à<br />

concretização <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS), com apoio<br />

<strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).<br />

O Projeto Desenvolvimento Territorial e Agenda ODS <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí<br />

(00101444 - BRA/16/024), visa apoiar o Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí na<br />

avaliação, formulação e implementação <strong>de</strong> políticas voltadas para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento territorial, com foco nos Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento<br />

Sustentável e na Agenda 2030, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se elevar o Índice <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Humano <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos.<br />

O projeto é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> entendimento, assina<strong>do</strong> em<br />

outubro <strong>de</strong> 2016, que estabelece o marco para cooperação técnica entre o<br />

Governo e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, e encontrase<br />

fundamenta<strong>do</strong> sob a égi<strong>de</strong> <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> Básico <strong>de</strong> Cooperação Técnica <strong>de</strong><br />

29/12/64, promulga<strong>do</strong> pelo Decreto n.º 59.308/1966, que prevê o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> arranjos para a assistência técnica entre o Brasil e a<br />

Organização das Nações Unidas e suas Agências Especializadas.<br />

Almeja-se, então, estimular a cooperação entre Esta<strong>do</strong>, socieda<strong>de</strong> e<br />

organizações sociais e privadas, na construção <strong>de</strong> soluções que influenciem a<br />

trajetória <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da localida<strong>de</strong> em que se inserem, promoven<strong>do</strong> o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano e sustentável, garantin<strong>do</strong> a consolidação e ampliação<br />

das ações governamentais na melhoria da gestão e das políticas públicas.<br />

240


METODOLOGIA<br />

A meto<strong>do</strong>logia empregada para o estu<strong>do</strong> foi classificada quanto à<br />

natureza, como qualitativa teórica, <strong>de</strong> caráter bibliográfico, com com estu<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

caso <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />

Segun<strong>do</strong> Triviños (1987), a abordagem <strong>de</strong> cunho qualitativo trabalha os<br />

da<strong>do</strong>s buscan<strong>do</strong> seu significa<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> como base a percepção <strong>do</strong> fenômeno<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> seu contexto. O uso da <strong>de</strong>scrição qualitativa procura captar não só a<br />

aparência <strong>do</strong> fenômeno como também suas essências, procuran<strong>do</strong> explicar sua<br />

origem, relações e mudanças, e tentan<strong>do</strong> intuir as conseqüências.<br />

Para tanto, será realiza<strong>do</strong> um levantamento da <strong>do</strong>utrina, jurisprudência,<br />

normas nacionais e estrangeiras, e <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumento, especialmente o Projeto<br />

BRA/16/024.<br />

Buscou-se com o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, não a generalização <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s,<br />

mas sim compreen<strong>de</strong>r e interpretar os fatos e fenômeno específicos.<br />

RESULTADOS PRELIMINARES<br />

Para alcançar os resulta<strong>do</strong>s almeja<strong>do</strong>s, o Projeto BRA/16/024 <strong>de</strong>ve<br />

pecorrer etapas como subsídios para a institucionalização da Agenda 2030 para<br />

o Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí.<br />

Sen<strong>do</strong> estas: Elaborar mapeamento <strong>de</strong> boas práticas, estu<strong>do</strong>s técnicos e<br />

recomendações para formulação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> arranjo institucional <strong>de</strong><br />

monitoramento estadual <strong>do</strong>s ODS; Capacitar integrantes <strong>do</strong> arranjo institucional<br />

ODS para a utilização <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> implementação, monitoramento,<br />

avaliação e financiamento da Agenda 2030; Formular Linha <strong>de</strong> base; Elaborar<br />

estu<strong>do</strong>s técnicos e recomendações meto<strong>do</strong>lógicas para subsidiar Relatório<br />

Estadual ODS; Elaborar e implementar capacitações sobre temas prioritários<br />

aponta<strong>do</strong>s no Relatório Estadual ODS; Produzir informações e estu<strong>do</strong>s que<br />

contribuam para o alcance <strong>do</strong>s ODS com base nos diagnósticos conduzi<strong>do</strong>s bem<br />

como Relatório Estadual; Elaborar mapeamento <strong>de</strong> boas práticas, estu<strong>do</strong>s<br />

técnicos e recomendações para o arranjo meto<strong>do</strong>lógico, organizativo, jurídico e<br />

institucional <strong>do</strong> Prêmio ODS Piauí; Elaborar mapeamento <strong>de</strong> boas práticas,<br />

estu<strong>do</strong>s técnicos e recomendações para estabelecimento <strong>do</strong> arranjo<br />

241


organizativo, jurídico e institucional da Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Especialistas ODS; Capacitar<br />

agentes <strong>de</strong> órgãos <strong>de</strong> pesquisa, gestão e planejamento em ODS e seus<br />

indica<strong>do</strong>res; Implementar um piloto <strong>de</strong> Mesas <strong>de</strong> Diálogos ODS.<br />

Verifica-se ser necessário,ainda, analisar capacida<strong>de</strong>s institucionais <strong>de</strong><br />

planejamento e gestão <strong>de</strong> governos e socieda<strong>de</strong> civil no âmbito estadual,<br />

territorial e municipal, mapean<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> alinhamento <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong><br />

planejamento e gestão estadual, territorial e municipal com a Agenda 2030,<br />

elaboran<strong>do</strong> recomendações técnicas para aprimoramento <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong><br />

planejamento e gestão estadual, territorial e municipal para o alcance <strong>do</strong>s ODS<br />

e implementan<strong>do</strong> capacitações sobre territorialização <strong>de</strong> Agenda 2030 e ODS<br />

para gestores e li<strong>de</strong>ranças sociais estaduais, territorial e municipais.<br />

Almeja-se que se tenha asseguradas uma comunicação e gestão <strong>do</strong><br />

Projeto eficientes, por intermédio das fases a seguir: Elaborar plano <strong>de</strong><br />

comunicação e subsídios para o estabelecimento <strong>de</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> comunicação; Realizar ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> quality assurance e avaliação;<br />

Capacitar equipe para gestão e fazer relatório <strong>de</strong> sistematização <strong>de</strong> lições<br />

aprendidas e recomendações meto<strong>do</strong>lógicas para o aprimoramento da<br />

implementação da agenda.<br />

Para tal, será utiliza<strong>do</strong> como fonte principal o Projeto BRA/16/024, que se<br />

aprimora<strong>do</strong> nos estágios essenciais elenca<strong>do</strong>s, terá como resulta<strong>do</strong> a<br />

institucionalização da Agenda 2030, com avanço na implementação <strong>do</strong>s 17<br />

Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento Sustentável e consequente melhora no Índice <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Humano (IDH).<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS<br />

A Agenda 2030 foi resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um refinamento <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> todas<br />

as gran<strong>de</strong>s conferências e cúpulas das Nações Unidas que estabeleceram uma<br />

base sólida, com aprovação <strong>do</strong>s 17 Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável<br />

que buscam concretizar os direitos humanos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> integra<strong>do</strong>s e<br />

indivisíveis, equilibran<strong>do</strong> as três dimensões <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável: a<br />

econômica, a social e a ambiental.<br />

242


Os <strong>de</strong>safios e engajamentos constantes nestas gran<strong>de</strong>s conferências e<br />

cúpulas são inter-relaciona<strong>do</strong>s e exigem soluções integradas. Assim, temos que<br />

o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento exerce mundialmente<br />

um papel importante na construção <strong>de</strong> consensos.<br />

Infere-se que este trabalho sugere uma estrutura normativa em que, fruto<br />

<strong>de</strong> conferências e <strong>de</strong>bates internacionais, se for a<strong>do</strong>tada e internalizada por<br />

instituições políticas e sociais, po<strong>de</strong> assegurar que as futuras gerações her<strong>de</strong>m<br />

uma parcela justa <strong>de</strong> herança ambiental global.<br />

Consoante teoria da equida<strong>de</strong> intergeracional, impõe-se a cada geração<br />

a preservação da diversida<strong>de</strong>, da base <strong>de</strong> recursos para que as gerações futuras<br />

recebam o planeta em condições melhores que a geração atual.<br />

Nesse contexto <strong>de</strong> atenção com as próximas gerações, o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí,<br />

ente subnacional brasileiro com ativida<strong>de</strong> paradiplomática, firmou Projeto<br />

BRA/16/024, visan<strong>do</strong> a formulação e implementação <strong>de</strong> políticas voltadas para<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento territorial, com foco nos Objetivos <strong>do</strong> Desenvolvimento<br />

Sustentável e na Agenda 2030, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se elevar o Índice <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Humano <strong>do</strong> Piauí nos próximos 10 anos.<br />

Reflete-se através da pesquisa, que o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Piauí, ente subnacional<br />

brasileiro, enfrenta <strong>de</strong>safios para obter meios <strong>de</strong> implementação da Agenda<br />

2030 e aumento <strong>do</strong> Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano (IDH), <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> inserirse<br />

na vida econômica <strong>do</strong> país e <strong>do</strong> Nor<strong>de</strong>ste, crian<strong>do</strong> bases para promover<br />

políticas públicas que estimulem a força empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s piauienses, além<br />

<strong>de</strong> atrair empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>res <strong>de</strong> fora <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Destaca-se que o Piauí possui áreas propícias ao: agronegócio,<br />

mineração, investimento em energia renovável e gás natural e turismo, contan<strong>do</strong><br />

com gran<strong>de</strong>s projetos <strong>de</strong> infraestrutura como a Ferrovia Transor<strong>de</strong>stina, Portos,<br />

Barragens, usina fotovoltaica que se combina<strong>do</strong>s com uma estratégia <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento territorial sustentável proposta no menciona<strong>do</strong> projeto, po<strong>de</strong>rá<br />

aliar crescimento econômico, com inclusão social e proteção ambiental e levar o<br />

Esta<strong>do</strong> ao alcance <strong>de</strong> um IDHM alto e <strong>do</strong>s ODS.<br />

Tal Esta<strong>do</strong>, tem uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atrair investimentos públicos ou<br />

<strong>de</strong>senvolver parcerias com o setor priva<strong>do</strong>, por intermédio <strong>de</strong> ações<br />

243


paradiplomáticas, para a institucionalização da Agenda 2030 e <strong>do</strong>s Objetivos <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável, asseguran<strong>do</strong> as futuras gerações um Meio<br />

Humano Equilibra<strong>do</strong>.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL, Lei Complementar N° 87 <strong>de</strong> 2007. Disponível em:<br />

. Acesso em setembro<br />

<strong>de</strong> 2018.<br />

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO<br />

(CMMAD). Nosso Futuro Comum. 2. Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora da Fundação<br />

Getúlio Vargas, 1991.<br />

OLIVEIRA, Liziane; ALVERNE, Tarin. A Evolução da Noção <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável Nas Conferências Das Nações Unidas. In: REI,<br />

Fernan<strong>do</strong> e GRANZIEIRA, Maria Luiza Macha<strong>do</strong> (coord). Direito Ambiental<br />

Internacional – Avanços e Retrocessos - 40 anos <strong>de</strong> Conferências das Nações<br />

Unidas. São Paulo: Atlas, 2015.<br />

PNUD. Transforman<strong>do</strong> Nosso Mun<strong>do</strong>: A Agenda 2030 para o<br />

Desenvolvimento Sustentável. 2015. Disponível em:<br />

. Acesso em<br />

out. 2018.<br />

PORTO-GONÇALVES, C. W. A <strong>Global</strong>ização da Natureza e a Natureza da<br />

<strong>Global</strong>ização. 5. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.<br />

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a<br />

pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.<br />

VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> século XXI. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Garamond, 2010.<br />

WEISS, E. B. Our rights and obligations to future generation for the<br />

environment. Revista Instituto Interamericano <strong>de</strong> Derechos <strong>Humanos</strong>. São<br />

José (Costa Rica), v. 13, p.21-33, jan./jun. 1991. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 11 maio 2018.<br />

244


EL NUEVO MARCO DE ORDENACIÓN DEL ESPACIO MARÍTIMO<br />

ESPAÑOL<br />

FUENTES I GASÓ, Josep Ramon<br />

Profesor Titular <strong>de</strong> Derecho Administrativo<br />

Centre d’Estudis <strong>de</strong> Dret Ambiental <strong>de</strong> Tarragona<br />

Universitat Rovira i Virgili<br />

Os oceanos contêm não só a maior parte da água <strong>do</strong> planeta, mas<br />

também a maior parte da vasta varieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seres vivos, muitos <strong>de</strong>les<br />

ainda <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s para nós e ameaça<strong>do</strong>s por diversas causas.<br />

Além disso, a vida nos rios, lagos, mares e oceanos, que nutre gran<strong>de</strong><br />

parte da população mundial, é afectada pela extracção <strong>de</strong>scontrolada<br />

<strong>do</strong>s recursos ictíicos, que provoca drásticas diminuições dalgumas<br />

espécies. E no entanto continuam a <strong>de</strong>senvolver-se modalida<strong>de</strong>s<br />

selectivas <strong>de</strong> pesca, que <strong>de</strong>scartam gran<strong>de</strong> parte das espécies<br />

apanhadas. Particularmente ameaça<strong>do</strong>s estão organismos marinhos<br />

que não temos em consi<strong>de</strong>ração, como certas formas <strong>de</strong> plâncton que<br />

constituem um componente muito importante da ca<strong>de</strong>ia alimentar<br />

marinha e <strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, em última instância, espécies que se<br />

utilizam para a alimentação humana.” (FRANCISCO, 2015). 1<br />

Sumario: 1. Prefacio.- 2. Introducción.- 3. El nuevo marco jurídico.- 4. Los planes<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo.- 5. La cooperación interestatal.- 6.<br />

Conclusiones.- 7. Bibliografía.<br />

RESUMEN<br />

El presente trabajo tiene como objeto analizar cómo se protege y conserva el<br />

medio marino español mediante los instrumentos <strong>de</strong> planificación. En el contexto<br />

<strong>de</strong> la política marítima integrada <strong>de</strong> la Unión Europea, y <strong>de</strong> las estrategias<br />

marinas, reguladas en la Ley 41/2010, <strong>de</strong> Protección <strong>de</strong>l Medio Marino, se<br />

<strong>de</strong>staca el Real Decreto 363/201, por el que se establece el nuevo marco jurídico<br />

para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, que dispone la <strong>de</strong>terminación y<br />

aplicación <strong>de</strong> una or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo con el fin <strong>de</strong> fomentar: el<br />

crecimiento sostenible <strong>de</strong> las economías marítimas; el <strong>de</strong>sarrollo sostenible <strong>de</strong><br />

los espacios marinos y el aprovechamiento sostenible <strong>de</strong> los recursos marinos.<br />

1<br />

FRANCISCO, Laudato Si’, Carta encíclica sobre o cuida<strong>do</strong> da casa comum, núm. 144., 24 <strong>de</strong><br />

mayo <strong>de</strong> 2015.<br />

245


Para lograr estos objetivos se prevé la aprobación <strong>de</strong> planes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación para<br />

cada una <strong>de</strong> las <strong>de</strong>marcaciones marinas españolas que se van a condicionar a<br />

los diferentes usos y activida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>sarrollan en las aguas marinas.<br />

Palabras clave: Medio ambiente. Espacio marítimo. Protección. Or<strong>de</strong>nación.<br />

Régimen jurídico.<br />

RESUMO<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste artigo é analisar como o ambiente marinho espanhol é protegi<strong>do</strong><br />

e conserva<strong>do</strong> através <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> planejamento. No contexto da política<br />

marítima integrada e das estratégias marinhas da União Europeia, regulada pela<br />

Lei 41/2010, <strong>de</strong> Protecção <strong>do</strong> Meio Marinho, o Real Decreto 363/201/201<br />

estabelece o novo quadro jurídico <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> espaço marítimo, que<br />

prevê a i<strong>de</strong>ntificação e implementação <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> espaço marítimo, a<br />

fim <strong>de</strong> promover: o crescimento sustentável das economias marítimas; o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável <strong>do</strong>s espaços marinhos; e a utilização sustentável<br />

<strong>do</strong>s recursos marinhos. Para alcançar estes objectivos, está prevista a<br />

aprovação <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> gestão para cada uma das <strong>de</strong>marcações marinhas<br />

espanholas que serão condicionadas às diferentes utilizações e activida<strong>de</strong>s<br />

realizadas nas águas marinhas.<br />

Palavras-chave: Meio ambiente. Espaço marítimo. Proteção. Planejamento.<br />

Regime jurídico.<br />

1 PREFACIO<br />

Los Objetivos <strong>de</strong> Desarrollo Sostenible (ODS, 2015-2030) son una<br />

iniciativa impulsada por Naciones Unidas para dar continuidad a la agenda <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sarrollo tras los Objetivos <strong>de</strong> Desarrollo <strong>de</strong>l Milenio (ODM, 2000-2015), que<br />

establecían 8 objetivos y 21 metas.<br />

La Conferencia <strong>de</strong> las Naciones Unidas sobre el Desarrollo Sostenible<br />

celebrada en Río <strong>de</strong> Janeiro (Brasil) <strong>de</strong>l 20 al 22 <strong>de</strong> junio <strong>de</strong> 2012 (llamada,<br />

Río+20), veinte años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la histórica Cumbre <strong>de</strong> la Tierra en Río en 1992,<br />

creó un grupo <strong>de</strong> trabajo que presentó los 17 ODS, con 169 metas planteadas<br />

para el horizonte 2015-2030, que fueron a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong>s por la Asamblea General <strong>de</strong><br />

246


Naciones Unidas el 25 <strong>de</strong> septiembre <strong>de</strong> 2015 con la aprobación <strong>de</strong> la llamada<br />

Agenda 2030, que lleva por título “Transformar nuestro mun<strong>do</strong>: la Agenda 2030<br />

para el Desarrollo Sostenible" y que entró en vigor el 1 <strong>de</strong> enero <strong>de</strong> 2016.<br />

En este senti<strong>do</strong>, el presente trabajo se insiere en el Objetivo núm. 14:<br />

“Conservar y utilizar en forma sostenible los océanos, los mares y los recursos<br />

marinos para el <strong>de</strong>sarrollo sostenible”.<br />

2 INTRODUCCIÓN<br />

En el or<strong>de</strong>namiento jurídico español se ha tarda<strong>do</strong> mucho en or<strong>de</strong>nar y<br />

proteger el medio marino <strong>de</strong> forma integrada, a pesar <strong>de</strong> la importancia que tiene<br />

el mar. Hasta la última década <strong>de</strong>l siglo XX sólo se a<strong>do</strong>ptaron regulaciones<br />

sectoriales sobre el medio marino, sin una visión <strong>de</strong> conjunto que integrara las<br />

múltiples activida<strong>de</strong>s que se realizan en el mar. No obstante, en los últimos años<br />

la Unión Europa ha <strong>de</strong>sarrolla<strong>do</strong> una política ambiental que proporciona un<br />

marco <strong>de</strong> protección efectivo para los mares y océanos. Así, ha aproba<strong>do</strong> una<br />

serie <strong>de</strong> instrumentos jurídicos que asumen la necesidad <strong>de</strong> superar los<br />

planteamientos parciales que tradicionalmente se han lleva<strong>do</strong> a cabo sobre el<br />

litoral, imponien<strong>do</strong> una perspectiva holística e integral en la protección <strong>de</strong>l medio<br />

marino (ARANA, 2012, p. 214), y la gobernanza, como méto<strong>do</strong> para integrar las<br />

distintas políticas sectoriales y para hacer posibles los fines propuestos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la<br />

participación <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los interesa<strong>do</strong>s en el proceso <strong>de</strong> planificación<br />

(ZAMORANO, 2014, p. 471).<br />

De esta forma, se ha inclui<strong>do</strong> la protección <strong>de</strong>l medio marino en el<br />

<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> la Política Marítima Integrada (PMI), la cual engloba cuestiones tan<br />

diversas como el transporte marítimo, la competitividad <strong>de</strong> las empresas<br />

marítimas, la investigación científica, la pesca y la protección <strong>de</strong>l medio marino.<br />

Este enfoque integral <strong>de</strong>l medio marino se ha introduci<strong>do</strong> en el or<strong>de</strong>namiento<br />

jurídico español a partir <strong>de</strong> la transposición <strong>de</strong> la Directiva 2008/56/CE, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong><br />

junio, mediante la Ley 41/2010, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> diciembre, <strong>de</strong> protección <strong>de</strong>l medio<br />

marino (LPMM). En este contexto también se ha aproba<strong>do</strong> el Real Decreto<br />

363/2017, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> abril (RD), mediante el cual se incorpora al <strong>de</strong>recho español<br />

la Directiva 2014/89/UE, <strong>de</strong>l Parlamento Europeo y <strong>de</strong>l Consejo, por la que se<br />

247


establece un marco jurídico para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo (FUENTES,<br />

2017, p. 25 y ss.).<br />

La or<strong>de</strong>nación que establece la LPMM sienta las bases para conseguir la<br />

concreción y armonización <strong>de</strong> la tutela <strong>de</strong>l medio marino mediante la planificación<br />

<strong>de</strong> Estrategias Marinas (EM), como instrumento esencial para coordinar los<br />

diferentes sectores y activida<strong>de</strong>s que se realizan en el medio marino, que se<br />

<strong>de</strong>sarrollan mediante el RD que establece el nuevo marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l<br />

espacio marítimo.<br />

3 EL NUEVO MARCO JURÍDICO<br />

El objetivo <strong>de</strong> la Directiva 2014/89/UE es que los Esta<strong>do</strong>s inicien un<br />

proceso <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, consistente en analizar y organizar<br />

“las activida<strong>de</strong>s humanas en las zonas marinas con el fin <strong>de</strong> alcanzar objetivos<br />

ecológicos, económicos y sociales”.<br />

La or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo tiene una clara finalidad ambiental,<br />

pues con ella se preten<strong>de</strong> “[…] fomentar el crecimiento sostenible <strong>de</strong> las<br />

economías marítimas, el <strong>de</strong>sarrollo sostenible <strong>de</strong> los espacios marinos y el<br />

aprovechamiento sostenible <strong>de</strong> los recursos marinos […]” (art. 1 RD). A<strong>de</strong>más,<br />

tal y como dispone el preámbulo <strong>de</strong>l RD, la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo<br />

“aspira a i<strong>de</strong>ntificar y promover los usos múltiples, <strong>de</strong> conformidad con las<br />

políticas y normativas nacionales pertinentes. Para ello, se <strong>de</strong>be garantizar al<br />

menos que el proceso o procesos <strong>de</strong> planificación culminen en una planificación<br />

global, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntifique la potencialidad <strong>de</strong> los espacios marítimos para los<br />

diferentes usos”.<br />

Y to<strong>do</strong> ello, con el fin <strong>de</strong> lograr y/o mantener un buen esta<strong>do</strong> ambiental <strong>de</strong>l<br />

medio marino, i<strong>de</strong>ntificar y gestionar la utilización <strong>de</strong>l espacio marítimo se<br />

establece un marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, el cual permita una<br />

“toma <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisiones coherente, transparente, sostenible y basada en pruebas”.<br />

Este marco dispone la <strong>de</strong>terminación y aplicación <strong>de</strong> una or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l<br />

espacio marítimo con el fin <strong>de</strong> contribuir a la consecución <strong>de</strong>l elenco <strong>de</strong> objetivos<br />

que se indican en el art. 5 RD. En este lista<strong>do</strong>, se <strong>de</strong>bería haber reforza<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

forma más explícita la obligatoriedad <strong>de</strong> que en los espacios protegi<strong>do</strong>s, así<br />

248


como en las áreas marinas <strong>de</strong> tránsito y <strong>de</strong> conectividad entre espacios marinos<br />

protegi<strong>do</strong>s prevalezcan los criterios ambientales y ecológicos por encima <strong>de</strong><br />

otros criterios, como los <strong>de</strong> carácter económico. Ahora bien, esta relación no<br />

supone una formulación expresa <strong>de</strong> los objetivos que preten<strong>de</strong>n alcanzarse con<br />

la planificación espacial marina, sino que se limita a establecer los objetivos que<br />

se materializarán a través <strong>de</strong> los planes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación, que <strong>de</strong>berán establecer<br />

los objetivos específicos, tenien<strong>do</strong> en cuenta los objetivos <strong>de</strong> las EM y <strong>de</strong> los<br />

planes sectoriales. De tal suerte que este marco se configura como “una directriz<br />

común a todas las estrategias marinas”, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con lo estableci<strong>do</strong> en el art.<br />

4.2 f) LPMM.<br />

El RD se aplica a todas las aguas marinas, inclui<strong>do</strong>s el lecho, el subsuelo<br />

y los recursos naturales en las que el Esta<strong>do</strong> español ejerza soberanía, <strong>de</strong>rechos<br />

soberanos o jurisdicción. Sin embargo, <strong>de</strong> este ámbito <strong>de</strong> aplicación y, por tanto,<br />

<strong>de</strong> los planes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación marítima, se excluyen: a) las activida<strong>de</strong>s cuyo único<br />

propósito sea la <strong>de</strong>fensa o la seguridad nacional; b) la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y<br />

urbanismo; c) las aguas costeras, o partes <strong>de</strong> las mismas, que sean objeto <strong>de</strong><br />

medidas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y urbanismo, ni a las aguas <strong>de</strong> zona <strong>de</strong><br />

servicio <strong>de</strong> los puertos, a condición <strong>de</strong> que así se establezca en los planes <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo.<br />

La primera exclusión está hecha en los mismos términos que en el art. 2.2<br />

Directiva 2014/89/UE y en el art. 2.4 LPMM. Se trata, por tanto, <strong>de</strong> una<br />

transposición formal y material <strong>de</strong> la Directiva (ZAMORANO, 2018, p. 9); aunque<br />

los otros <strong>do</strong>s ámbitos exclui<strong>do</strong>s si presentan una problemática competencial<br />

reseñable. La cuestión relevante es si la posibilidad <strong>de</strong> que la or<strong>de</strong>nación<br />

marítima que se haga en ese espacio entra en conflicto con competencias<br />

autonómicas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y planificación urbanística y <strong>de</strong><br />

planificación hidrológica. En este senti<strong>do</strong>, el Consejo <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ró en su<br />

Dictamen 167/2017 que con la regulación prevista en el RD no se vulneran las<br />

competencias autonómicas (ZAMORANO, 2018, p. 10) “ya que el límite interior<br />

son las aguas <strong>de</strong> transición (otra cosa es que tengan competencia respecto <strong>de</strong><br />

actos concretos o <strong>de</strong> planificación sectorial distinta <strong>de</strong> la general<br />

territorial/urbanística, como pue<strong>de</strong> ocurrir, eso sí, con la competencia <strong>de</strong><br />

249


acuicultura), pero ello es objeto <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>sa previsión en el artículo 10 <strong>de</strong>l<br />

proyecto” (CONSEJO DE ESTADO, 2017, p. 23).<br />

To<strong>do</strong> ello supone que entre las aguas planificadas se haya inclui<strong>do</strong> aguas<br />

que son objeto <strong>de</strong> regulación tanto por la Ley <strong>de</strong> Aguas como en la Ley <strong>de</strong> Costas<br />

y en la LPMM. Por ello, se produce un solapamiento <strong>de</strong> la planificación, que<br />

<strong>de</strong>bería armonizarse en aplicación <strong>de</strong>l art. 2.3 Directiva 2014/89/UE (FUENTES,<br />

2017, p. 29 y ss). Sin embargo, el CE ha estima<strong>do</strong> que a pesar <strong>de</strong> existir<br />

solapamiento, éste se resuelve mediante la aplicación <strong>de</strong>l art. 2.3 LPMM, el cual<br />

dispone que “no obstante lo dispuesto en el aparta<strong>do</strong> anterior, el Título II (…) no<br />

será <strong>de</strong> aplicación a las aguas costeras <strong>de</strong>finidas en el art. 16 bis <strong>de</strong>l Texto<br />

refundi<strong>do</strong> <strong>de</strong> la Ley <strong>de</strong> Aguas, aproba<strong>do</strong> por Real Decreto Legislativo 1/2001, <strong>de</strong><br />

20 <strong>de</strong> julio, en relación con aquellos aspectos <strong>de</strong>l esta<strong>do</strong> ambiental <strong>de</strong>l medio<br />

marino que ya estén regula<strong>do</strong>s en el cita<strong>do</strong> texto refundi<strong>do</strong> o en sus <strong>de</strong>sarrollos<br />

reglamentarios, <strong>de</strong>bién<strong>do</strong>se cumplir, en to<strong>do</strong> caso, los objetivos ambientales<br />

estableci<strong>do</strong>s en virtud <strong>de</strong> la presente ley y en las estrategias marinas que se<br />

aprueben en aplicación <strong>de</strong> la misma”. Por tanto, es en las aguas costeras dón<strong>de</strong><br />

se produce este conflicto puesto que en ellas las Comunida<strong>de</strong>s Autónomas<br />

(CCAA) ejercen diversas competencias exclusivas, como acuicultura o pesca<br />

marítima; aunque también inci<strong>de</strong>n en ellas <strong>de</strong>terminadas competencias<br />

estatales.<br />

Ante esta situación, el RD <strong>de</strong>be fijar unos criterios <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación para<br />

garantizar la compatibilidad y la sostenibilidad <strong>de</strong> los distintos usos y activida<strong>de</strong>s<br />

sin afectar a la <strong>de</strong>terminación <strong>de</strong> la específica y concreta aptitud ambiental y la<br />

autorización o concesión <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s corresponda en cada caso a la<br />

Administración con competencias sustanciales en la materia (LOZANO, 2017,<br />

p.3).<br />

De esta forma, el Esta<strong>do</strong> en el ejercicio <strong>de</strong> sus competencias sobre<br />

legislación básica <strong>de</strong> medio ambiente (art. 149.1.23 CE) y sobre las bases y la<br />

coordinación <strong>de</strong> la planificación general <strong>de</strong> la actividad económica, pue<strong>de</strong><br />

establecer una planificación general <strong>de</strong> las aguas marinas, incluidas las costeras,<br />

que no sean objeto <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l territorio y <strong>de</strong> urbanismo.<br />

250


4 LOS PLANES DE ORDENACIÓN DEL ESPACIO MARÍTIMO<br />

El instrumento clave en la or<strong>de</strong>nación marítima son los Planes <strong>de</strong><br />

Or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l Espacio Marítimo (POEM), que <strong>de</strong>ben elaborarse para cada una<br />

<strong>de</strong> las cinco <strong>de</strong>marcaciones marítimas fijadas en el art. 6.2 LPMM con una<br />

duración máxima <strong>de</strong> diez años revisables.<br />

Por ello, la or<strong>de</strong>nación por medio <strong>de</strong> planes <strong>de</strong>l espacio marítimo<br />

constituirá una directriz común a todas las EM, lo que explica que durante el<br />

procedimiento <strong>de</strong> elaboración <strong>de</strong> los POEM se precise la colaboración <strong>de</strong> los<br />

diversos <strong>de</strong>partamentos ministeriales, la cooperación <strong>de</strong> las CCAA y la<br />

coordinación con la Comisión Europea. A<strong>de</strong>más, también se hace necesaria la<br />

participación pública en la tramitación <strong>de</strong> los POEM <strong>de</strong>s<strong>de</strong> las fases iniciales <strong>de</strong><br />

la elaboración, informan<strong>do</strong> a todas las partes interesadas y consultan<strong>do</strong> a los<br />

grupos <strong>de</strong> interés y autorida<strong>de</strong>s pertinentes, así como a la ciudadanía que se<br />

consi<strong>de</strong>re afectada.<br />

Los POEM se <strong>de</strong>ben aprobar, como se señala en el aparta<strong>do</strong> d) <strong>de</strong>l art. 1<br />

RD, por el Consejo <strong>de</strong> Ministros mediante RD y se publican en el Boletín Oficial<br />

<strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong>. Así se les atribuye fuerza normativa, aunque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rán <strong>de</strong>l informe<br />

<strong>de</strong> compatibilidad con la estrategia y el espacio concreto, a que estará sometida<br />

la autorización <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s. La atribución <strong>de</strong> valor normativo a los POEM<br />

contribuye a su eficacia, asegurán<strong>do</strong>se que parte <strong>de</strong>l conteni<strong>do</strong> pueda tener<br />

fuerza vinculante para las Administraciones o para los particulares y <strong>de</strong>ba seguir<br />

los trámites preceptivos impuestos por la Ley 40/2015, <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> octubre, <strong>de</strong><br />

Régimen Jurídico <strong>de</strong>l Sector Público.<br />

Los POEM, en virtud <strong>de</strong>l art. 8.1 RD, tendrán que someterse también, por<br />

regla general, al procedimiento <strong>de</strong> evaluación ambiental estratégica. Aunque el<br />

cita<strong>do</strong> precepto sólo lo menciona <strong>de</strong> forma indirecta la Directiva 2014/89/UE en<br />

su consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> núm. 23 que sí lo afirma expresamente y también resulta <strong>de</strong> la<br />

regulación <strong>de</strong>l ámbito <strong>de</strong> aplicación <strong>de</strong> la Ley 21/2013, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> diciembre, que<br />

regula este instrumento. De esta manera, como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> la <strong>de</strong>claración<br />

ambiental estratégica <strong>de</strong>terminadas zonas serán consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> exclusión <strong>de</strong><br />

ciertas activida<strong>de</strong>s, si bien, como afirma Lozano (2017, p. 4)<br />

251


[…] en las zonas no calificadas <strong>de</strong> exclusión la <strong>de</strong>terminación <strong>de</strong> la<br />

aptitud ambiental específica y concreta se hará en el procedimiento <strong>de</strong><br />

evaluación ambiental <strong>de</strong> cada uno <strong>de</strong> los proyectos, evaluación esta<br />

última que correspon<strong>de</strong> llevar a cabo a la comunidad autónoma o al<br />

Esta<strong>do</strong>, según cual sea la autoridad competente para otorgar las<br />

correspondientes concesiones o autorizaciones […].<br />

El conteni<strong>do</strong> <strong>de</strong> los POEM adquiere relevancia por la pretensión<br />

integra<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los usos y activida<strong>de</strong>s en los espacios afecta<strong>do</strong>s que<br />

plantea la Directiva 2014/89/UE. Según el art. 10 RD <strong>de</strong>ben establecer “la<br />

distribución espacial y temporal <strong>de</strong> las correspondientes activida<strong>de</strong>s y usos,<br />

existentes y futuros”. Entre las activida<strong>de</strong>s y usos e intereses posibles se<br />

incluyen: la acuicultura; la pesca; las instalaciones e infraestructuras para la<br />

prospección, explotación y extracción <strong>de</strong> petróleo, gas y otros recursos<br />

energéticos, minerales y ári<strong>do</strong>s minerales, y la producción <strong>de</strong> energía proce<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> fuentes renovables; las rutas <strong>de</strong> transporte marítimo y el tráfico marítimo; las<br />

zonas <strong>de</strong> verti<strong>do</strong> en el mar; las zonas e instalaciones <strong>de</strong> interés para la <strong>de</strong>fensa<br />

nacional; las zonas <strong>de</strong> extracción <strong>de</strong> materias primas; los tendi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cables y<br />

<strong>de</strong> tuberías submarinos; las activida<strong>de</strong>s turísticas, recreativas, culturales y<br />

<strong>de</strong>portivas; la investigación científica; y el patrimonio cultural submarino<br />

(ZAMORANO, 2018, p. 13 y ss). También <strong>de</strong>berán incluir los espacios<br />

protegi<strong>do</strong>s, los lugares y hábitats que merezcan especial atención por su alto<br />

valor ambiental y las especies protegidas, en especial los disponibles en el<br />

Inventario Español <strong>de</strong>l Patrimonio Natural y <strong>de</strong> la Biodiversidad, y quedan<br />

expresamente inclui<strong>do</strong>s los “elementos <strong>de</strong> entre los lista<strong>do</strong>s u otros adicionales<br />

que <strong>de</strong>ban formar parte <strong>de</strong> la infraestructura ver<strong>de</strong>”. De este mo<strong>do</strong>, el RD ha<br />

teni<strong>do</strong> en cuenta la Ley 33/2015, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> septiembre, que modifica la Ley<br />

42/2007, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> diciembre, <strong>de</strong>l Patrimonio Natural y <strong>de</strong> la Biodiversidad, la cual<br />

crea en su art. 15 la llamada infraestructura ver<strong>de</strong> (CONSEJO DE ESTADO,<br />

2017, p. 31). Y para garantizar la compatibilidad y coherencia <strong>de</strong> los POEM con<br />

las EM se prevé que se coordinaran a través <strong>de</strong> los Comités <strong>de</strong> Seguimiento <strong>de</strong><br />

las Estrategias Marinas, la Comisión Interministerial <strong>de</strong> Estrategias Marinas u<br />

otros órganos <strong>de</strong> coordinación interadministrativa existentes (art. 4 RD).<br />

252


5 LA COOPERACIÓN INTERESTATAL<br />

La cooperación ad intra entre los Esta<strong>do</strong>s con fronteras marítimas<br />

compartidas resulta imprescindible cuan<strong>do</strong> se preten<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar la actividad o los<br />

usos <strong>de</strong> los mares. La Directiva 2014/89/UE dispone que los Esta<strong>do</strong>s miembros<br />

<strong>de</strong>ben <strong>de</strong>terminar y aplicar una or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo tenien<strong>do</strong> en<br />

cuenta la mejora <strong>de</strong> la cooperación transfronteriza. Por ello, se exige la<br />

cooperación en los requisitos mínimos aplicables a la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio<br />

marítimo (art. 6), así como en el proceso <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación y gestión <strong>de</strong> las aguas<br />

marinas, cuan<strong>do</strong> éstas pertenezcan a Esta<strong>do</strong>s contiguos (art. 11). Esta<br />

cooperación resulta preceptiva y se <strong>de</strong>be plasmar mediante: a) estructuras<br />

regionales <strong>de</strong> cooperación institucional existentes, tales como convenciones<br />

marítimas regionales; b) re<strong>de</strong>s o estructuras <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s competentes <strong>de</strong> los<br />

Esta<strong>do</strong>s miembros; y c) cualquier otro méto<strong>do</strong> que satisfaga el objeto <strong>de</strong> la<br />

Directiva.<br />

Por otro la<strong>do</strong>, la Directiva 2014/89/UE también persigue una cooperación<br />

ad extra con terceros países. Por ello, se establece que los Esta<strong>do</strong>s miembros<br />

procurarán cooperar con países <strong>de</strong> fuera <strong>de</strong> la Unión Europea tanto en el ámbito<br />

<strong>de</strong> la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo en las regiones marinas pertinentes y <strong>de</strong><br />

conformidad con el Derecho y las convenciones internacionales, como a través<br />

<strong>de</strong> la cooperación institucional regional o los foros internacionales existentes (art.<br />

12) . Este mismo esquema se ha traslada<strong>do</strong> al or<strong>de</strong>namiento jurídico español a<br />

través <strong>de</strong>l art. 6 RD al establecer que serán los POEM los que garanticen la<br />

cooperación con otros Esta<strong>do</strong>s miembros y con terceros, <strong>de</strong> conformidad con lo<br />

dispuesto en los arts. 13 y 14 RD.<br />

6 CONCLUSIONES<br />

La PMI es una política transversal que tiene como objetivo la conservación<br />

<strong>de</strong>l medio ambiente marino y el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los sectores económicos que<br />

operan en las aguas marinas. De acuer<strong>do</strong> con esa visión se aprobó la Directiva<br />

2008/56/CE por la que se establece un marco <strong>de</strong> acción para la política <strong>de</strong>l medio<br />

marino que obliga a los Esta<strong>do</strong>s miembros a a<strong>do</strong>ptar las medidas necesarias<br />

para lograr o mantener un buen esta<strong>do</strong> medioambiental <strong>de</strong>l medio marino, y la<br />

253


Directiva 2014/89/UE, por la que se establece un marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l<br />

espacio marítimo.<br />

Este enfoque integral <strong>de</strong>l marco <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l medio marino se<br />

incorporó en nuestro or<strong>de</strong>namiento jurídico mediante la aprobación <strong>de</strong> la LPMM<br />

y el RD. Normas que, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> transponer la citada Directiva, se articulan<br />

como “una directriz común a todas las estrategias marinas” aprobadas en<br />

aplicación <strong>de</strong>l art. 4.2 LPMM, lo que habilita al Gobierno para establecer<br />

directrices comunes a las EM en la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s o usos que<br />

afectan al medio marino.<br />

De este mo<strong>do</strong>, se vinculan los <strong>do</strong>s instrumentos <strong>de</strong> planificación. Por un<br />

la<strong>do</strong>, las EM se configuran como el instrumento esencial <strong>de</strong> planificación <strong>de</strong>l<br />

medio marino. Y, por otro la<strong>do</strong>, los POEM son los instrumentos que <strong>de</strong>terminan<br />

la capacidad <strong>de</strong>l espacio marino para acoger los diferentes usos y activida<strong>de</strong>s a<br />

<strong>de</strong>sarrollar en el medio. Esta vinculación es esencial porque ya la LPMM<br />

contemplaba la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s entre las directrices comunes a las<br />

EM y en los programas <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> las mismas; pero sobreto<strong>do</strong> es importante<br />

para asegurar que se mantiene el buen esta<strong>do</strong> ambiental <strong>de</strong>l medio marino.<br />

Por tanto, la or<strong>de</strong>nación que establece la LPMM sienta las bases para<br />

conseguir una armonización y concreción <strong>de</strong> la tutela ambiental <strong>de</strong>l medio marino<br />

mediante las EM. Pero con la aprobación <strong>de</strong>l RD se da un paso más y se<br />

establece un nuevo marco jurídico para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo, con<br />

el objetivo <strong>de</strong> fomentar el crecimiento sostenible <strong>de</strong> las economías marítimas, el<br />

<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los espacios marinos y el aprovechamiento <strong>de</strong> los recursos<br />

marinos.<br />

Finalmente, se pue<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que la nueva or<strong>de</strong>nación contribuirá a la<br />

gestión eficaz <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s marítimas y al aprovechamiento sostenible <strong>de</strong><br />

los recursos costeros y marinos. Sin duda, la regulación prevista en el RD resulta<br />

un gran avance para la or<strong>de</strong>nación y gestión integrada <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s<br />

marítimas y costeras que generan conflictos importantes en muchas partes <strong>de</strong>l<br />

planeta. Pero to<strong>do</strong>s estos instrumentos legales y figuras <strong>de</strong> protección por sí<br />

solos son insuficientes para alcanzar los objetivos que persiguen, ya que si algo<br />

<strong>de</strong>termina la calidad ambiental <strong>de</strong>l medio marino es la contaminación <strong>de</strong> origen<br />

254


terrestre. Por consiguiente, es imprescindible coordinar la PMI con otro tipo <strong>de</strong><br />

estrategias que actúen en el litoral y que también vayan dirigidas a proteger<br />

nuestros mares.<br />

En conclusión, po<strong>de</strong>mos afirmar que el nuevo marco jurídico para la<br />

or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marítimo supone un avance importante porque insta a<br />

garantizar un proceso <strong>de</strong> planificación global dón<strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntifique la<br />

potencialidad <strong>de</strong> los espacios marítimos para los diferentes usos y se tengan en<br />

cuenta los cambios <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s <strong>de</strong>l cambio climático. No obstante, todavía es<br />

pronto para valorar su eficacia y quedan aspectos a mejorar y a potenciar como:<br />

consolidar la figura <strong>de</strong> las Áreas Marítimas Protegidas (AMP) y a su vez<br />

aumentar su número, ya que España tiene todavía pocas; reforzar la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> la<br />

Red <strong>de</strong> Áreas Marinas Protegidas (RAMP) como un sistema integra<strong>do</strong>, que va<br />

más allá <strong>de</strong> la suma <strong>de</strong> espacios que la integran; fomentar la investigación<br />

marina, para que nos permita conocer el esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> las aguas y <strong>de</strong> la<br />

biodiversidad marina; y aumentar la proyección internacional <strong>de</strong> la biodiversidad<br />

marina española, y así promover el carácter transfronterizo <strong>de</strong> esta Red.<br />

7 BIBLIOGRAFÍA<br />

ARANA, E. La Ley 41/2010, <strong>de</strong> protección <strong>de</strong>l medio marino como nuevo marco<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> los mares y océanos españoles. Consi<strong>de</strong>raciones generales,<br />

estructura y conteni<strong>do</strong> <strong>de</strong> la norma. In: ARANA, E.; SANZ, F. J. (Dir.). La<br />

or<strong>de</strong>nación jurídica <strong>de</strong>l medio marino en España: estudios sobre la Ley<br />

41/2010, <strong>de</strong> protección <strong>de</strong>l medio marino. Cizur Menor, 2012<br />

CONSEJO DE ESTADO. Dictamen, núm. 167/2017, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> marzo <strong>de</strong> 2017.<br />

Madrid: Agencia Estatal Boletín Oficial <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong>, 2017.<br />

FUENTES, J. R. Avances en la protección y conservación <strong>de</strong>l medio marino<br />

español. El nuevo marco para la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l espacio marino. Revista<br />

Catalana <strong>de</strong> Dret Ambiental, v. 8, n. 1, 2017.<br />

LA ORDENACIÓN <strong>de</strong> los espacios marinos en la Unión Europea y en España.<br />

Revista Aranzadi <strong>de</strong> Derecho Ambiental, n. 39, 2018.<br />

LOZANO, B. Real Decreto 363/2017, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> abril: la or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong> los<br />

distintos usos y <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s económicas en el espacio marítimo. Análisis<br />

GA&P, mayo 2017.<br />

255


ORDENACIÓN <strong>de</strong> los espacios marítimos y <strong>de</strong> las zonas costeras <strong>de</strong>l<br />

mediterráneo. In: JUSTE, J.; BOU, V. (Dir.). Derecho <strong>de</strong>l mar y sostenibilidad<br />

ambiental en el Mediterráneo. Valencia, 2013.<br />

ZAMORANO, J. La or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l litoral: hacia una propuesta <strong>de</strong> gestión<br />

integrada. Madrid, 2012.<br />

256


ENERGIA RENOVÁVEL DE BAIXO IMPACTO COMO UM DIREITO<br />

HUMANO: UM OLHAR SOBRE A DIGNIDADE HUMANA E INTERAÇÃO<br />

COM A NATUREZA<br />

ALMEIDA, Rainara Ver<strong>de</strong> Serra<br />

Mestranda em Políticas Públicas e graduada em Comunicação Social – Relações Públicas na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong><br />

Maranhão - UFMA, Especialista em Gestão <strong>de</strong> Projetos pela Fundação Getúlio Vargas - FGV.<br />

rainaraserra@hotmail.com<br />

RESUMO<br />

O presente artigo objetiva <strong>de</strong>monstrar a ligação existente entre o acesso à<br />

energia renovável <strong>de</strong> baixo impacto e os direitos humanos. Para tanto discorre<br />

sobre a situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong> meio ambiente e a forma como afeta a<br />

dignida<strong>de</strong> humana. Apresenta <strong>de</strong>clarações, pactos e acor<strong>do</strong>s que buscam<br />

efetivar a igualda<strong>de</strong> da dignida<strong>de</strong> humana para to<strong>do</strong>s. Por fim, relaciona com a<br />

causa ambiental, e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estruturar a substituição das fontes fósseis<br />

em ampla escala para garantir uma vida digna a to<strong>do</strong>s, seja nas cida<strong>de</strong>s ou em<br />

áreas rurais.<br />

Palavras-chave: Energia renovável; direitos humanos; dignida<strong>de</strong>; meio<br />

ambiente.<br />

ABSTRACT<br />

This article aims to <strong>de</strong>monstrate the link between access to low-impact renewable<br />

energy and human rights. To <strong>do</strong> so, it discusses the situation of <strong>de</strong>gradation of<br />

the environment and the way it affects human dignity. It presents <strong>de</strong>clarations,<br />

pacts and agreements that seek to achieve equality of human dignity for all.<br />

Finally, it relates to the environmental cause, and the need to structure the<br />

replacement of fossil sources on a large scale to ensure a <strong>de</strong>cent life for all,<br />

whether in cities or in rural areas.<br />

Keywords: renewable energy; human rights; dignity; environment.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Inicio este artigo com algumas reflexões: como hoje, nós, seres humanos,<br />

ainda conseguimos nos conceber a parte <strong>do</strong> meio ambiente, da natureza? Como<br />

perceber o direito humano sem a clara conexão ao direito a um ambiente<br />

257


saudável? Por que a energia, item fundamental para a socieda<strong>de</strong> atual não<br />

claramente associada a um direito humano?<br />

Em meio <strong>de</strong> tantos <strong>de</strong>sastres ambientais, imigrações (que tem relação<br />

direta ou indireta com causas ambientais), aci<strong>de</strong>ntes ambientais, escassez <strong>de</strong><br />

recursos e preços eleva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> insumos básicos, entre outros, a chamada para<br />

garantir o direito a uma vida digna se mostra ligada a causas ambientais.<br />

A energia é o ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque que iremos abordar neste artigo. É ela<br />

fundamental para o funcionamento e <strong>de</strong>senvolvimento das indústrias. Estas, por<br />

sua vez movem as socieda<strong>de</strong>s, capitalistas ou não capitalistas (pois estão<br />

inseridas no contexto mundial e em relações comerciais entre si) (HINRICHS et<br />

all, 2016).<br />

Por sua vez, as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m cada vez mais da tecnologia e da<br />

informação. Mesmo o básico <strong>de</strong> condições para garantia <strong>do</strong>s direitos<br />

fundamentais e direitos econômicos para uma vida digna é possibilita<strong>do</strong> através<br />

da energia. Mesmo o direito à paz, ambiente e esperança, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s em<br />

discussões como a quinta geração/dimensão <strong>do</strong>s direitos tem relação com a<br />

energia.<br />

Porém, a produção da energia, a sua utilização enquanto matéria-prima,<br />

os produtos oriun<strong>do</strong>s da indústria que a consome, e os resíduos gera<strong>do</strong>s pelo<br />

seu ciclo <strong>de</strong> vida são pauta <strong>de</strong> discussões econômicas e sócio ambientais.<br />

São inúmeros os apontamentos sobre as consequências <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong><br />

seu consumo inconsequente, e, principalmente, <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> combustíveis fósseis<br />

como ameaça para a sobrevivência da própria humanida<strong>de</strong>. Pactos, acor<strong>do</strong>s,<br />

cartas <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são a compromissos mundiais não param se se renovar.<br />

Assim, tentaremos <strong>de</strong>monstrar a relação entre o meio ambiente e energia<br />

renovável <strong>de</strong> baixo impacto como uma questão <strong>de</strong> direitos humanos. Não temos<br />

a intenção <strong>de</strong> fazer uma abordagem especificamente jurídica, mas relacional<br />

entre a intencionalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pactos e acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> direitos humanos, que buscam<br />

vida digna a to<strong>do</strong>s e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> tecnologias energéticas <strong>de</strong> baixo<br />

impacto socioambiental.<br />

258


2. PONDERAÇÕES SOBRE MEIO AMBIENTE E ENERGIA<br />

A preocupação com o ambiente e sua exploração na busca única pelo<br />

“ter” remonta tempos antigos:<br />

“Mas eu só me rio <strong>do</strong> homem, cheio <strong>de</strong> estupi<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>de</strong> ações<br />

justas, [...] que com ânsias excessivas recorre à terra até suas<br />

fronteiras e penetra em suas cavida<strong>de</strong>s imensas, fun<strong>de</strong> o ouro e a<br />

prata, acumula sem <strong>de</strong>scanso e se esforça para ter cada vez mais<br />

para ser cada vez menos. Não envergonha <strong>de</strong> ser chama<strong>do</strong> feliz<br />

porque cava fun<strong>do</strong> nas profun<strong>de</strong>zas da terra por meio <strong>de</strong> homens<br />

acorrenta<strong>do</strong>s: entre eles, alguns morrem <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizamentos <strong>de</strong> terra,<br />

outros, passan<strong>do</strong> por larguíssima escravidão, vivem nesta prisão como<br />

em sua casa. Buscam ouro e prata, peneiran<strong>do</strong> entre a sujeira e<br />

<strong>de</strong>tritos, moven<strong>do</strong>-se pilhas <strong>de</strong> areia, abrem as veias da terra para se<br />

enriquecerem, <strong>de</strong>spedaçan<strong>do</strong> a mãe terra [...]”. (HIPÓCRATES apud<br />

RESEND; REIS, 2013, p 2, grifo nosso)<br />

Há cerca <strong>de</strong> 2 mil anos (data <strong>de</strong>stes escritos) já se percebiam o aspecto<br />

<strong>de</strong>gradante para a natureza da exploração para acumulação, e para os homens<br />

em situação <strong>de</strong> escravidão, risco <strong>de</strong> morte, <strong>de</strong> forma indigna.<br />

Aristóteles (2004), já apresentava o conceito <strong>de</strong> justa medida, uma virtu<strong>de</strong><br />

ética, que seria uma ação equilibrada, que quan<strong>do</strong> praticada apontaria uma<br />

forma <strong>de</strong> conduta <strong>do</strong> bem viver.<br />

Ainda hoje alguns vícios fazem nos julgar seres alheios à natureza,<br />

superiores entre nossa própria espécie e a continuar o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação<br />

ambiental. Como é possível? Na tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a tal pergunta, o autor<br />

Alemão Harald Wezer, em seu livro a Guerra das águas apresenta um caminho<br />

para uma resposta para os feitos mais recentes:<br />

‘A memoria da exploração, da escravidão e <strong>do</strong> extermínio tornou-se<br />

vítima <strong>de</strong> uma amnésia <strong>de</strong>mocrática que estão afeta<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os<br />

esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte, que não querem recordar que sua riqueza, <strong>do</strong><br />

mesmo mo<strong>do</strong> que seu po<strong>de</strong>rio e progresso foram construí<strong>do</strong>s ao longo<br />

<strong>de</strong> uma história mortífera. Em vez disso, o que se encontra é um<br />

orgulho pela <strong>de</strong>scoberta, observância e <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos, pela prática <strong>do</strong> politicamente correto, pela participação<br />

em ativida<strong>de</strong>s humanitárias, sempre que em algum lugar da África ou<br />

da Ásia uma guerra civil, uma inundação ou uma seca compromete as<br />

necessida<strong>de</strong>s fundamentais <strong>de</strong> sobrevivência <strong>do</strong>s povos.“ (WELZER,<br />

2010, p 9, grifo nosso)<br />

259


A falta <strong>de</strong> memória para situações anteriormente vividas, neste caso se<br />

aplica aos que, através da violência acumularam riquezas. E assim querem<br />

permanecer.<br />

Essa amnésia tem consequências gravíssimas. Em seu livro, Welzer faz<br />

uma abordagem profunda e <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> como se relacionam a<br />

mudança climática e a violência, pon<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as causas e consequências das<br />

imigrações e seus diversos fatores.<br />

Da mesma forma, Fre<strong>de</strong>rico Ama<strong>do</strong> (2015), que trata <strong>de</strong> direito ambiental,<br />

aponta como crescente o número <strong>de</strong> refugia<strong>do</strong>s ambientais ou climáticos,<br />

pessoa forçadas a emigrar das zonas que habitam em razão da alteração <strong>do</strong><br />

ambiente, buscan<strong>do</strong> melhores condições <strong>de</strong> vida ou mesmo <strong>de</strong> sobrevivência.<br />

O livro Energia e Meio Ambiente, <strong>de</strong>monstra que para a sobrevivência<br />

mesmo econômica e a elaboração <strong>de</strong> políticas energéticas a<strong>de</strong>quadas, <strong>de</strong>vemos<br />

nos preocupar com a questão climática, porém:<br />

“Um <strong>do</strong>s problemas básicos no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma estratégia<br />

energética é que as políticas públicas dificultam a formulação <strong>de</strong> plano<br />

<strong>de</strong> longo prazo. Complementan<strong>do</strong> esse problema, está o fato <strong>de</strong> que<br />

os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s parecem ser uma nação e um povo com memória<br />

curta”. (HINRICHS et all, 2016, p 736)<br />

Aqui o autor se refere à ausência <strong>de</strong> memória das crises energéticas<br />

periódicas atravessadas pelos americanos, que os leva a não elaborar<br />

apropriadas políticas energéticas. Porém, seja pela vonta<strong>de</strong> individual <strong>de</strong><br />

manter-se ignorante, seja pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns governantes em tentar manter<br />

a maioria ignorante para permanecerem no po<strong>de</strong>r e na acumulação ilimitada,<br />

quem per<strong>de</strong> é a coletivida<strong>de</strong>.<br />

No contexto brasileiro, a falta <strong>de</strong> memória se aplica à forma como fomos<br />

coloniza<strong>do</strong>s e como fomos instruí<strong>do</strong>s a servir à pátria mãe gentil (e até mesmo<br />

à ausência <strong>de</strong> conhecimento sobre essa realida<strong>de</strong>). Sem reflexões sobre como<br />

fomos e somos explora<strong>do</strong>s, e como ainda nos tempos atuais fornecemos<br />

matéria-prima a baixo custo para os merca<strong>do</strong>s externos, sem equiparação <strong>de</strong><br />

vantagens.<br />

260


A amnésia não se restringe à opressão <strong>do</strong>s povos, ou a alteração nos<br />

preços <strong>do</strong>s insumos, mas vão além, alcançan<strong>do</strong> os <strong>de</strong>sastres ambientais que já<br />

passamos, e que ainda estamos passan<strong>do</strong> pela produção e <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> energia:<br />

chuvas ácidas, resíduos radioativos, aquecimento global, etc.<br />

A <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> combustíveis fósseis para movimentar a socieda<strong>de</strong>, a<br />

economia, e garantir “um padrão <strong>de</strong> vida capaz <strong>de</strong> assegurar-lhe, e a sua família,<br />

saú<strong>de</strong>, bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação (...)” (ONU, artigo<br />

25) é voraz. 85% das fontes comerciais <strong>de</strong> energia usadas no mun<strong>do</strong> são<br />

oriundas <strong>de</strong> combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural (HINRICHS et<br />

all, 2016).<br />

E o risco, além <strong>do</strong>s efeitos causa<strong>do</strong>s pela geração da energia, e da forma<br />

<strong>de</strong> consumo (meios <strong>de</strong> transporte, por exemplo, que agrava o aumento da<br />

temperatura global), se esten<strong>de</strong> ao risco da exploração e extração das matérias<br />

prima.<br />

Como, por exemplo, o aci<strong>de</strong>nte na plataforma <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> petróleo<br />

Deepwater Horizon, que explodiu em 2010, e, além <strong>de</strong> vítimas humanas fatais,<br />

causou um o maior vazamento <strong>de</strong> petróleo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (175milhões <strong>de</strong> galões <strong>de</strong><br />

petróleo bruto), causan<strong>do</strong> dano ambiental e na política energética que até hoje<br />

não foi mensura<strong>do</strong> por completo. (HINRICHS et all, 2016, p.255).<br />

Quem per<strong>de</strong> é a coletivida<strong>de</strong>, a humanida<strong>de</strong>. E vale <strong>de</strong>stacar que pela a<br />

Lei 6.938/1981 meio ambiente é um bem público, e <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong> interesse da<br />

coletivida<strong>de</strong> em geral a sua preservação.<br />

Pensan<strong>do</strong> também na coletivida<strong>de</strong>, Ama<strong>do</strong> justifica a importância <strong>do</strong><br />

direito ambiental na proteção <strong>do</strong> meio ambiente, e aqui nos restringimos ao<br />

natural, pois sua <strong>de</strong>gradação irracional “afeta negativamente a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<br />

das pessoas colocan<strong>do</strong> em risco as futuras gerações, [por isso] torna-se curial a<br />

maior e eficaz tutela <strong>do</strong>s recursos ambientais pelo Po<strong>de</strong>r Público e por toda a<br />

coletivida<strong>de</strong>.” (AMADO, 2015, p1).<br />

Mesmo sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> campo da consciência ambiental, e da sobrevivência da<br />

espécie e entran<strong>do</strong> no campo técnico e econômico, observamos uma forte<br />

tendência à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> alternativas ambientais. As frentes para alternativas que<br />

reduzam os impactos <strong>de</strong> nossa atual forma <strong>de</strong> viver são inúmeras.<br />

261


A energia renovável é uma indicação para substituição <strong>de</strong> fontes fósseis,<br />

<strong>de</strong>fendidas por diversos autores, mas, neste artigo queremos restringir o tipo da<br />

fonte <strong>de</strong> energia. Löwy (2010) afirma que uma reorientação tecnológica é<br />

fundamental “visan<strong>do</strong> a substituição das fontes atuais <strong>de</strong> energia por outras não<br />

poluentes e renováveis como eólica ou solar.” (p 38)<br />

Toman<strong>do</strong> por renováveis aquelas fontes que tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

reestabelecerem, eliminan<strong>do</strong> o caráter finito, restringimos a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> acesso<br />

mais amplo a fontes <strong>de</strong> baixo impacto, como eólica, solar, maremotriz etc, para<br />

a garantia <strong>de</strong> um ambiente equilibra<strong>do</strong>.<br />

Algumas fontes, mesmo renováveis, tem alto impacto, como a hidrelétrica.<br />

A construção <strong>de</strong> uma usina hidrelétrica necessita <strong>de</strong> supressão <strong>de</strong> vasta área <strong>de</strong><br />

fauna, flora, remoção <strong>de</strong> população tradicional e por vezes inundação <strong>de</strong> sítios<br />

arqueológico ou cida<strong>de</strong>s inteiras. Outras, como a biomassa (reaproveitamento<br />

<strong>de</strong> resíduos <strong>de</strong> processos produtivos), ainda são foco <strong>de</strong> uso industrial para a<br />

manutenção <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção 2 .<br />

No Brasil, 60,70% das fontes <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> energia são <strong>de</strong> base hídrica,<br />

e 15,83% é <strong>de</strong> base fóssil. Nossa segurança energética fica abalada em épocas<br />

<strong>de</strong> poucas chuvas, sen<strong>do</strong> necessário acionar a geração <strong>de</strong> base fóssil (ANEEL,<br />

2018).<br />

Mesmo possuin<strong>do</strong> uma ampla base <strong>de</strong> fonte renovável e limpa para<br />

geração <strong>de</strong> energia, além <strong>do</strong> impacto da construção, as alterações climáticas<br />

têm gera<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>s mais longos <strong>de</strong> estiagem, reduzi<strong>do</strong> o nível <strong>do</strong>s reservatórios<br />

<strong>de</strong> água <strong>do</strong> Brasil.<br />

Assim faz-se ainda mais urgente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> fontes<br />

renováveis <strong>de</strong> baixo impacto. Consi<strong>de</strong>ramos também que pelas questões <strong>de</strong><br />

segurança energética é indicada a diversificação das matrizes, por isso o reforço<br />

ao amplo alcance das tecnologias para acesso à energia renovável.<br />

2<br />

Exploro <strong>de</strong> forma mais aprofundada essa discussão no artigo intitula<strong>do</strong> “O<br />

(IN)SUSTENTÁVEL DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO LIMPO E RENOVÁVEL DOS<br />

PROGRAMAS BRASILEIROS DE INCENTIVO A ESSAS FONTES”, aprova<strong>do</strong> nesta data para<br />

publicação no XX Encontro Internacional sobre Gestão Ambiental e Meio Ambiente -ENGEMA.<br />

262


3. DECLARAÇÕES E PACTOS: DIREITOS HUMANOS E O DIREITO À<br />

ENERGIA<br />

Observamos que a energia é inerente à socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, que se<br />

relaciona diretamente com o clima. Por sua vez, o clima <strong>de</strong>sequilibra<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia consequências como migrações para busca <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vida, ou mesmo sobrevivência, já que a <strong>de</strong>gradação afeta negativamente a<br />

vida.<br />

A busca por qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida ou por uma vida digna é o anseio da<br />

humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios. Mesmo que anteriormente essa busca fosse<br />

individualista, nos tempos <strong>de</strong> Heráclito já havia quem <strong>de</strong>preciasse a escravidão.<br />

Nos tempos mo<strong>de</strong>rnos, tomou <strong>de</strong>staque na revolução francesa, com o lema<br />

“Liberda<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>”.<br />

O marco histórico da luta mundial conta o tratamento <strong>de</strong>gradante <strong>do</strong> ser<br />

humano foi a Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> – DUDH que completa<br />

70 anos neste ano <strong>de</strong> 2018.<br />

Assinada em 1948, mesmo que criticada por alguns autores, como um<br />

elemento paliativo à busca por eliminação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, é uma ferramenta<br />

histórica que pauta diversas políticas públicas, planos ações, governos e mesmo<br />

inciativas individuais e coletivas.<br />

Em seu preâmbulo nos diz que “Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o reconhecimento da<br />

dignida<strong>de</strong> humana e <strong>de</strong> seus direito iguais e inalienáveis é o fundamento da<br />

liberda<strong>de</strong>, da justiça e da paz.” (Assembléia Geral da ONU, 1948, p.1).<br />

Como dignida<strong>de</strong> humana enten<strong>de</strong>mos que:<br />

“(...) consiste num conceito normativo, que <strong>de</strong>ve proteger to<strong>do</strong> homem<br />

<strong>de</strong> ser trata<strong>do</strong> como meio, isto é, como um simples objeto para a<br />

consecução <strong>de</strong> seus fins. Isso implica que to<strong>do</strong>s sejam trata<strong>do</strong>s como<br />

possui<strong>do</strong>res <strong>de</strong> certo grau <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> contingente, o que é uma<br />

tentativa <strong>de</strong> proteger os homens <strong>de</strong> humilhações” (KAUFMANN, 2013,<br />

apud RESEND; REIS, 2013, p 4)<br />

Para que o homem não seja trata<strong>do</strong> com meio e/ou possa não ser<br />

subjuga<strong>do</strong> e humilha<strong>do</strong> ele precisa ter os elementos fundamentais para viver:<br />

263


local (proprieda<strong>de</strong>), insumos, recursos, e o ambiente ao seu re<strong>do</strong>r saudável para<br />

garantia da vida.<br />

Precisa ser “livre e igual em dignida<strong>de</strong> e direitos”, conforme nos apresenta<br />

o artigo I da DUDH; acessar o “direito à proprieda<strong>de</strong> só ou em socieda<strong>de</strong>”, como<br />

afirma o artigo XVII; ter acesso aos “direitos econômicos, sociais e culturais<br />

indispensáveis à sua dignida<strong>de</strong>”, conforme o artigo XXII.<br />

1228,<br />

E proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter uma função social. Pelo próprio código civil, artigo<br />

“o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser executa<strong>do</strong> em consonância com<br />

suas finalida<strong>de</strong>s econômicas e sociais e <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que sejam<br />

preserva<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o que estabeleci<strong>do</strong> em lei especial,<br />

a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio<br />

histórico e artístico, bem como evitada a poluição <strong>do</strong> ar e das águas.”<br />

(AMADO, 2015, p45).<br />

Para quaisquer finalida<strong>de</strong>s a energia se faz presente, então o uso da fonte<br />

renovável se faz necessário para evitar a poluição <strong>do</strong> ar e das águas.<br />

Quan<strong>do</strong> observamos o artigo XXV, que trata <strong>do</strong> direito “a um padrão <strong>de</strong><br />

vida capaz <strong>de</strong> assegurar-lhe, e a sua família saú<strong>de</strong> bem-estar, inclusive<br />

alimentação, vestuário, habitação, cuida<strong>do</strong>s médicos e os serviços sociais<br />

indispensáveis”, nos remete a uma condição econômica confortável, inseri<strong>do</strong> em<br />

um meio ambiente natural saudável e preserva<strong>do</strong>.<br />

Ao analisar o artigo XXVII que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o direito à “or<strong>de</strong>m social<br />

internacional em que os direitos e liberda<strong>de</strong>s estabeleci<strong>do</strong>s na presente<br />

Declaração possam ser plenamente realiza<strong>do</strong>s”, resgatamos Welzer e Ama<strong>do</strong><br />

com a intrísseca relação entre alterações climáticas, migração, violência e<br />

direitos ambientais.<br />

O abalo que a or<strong>de</strong>m social sofre com os refugia<strong>do</strong>s ambientais são<br />

enormes. Não obstante déficit <strong>de</strong> planejamento que as cida<strong>de</strong>s já possuem, o<br />

fluxo migratório não acompanha a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong><br />

migração.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que existem também os refugia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> guerra, e que<br />

algumas <strong>de</strong>stas são geradas pelas disputas <strong>de</strong> territórios para a exploração <strong>de</strong><br />

combustíveis fósseis, causan<strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro terror mundial,<br />

264


“Temos <strong>de</strong> conservar em mente a circunstancia <strong>de</strong> ele [o terror] ter si<strong>do</strong><br />

gera<strong>do</strong> pelos processos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização. Quanto mais abrangentes<br />

forem os processos, tanto mais po<strong>de</strong>mos esperar novas formas <strong>de</strong><br />

violência qualitativa e quantitativa, cuja tendência será <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong><br />

guerras” (WELZER, 2010, p 186)<br />

Assim o ser humano que migra em busca <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, encontra um<br />

abrigo muitas vezes indigno e insalubre, e sobrevive ao invés <strong>de</strong> viver. Quan<strong>do</strong><br />

não é impeli<strong>do</strong> à violência para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Um ciclo vicioso que precisa ser<br />

interrompi<strong>do</strong>.<br />

Mesmo a justiça e paz citadas no preâmbulo, <strong>de</strong>ve ser ligada ao meio<br />

ambiente, pois os processos migratórios po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

humano ainda maior.<br />

A energia renovável <strong>de</strong> baixo impacto aplicada <strong>de</strong> forma massiva, é uma<br />

alternativa para a eliminação <strong>de</strong> várias consequências da exploração <strong>de</strong><br />

combustíveis fósseis. Ela tem relação direta com a dignida<strong>de</strong> humana no senti<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> permitir ao ser humano condições <strong>de</strong> ambiente saudável, parte <strong>de</strong> recurso<br />

econômico e social.<br />

Durante um longo perío<strong>do</strong> uma linha <strong>de</strong> pensamento <strong>do</strong>minante<br />

categorizou o ser humano como um ser a parte da natureza (como Hobbes e<br />

Lock). Após a Segunda Guerra Mundial e a nova formatação <strong>de</strong> produção<br />

industrial e agrícola levou a uma série <strong>de</strong> reflexões sobre nos recolocar no<br />

mun<strong>do</strong> em que estamos, e repensar a forma com nos relacionamos com a<br />

natureza.<br />

Os esforços inicia<strong>do</strong>s pela ONU, em 1972, em Estocolmo, pontuaram as<br />

primeiras e inúmeras ações para preservação <strong>do</strong>s recursos naturais, na tentativa<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que não são apenas recursos.<br />

E por não serem trata<strong>do</strong>s apenas como meio, tal qual o conceito <strong>de</strong><br />

dignida<strong>de</strong> humana, consi<strong>de</strong>ramos o meio ambiente passível <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>.<br />

Foi assim divulgada Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre<br />

o Meio Ambiente Humano, com 27 princípios básicos para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável, a dignida<strong>de</strong> humana, o meio ambiente e as obrigações <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />

em matéria <strong>de</strong> direitos ambientais <strong>do</strong>s seres humanos.<br />

265


O seu princípio 15 trata <strong>do</strong> planejamento aos assentamentos humanos,<br />

orientan<strong>do</strong> a realiza-los para “evitar repercussões prejudiciais sobre o meio<br />

ambiente e a obter os máximos benefícios sociais, econômicos e ambientais<br />

para to<strong>do</strong>s. A este respeito <strong>de</strong>vem-se aban<strong>do</strong>nar os projetos <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s à<br />

<strong>do</strong>minação colonialista e racista.” Aqui se refere à dignida<strong>de</strong> humana, e ao direito<br />

ao ambiente saudável.<br />

O princípio 20 da <strong>de</strong>claração reforça que “as tecnologias ambientais<br />

<strong>de</strong>vem ser postas à disposição <strong>do</strong>s países em <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> forma a<br />

favorecer sua ampla difusão, sem que constituam uma carga econômica para<br />

esses países”.<br />

Portanto as tecnologias para a produção <strong>de</strong> energia limpa e renovável <strong>de</strong><br />

baixo impacto <strong>de</strong>vem ser incentivadas para que o esforço conjunto seja eficaz.<br />

A DUDH inspirou também várias constituições, incluin<strong>do</strong> a constituição<br />

brasileira <strong>de</strong> 1988. Entre outras coisas a trás a o artigo 225, que trata <strong>do</strong> Princípio<br />

<strong>do</strong> Direito Humano ao Meio Ambiente Sadio, garantin<strong>do</strong> a utilização continuida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s recursos naturais para que também possam ser dispostos pelas futuras<br />

gerações. Por isso carecem <strong>de</strong> proteção.<br />

A Declaração se agrega a vários outros <strong>do</strong>cumentos na chamada Carta<br />

Internacional <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. E, entre outros, vale <strong>de</strong>stacar o Pacto<br />

Internacional sobre <strong>Direitos</strong> Econômicos, Sociais e Culturais, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pela ONU<br />

em 1966, e com a<strong>de</strong>são na legislação brasileira em 1992.<br />

Em seu artigo 11 são reconheci<strong>do</strong>s o direito “<strong>de</strong> toda pessoa a um nível<br />

<strong>de</strong> vida a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong> para si próprio e sua família, inclusive à alimentação,<br />

vestimenta e moradia a<strong>de</strong>quadas, assim como a uma melhoria continua <strong>de</strong> suas<br />

condições <strong>de</strong> vida.” (BRASIL, 1992) A melhoria contínua <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> vida<br />

não po<strong>de</strong> estar <strong>de</strong>sassociada ao meio ambiente. E a energia renovável <strong>de</strong> baixo<br />

impacto <strong>de</strong>ve estar acessível a to<strong>do</strong>s.<br />

O Item 18 da Declaração <strong>de</strong> Joanesburgo sobre o Desenvolvimento<br />

Sustentável, assinada em 2002, pelos 191 países participantes da cúpula,<br />

apresenta a energia como requisito básico para a dignida<strong>de</strong> humana.<br />

Dignida<strong>de</strong> é também produzir, é ter direito a uma ativida<strong>de</strong> econômica que<br />

satisfaça a necessida<strong>de</strong> básica. Na constituição Brasileira, o artigo 176,<br />

266


parágrafo 4º, <strong>do</strong> capítulo VII, que trata das ativida<strong>de</strong>s econômicas, impera que<br />

“Não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> autorização ou concessão o aproveitamento <strong>do</strong> potencial <strong>de</strong><br />

energia renovável <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> reduzida.”<br />

A ONU (2015) em seu mais recente incentivo à melhoria da vida no<br />

planeta divulgou a agenda 2030, com 17 objetivos para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentável e 169 para alcançarmos até o referi<strong>do</strong> ano.<br />

Dentre eles <strong>de</strong>stacamos o objetivo 7, intitula<strong>do</strong> Energia limpa e acessível,<br />

que busca assegurar o acesso confiável, sustentável, mo<strong>de</strong>rno e a preço<br />

acessível à energia para to<strong>do</strong>s. Esse é diretamente liga<strong>do</strong> ao processo <strong>de</strong><br />

acesso e massificação <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong> baixo impacto.<br />

A intenção é específica em a “aumentar substancialmente a participação<br />

<strong>de</strong> energias renováveis na matriz energética global” e “reforçar a cooperação<br />

internacional para facilitar o acesso a pesquisa e tecnologias <strong>de</strong> energia limpa,<br />

incluin<strong>do</strong> energias renováveis”<br />

O acesso a energias renováveis <strong>de</strong> baixo impacto são liga<strong>do</strong>s a outros<br />

objetivos como o 11, cida<strong>de</strong>s e comunida<strong>de</strong>s sustentáveis, buscan<strong>do</strong> tornar as<br />

cida<strong>de</strong>s e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e<br />

sustentáveis; 12, consumo e produção responsáveis, que busca assegurar<br />

padrões <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> consumo sustentáveis; e 13, ação contra mudança<br />

<strong>do</strong> clima, objetivan<strong>do</strong> tomar medidas urgentes para combater a mudança <strong>do</strong><br />

clima e seus impactos.<br />

Assim, pon<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a pergunta introdutória a este artigo, hoje<br />

percebemos que a dignida<strong>de</strong> humana está em inteiração indissociável com a<br />

natureza, precisan<strong>do</strong> incentivar os processos <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> matrizes<br />

energéticas. Mas, a construção <strong>de</strong>ssa visão é perceptível através <strong>do</strong> próprio<br />

processo gradual <strong>de</strong> evolução <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A amnésia que nos faz esquecer que somos parte da natureza tem<br />

indícios <strong>de</strong> superação, como observamos ao longo <strong>do</strong>s textos através <strong>do</strong>s<br />

esforços contínuos <strong>de</strong> evolução <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s e esforços globais e locais.<br />

267


A legislação e as ações para que o meio ambiente se faça digno, para<br />

que, por consequência proporcione condições dignas <strong>de</strong> vida também abrem<br />

espaço para ações concretas a nível individual, coletivo e governamental.<br />

No Brasil o uso <strong>de</strong> energia renovável <strong>de</strong> baixo impacto ainda é tími<strong>do</strong>,<br />

7,92% <strong>de</strong> fonte eólica e 0,78% <strong>de</strong> fonte solar (ANEEL, 2018). A biomassa apesar<br />

<strong>de</strong> ser um bom reaproveitamento <strong>de</strong> resíduos ainda é muito concentrada em<br />

redução <strong>de</strong> custos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s centros industriais (como colheita <strong>de</strong> cana <strong>de</strong><br />

acúçar ou indústria <strong>de</strong> celulose).<br />

Esse percentual cresce. Assim como cresce o uso <strong>de</strong> fonte solar em áreas<br />

resi<strong>de</strong>nciais. Em São Luis – MA – Brasil, empresa cre<strong>de</strong>nciada já realiza<br />

instalação <strong>de</strong> placas solares com a previsão <strong>de</strong> retorno financeiro garanti<strong>do</strong> para<br />

2 anos (aqui expon<strong>do</strong> o uso como fonte <strong>de</strong> investimento e redução <strong>de</strong> custos).<br />

Porém a lacuna <strong>de</strong> utilização quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> humana ainda<br />

é gran<strong>de</strong>, pois o investimento é muito alto, restringin<strong>do</strong> seu uso aos seres<br />

humanos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> excelente condições financeiras. Além <strong>de</strong>, nem sempre,<br />

agregar o conceito <strong>de</strong> preservação ambiental ao resto <strong>do</strong> estilo <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s que<br />

fazem essas aquisições (assunto que po<strong>de</strong> ser explora<strong>do</strong> em outro artigo).<br />

Ainda assim temos outros projetos que incentivam a disseminação da<br />

tecnologia. Projeto <strong>de</strong> captação solar para uso na irrigação foi implanta<strong>do</strong> em<br />

proprieda<strong>de</strong>s pertencentes à Agropolos (unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção agrícola com<br />

assistência governamental) <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Exemplos que se somam aos esforços<br />

<strong>de</strong> reduzir o uso <strong>de</strong> fontes fósseis, e incrementam a massificação da tecnologia<br />

renovável para a mudança <strong>de</strong> patamar energético.<br />

Apesar das contradições que po<strong>de</strong>m ser encontradas em estu<strong>do</strong>s (vi<strong>de</strong><br />

nota <strong>de</strong> rodapé p.6) e mesmo apontan<strong>do</strong> vestígios <strong>de</strong> uma visão “éticoambiental”,<br />

Ama<strong>do</strong>, assim como Welzer e HINRICHS, julgam que a implantação<br />

<strong>de</strong> ações para mitigar a <strong>de</strong>gradação são lentas e progressivas. WELZER chega<br />

a criticar a acomodação da socieda<strong>de</strong>, mas consegue projetar a possibilida<strong>de</strong><br />

que:<br />

“(...)se busca <strong>de</strong>senvolver uma boa socieda<strong>de</strong>, que será uma forma<br />

reflexiva <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> bom governo / good governance [que referese<br />

ao mo<strong>de</strong>lo base a ser segui<strong>do</strong> pelos países financia<strong>do</strong>s pelo capital<br />

internacional]. A humanida<strong>de</strong> já possui a competência científica,<br />

equipada com a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua<br />

268


sobrevivência e também tem condições <strong>de</strong> antecipar quan<strong>do</strong> está<br />

agin<strong>do</strong> racionalmente ou quan<strong>do</strong> irá agir apenas perceptualmente. Em<br />

consequência se <strong>de</strong>senvolverá um juízo prático da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

combater os menores efeitos <strong>do</strong> aquecimento global, não somente por<br />

meio <strong>de</strong> uma cultura planetária <strong>de</strong> redução radical <strong>do</strong> dispêndio <strong>de</strong><br />

recursos naturais, mas também por meio <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong><br />

participação totalmente nova. (WELZER, 2010, p 286 -287)<br />

A competência científica para massificar as fontes renováveis <strong>de</strong> baixo<br />

impacto existe, e ajuda na garantia <strong>de</strong> um ambiente equilibra<strong>do</strong> e,<br />

consequentemente, <strong>de</strong> uma vida digna. Precisamos <strong>de</strong> ainda mais concretu<strong>de</strong><br />

nas ações <strong>de</strong> efetivação <strong>de</strong>stas intenções. Planos, políticas e programas mais<br />

eficazes, incentivos mais acessíveis à coletivida<strong>de</strong>, aprimoramento das<br />

tecnologias.<br />

Tu<strong>do</strong> está interliga<strong>do</strong>. Agir em várias frentes é necessário. Assim, nos<br />

remetemos então à letra da música <strong>de</strong> 1965, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Chico Buarque.<br />

“Pedro pedreiro penseiro esperan<strong>do</strong> o trem / Manhã parece, carece <strong>de</strong><br />

esperar também / Para o bem <strong>de</strong> quem tem bem / De quem não tem<br />

vintém / Pedro pedreiro fica assim pensan<strong>do</strong> / Assim pensan<strong>do</strong> o<br />

tempo passa / E a gente vai fican<strong>do</strong> prá trás / Esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong>,<br />

esperan<strong>do</strong> / Esperan<strong>do</strong> o sol, / Esperan<strong>do</strong> o trem / Esperan<strong>do</strong><br />

aumento / Des<strong>de</strong> o ano passa<strong>do</strong> / Para o mês que vem (...) / To<strong>do</strong> mês<br />

/ Esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong> / (...) E a mulher <strong>de</strong> Pedro, / Está<br />

esperan<strong>do</strong> um filho / Pra esperar também / (...) Pedro não sabe, mas<br />

talvez no fun<strong>do</strong> / Espere alguma coisa mais linda que o mun<strong>do</strong> / Maior<br />

<strong>do</strong> que o mar, / Mas pra que sonhar / se dá o <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> esperar<br />

<strong>de</strong>mais / Pedro pedreiro quer voltar atrás / Quer ser pedreiro pobre e<br />

nada mais / Sem ficar esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong>, esperan<strong>do</strong> (...) /<br />

Esperan<strong>do</strong> o dia <strong>de</strong> esperar ninguém / Esperan<strong>do</strong> enfim nada mais<br />

além / Da esperança aflita, bendita, infinita / Do apito <strong>de</strong> um trem / (...)<br />

Pedro pedreiro pedreiro esperan<strong>do</strong> o trem / Que já vem, que já vem,<br />

que já vem”<br />

Se nós não batalharmos para as mudanças no mun<strong>do</strong>, ficaremos tal qual<br />

Pedro Pedreiro: esperan<strong>do</strong>. É necessário modificar as formas <strong>de</strong> viver para que<br />

não apenas sobrevivermos até exaurir os recursos, o ambiente, as forças vitais.<br />

Mas que efetivemos essa nova forma <strong>de</strong> relação com a natureza para uma justa<br />

medida <strong>de</strong> vida.<br />

Tanto Governo quanto os seres humanos que o compõem <strong>de</strong>vem ajudar<br />

na buscar a esse amplo acesso. É um processo cíclico, educar e ser educa<strong>do</strong>.<br />

269


O artigo XXIX da DUDH diz que “to<strong>do</strong> ser humano tem <strong>de</strong>veres para com a<br />

comunida<strong>de</strong>”. Cabe também a ele en<strong>do</strong>ssar essa busca.<br />

Participação em conselhos, audiências púbicas, consultas públicas à<br />

legislações propostas que reforcem o uso e acesso à energia renovável,<br />

questionamento e estu<strong>do</strong>s sobre a eficácia das políticas públicas para uso<br />

<strong>de</strong>ssas fontes, são algumas ações que <strong>de</strong>vem compor a mudança também <strong>do</strong><br />

coletivo, para ajudar na promoção da dignida<strong>de</strong> humana.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf . Acesso em: 01 set. 2018<br />

270


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SEVERINO, Antonio J. Meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> trabalho científico. São Paulo:<br />

Cortez,2007.<br />

WELZER, Harald. A guerra da água: porque mataremos e seremos mortos no<br />

Século XXI. São Paulo: Geração Editorial, 2010.<br />

271


PARQUE NACIONAL DOS LENÇÓIS MARANHENSES: da conservação<br />

ambiental à exclusão social<br />

FERREIRA, Maria Clara Correa<br />

Bacharel em Direito – UNDB<br />

mcpcorrea13@gmail.com<br />

ALMEIDA, Igor Martins Coelho<br />

Mestre em Direito e Instituições <strong>do</strong> Sistema <strong>de</strong> Justiça/UFMA<br />

Doutoran<strong>do</strong> em Direito/Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa<br />

imcalmeida7@gmail.com<br />

RESUMO<br />

A criação <strong>do</strong> primeiro Parque Nacional <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, em 1872, <strong>de</strong>u início ao<br />

surgimento <strong>de</strong> áreas integralmente protegidas <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista ambiental mas<br />

que é marca<strong>do</strong> por conflitos entre o po<strong>de</strong>r público e as famílias que porventura<br />

residam no seu interior, haja vista a proibição por lei da presença <strong>de</strong> pessoas<br />

viven<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s seus limites. A pesquisa tem como principal objetivo analisar<br />

os impactos causa<strong>do</strong>s pela criação <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis<br />

Maranhenses por meio <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso realiza<strong>do</strong> em quatro comunida<strong>de</strong>s da<br />

região <strong>de</strong> Barreirinhas, bem como indagar até que ponto a conservação<br />

ambiental po<strong>de</strong> se sobrepor ao direito a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>ssas populações e<br />

excluí-las socialmente. O contexto aborda<strong>do</strong> nesse trabalho visa também<br />

questionar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> parque a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> no Brasil e explicar o processo <strong>de</strong><br />

ocupação das famílias <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Parque Nacional. A meto<strong>do</strong>logia aqui utilizada<br />

foi a pesquisa <strong>de</strong> campo, com aplicação <strong>de</strong> entrevista e questionário, e também<br />

a utilização <strong>de</strong> bibliografias, sen<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> hipotético-<strong>de</strong>dutivo.<br />

Palavras-chave: Conservação. Impactos. Lençóis Maranhenses.<br />

ABSTRACT<br />

Since the creation of the first national Park of the world in 1872, it was found that<br />

the emergence of these fully protected areas is usually marked by conflicts<br />

between the public authorities and the families that may be residing within it,<br />

seeing <strong>de</strong>spite the Prohibition by law of the presence of people living within their<br />

limits. The main objective of this study is to analyze the impacts caused by the<br />

creation of the National Park of Lençóis Maranhenses in 1981 by means of a<br />

272


case study carried out in four communities in the Barreirinhas region, as well as<br />

to inquire to what extent the Environmental conservation can superse<strong>de</strong> the right<br />

to the cultural i<strong>de</strong>ntity of these populations and to exclu<strong>de</strong> them socially. The<br />

context discussed in this work also aims to question the mo<strong>de</strong>l of park a<strong>do</strong>pted<br />

in Brazil and explain the occupation process of families within the National park.<br />

The metho<strong>do</strong>logy used here was the field research, with application of interview<br />

and questionnaire, and also the use of bibliographies, using the hypothetical<strong>de</strong>ductive<br />

method.<br />

Key words: Conservation. Impacts. Lençóis Maranhenses.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O tema <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> trabalho versa sobre o Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis<br />

Maranhenses (<strong>do</strong>ravante <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Parque) e a relação entre conservação<br />

ambiental <strong>de</strong> uma Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral e a exclusão <strong>de</strong> direitos das<br />

famílias que vivem no seu interior antes mesmo <strong>de</strong> tal categorização ter si<strong>do</strong><br />

imposta. Ressalte-se ainda que durante o processo <strong>de</strong> instituição <strong>do</strong> Parque, não<br />

houve qualquer participação <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res que ali já viviam<br />

O embate aqui se encontra no fato <strong>de</strong> que áreas <strong>de</strong> conservação integral<br />

protegidas pela União não po<strong>de</strong>m ter a permanência <strong>de</strong> pessoas nos seus<br />

limites. Assim, embora o Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação tenha<br />

trazi<strong>do</strong> um olhar mais <strong>de</strong>mocrático sobre essa questão, ele não solucionou o<br />

gran<strong>de</strong> impasse da <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> famílias que vivem nessas zonas <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses.<br />

A essência da questão é que embora tenha havi<strong>do</strong> audiências públicas,<br />

conselhos consultivos, reuniões com órgãos públicos, <strong>de</strong>ntre outros espaços <strong>de</strong><br />

discussão, nada fora resolvi<strong>do</strong> e o sentimento <strong>de</strong> angústia e me<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas<br />

famílias <strong>de</strong> serem retiradas <strong>de</strong> seus lares, <strong>de</strong> suas casas, <strong>de</strong> seu lugar <strong>de</strong><br />

pertencimento, permanece. É preciso se atentar para o fato <strong>de</strong> que pessoas<br />

estão ali há gerações, antes mesmo inclusive da área ser <strong>de</strong>marcada e instituída<br />

como Parque - Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação Integral. Famílias com costumes locais,<br />

mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida simples e peculiar, conhecimentos sobre a fauna e a flora <strong>do</strong><br />

lugar, não se veem in<strong>de</strong>nizadas e reassentadas em outro local.<br />

273


Portanto, além das problemáticas envolven<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> parque<br />

introduzi<strong>do</strong> no Brasil, sua instituição tem impacta<strong>do</strong> diretamente nas populações<br />

locais, uma vez que por lei é proibida a permanência <strong>de</strong>ssas pessoas nos seus<br />

limites, acarretan<strong>do</strong> diversos conflitos entre o órgão responsável pelo manejo da<br />

área e essas comunida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>ntes. Estes conflitos são gera<strong>do</strong>s,<br />

notadamente, pelas interferências estatais, como proibições, restrições e<br />

sanções no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas famílias.<br />

O estu<strong>do</strong> sobre o tema proposto é <strong>de</strong> profunda relevância intelectual e<br />

prática, visto que tal conflito já se perdura há pelo menos duas décadas. Assim,<br />

o interesse inicial por essa pesquisa se dá pela importância <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r<br />

os direitos sociais e fundamentais <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s tradicionais existentes <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, em contraponto ao<br />

po<strong>de</strong>r público e ao mo<strong>de</strong>lo preservacionista importa<strong>do</strong> que entra em choque com<br />

a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Parques Nacionais Brasileiros, em especial nos Lençóis<br />

Maranhenses.<br />

OBJETIVOS<br />

O objetivo geral <strong>do</strong> presente trabalho é o <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar como a criação<br />

<strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses po<strong>de</strong> interferir na dinâmica social<br />

das comunida<strong>de</strong>s que habitam esta Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação, geran<strong>do</strong> um<br />

sentimento <strong>de</strong> exclusão, aban<strong>do</strong>no e cerceamento <strong>de</strong> direitos básicos.<br />

Os objetivos específicos são, respectivamente: questionar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

importação <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação <strong>de</strong> Proteção Integral, no que tange os<br />

Parques Brasileiros e sua aplicabilida<strong>de</strong> na realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Brasil; explicar o<br />

processo <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> famílias no interior <strong>do</strong> Parque e; <strong>de</strong>monstrar os<br />

impactos causa<strong>do</strong>s por essa categorização e a importância da correlação entre<br />

a proteção ambiental e a ocupação <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s<br />

Lençóis Maranhenses.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

O Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (SNUC) fora instituí<strong>do</strong><br />

no Brasil em 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, pela Lei nº 9.985, e abarca unida<strong>de</strong>s em nível<br />

274


fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal. Tal Sistema consiste em categorizar as diferentes<br />

unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação com o objetivo <strong>de</strong> proteger, <strong>de</strong>terminar como se dá<br />

sua organização e administração (IBAMA, 2003).<br />

Por meio da edição <strong>de</strong> tal Lei, o legisla<strong>do</strong>r almejou harmonizar as diversas<br />

unida<strong>de</strong>s aqui existentes em âmbito jurídico fe<strong>de</strong>ral, assim como dar provimento<br />

a <strong>de</strong>terminação constitucional (FIORILLO, 2012). Embora o art. 225 3 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 não trate expressamente da elaboração <strong>de</strong> um<br />

sistema integra<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas Unida<strong>de</strong>s, ela engloba na sua essência princípios<br />

gerais a serem segui<strong>do</strong>s pelos entes fe<strong>de</strong>rativos<br />

Em suma, a Lei 9.985/2000 trata <strong>de</strong> um sistema fe<strong>de</strong>ral que busca a<br />

conservação <strong>do</strong> meio natural e não <strong>de</strong> um sistema nacional. E para facilitar a<br />

gestão administrativa específica <strong>de</strong> cada ente competente, faz-se necessário<br />

que os Esta<strong>do</strong>s e Municípios elaborem leis próprias relacionadas às suas<br />

unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação ou então abracem leis que se remetam ao SNUC, a<br />

fim <strong>de</strong> disciplinar <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada o objeto <strong>de</strong> sua competência.<br />

(ANTUNES, 2011)<br />

Toda Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação <strong>de</strong>ve ter um plano <strong>de</strong> manejo - um<br />

<strong>do</strong>cumento específico e técnico - composto <strong>de</strong> objetivos gerais, área <strong>de</strong><br />

zoneamento da unida<strong>de</strong>, bem como as normas impostas ao seu uso. A<strong>de</strong>mais,<br />

disporá sobre a estrutura física necessária para sua implementação. Esse plano<br />

tem <strong>de</strong> ser confecciona<strong>do</strong> pelo órgão público ou pelo proprietário se for o caso<br />

em até cinco anos, a contar da data da criação da Unida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>verá abranger<br />

os limites da Unida<strong>de</strong>, sua zona <strong>de</strong> amortecimento e corre<strong>do</strong>res ecológicos (caso<br />

haja esses últimos), além disso, inclui possuir medidas com o objetivo <strong>de</strong><br />

promover o intercâmbio econômico e cultural das suas comunida<strong>de</strong>s. Deve-se<br />

assegurar amplamente a participação das comunida<strong>de</strong>s que ali pertençam na<br />

elaboração <strong>do</strong> projeto. (Art. 2º, Brasil, 2000)<br />

A elaboração <strong>de</strong>sse plano é condição essencial para o funcionamento das<br />

ativida<strong>de</strong>s exercidas nas Unida<strong>de</strong>s por isso <strong>de</strong>ve ter seu prazo respeita<strong>do</strong>. É<br />

3<br />

Art. 225. To<strong>do</strong>s têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>, bem <strong>de</strong> uso<br />

comum <strong>do</strong> povo e essencial à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, impon<strong>do</strong>-se ao Po<strong>de</strong>r Público e à<br />

coletivida<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações §1º, I, II,<br />

III, IV.<br />

275


através <strong>de</strong>le que essas áreas são administradas, sen<strong>do</strong> proibidas quaisquer<br />

mudanças ou formas <strong>de</strong> utilização em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com suas finalida<strong>de</strong>s,<br />

conforme art. 28 <strong>do</strong> SNUC (2000). Além disso, sua necessida<strong>de</strong> é ainda maior<br />

nas áreas <strong>de</strong> proteção integral (ten<strong>do</strong> em vista a proibição <strong>de</strong> pessoas viven<strong>do</strong><br />

no interior <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s), pois enquanto não houver a confecção <strong>de</strong>sse plano<br />

é preciso assegurar tanto a conservação <strong>do</strong> meio ambiente, como ao mesmo<br />

tempo assegurar as condições necessárias para que as comunida<strong>de</strong>s locais<br />

porventura ali resi<strong>de</strong>ntes tenham condições e meios a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para satisfazer<br />

suas necessida<strong>de</strong>s básicas, sejam sociais, culturais e materiais.<br />

Conforme McCormick (1992), a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> proteção à natureza possui duas<br />

concepções distintas: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> estão os conservacionistas e <strong>de</strong> outro os<br />

preservacionistas. O i<strong>de</strong>al conservacionista se preocupava com a utilização<br />

racional <strong>do</strong>s recursos naturais, a fim <strong>de</strong> conservá-los também para que<br />

pu<strong>de</strong>ssem ser usa<strong>do</strong>s posteriormente e os preservacionistas interessavam-se<br />

mais com a apreciação das belezas naturais e espiritual <strong>do</strong> ambiente selvagem.<br />

Nesse contexto, surge a polêmica dicotomia entre as duas correntes que<br />

influenciou na criação, elaboração e estratégias para a proteção <strong>do</strong> meio<br />

ambiente natural no mun<strong>do</strong> inteiro.<br />

De acor<strong>do</strong> com Leuzinger (2009), foi no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Getúlio<br />

Vargas que a proteção ao meio ambiente ganhou mais força. Uma geração <strong>de</strong><br />

intelectuais ambientalistas, funcionários <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público e cientistas crentes<br />

que um país só po<strong>de</strong>ria progredir com a valorização <strong>do</strong>s indivíduos e <strong>do</strong>s<br />

recursos naturais. Os frutos da natureza eram ti<strong>do</strong>s por eles como intrínsecos à<br />

nacionalida<strong>de</strong>, liga<strong>do</strong>s pelos laços cria<strong>do</strong>s entre as pessoas e o solo a que<br />

pertencia. Assim, o Esta<strong>do</strong> teria o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> intervir e proteger a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />

patrimônio natural por meio <strong>de</strong> instrumentos eficazes <strong>de</strong> controle e coman<strong>do</strong>. No<br />

entanto, a verda<strong>de</strong> é que a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong>ssas áreas protegidas se<br />

<strong>de</strong>u a fim <strong>do</strong> governo se apropriar <strong>do</strong> uso e regulação <strong>do</strong>s seus recursos naturais.<br />

(BARRETO FILHO, 2001)<br />

Milaré (2013) afirma que a categoria Parque Nacional é concebida como<br />

a modalida<strong>de</strong> mais comum e antiga <strong>de</strong>ntro das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação. Temse<br />

que o primeiro Parque Nacional mundial, situa<strong>do</strong> nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, foi o<br />

276


Parque <strong>de</strong> Yellowstone cria<strong>do</strong> em 1872. A partir <strong>de</strong>sse exemplo, surge o primeiro<br />

Parque Brasileiro efetivamente cria<strong>do</strong>, o <strong>do</strong> Itatiaia, em 1937, através <strong>do</strong> Decreto<br />

1.713 <strong>de</strong> 14/06/1937 4 , fundan<strong>do</strong>-se no Código Florestal <strong>de</strong> 1934, em que se<br />

buscava estimular a pesquisa científica e proporcionar lazer aos cidadãos.<br />

O início da criação e implantação <strong>de</strong> áreas protegidas no Brasil na década<br />

<strong>de</strong> 1960 foram marcadas por atos anti<strong>de</strong>mocráticos, sem qualquer discussão<br />

prévia com a socieda<strong>de</strong> sobre a criação <strong>do</strong>s mesmos. Parte <strong>de</strong>ssas áreas <strong>de</strong><br />

Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação Brasileiras foram criadas no perío<strong>do</strong> da Ditadura<br />

Militar. Foram implementadas através <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos presi<strong>de</strong>nciais em um esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> exceção, sem qualquer objeto <strong>de</strong>mocrático e existência <strong>de</strong> normas nacionais<br />

e internacionais que protegessem os direitos <strong>do</strong>s povos tradicionais.<br />

(LEUZINGER, 2009)<br />

O Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses (PNLM) foi então cria<strong>do</strong><br />

através <strong>do</strong> Decreto Fe<strong>de</strong>ral 86.060 <strong>de</strong> 02/06/1981. Tornou-se, portanto, uma<br />

área <strong>de</strong> proteção ambiental com intuito <strong>de</strong> proteger o seu ecossistema composto<br />

<strong>de</strong> restingas, manguezais, dunas com lagoas perenes e temporárias, fauna e<br />

flora características <strong>do</strong> ambiente. (BRASIL, 1981)<br />

Em 2000, o parque foi classifica<strong>do</strong> pelo Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Conservação (SNUC) como uma Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação Integral (UCI). Esta<br />

se caracteriza pela mínima interferência humana, sen<strong>do</strong> seu principal objetivo o<br />

<strong>de</strong> resguardar a natureza, em que seus recursos naturais somente po<strong>de</strong>m ser<br />

utiliza<strong>do</strong>s indiretamente, isto é: turismo ecológico, <strong>de</strong> forma que não agrida o<br />

meio ambiente, objeto <strong>de</strong> pesquisa científica; ativida<strong>de</strong>s educacionais e <strong>de</strong><br />

conhecimento <strong>do</strong> meio ecológico, sem que seja habitada pelo homem. O objetivo<br />

<strong>de</strong>sta classificação é conservar porções <strong>de</strong> toda a diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bioma natural<br />

<strong>do</strong> país asseguran<strong>do</strong> a perpetuação das espécies <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong> natural,<br />

buscan<strong>do</strong> garantir que as varieda<strong>de</strong>s biológicas se mantenham vivas para o<br />

usufruto das futuras gerações. (IBAMA, 2003)<br />

4<br />

Parque Nacional <strong>do</strong> Itatiaia, instituí<strong>do</strong> através <strong>do</strong> Decreto 1.713 <strong>de</strong> 14/06/1937, pelo então<br />

presi<strong>de</strong>nte Getúlio Vargas, basea<strong>do</strong> no Código Florestal <strong>de</strong> 1934, já revoga<strong>do</strong> pelo art. 60 da<br />

Lei 9.985/2000.<br />

277


Em contraponto, Dias (2017) aponta a existência <strong>de</strong> quase 23<br />

comunida<strong>de</strong>s 5 que realizam as mais variadas ativida<strong>de</strong>s agro-econômicas <strong>de</strong><br />

maneira combinada, como a pesca, agricultura, criação <strong>de</strong> animais, extrativismo,<br />

entre outras no interior <strong>do</strong> Parque. Tais práticas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da região on<strong>de</strong> as<br />

famílias se encontram e da disponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos naturais em cada zona,<br />

pois ocorre <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> ser mais realizada que outras, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

essas comunida<strong>de</strong>s estão localizadas geograficamente <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Parque.<br />

(DIAS, 2017)<br />

De acor<strong>do</strong> com pesquisa minuciosa elaborada em 2017 pela Universida<strong>de</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão (UFMA), Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas (CCH) e Grupos <strong>de</strong><br />

Estu<strong>do</strong>s Rurais e Urbanos (GERUR), intitulada “PLANTAR, CRIAR, PESCAR,<br />

comunida<strong>de</strong>s tradicionais e modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação com a natureza no Parque<br />

Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses”, a história <strong>de</strong>sses povoa<strong>do</strong>s possui muitas<br />

peculiarida<strong>de</strong>s e ao mesmo tempo necessida<strong>de</strong>s em comum.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

O méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem aqui utiliza<strong>do</strong> foi o méto<strong>do</strong> hipotético-<strong>de</strong>dutivo,<br />

pois se caracteriza pela existência <strong>de</strong> um problema que possui hipóteses que<br />

serão refutadas, falseadas com fatos <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, para daí analisar se valerão<br />

ou não. Caso permaneçam válidas, estarão corroboradas e a teoria estará aceita<br />

(não <strong>de</strong>finitivamente, pois ainda po<strong>de</strong>rá ser refutada), comprovan<strong>do</strong> então a sua<br />

qualida<strong>de</strong>. (POPPER, 1972)<br />

Por consequência, parte-se <strong>de</strong> generalizações aceitas para casos<br />

específicos concretos. A pesquisa em questão parte <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong>s<br />

Parques Nacionais, sua regulamentação, para analisar sua aplicação ao caso<br />

concreto, em particular no Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, e seus<br />

impactos na vida das famílias que ali resi<strong>de</strong>m.<br />

Este trabalho buscou pesquisa <strong>de</strong> campo e a observação direta <strong>do</strong>s fatos<br />

realizada através <strong>de</strong> pesquisa semiestruturada, on<strong>de</strong> trinta e cinco famílias foram<br />

5<br />

Achuí, Atins, Baixa da Onça, Bom Jardim, Baixa Gran<strong>de</strong>, Buritizal, Buriti Amarelo, Bracinho,<br />

Canto <strong>do</strong> Atins, Lagoa da Esperança, Cedro, Janaúba, Mata Fome, Lava<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sula, Ponta <strong>do</strong><br />

Mangue, Mocambo, Mirinzal, Tratada <strong>de</strong> Cima, Tratada <strong>do</strong>s Carlos, Santo Antônio, Santo<br />

Inácio, Vargem D’água e Tucuns.<br />

278


entrevistadas: 12 da comunida<strong>de</strong> Ponta <strong>do</strong> Mangue; 6 <strong>do</strong> Canto <strong>de</strong> Atins; 9 <strong>do</strong><br />

povoa<strong>do</strong> Bracinho; 3 <strong>do</strong> Buriti Amarelo e também o chefe <strong>do</strong> Parque. MARCONI;<br />

LAKATOS, 2003)<br />

Além da coleta <strong>de</strong> entrevistas foi feita análise <strong>do</strong>cumental, <strong>do</strong>cumentos<br />

esses disponibiliza<strong>do</strong>s pelo Instituto Chico Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da<br />

Biodiversida<strong>de</strong> - ICMBio; Sindicato <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res e Trabalha<strong>do</strong>ras Rurais<br />

<strong>de</strong> Barreirinhas (STTRR), Grupos <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Rurais e Urbanos (GERUR) e o<br />

plano <strong>de</strong> manejo <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, utiliza<strong>do</strong> para<br />

expor as características <strong>do</strong> Parque.<br />

E por fim, quanto ao procedimento meto<strong>do</strong>lógico utiliza<strong>do</strong> nessa pesquisa<br />

foi feita através <strong>de</strong> uma produção bibliográfica sobre o tema <strong>de</strong> populações que<br />

resi<strong>de</strong>m em Parques e principalmente no que se refere aos Lençóis<br />

Maranhenses, assim como bibliografias referentes a princípios coli<strong>de</strong>ntes que<br />

também serviram <strong>de</strong> material para as análises e questionamentos <strong>do</strong> referi<strong>do</strong><br />

trabalho.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

A pesquisa i<strong>de</strong>ntificou que a instituição <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis<br />

Maranhenses, nos mol<strong>de</strong>s como foi cria<strong>do</strong> e sua caracterização <strong>de</strong>finida pelo<br />

Sistema Nacional afetou sobremaneira o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida tradicional <strong>de</strong> várias<br />

comunida<strong>de</strong>s que lá já estavam assentadas décadas anteriores à própria criação<br />

<strong>do</strong> Parque.<br />

No caso <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses, somente o<br />

aspecto ambiental, <strong>de</strong> proteção integral, foi leva<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração pelo Esta<strong>do</strong><br />

Brasileiro na proposta <strong>de</strong> proteção ao meio ambiente. Contu<strong>do</strong>, este mo<strong>de</strong>lo não<br />

possibilita que recursos naturais utiliza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma sustentável e racional por<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> famílias durante décadas continue existin<strong>do</strong>. A importação <strong>de</strong> um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> proteção integral ao meio ambiente não aten<strong>de</strong> aos interesses e<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> vida encontra<strong>do</strong>s no país.<br />

É fundamental que o Esta<strong>do</strong> e as comunida<strong>de</strong>s possam convergir<br />

interesses mútuos <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> e preservação ambiental, marca profunda<br />

<strong>do</strong>s povos tradicionais existentes no Brasil.<br />

279


Em pesquisa <strong>de</strong> campo realizada, foi possível constatar que a maior parte<br />

das famílias entrevistadas já vivia na área antes <strong>de</strong> 1981 (criação <strong>do</strong> Parque<br />

Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses) e até mesmo antes <strong>de</strong> 1979 (ano que surgiu<br />

a lei <strong>do</strong>s parques). Além disso, os impactos causa<strong>do</strong>s às famílias são<br />

<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>s também pelo estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso – <strong>de</strong>ntre outras pesquisas<br />

anteriores. A ausência e omissão <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong>ixam muitas famílias sem<br />

qualquer suporte. A falta <strong>de</strong> renda, moradia a<strong>de</strong>quada, saneamento básico, e<br />

principalmente – para eles – a energia elétrica, é um exemplo <strong>do</strong> <strong>de</strong>scaso<br />

instala<strong>do</strong> na região. A energia elétrica é crucial para armazenar comida, pois os<br />

alimentos quan<strong>do</strong> não são frescos, estão salga<strong>do</strong>s como meio <strong>de</strong> conservação;<br />

para criar sistema <strong>de</strong> irrigação para que no verão possam molhar suas hortas,<br />

<strong>de</strong>ntre outras coisas.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A introdução da categoria <strong>de</strong> parques nacionais no Brasil, como uma<br />

espécie <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação <strong>de</strong> Proteção Integral, surgiu <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<br />

estaduni<strong>de</strong>nse que não se coaduna com a realida<strong>de</strong> brasileira, on<strong>de</strong> inúmeras<br />

comunida<strong>de</strong>s convivem harmoniosamente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas áreas, utiliza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

recursos naturais <strong>de</strong> forma sustentável. Até hoje existem conflitos nessas áreas,<br />

ten<strong>do</strong> em vista a omissão <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público em resolver tal situação.<br />

O Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses foi cria<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong><br />

imagens <strong>de</strong> satélite e através <strong>de</strong> radares pelo então presi<strong>de</strong>nte militar João<br />

Figueire<strong>do</strong>. Sua criação se <strong>de</strong>u através <strong>de</strong> um ato unilateral da União, sem<br />

nenhum tipo <strong>de</strong> pesquisa local, sem oitiva prévia daqueles direta e indiretamente<br />

envolvi<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> portanto completamente exclu<strong>de</strong>nte e dissocia<strong>do</strong> da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

justiça social. Como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa política, graves entraves e conflitos foram<br />

gera<strong>do</strong>s, tanto para as populações tradicionais que vivem na área como para o<br />

próprio órgão <strong>de</strong> controle.<br />

O Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação foi cria<strong>do</strong> para<br />

regimentar essas áreas especialmente protegidas, sejam elas <strong>de</strong> proteção<br />

integral ou <strong>de</strong> uso sustentável. Essa lei traz uma gran<strong>de</strong> inovação <strong>de</strong>mocrática<br />

frente a anterior, pelo fato <strong>de</strong> permitir que as comunida<strong>de</strong>s façam parte das<br />

280


tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão enquanto não são expulsas <strong>de</strong> suas moradias. As áreas <strong>de</strong><br />

proteção integral não admitem a permanência <strong>de</strong> pessoas nos seus limites, ou<br />

pelo fato <strong>de</strong> que enquanto não ocorre o processo <strong>de</strong> regularização fundiária e<br />

<strong>de</strong>socupação, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> a confecção <strong>de</strong> um Termo <strong>de</strong> Compromisso, entre<br />

o órgão gestor <strong>do</strong> Parque e as famílias mora<strong>do</strong>ras da área, algo inexistente em<br />

1981.<br />

Esse termo é <strong>de</strong> suma importância, pois nele constarão as regras <strong>de</strong><br />

convivência, bem como direitos e <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> ambas as partes, evitan<strong>do</strong> conflitos<br />

maiores entre os atores da área. Porém, ele não muda o fato <strong>de</strong> famílias inteiras,<br />

que viviam na área antes <strong>do</strong> parque ser assim instituí<strong>do</strong>, sejam <strong>de</strong>sapropriadas<br />

<strong>de</strong> suas casas.<br />

O fato é que a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa categoria <strong>de</strong> Parque não tem relevância<br />

alguma para as centenas <strong>de</strong> famílias que vivem na área. Só na região <strong>do</strong> Parque<br />

on<strong>de</strong> a pesquisa foi realizada são 58 famílias, isso sem contar as <strong>de</strong>mais<br />

localida<strong>de</strong>s e regiões. Por isso é necessário repensar essa forma <strong>de</strong> categoria<br />

em relação a realida<strong>de</strong> não só local, mas <strong>de</strong> muitos outros parques que se<br />

encontram na mesma situação.<br />

O i<strong>de</strong>al seria a recategorização <strong>de</strong> Parque para o mo<strong>de</strong>lo Reserva <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Sustentável, haja vista que essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Uso Sustentável consegue unir a preservação ambiental com o direito e a<br />

permanência <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s tradicionais viverem na área e praticarem suas<br />

ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong> maneira sustentável.<br />

Nessas Unida<strong>de</strong>s buscam-se parcerias sólidas a fim <strong>de</strong> fomentar projetos<br />

com técnicas <strong>de</strong> manejo sustentável e conscientização das pessoas <strong>de</strong> que ali é<br />

preciso ser conserva<strong>do</strong> para seu usufruto e para os das futuras gerações.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALEXY, Robert. Teoria <strong>do</strong>s direitos fundamentais. Malheiros Editores LTDA.<br />

2ª edição. São Paulo. 2009.<br />

281


AMARAL, Yuri Teixeira. Avaliação <strong>do</strong>s impactos antropogênicos sobre a<br />

estrutura da paisagem <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses. São<br />

Luís, 2018.<br />

BRITO, Maria C. Wey <strong>de</strong>. Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação: Intenções e<br />

Resulta<strong>do</strong>s. São<br />

Paulo: Annablume, 2000.<br />

DIAS. Roseane Gomes. TEMPO DE MUITO CHAPÉU E DE POUCA CABEÇA,<br />

MUITO PASTO E POUCO RASTRO: ação estatal e suas implicações para<br />

comunida<strong>de</strong>s tradicionais no Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses.<br />

São Luís, 2017.<br />

ICMBIO – Diagnóstico Socioambiental <strong>de</strong> 13 Povoa<strong>do</strong>s Inseri<strong>do</strong>s nos<br />

Limites <strong>do</strong> PARNA Lençóis Maranhenses. 2008.<br />

MMA – Gestão participativa <strong>do</strong> SNUC. Brasília: Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente,<br />

2004.<br />

PACÍFICO, 2014. Conflitos Socioambientais e a Construção <strong>do</strong> Diálogo:<br />

Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso <strong>do</strong> Parque Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses no<br />

Município <strong>de</strong> Barreirinhas. Amanda C. N Pacífico Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Minas<br />

Gerais<br />

http://www.cbg2014.agb.org.br/resources/anais/1/1404147227_ARQUIVO_Artig<br />

oCBG-ConflitosSocioambientaiseaConstrucao<strong>do</strong>Dialogo.pdf<br />

Relatório I e II, pesquisa “PLANTAR, CRIAR, PESCAR, comunida<strong>de</strong>s<br />

tradicionais e modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação com a natureza no Parque<br />

Nacional <strong>do</strong>s Lençóis Maranhenses”, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Maranhão<br />

(UFMA), Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas (CCH) e Grupos <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Rurais e<br />

Urbanos (GERUR) em 2017.<br />

282


SARLET, Ingo Wolfganf. A eficácia <strong>do</strong>s direitos fundamentais. Uma teoria<br />

geral <strong>do</strong>s direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. Ed.<br />

Editora livraria <strong>do</strong> advoga<strong>do</strong>. Porto alegre 2009.<br />

SARLET, Ingo Wolfganf. FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios <strong>do</strong> Direito<br />

Ambiental. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.<br />

283


SUMAK KAWSAY: as contribuições <strong>do</strong> Novo Constitucionalismo<br />

Latino-americano no combate as mudanças climáticas<br />

LEMOS, Walter Gustavo da Silva<br />

Doutoran<strong>do</strong> em Direito Fundamentais pela Unesa – RJ/Brasil. Email:<br />

wgustavolemos@gmail.com<br />

RESUMO<br />

Pelo presente artigo, proce<strong>de</strong>-se o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> sumak kawsay, um instituto <strong>do</strong><br />

Novo Constitucionalismo latino-americano, para compreen<strong>de</strong>r como este<br />

pensamento trata a natureza como um ente <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres, o que<br />

estabelece uma nova relação <strong>de</strong>sta com o homem e a socieda<strong>de</strong>.<br />

Posteriormente, passa-se a analisar o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris como uma norma<br />

internacional <strong>de</strong> combate as mudanças climáticas, <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> políticas pelos Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> responsabilização pelos gases <strong>de</strong> efeito estufa<br />

emiti<strong>do</strong>s na atmosfera e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> mitigação nestas<br />

emissões. Ao final, estes <strong>do</strong>is elementos estuda<strong>do</strong>s são conecta<strong>do</strong>s para<br />

<strong>de</strong>monstrar que é possível <strong>de</strong>senvolver políticas <strong>de</strong> mitigação <strong>de</strong> emissões com<br />

a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> uma outra concepção sobre a natureza.<br />

Palavras-chave: Sumak kawsay; <strong>Direitos</strong> da natureza; aquecimento global;<br />

Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris; responsabilida<strong>de</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

For the present article, sumak kawsay, an institute of the New Latin American<br />

Constitutionalism, is studied to un<strong>de</strong>rstand how this thought treats nature as an<br />

entity that holds rights and duties, which establishes a new relationship of this<br />

with man and the society. Subsequently, the Paris Agreement is analyzed as an<br />

international norm to combat climate change, <strong>de</strong>scribing the need for policies by<br />

states to be responsible for the greenhouse gases emitted in the atmosphere and<br />

the <strong>de</strong>velopment of means of mitigation in these emissions. In the end, these two<br />

elements are connected to <strong>de</strong>monstrate that it is possible to <strong>de</strong>velop emission<br />

mitigation policies with the a<strong>do</strong>ption of another conception about nature.<br />

Keywords: Sumak kawsay; Rights of nature; global warming; Paris Agreement;<br />

responsibility.<br />

284


1. INTRODUÇÃO<br />

Cada vez mais nosso planeta passa por intempéries, das mais distintas<br />

origens, que causam intensos problemas a to<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a intensificação da<br />

seca, aumento <strong>do</strong>s níveis <strong>do</strong>s mares em alguns lugares, <strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> chuvas,<br />

<strong>do</strong> frio durante o inverno, bem como <strong>do</strong> aquecimento <strong>do</strong>s mares <strong>de</strong> forma geral,<br />

entre outros problemas.<br />

Vivemos um perío<strong>do</strong> em que a natureza vem apresentan<strong>do</strong> sinais <strong>de</strong><br />

respostas às ofensas que constantemente temos pratica<strong>do</strong> contra a natureza,<br />

que vem ocasionan<strong>do</strong> estes problemas pontuais em alguns lugares <strong>do</strong> globo<br />

terrestre, mesmo que sempre se tente relativizar a sua importância. Porém, há<br />

<strong>de</strong> se perceber que é crescente a poluição que assola o mun<strong>do</strong>, principalmente<br />

nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, mas que já é possível se sentir nas zonas rurais, o que<br />

<strong>de</strong>veria dar início a uma preocupação global com a questão e seus reflexos no<br />

clima e na saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser humano, mas não é possível ver ações governamentais<br />

efetivas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> meio ambiente, já que isso causariam um impacto direto<br />

na or<strong>de</strong>m econômica e nos meios <strong>de</strong> produção que os Esta<strong>do</strong>s estão<br />

empreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma geral.<br />

É claro que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> recordar que a partir <strong>do</strong>s anos 70,<br />

iniciou-se um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> normas internacionais<br />

realizadas no intuito <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a preocupação com o meio ambiente e a<br />

diminuição da poluição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o programa inicia<strong>do</strong> pela Unesco em 1971,<br />

chamada <strong>de</strong> “O Homem e a Biosfera”, com o intuito <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a discussão<br />

sobre as mudanças climáticas e a poluição <strong>do</strong> meio ambiente. No ano seguinte,<br />

iniciou-se uma Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, na Suécia, para<br />

que fosse tratada a questão <strong>do</strong> meio ambiente, on<strong>de</strong> várias discussões<br />

acabaram se tornaram basilares para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> direito ambiental<br />

internacional como vemos hoje, com a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> polui<strong>do</strong>rpaga<strong>do</strong>r.<br />

Assim, uma série <strong>de</strong> normas internacionais criaram um rumo epistêmico<br />

<strong>de</strong> proteção jurídica <strong>do</strong> meio ambiente e a construção <strong>de</strong> um ecossistema<br />

equilibra<strong>do</strong> para que a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s habitantes <strong>do</strong> planeta. Foi sob tal perspectiva<br />

que na ECO-92 se assinou a Convenção Quadro das Nações Unidas, sobre<br />

285


Mudanças Climáticas, formulan<strong>do</strong> princípios <strong>de</strong> políticas internacionais<br />

coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> mitigação <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa para o combate<br />

ao aquecimento global, basea<strong>do</strong> na responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s sobre tais<br />

ocorrências, o que acabou, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças<br />

Climáticas, levan<strong>do</strong> a norma atual que rege estas políticas, o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris <strong>de</strong><br />

2016.<br />

Tal norma foi um gran<strong>de</strong> avanço na discussão <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> combate o<br />

aquecimento global, mas ainda há que se implementar medidas <strong>de</strong> modificação<br />

<strong>do</strong> uso <strong>do</strong>s recursos provenientes <strong>do</strong> meio ambiente, a partir da mudança <strong>de</strong><br />

valores e <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver a natureza como simples bem <strong>de</strong> produção extrativista,<br />

para que esta passe a ser vista como um ente personaliza<strong>do</strong>, que se pauta no<br />

equilíbrio e a sustentabilida<strong>de</strong> ambiental, da biodiversida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s seres que a<br />

habitam, como também para preservar a ancestralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seres, sen<strong>do</strong> que o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve se pautar pela a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong>s interesses gerais <strong>de</strong>sta<br />

nova personalida<strong>de</strong>, em conexão com as comunida<strong>de</strong>s em seu entorno,<br />

conforme é estabeleci<strong>do</strong> pela concepção <strong>de</strong> sumak kawsay, <strong>de</strong>scrita no Novo<br />

Constitucionalismo Latino-americano.<br />

2. OBJETIVO<br />

Analisar com o instituto <strong>do</strong> sumak kawsay, <strong>de</strong>scrito pelo Novo<br />

Constitucionalismo Latino-americano, po<strong>de</strong> trazer uma nova concepção jurídica<br />

<strong>de</strong> política pública <strong>de</strong> combate das alterações climáticas<br />

3. METODOLOGIA<br />

Este estu<strong>do</strong> se dará por via <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem <strong>de</strong>dutivo, usan<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> procedimento monográfico e comparativo, pauta<strong>do</strong> em pesquisa bibliográfica,<br />

qualitativa e exploratória, que conecte a compreensão <strong>de</strong> sumak kawsay com as<br />

discussões <strong>de</strong> aquecimento global, a partir <strong>de</strong> uma epistemologia preocupada<br />

com a ancestralida<strong>de</strong> e os direitos à natureza.<br />

286


4. ESTADO DA ARTE<br />

4.1 Os problemas ambientais que vivemos<br />

A <strong>de</strong>gradação ambiental que vivemos no cotidiano global atualmente, vem<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o advento <strong>do</strong> surgimento das ativida<strong>de</strong>s agrícolas, ten<strong>do</strong> um gran<strong>de</strong><br />

avanço com o advento da Revolução Industrial, atingin<strong>do</strong> o seu nível máximo <strong>de</strong><br />

poluição e problemas ambientais colocam como a principal pauta ambiental o<br />

combate ao Aquecimento <strong>Global</strong>.<br />

Nesta socieda<strong>de</strong> industrial voltada para o consumo <strong>de</strong> energia e bens <strong>de</strong><br />

consumo, on<strong>de</strong> o aumento da produção se dá <strong>de</strong>masiadamente, para aten<strong>de</strong>r a<br />

totalida<strong>de</strong> das exigências <strong>de</strong>ste merca<strong>do</strong>, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> pressão ao meio ambiente<br />

internacional, ocasionan<strong>do</strong> o aumento da poluição e <strong>do</strong> efeito estufa 1 , que<br />

acabam empreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o aquecimento da superfície terrestre 2 pela<br />

concentração <strong>de</strong> vários gases na atmosfera, que retém calor advin<strong>do</strong> da<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> refração <strong>de</strong>stes raios solares fora da atmosfera, aquecen<strong>do</strong><br />

a superfície terrestre.<br />

Isso não somente aumenta a temperatura terrestre, como modifica<br />

fenômenos locais, como seca em alguns lugares <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, aumento <strong>do</strong> volume<br />

<strong>do</strong>s mares, aumento <strong>do</strong>s níveis <strong>de</strong> chuva, o aumento <strong>do</strong> frio durante o inverno<br />

em outros locais, fora os problemas das ofensas reiteradas a fauna e a flora.<br />

Com o fito <strong>de</strong> modificar toda esta problemática na esfera ambiental, surge<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover-se novas alternativas ao uso exacerba<strong>do</strong> da<br />

natureza e <strong>do</strong>s recursos ambientais, posto que estas práticas têm contribuí<strong>do</strong><br />

em muito para o agravamento <strong>do</strong>s problemas acima apresenta<strong>do</strong>s.<br />

Boff versan<strong>do</strong> sobre o tema, assevera que tais problemas <strong>de</strong>rivam<br />

diretamente <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista e da forma <strong>de</strong> consumo que este<br />

estabelece, quan<strong>do</strong> assevera que<br />

Devastou e continua <strong>de</strong>vastan<strong>do</strong> inteiros ecossistemas, <strong>de</strong>sflorestan<strong>do</strong><br />

gran<strong>de</strong> parte da área ver<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, envenenan<strong>do</strong> os solos, poluin<strong>do</strong><br />

1<br />

Enten<strong>de</strong>-se por efeito estufa a concentração <strong>de</strong> gases na atmosfera que impe<strong>de</strong>m o reflexo <strong>do</strong>s<br />

raios solares, causan<strong>do</strong> a refração <strong>de</strong> tais raios <strong>de</strong> volta para a crosta terrestre e, assim,<br />

ocasionan<strong>do</strong> mudanças climáticas.<br />

2 SISTER, Gabriel. Merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> carbono e Protocolo <strong>de</strong> Quioto. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Elseveier, 2007.<br />

287


as águas, contaminan<strong>do</strong> o ar, erodin<strong>do</strong> a biodiversida<strong>de</strong> na razão <strong>de</strong><br />

cem mil espécies <strong>de</strong> seres vivos por ano, segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> eminente<br />

biólogo Ewdard O. Wilson, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> a base físico-química que<br />

sustenta a vida e pon<strong>do</strong> em risco o futuro <strong>de</strong> nossa civilização,<br />

suscitan<strong>do</strong> a imagem tétrica <strong>de</strong> uma Terra <strong>de</strong>predada e coberta <strong>de</strong><br />

cadáveres e eventualmente sem nós, como espécie humana? 3<br />

Ou seja, é imperativa a modificação <strong>do</strong> uso econômico <strong>do</strong> meio ambiente<br />

para acabar a sua <strong>de</strong>vastação, já que a forma hoje <strong>de</strong> utilização não garante o<br />

uso equilibra<strong>do</strong> e sustentável <strong>do</strong>s seus recursos 4 , mas aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as<br />

necessida<strong>de</strong>s pelo merca<strong>do</strong>, o que faz a natureza ser cada vez mais explorada<br />

e impactada.<br />

Para evitar tais problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição <strong>do</strong> meio ambiente e a escassez<br />

<strong>do</strong>s recursos naturais, é necessária uma nova visão <strong>de</strong> uso da natureza <strong>de</strong> forma<br />

equilibrada e efetivamente sustentável, sen<strong>do</strong> seus recursos utiliza<strong>do</strong>s para o<br />

necessário no processo produtivo.<br />

Se a realida<strong>de</strong> é alarmante com o uso <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>r da natureza e como<br />

isso acaba contribuin<strong>do</strong> com o aquecimento global, não é mais possível ações<br />

predatórias e produtivistas <strong>de</strong> sua exploração, com os recursos sen<strong>do</strong> retira<strong>do</strong>s<br />

da natureza <strong>de</strong> forma não equilibrada e saudável, sen<strong>do</strong> imperativa a promoção<br />

<strong>de</strong> mudanças na forma <strong>de</strong> explorá-la, como também estabelecer normas que<br />

visem proteger a realida<strong>de</strong> vivente e combater as mudanças causadas, para “a<br />

compreensão <strong>do</strong>s rumos das negociações climáticas internacionais que têm<br />

leva<strong>do</strong> a uma reconfiguração da arquitetura <strong>do</strong> regime climático (…). 5 ”<br />

4.2 DO COMBATE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O ACORDO DE PARIS<br />

3 BOFF, Leonar<strong>do</strong>. O ecossocialismo: um projeto promissor. 2015. Jornal <strong>do</strong> Brasil: Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro. Disponível em: http://www.jb.com.br/leonar<strong>do</strong>-boff/noticias/2015/04/27/oecossocialismo-um-projeto-promissor.<br />

Acessa<strong>do</strong> em 02/10/2017.<br />

4 LÖWY, Michael. O que é ecossocialismo? 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2014, p. 128.<br />

5 SOUZA, Maria Cristina Oliveira; CORAZZA, Rosana Icassatti. Do Protocolo <strong>de</strong> Kyoto ao Acor<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Paris: uma análise das mudanças no regime climático global a partir <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> da evolução<br />

<strong>de</strong> perfis <strong>de</strong> emissões <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa. Desenvolv. Meio Ambiente, v. 42, p. 52-80,<br />

<strong>de</strong>zembro 2017.<br />

288


Após uma intensa construção normativa, iniciada em Estocolmo e<br />

construída <strong>de</strong> forma paulatina e plúrima, as discussões climáticas acabam por<br />

chegar ao Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris, como uma norma inova<strong>do</strong>ra e construída a partir <strong>do</strong><br />

máximo interesses das partes, <strong>de</strong> forma universalista, plural e comprometida <strong>de</strong><br />

cada país-membro.<br />

Durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção Quadro da ONU<br />

sobre Mudanças <strong>do</strong> Clima (COP21) realizada em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2015, as partes<br />

em discussão <strong>de</strong> uma norma <strong>de</strong> combate as mudanças climáticas chegam a um<br />

consenso <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s, estabelecen<strong>do</strong> um trata<strong>do</strong> que apresentou uma solução<br />

coletiva e múltipla, <strong>de</strong> enfrentamento <strong>do</strong> aquecimento global hiper-eleva<strong>do</strong> nas<br />

últimas décadas, fixan<strong>do</strong> como objetivo a ser persegui<strong>do</strong> <strong>de</strong> cingir o aumento da<br />

temperatura global em, no máximo, 2°C, empreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> meios para cumprir uma<br />

agenda <strong>de</strong> mitigação <strong>de</strong> aumentos acima <strong>de</strong> 1,5°C, por via <strong>de</strong> ações a serem<br />

<strong>de</strong>senvolvidas por to<strong>do</strong>s, que impeçam o aumento <strong>de</strong>smensura<strong>do</strong> da<br />

temperatura global.<br />

Assim, estabelece-se uma norma <strong>de</strong> caráter global, que objetiva a<br />

construção <strong>de</strong> soluções para um problema ambiental coletivo e conjunto, por via<br />

<strong>de</strong> planos <strong>de</strong> ações nacionais para combater o efeito estufa e fomento <strong>de</strong><br />

atuações <strong>de</strong> mitigação, adaptação, <strong>de</strong>senvolvimento e transferência <strong>de</strong><br />

tecnologia, financiamento e capacitação, a serem <strong>de</strong>senvolvidas pelo Esta<strong>do</strong> ou<br />

mecanismos <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> que permitam o auxílio ao cumprimento das<br />

metas estipuladas. 6<br />

As compreensões fincadas no Protocolo <strong>de</strong> Kyoto acabam aban<strong>do</strong>nadas,<br />

<strong>de</strong> forma que o conteú<strong>do</strong> expresso nos Acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Paris rumam a estipular<br />

políticas estatais próprias <strong>de</strong> cada Esta<strong>do</strong> sobre aquecimento global com<br />

capacida<strong>de</strong>s para o combate às mudanças <strong>do</strong> clima, <strong>de</strong> forma dinâmica e viva<br />

que importe diretamente em atuações <strong>de</strong> mitigação e <strong>de</strong> absorção <strong>de</strong> carbono<br />

por técnicas <strong>de</strong> captação e armazenamento <strong>de</strong> CO2 emiti<strong>do</strong>s na atmosfera.<br />

6 SILVA, Victor Vartulli Cor<strong>de</strong>iro. A PROTEÇÃO AMBIENTAL E UM NOVO<br />

CONSTITUCIONALISMO. Direito e sustentabilida<strong>de</strong> II [Recurso eletrônico on-line] organização<br />

CONPEDI/UNICURITIBA; Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res: Elcio Nacur Rezen<strong>de</strong>, Maria Claudia da Silva Antunes<br />

De Souza – Florianópolis: CONPEDI, 2016.<br />

289


Este sistema passa a se reger pelo fundamento <strong>do</strong> princípio da<br />

responsabilida<strong>de</strong> comum, on<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s possuem obrigações <strong>de</strong><br />

mitigação <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa (GEE), ainda que estes<br />

compromissos sejam diferencia<strong>do</strong>s entre eles, já que cada país <strong>de</strong>ve suportar<br />

as ações <strong>de</strong> mitigação a partir <strong>de</strong> suas contribuições históricas <strong>de</strong> emissões,<br />

como <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>senvolver meios <strong>de</strong> mitigação, sem prejudicar<br />

diretamente ao <strong>de</strong>senvolvimento. 7<br />

Este tipo <strong>de</strong> compreensão <strong>do</strong> agir com a natureza, como meio <strong>de</strong> mitigar<br />

a emissão <strong>de</strong> gases <strong>de</strong> efeito estufa, para evitar que a temperatura global<br />

aumente <strong>de</strong> forma consi<strong>de</strong>rável, como também que poluição se propague em<br />

to<strong>do</strong>s os níveis na socieda<strong>de</strong> em geral, impactan<strong>do</strong> diretamente no uso <strong>do</strong> meio<br />

ambiente nas interações econômicas globais, que não mais po<strong>de</strong>m se dar a<br />

partir <strong>do</strong> uso insustentável e irascível da natureza, <strong>de</strong> forma que é necessária<br />

uma mudança <strong>de</strong> valores e concepções <strong>de</strong> como <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidas<br />

políticas públicas estatais para a utilização <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>de</strong> seus recursos,<br />

com uma alteração paradigmática <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> natureza e <strong>do</strong> uso <strong>de</strong><br />

estratégias e tecnologias nas interações econômicas que lhe impactem<br />

diretamente na promoção <strong>de</strong> uma nova visão <strong>de</strong> progresso.<br />

Assim, esta i<strong>de</strong>ia se aglutina com a finalida<strong>de</strong> social <strong>do</strong> uso da natureza<br />

pelo povo que junto a esta se integra, pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma atuação<br />

conectada <strong>do</strong> ser humano com a natureza, como meio <strong>de</strong> progresso responsável<br />

e saudável, no indicativo <strong>de</strong> um novo horizonte direcional.<br />

4.3 SUMAK KAWSAY<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sumak kawsay, também <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Buen Vivir pelo<br />

constitucionalismo equatoriano, é um pensamento comunitário pauta<strong>do</strong> na<br />

correlação <strong>do</strong> indivíduo e da socieda<strong>de</strong> em que este se insere com a natureza,<br />

em uma existência <strong>de</strong> convívio simbiótico, sen<strong>do</strong> uma expressão em quéchua<br />

7<br />

REI, Fernan<strong>do</strong> Car<strong>do</strong>zo Fernan<strong>de</strong>s; GONÇALVES, Alcin<strong>do</strong> Fernan<strong>de</strong>s; SOUZA,<br />

Luciano Pereira <strong>de</strong>. ACORDO DE PARIS: REFLEXÕES E DESAFIOS PARA O REGIME<br />

INTERNACIONAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, Veredas <strong>do</strong> Direito, Belo Horizonte,<br />

v.14 n.29 p.81-99 Mai./Ago. <strong>de</strong> 2017<br />

290


que representa os viveres tradicionais <strong>do</strong>s povos tawantinsuyanos. Os direitos<br />

inerentes ao Bem Viver importam na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir proteção à<br />

ancestralida<strong>de</strong> e direitos da natureza, <strong>de</strong> forma harmônica, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e<br />

aceitan<strong>do</strong> as diferenças, entre os próprios seres humanos e com as espécies<br />

existentes em um meio ambiente.<br />

As i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> sumak kawsay aparecem nas Constituições <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r, <strong>de</strong><br />

2008, e da Constituição boliviana, <strong>de</strong> 2009, on<strong>de</strong> tal pensamento se expressa<br />

com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> vivir bien, em que estas normas tratam da questão da<br />

relação estabelecida entre as suas socieda<strong>de</strong>s e a natureza, prezan<strong>do</strong> pela<br />

atenção <strong>do</strong> bem-estar natural como meio equilibra<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, em<br />

que este conjunto possa “viver em um ambiente são e ecologicamente<br />

equilibra<strong>do</strong>, que garanta sustentabilida<strong>de</strong> e bem viver.” 8 9<br />

Assim, to<strong>do</strong>s os seres <strong>de</strong>vem viver harmonicamente no meio ambiente,<br />

<strong>de</strong> forma a agir com sustentabilida<strong>de</strong> na exploração das riquezas que a natureza<br />

nos oferece, bem como na atuação <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida com qualida<strong>de</strong>, equilíbrio<br />

e respeito mútuo, on<strong>de</strong> a natureza passa a ser vista não somente como uma<br />

coisa sujeita à apropriação, mas como ente personaliza<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento social se pautar na a<strong>de</strong>quação aos interesses gerais <strong>de</strong>sta<br />

nova personalida<strong>de</strong>, que sempre buscará a sustentabilida<strong>de</strong> como fim,<br />

garantin<strong>do</strong> a vida, o equilíbrio <strong>do</strong> meio ambiente, da biodiversida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s seres<br />

que a habitam, como respeito a ancestralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seres, instrumentalizan<strong>do</strong><br />

uma nova forma <strong>de</strong> convivência social, pautada na harmonia e na dignida<strong>de</strong> da<br />

pessoa e da natureza, como ficou expresso no preâmbulo da Constituição <strong>do</strong><br />

Equa<strong>do</strong>r. 10<br />

8<br />

EQUADOR. CONSTITUCIÓN DE LA REPÚBLICA DEL ECUADOR. 2008, art. 14.<br />

Disponível em https://goo.gl/DGB3eV. Acesso set/2018.<br />

9<br />

Tradução livre <strong>do</strong> autor a partir <strong>do</strong> original: (…) a vivir en un ambiente sano y<br />

ecológicamente equilibra<strong>do</strong>, que garantice la sostenibilidad y el buen vivir, sumak<br />

kawsay.<br />

10<br />

“(…) Decidimos construir Una nueva forma <strong>de</strong> convivencia ciudadana, en diversidad<br />

y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay; Una sociedad<br />

que respeta, en todas sus dimensiones, la dignidad <strong>de</strong> las personas y las colectivida<strong>de</strong>s;<br />

(…).” ECUADOR, 2008, op. cit.<br />

291


A partir <strong>de</strong>stas expressões é que Zaffaroni 11 <strong>de</strong>screve a i<strong>de</strong>ia da<br />

Pachamama e o ser humano, a partir <strong>de</strong>stes novos conceitos constitucionais<br />

latino-americanos, on<strong>de</strong> aborda uma série <strong>de</strong> questões, inclusive a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> que o ser humano respeite os animais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta atuação em Bem Viver.<br />

Na mesma esteira, Boff 12 <strong>de</strong>screve o seu ethos mundial, como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma atuação conectada <strong>do</strong> ser humano com a natureza com meio <strong>de</strong> progresso<br />

responsável e saudável.<br />

Este tipo <strong>de</strong> compreensão é uma expressão <strong>de</strong> um pensamento <strong>do</strong> ‘Sul’,<br />

latino-americano, relacionan<strong>do</strong>-se diretamente com a Epistemologia <strong>do</strong> Sul 13 ,<br />

que <strong>de</strong>screve a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Direito a partir <strong>de</strong> um marco<br />

<strong>do</strong> sul global, livran<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> pensar colonial imposto pelo norte global, a partir<br />

<strong>de</strong> outros vivências, <strong>de</strong> ancestralida<strong>de</strong>s e pluriculturalida<strong>de</strong>s.<br />

É neste senti<strong>do</strong> que Gudynas e Acosta acabam por promover não só a<br />

<strong>de</strong>scrição da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Bem viver, como também conectá-lo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento com sustentabilida<strong>de</strong> e responsabilida<strong>de</strong> social e ecológica,<br />

quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>screve ser esta “uma expressão <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> direito, e que para<br />

assegurá-los é indispensável encarar mudanças substanciais nas estratégias <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento (...) com uma proposta a ser construída, o Bem viver.” 14<br />

Sumak kawsay importa em aglutinar a finalida<strong>de</strong> social e sustentável para<br />

utilização da natureza, em atuação conectada <strong>do</strong> ser humano com o meio<br />

ambiente como uma direção <strong>de</strong> progresso responsável e saudável, inclusive a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o ser humano respeite a fauna e a flora nesta atuação em<br />

Bem Viver, pois somente to<strong>do</strong>s estes sujeitos uni<strong>do</strong>s formam um to<strong>do</strong>, que <strong>de</strong>ve<br />

se <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong> forma a sustentar equilibradamente a soma formada.<br />

11<br />

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La pachamama y el humano. Buenos Aires: Colihue,<br />

2012.<br />

12<br />

BOFF, Leonar<strong>do</strong>. Ethos Mundial: Um consenso mínimo entre os humanos, Brasília,<br />

Letraviva, 2000.<br />

13<br />

SANTOS, Boaventura <strong>de</strong> Sousa; MENESES, M. P. (Orgs.). Epistemologias <strong>do</strong> Sul.<br />

Coimbra: Almedina, 2009.<br />

14<br />

GUDYNAS, Eduar<strong>do</strong>; ACOSTA, Alberto. El buen viver mas allá <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sarrollo. Qué<br />

Hacer, nº 180, 2011, Ed. Desco: Lima. pág. 75.<br />

292


5. RESULTADOS<br />

É possível perceber com as duas concepções se conectam diretamente,<br />

já que a discussão <strong>de</strong> mudança climática, bem como as suas normas<br />

internacionais e nacionais que objetivem a mitigação <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> gases que<br />

causam estas alterações, importam diretamente em outra visão <strong>de</strong> interação <strong>do</strong><br />

homem com a natureza, quer a partir da sua relação <strong>de</strong> convivência, quer por<br />

via da compreensão <strong>de</strong> exploração econômica sobre esta última.<br />

Há uma conexão da cosmovisão <strong>de</strong> sumak kawsay (conhecimento<br />

ancestral e naturalmente integra<strong>do</strong> com a natureza) com a discussão <strong>de</strong> políticas<br />

<strong>de</strong> combate as mudanças climáticas, já que se está falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> meio ambiente e<br />

como este po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>do</strong> diretamente pelo homem, <strong>de</strong> forma a não causar<br />

danos a própria concepção <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> natural.<br />

O conceito sul-americano po<strong>de</strong> trazer nova compreensão valorativa à<br />

discussão <strong>de</strong> mudanças climáticas, já que este se conecta o indivíduo com o seu<br />

povo e a natureza ao seu entorno, importan<strong>do</strong> na expressão <strong>de</strong> uma outra i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, não a partir <strong>do</strong> próprio indivíduo, e sim por sua integração com o<br />

meio ambiente equilibra<strong>do</strong> e a busca pelo bem-estar social, portanto,<br />

modifican<strong>do</strong> parâmetros econômicos <strong>de</strong> uso da natureza na apropriação <strong>de</strong> seus<br />

produtos.<br />

A compreensão <strong>de</strong> Bem viver importa diretamente em um tratamento <strong>de</strong><br />

preservação e baixo impacto à natureza pelo ser humano, já que esta passa a<br />

ser compreendida como ente social, <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> direitos, <strong>de</strong>veres e finalida<strong>de</strong>s<br />

sociais, o que importa em um novo horizonte direcional para a sua utilização,<br />

direcional a uma concepção <strong>de</strong> preservação, respeito e sustentabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma<br />

vida simbiótica <strong>do</strong> homem com a natureza.<br />

Este conceito ancestral se aplica<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma a modificar as relações<br />

econômicas sobre o uso <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong>s seus recursos, permitem uma<br />

maior preservação da natureza, o que, por consequência, importaria diretamente<br />

como plano <strong>de</strong> ação estatal <strong>de</strong> combate ao efeito estufa e a poluição,<br />

ocasionan<strong>do</strong> indiretamente a mitigação da emissão <strong>de</strong> GEE, já que a utilização<br />

da natureza não se basearia em uma atuação extrativista produtivista, mas sim<br />

293


<strong>do</strong> uso consciente <strong>do</strong>s recursos naturais, em <strong>de</strong>corrência da mudança <strong>do</strong>s<br />

paradigmas <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção que hoje se vivencia.<br />

Com esta mudança <strong>de</strong> perspectiva <strong>de</strong> cada esta<strong>do</strong> em suas normas<br />

internas, <strong>de</strong> forma a consi<strong>de</strong>rar uma outra concepção <strong>de</strong> relação com a natureza,<br />

proce<strong>de</strong>ria a aplicação <strong>do</strong> princípio da responsabilida<strong>de</strong>, que é estabeleci<strong>do</strong> no<br />

Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris como valor precípuo no combate as mudanças climáticas, já<br />

que cada Esta<strong>do</strong> passaria a assumir o encargo <strong>de</strong> buscar meios <strong>de</strong> mitigar a<br />

emissão <strong>de</strong> GEE.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Neste estu<strong>do</strong> se proce<strong>de</strong> uma abordagem, ainda parcial, <strong>de</strong> como é<br />

possível uma mudança <strong>de</strong> valores jurídico-ambientais e vivendis pela aplicação<br />

da concepção <strong>de</strong> Bem viver nas interações <strong>do</strong> ser com natureza, pois este é um<br />

atributo jurídico que pregoa o apreço pela vida comunitária, o respeito ao próximo<br />

e a Pachamama, pauta<strong>do</strong> em um forte sentimento <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência e<br />

reciprocida<strong>de</strong> entre os seres, pois somente é possível vivenciar a plenitu<strong>de</strong> da<br />

condição humana se <strong>de</strong>vidamente conectada ao meio ambiente em que estamos<br />

inseri<strong>do</strong>s.<br />

Assim, estes valores estabelecem a formação <strong>de</strong> um discurso <strong>de</strong><br />

mudança <strong>de</strong> cosmovisão, para que o homem se integre à natureza e a<br />

coletivida<strong>de</strong> ao seu entorno, fugin<strong>do</strong> <strong>do</strong> caráter individual que impregna seu<br />

discurso ambiental, para que este seja efetivamente enlaçan<strong>do</strong> em abordagens<br />

comunitárias e inclusivistas, que visam a vida em harmonia com a natureza por<br />

via da preservação e uso consciente <strong>do</strong>s recursos naturais, o que modifica a<br />

própria emissão <strong>de</strong> GEE pelos indivíduos ali inseri<strong>do</strong>s, como também é uma<br />

expressão <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes no combate as mudanças climáticas.<br />

294


DIREITO À TERRA COMO DIREITO HUMANO: SUPORTE À DIGNIDADE<br />

POR UM DIREITO MAIS DEMOCRÁTICO.<br />

MATURANA, Edgar<br />

Advoga<strong>do</strong> pela UAM – Universida<strong>de</strong> Anhembi Morumbi, Cientista Social pela USP – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo,<br />

pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> NEPSESTE/USP – Núcleo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Pesquisas em Sociologia <strong>do</strong> Espaço e <strong>do</strong> Tempo da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo e Engenheiro <strong>de</strong> Produção pelo IMT – Instituto Mauá <strong>de</strong> Tecnologia.<br />

edgar.maturana@gmail.com<br />

São Paulo, SP - Brasil<br />

RESUMO<br />

O artigo é uma reflexão sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um novo Direito<br />

Humano mais inclusivo e protetivo, o direito à terra. A sua inexistência nos<br />

instrumentos internacionais - mas presente na jurisprudência das Cortes<br />

Internacionais -, a escalada da violência na disputa pela terra e da exclusão <strong>de</strong><br />

vítimas <strong>de</strong>sses conflitos confirmam sua necessida<strong>de</strong>. A abertura <strong>de</strong>ssa<br />

possibilida<strong>de</strong> é percebida por três elementos: pela agregação <strong>de</strong> direitos liga<strong>do</strong>s<br />

à terra ainda dispersos, a filiação às características fundamentais <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong><br />

<strong>Humanos</strong> e, por fim, pela reunião da maioria <strong>do</strong>s 17 objetivos da Agenda 2030<br />

da Organização das Nações Unidas. Concluirá, esse artigo, a importância <strong>de</strong>sse<br />

novo direito na sustentação da <strong>de</strong>mocracia e da dignida<strong>de</strong> humana.<br />

Palavras-chave: direito à terra. <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Dignida<strong>de</strong> da Pessoa<br />

Humana. Democracia. Agenda 2030 ONU.<br />

ABSTRACT<br />

This article aims a reflection over the possibility to construct a new Human Right,<br />

more inclusive and protective, the Land Right. Although it´s not set in an<br />

International Instruments of the International Courts of Human Rights – but<br />

presente in its jurispru<strong>de</strong>nce, it´s emergecy is nee<strong>de</strong>d on the rising of violence on<br />

the land conflicts, resulting in a huge number of exclu<strong>de</strong>d and vulnerable people.<br />

The opening to this possibility are ma<strong>de</strong> by the merge of disconnected rights<br />

linked to land, the affiliation to main characteristics of Human Rights and<br />

gathering nearlly all 17 goals of 2030 ONU Agenda. Closing the article with the<br />

295


importance of this new human right to sustain <strong>de</strong>mocracy and the dignity of the<br />

human being<br />

Keywords: Land Rights. Human Rights. Dignity of Human Being. Democracy.<br />

2030 ONU Agenda.<br />

INTRODUÇÃO E OBJETIVO<br />

Discorrer sobre os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> num momento histórico tão<br />

conturba<strong>do</strong> como o atual não é tarefa das mais fáceis. A dificulda<strong>de</strong> se faz<br />

presente pela amplitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> pêndulo interpretativo sobre o tema em que a<br />

ignorância parece prevalecer sobre o horizonte <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s criadas pelo<br />

saber. O que parece ser divergente, no entanto, é a abertura necessária para<br />

escancarar as facetas ainda encobertas <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e possibilitar um<br />

maior aprofundamento e proteção <strong>do</strong>s direitos aos indivíduos.<br />

Com essa premissa estabelecida e possibilida<strong>de</strong>s abertas, esse artigo se<br />

propõe a refletir sobre uma nova forma <strong>de</strong> se alargar a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos<br />

por meio <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>. Essa viabilida<strong>de</strong> só existe pelo próprio objeto a<br />

que <strong>de</strong>seja tratar o assunto, a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo. Sua ativa formulação se<br />

monta e remonta ao longo da História a fim <strong>de</strong> melhor compreen<strong>de</strong>r o homem,<br />

seus propósitos e sua relação com o próximo para assim lograr mais altos<br />

valores humanos e humanitários.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, esse artigo irá discutir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar e<br />

construir um direito à terra como Direito Humano. Esse ponto <strong>de</strong> chegada será<br />

conduzi<strong>do</strong> por algumas questões direciona<strong>do</strong>ras capazes <strong>de</strong> estabelecer certos<br />

limites para a reflexão pretendida. São elas: por que o direito à terra? porque<br />

direito à terra como um direito humano? <strong>de</strong> que forma o direito à terra po<strong>de</strong><br />

contribuir para os <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> na consecução da Agenda 2030 e à<br />

Democracia?<br />

MÉTODO<br />

O méto<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> nesse artigo, reflexo <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> monográfico, foi a<br />

análise bibliografia sobre os temas terra, direitos humanos, <strong>de</strong>mocracia e a<br />

296


Agenda 2030. Sobre eles, <strong>de</strong>bruçou o pesquisa<strong>do</strong>r a construir a correlação entre<br />

essas partes díspares no fomento <strong>do</strong> direito à terra como um direito humano.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

A compreensão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da terra não é única <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

como a brasileira, e mesmo em Nações estrangeiras. A constatação <strong>de</strong>ssa<br />

afirmação po<strong>de</strong> ser verificada pelas diferentes <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> rentistas e<br />

comunida<strong>de</strong>s indígenas brasileiras sobre o tema. Para os primeiros, a terra é<br />

apenas um meio <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> seus lucros, produtos e po<strong>de</strong>r; para os<br />

segun<strong>do</strong>s, a terra não é fonte apenas <strong>de</strong> sua manutenção material, mas<br />

principalmente cultural e espiritual, como fonte <strong>do</strong> que são e <strong>do</strong> que <strong>de</strong>sejam ser<br />

para a comunida<strong>de</strong>.<br />

Esses <strong>do</strong>is extremos <strong>de</strong> pontas inconciliáveis <strong>de</strong>monstram a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma reinterpretação da terra. Não porque a terra seja um latifúndio ainda a<br />

ser <strong>de</strong>svenda<strong>do</strong> – verifica-se o contrário no Brasil – mas porque a terra, ao<br />

menos nesse país, é “um marco regula<strong>do</strong>r, uma sentinela <strong>do</strong> arcaísmo que<br />

<strong>de</strong>senham nossas possibilida<strong>de</strong>s e limites”. (2011, Martins, p. 18). Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, a terra “freia, firmemente as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformação social<br />

profunda e <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização <strong>do</strong> país [Brasil]”. (2011, MARTINS, p. 18). Esse<br />

entendimento <strong>de</strong>ve ser assumida para a socieda<strong>de</strong> brasileira, mas <strong>de</strong>ve também<br />

ser apropriada, como referência interpretativa, pelo Direito Internacional <strong>do</strong>s<br />

<strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> para uma nova compreensão sobre a terra.<br />

Até o momento, a Ciência <strong>do</strong> Direito tratou a terra mais frequentemente<br />

como objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> Direito Civil pelos ramos <strong>do</strong>s direitos reais ou pelo<br />

direito agrário. Esqueceu-se uma dimensão importante <strong>do</strong> indivíduo que o liga à<br />

terra por diferentes linhas das tratadas pelos manuais civilistas, e que o insere<br />

num contexto em que a sua integralida<strong>de</strong>, fundamentada pela dignida<strong>de</strong><br />

humana, é o ponto central a ser protegi<strong>do</strong>. Sobre linhas ocultas foram<br />

construídas relações privadas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r capazes <strong>de</strong> alicerçar formas e meios <strong>de</strong><br />

governo que se apropriaram unilateralmente da terra como meio <strong>de</strong> mediação<br />

social e <strong>de</strong> exclusão. Encontraram na terra a força <strong>de</strong> coerção para o controle<br />

social media<strong>do</strong> pelo imaginário popular. Percebeu-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong>, em especial<br />

297


nos países periféricos (CARDOSO, 1970), que a terra acolhe mas também po<strong>de</strong><br />

excluir, que pela terra se dá ou tira o po<strong>de</strong>r, que se herda ou <strong>de</strong>serda, que por<br />

ela se nutre ou <strong>de</strong>snutre, se abriga ou <strong>de</strong>sabriga, se fomenta governos ou os<br />

<strong>de</strong>strói, se equaliza gêneros ou não.<br />

Em diversos relatos <strong>de</strong> usurpação da terra, percebe-se um gran<strong>de</strong> e<br />

intenso conflito pela terra há anos em diversos países. São <strong>de</strong>flagra<strong>do</strong>s ora<br />

contra pequenos produtores rurais e seus familiares, ora contra a mulher e seus<br />

filhos, ora contra as tribos indígenas e suas concepções singulares da terra, ora<br />

contra mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s. O que to<strong>do</strong>s esses conflitos 1 expõem, <strong>de</strong> forma<br />

notória, é que o direito à terra, nas suas múltiplas concepções, não está sen<strong>do</strong><br />

protegi<strong>do</strong> à maioria da população, e que, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma minoria rentista,<br />

a perda da dignida<strong>de</strong> humana e vulnerabilida<strong>de</strong> a que se sujeitam é galopante.<br />

Isto não po<strong>de</strong> mais acontecer e uma revisão <strong>do</strong> que é terra e os direito a ela<br />

vincula<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ve ser reconstruí<strong>do</strong>.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o direito à terra não po<strong>de</strong> ser encara<strong>do</strong> mais apenas como<br />

objeto <strong>do</strong> direito real codifica<strong>do</strong> e positiva<strong>do</strong> em leis civis. As atrocida<strong>de</strong>s<br />

perpetradas por disputas escancaram uma nova necessida<strong>de</strong> a ser ligada à<br />

terra: pensar o direito à terra como um Direito Humano pelo qual se estabelecerá<br />

maior proteção à dignida<strong>de</strong> humana em diferentes vertentes da dimensão social:<br />

direito à proprieda<strong>de</strong> privada; o direito à terra como direitos culturais; o direito à<br />

terra como uma questão <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero; o direito à terra como moradia,<br />

o direito à terra como acesso à alimentação e por fim, o direito à terra como um<br />

meio <strong>de</strong> proteção ambiental.<br />

DISCUSSÃO<br />

O direito à terra é um direito a ser firma<strong>do</strong> com a principal função <strong>de</strong><br />

aumentar a proteção individual e coletiva <strong>do</strong> indivíduo pelo aprimoramento e<br />

manutenção da dignida<strong>de</strong> humana. Em síntese, o direito à terra como um direito<br />

1<br />

Conflito e terra, não apenas no Brasil, é indissociável. Em recente julga<strong>do</strong> da Corte<br />

Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> o caso Xucuru é uma das violentas realida<strong>de</strong>s da luta pela<br />

terra.<br />

298


humano objetiva proteger a dignida<strong>de</strong> humana, o que o indivíduo tem <strong>de</strong> mais<br />

essencial e íntimo <strong>de</strong> seu ser.<br />

Há que se tornar claro a não existência <strong>do</strong> direito à terra como um direito<br />

humano nos Trata<strong>do</strong>s Internacionais, mas que as Cortes Internacionais vêm<br />

sinalizan<strong>do</strong> e fomentan<strong>do</strong> o tema, mesmo que dispersamente, em relatórios e<br />

sentenças prolatadas pelas Cortes. Jérémie Gilbert, <strong>de</strong>clara que<br />

(...) nenhum trata<strong>do</strong> tem reconheci<strong>do</strong> o direito à terra como uma<br />

questão central <strong>de</strong> direitos humanos. Entre os nove principais trata<strong>do</strong>s<br />

internacionais <strong>de</strong> direitos humanos, o direito à terra é apenas<br />

superficialmente menciona<strong>do</strong> uma única vez, no contexto <strong>do</strong>s direitos<br />

das mulheres em zonas rurais (2013, p. 123).<br />

Portanto, a fundamentação jurídica <strong>de</strong> existência <strong>do</strong> direito à terra como<br />

um direito humano tem si<strong>do</strong> construída essencialmente por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões<br />

das Cortes Internacionais <strong>de</strong> Justiça, como o exemplo <strong>do</strong> caso da tribo Xucuru<br />

pela Corte Interamericana <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> (CIDH, 2018), ou pelos relatórios<br />

<strong>de</strong> agências não governamentais ao indicarem os <strong>de</strong>scasos e abusos da<br />

expropriação da terra, e pedir proteção mais efetiva nos litígios fundiários.<br />

O direito à terra, aqui pensa<strong>do</strong> como um novo direito a ser concebi<strong>do</strong> e<br />

materializa<strong>do</strong>, tem a prerrogativa <strong>de</strong> existência pela filiação as principais<br />

características <strong>de</strong> um Direito Humano, ao lhe garantir força necessária para sua<br />

afirmação como tal. Porque assim como os outros direitos humanos, o direito à<br />

terra também tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “<strong>de</strong>signar aquilo que pertence à essência <strong>do</strong><br />

homem, que não é puramente aci<strong>de</strong>ntal, que não surge ou <strong>de</strong>saparece com a<br />

mudança <strong>do</strong>s tempos, da moda, <strong>do</strong> estilo ou <strong>do</strong> sistema; <strong>de</strong>ve ser algo que<br />

pertence ao homem como tal” (MELLO, 2013, p. 771). Dito isso, o direito à terra<br />

eleva-se aos parâmetros <strong>de</strong> um direito humano por ser “preexistente à or<strong>de</strong>m<br />

positiva, imprescritível, inalienável, <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> eficácia erga omnes, absoluto e<br />

auto aplicáveis” (MELLO, 2013, p. 771), características essenciais <strong>de</strong> um direito<br />

humano e presentes no direito à terra.<br />

Por isso, a construção <strong>do</strong> direito à terra como um direito humano <strong>de</strong>ve<br />

tributo aos <strong>de</strong>sabriga<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>s e violenta<strong>do</strong>s pela ignorância e pelo<br />

299


egoísmo na disputa pela terra. Atento a eles, e objetivan<strong>do</strong> minimizar as agruras<br />

sofridas por to<strong>do</strong>s, pon<strong>de</strong>ra-se que o direito à terra como um direito humano <strong>de</strong>va<br />

refletir sobre questões essenciais da convivência humana e vitais para a<br />

segurança e o <strong>de</strong>senvolvimento individual e coletivo, uma preocupação da<br />

Organização das Nações Unidas (ONU), e em consonância com a Agenda 2030.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, o direito à terra como um direito humano tem como direta<br />

preocupação a <strong>de</strong>mocracia e os 17 objetivos para transformar nosso mun<strong>do</strong>.<br />

A <strong>de</strong>mocracia, que antes <strong>de</strong>signava como forma <strong>de</strong> governo da pólis, hoje,<br />

implica na “afirmação <strong>de</strong> certos valores fundamentais da pessoa humana bem<br />

como a exigência <strong>de</strong> organização e funcionamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ten<strong>do</strong> em vista a<br />

proteção daqueles valores” (DALLARI, 2016, p. 144). Ou seja, é a superação <strong>do</strong><br />

relacionamento pessoal entre governantes e governa<strong>do</strong>s da pólis grega<br />

(SOARES, 2001) pela instauração da proteção <strong>do</strong> indivíduo.<br />

O que não resta dúvida, <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> pelo noticiário mundial, é que a<br />

<strong>de</strong>mocracia, apesar <strong>do</strong>s seus valores convictos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong>, ainda<br />

luta para se manter ou se instituir em diversos Esta<strong>do</strong>s. A consolidação e<br />

estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> governo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesa<strong>do</strong>s investimentos contra<br />

o perigo eminente da concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em governos militares, tecnocratas,<br />

teocratas ou falsamente <strong>de</strong>mocráticos. Nesse momento, (re)pergunta-se por que<br />

a <strong>de</strong>mocracia é a forma <strong>de</strong> governo a garantir os direitos humanos? e mais, por<br />

que o direito à terra po<strong>de</strong> contribuir nessa construção e na construção da Agenda<br />

2030?<br />

Robert Dahl nos dá uma pista para uma saída ao afirmar que a<br />

<strong>de</strong>mocracia é uma condição <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação que garante uma<br />

igualda<strong>de</strong> política (DAHL, 1998). Ou seja, apenas na <strong>de</strong>mocracia é possível<br />

estabelecer um esta<strong>do</strong>, compreendi<strong>do</strong> aqui como situação e permanência, <strong>de</strong><br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação entre to<strong>do</strong>s a fim <strong>de</strong> garantir igualda<strong>de</strong> política,<br />

assumida neste artigo como capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação da construção <strong>do</strong> seu<br />

meio social inseri<strong>do</strong> em uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dimensões. Com isso, ter apenas<br />

garanti<strong>do</strong> as liberda<strong>de</strong>s negativas e positivas, não é participar efetivamente da<br />

construção <strong>de</strong>mocrática; mais, não é trabalhar para a manutenção <strong>do</strong> sistema<br />

300


<strong>de</strong>mocrático, e portanto, não é gerar condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> política capazes <strong>de</strong><br />

fomentar uma <strong>de</strong>mocracia.<br />

Dahl argumenta que essa promoção só ocorrerá se cinco critérios<br />

inerentes ao processo <strong>de</strong>mocrático estiverem garanti<strong>do</strong>s pelo próprio sistema: a<br />

participação efetiva <strong>do</strong>s membros da socieda<strong>de</strong> indistintamente, a equida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

votação, o alargamento da compreensão sobre a <strong>de</strong>mocracia, o controle sobre<br />

a agenda governamental e a inclusão da cidadania participativa. Cada um<br />

<strong>de</strong>sses elementos são, na visão <strong>do</strong> autor, fundamentais para estruturar uma<br />

<strong>de</strong>mocracia, sem os quais se torna impossível falar em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>mocrático.<br />

Aprofunda, o autor, quan<strong>do</strong> expõe as razões <strong>de</strong> preferência da<br />

<strong>de</strong>mocracia ao sistemas não <strong>de</strong>mocráticos. Para ele, o méto<strong>do</strong> comparativo se<br />

faz necessário como forma <strong>de</strong> melhor compreen<strong>de</strong>r a importância da <strong>de</strong>mocracia<br />

com suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proteção e realização <strong>do</strong> indivíduo frente aos<br />

avanços nefastos e perigosos <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> governo. Para ele, o<br />

fortalecimento da <strong>de</strong>mocracia é um ponto crucial para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

humano individual e coletivo.<br />

Assim sen<strong>do</strong>, a <strong>de</strong>mocracia é a forma <strong>de</strong> governo necessária a proteção<br />

<strong>do</strong>s direitos humanos, entre eles o direito à terra ora argumenta<strong>do</strong>, porque<br />

conduz a maiores possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compreensão <strong>do</strong> outro por meio da voz e<br />

não da coerção e da violência. É apenas no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito que o outro é<br />

enxerga<strong>do</strong> e consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> em suas múltiplas necessida<strong>de</strong>s. Somente nesse<br />

esta<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> se falar em um sistema <strong>de</strong> direitos a efetivamente disponibilizálos<br />

aos indivíduos sociais. Também apenas nele que há ampla liberda<strong>de</strong> e<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s interesses individuais, salvaguardan<strong>do</strong> o direito à<br />

auto<strong>de</strong>terminação moral individual. E por fim, é que apenas na <strong>de</strong>mocracia o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento humano é alternativa possível da realização <strong>do</strong> indivíduo, ou<br />

seja, nela alimenta-se muito mais as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vidas dignas que em<br />

outras formas <strong>de</strong> governo (DAHL, 1998).<br />

Em essência, a <strong>de</strong>mocracia é o meio eficaz na busca da dignida<strong>de</strong><br />

humana, compreendida como meio autônomo da consciência para viver e<br />

conviver. Apenas com o aprimoramento da <strong>de</strong>mocracia que o Ser Humano tem<br />

301


suas potencialida<strong>de</strong>s garantidas, suas motivações validadas e sua integrida<strong>de</strong><br />

física, mental e espiritual respeitadas.<br />

Não resta dúvida, portanto, que direito à terra po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> forma incisiva<br />

auxiliar nessa construção da <strong>de</strong>mocracia. Ora porque o direito à terra, alça<strong>do</strong> ao<br />

posto <strong>de</strong> um direito humano terá força cogente <strong>de</strong> um trata<strong>do</strong>, mas,<br />

principalmente, porque estabelece nova práxis ligada à terra ao garantir atenção<br />

mais efetiva as diversas necessida<strong>de</strong>s humanas, ao consi<strong>de</strong>rar como possível<br />

em seu bojo normativo a discussão da proprieda<strong>de</strong> privada, mas também da<br />

<strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> terras indígenas, e também a garantia da alimentação<br />

a<strong>de</strong>quada, da moradia justa, da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero e da sustentabilida<strong>de</strong><br />

ambiental.<br />

O direito à terra, ao propor uma nova maneira <strong>de</strong> concebê-la, promove a<br />

participação efetiva <strong>do</strong>s membros sociais pela possível discussão e conciliação<br />

entre os díspares. Propicia a equida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votação porque eleva individual e<br />

coletivamente o ser humano a sua posição <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> ao garantir alimentação,<br />

moradia, igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero. Além disso, a discussão sobre os entendimentos<br />

<strong>do</strong> que é terra pelos diferentes grupos que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, numa inovação<br />

interpretativa da terra, alarga o entendimento da <strong>de</strong>mocracia como sistema<br />

protetivo e dá parida<strong>de</strong> argumentativa. Ou seja, discutir, rediscutir e repensar<br />

novas formas <strong>de</strong> concebê-la, antes fruto unívoco <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, é<br />

(re)significar, em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s, a representação da terra no consciente<br />

humano e contribuir na ampliação da <strong>de</strong>mocracia e <strong>do</strong>s direitos humanos. Disso<br />

<strong>de</strong>corre que mais indivíduos participantes, conscientes e efetivamente dispostos<br />

na trama da <strong>de</strong>mocracia, a agenda política se fortalecerá sobremaneira na<br />

discussão sobre a terra a fortalecer a <strong>de</strong>mocracia trazen<strong>do</strong> efetivos <strong>de</strong>senlaces<br />

para o aumento da cidadania, compreendi<strong>do</strong> como meio <strong>de</strong> assegurar igualda<strong>de</strong><br />

política e social.<br />

Por fim, o direito à terra como um direito humano po<strong>de</strong>rá sustentar, direta<br />

ou indiretamente, os 17 objetivos para transformar o mun<strong>do</strong> incluí<strong>do</strong>s na Agenda<br />

2030 da ONU. De que maneira? A terra é um elemento essencial ao indivíduo<br />

porque <strong>de</strong>la se tira o próprio sustento, o viver e efetiva-se a dignida<strong>de</strong>, ou seja,<br />

a terra está presente nas múltiplas necessida<strong>de</strong>s humanas a serem protegidas<br />

302


pelos objetivos conti<strong>do</strong>s na Agenda 2030 da ONU. Por isso, a seguir serão<br />

<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>s os Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS) que se ligam<br />

à terra na direção da construção <strong>do</strong> direito à terra como um direito humano a<br />

contribuir na consecução <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano.<br />

O elemento terra está claramente explícito em cinco ODS. O ODS 1<br />

sustenta no item 1.4. “[...] a to<strong>do</strong>s os homens e mulheres, particularmente pobres<br />

e vulneráveis, tenham direitos iguais (...), a proprieda<strong>de</strong> e controle sobre a terra<br />

e outras formas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, herança, recursos naturais”. No segun<strong>do</strong> ODS,<br />

está presente no item “2.3 [...] <strong>de</strong> acesso seguro e igual à terra, outros recursos<br />

produtivos e insumos, [...]” e no item 2.4 [...], e que melhorem progressivamente<br />

a qualida<strong>de</strong> da terra e <strong>do</strong> solo”. Em ambos ODS, percebe-se a essencialida<strong>de</strong><br />

da terra como elemento da erradicação da pobreza e da miséria e por nisso o<br />

direito à terra tem elevada capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir.<br />

O ODS 5, ao promover a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero, sustenta no item 5.a que<br />

é necessário “Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos<br />

recursos econômicos, bem como o acesso a proprieda<strong>de</strong> e controle sobre a terra<br />

e outras formas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, serviços financeiros, herança e os recursos<br />

naturais, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as leis nacionais”. Ou seja, a existência <strong>de</strong> um direito à<br />

terra como um direito humano po<strong>de</strong>rá direcionar os conflitos fundiários nas<br />

diversas nações <strong>de</strong> forma justa pela condução <strong>de</strong> novos entendimentos para os<br />

sistemas civis nacionais.<br />

Por fim, no ODS 15, a preocupação da terra se orienta essencialmente<br />

aos aspectos <strong>do</strong> ecossistema e da <strong>de</strong>gradação da terra. O elemento terra está<br />

presente tanto no enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong> objetivo, quanto nos itens 15.1 e 15.2. No<br />

primeiro, ao se preocupar com a conservação, recuperação e o uso sustentável<br />

<strong>do</strong>s ecossistemas, incluin<strong>do</strong> a terra e, no segun<strong>do</strong>, no combate à <strong>de</strong>sertificação<br />

e no restauro <strong>de</strong>sses solos. Nesse senti<strong>do</strong>, a terra nesses itens se coadunam à<br />

visão sustentável a ser aprimora<strong>do</strong> e que se alinham ao direito à terra como um<br />

direito humano a orientar o direitos nacionais.<br />

De forma não <strong>de</strong>clarada, a terra está presente na ODS 3 no auxílio da<br />

manutenção da saú<strong>de</strong> e da segurança ao indivíduo. Também na ODS 8, por ser<br />

meio pelo qual se <strong>de</strong>senvolve o trabalho <strong>de</strong>scente e possibilida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong><br />

303


crescimento econômico. Na ODS 10, a terra é meio da redução da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

ao <strong>de</strong>svincular a posse e proprieda<strong>de</strong> a um único grupo social. Nas ODS 11 e<br />

12, a terra é vista como ecossistema a ser protegi<strong>do</strong> das ações humanas e da<br />

especulação da terra. E, por final, a terra é elemento fundamental <strong>de</strong> promoção<br />

da ODS 16, ou seja, a justiça e as instituições <strong>de</strong>mocráticas pelos elementos já<br />

explora<strong>do</strong>s nesse artigo.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O percurso a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por esse artigo teve um objetivo claro, apontar para<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> conhecimento capaz <strong>de</strong> garantir<br />

a proteção da dignida<strong>de</strong> humana por meio da promoção <strong>de</strong> um novo direito<br />

humano, o direito à terra. A emergência <strong>de</strong> sua existência nos sistemas<br />

internacionais <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> é fundamental para a promoção<br />

e manutenção da <strong>de</strong>mocracia, <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento individual e coletivo e da<br />

Agenda 2030 da ONU.<br />

Pensar num novo direito humano é necessário uma vez que se concentra<br />

na proteção <strong>do</strong> maior bem humano, a dignida<strong>de</strong> humana, em perigo nas diversas<br />

nações. A principal motivação <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um novo direito humano<br />

especificamente liga<strong>do</strong> à terra se fundamenta nas disputas sangrentas pela terra<br />

mun<strong>do</strong> à fora e na carência <strong>de</strong> instrumentos agrega<strong>do</strong>res sobre o tema, e que<br />

<strong>de</strong>em conta da multifacetada experiência existencial humana ao promover, <strong>de</strong><br />

forma mais segura e eficiente, direitos liga<strong>do</strong>s à dignida<strong>de</strong> humana e<br />

indispensáveis a sobrevivência e convivência íntegra.<br />

O que se busca com o direito à terra é um elemento coesivo capaz <strong>de</strong><br />

analisar <strong>de</strong> forma integral o homem e os problemas conflitivos advin<strong>do</strong>s da terra,<br />

e que contribua, <strong>de</strong> forma precípua, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais<br />

<strong>de</strong>mocrática e sustentável. O direito à terra como direito humano, em substância,<br />

busca a dignida<strong>de</strong> dada pela autonomia <strong>do</strong> pensar, agir e ser e portanto, da<br />

razão e da consciência expandida (MACHADO, 2004). A continuida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse trabalho no aprofundamento <strong>do</strong> tema em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Mestra<strong>do</strong> e Doutora<strong>do</strong> a ser trilha<strong>do</strong> pelo pesquisa<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ste artigo.<br />

304


BIBLIOGRAFIA<br />

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na América Latina. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1970, p. 34.<br />

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GILBERT, Jérémie. Direito à terra como direito humano: argumentos em prol <strong>de</strong><br />

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Acesso em 20/11/2018.<br />

MACHADO, Mariangela Campos. Conciliação. São Paulo. Diretriz. 2004.<br />

MARTINS, José <strong>de</strong> Souza. A Política <strong>do</strong> Brasil Lúmpen e místico. São Paulo,<br />

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MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso <strong>de</strong> Direito Internacional Público vol. 01.<br />

15 edição. Renovar. Belo Horizonte, 2013.<br />

SOARES, Mário Lúcio Q. Teoria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>: o substrato clássico e os novos<br />

paradigmas como pré-compreensão para o Direito Constitucional. Belo<br />

Horizonte. Del Rey. 2001.<br />

305


RESUMO<br />

DIREITOS HUMANOS NO GOVERNO LOCAL: Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da<br />

Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo (Brasil)<br />

SUANO, Bethânia<br />

Doutoranda em “Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI”<br />

Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Sociais - Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra<br />

Bolsista CAPES – Ministério da Educação, Brasil<br />

besuano@hotmail.com<br />

Este trabalho resulta <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> investigação em se<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>utoramento<br />

multidisciplinar em “Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI”, que realizo no<br />

Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Sociais da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. No <strong>do</strong>utoramento<br />

analiso a criação <strong>de</strong> instituições publicas <strong>de</strong> direitos humanos em nível local, por<br />

meio <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da pasta <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da Prefeitura <strong>de</strong> São<br />

Paulo, no Brasil; salientan<strong>do</strong> que com base no instrumental teórico das quatro<br />

principais correntes neo-institucionalistas, histórica, sociológica, racional e<br />

discursiva; procuramos perceber as mudanças e permanências institucionais<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a criação da Comissão Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e sua<br />

transformação em uma Secretaria Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e Cidadania.<br />

Neste artigo a análise foca-se no discurso <strong>do</strong>s dirigentes 1 das instituições<br />

referidas, procuran<strong>do</strong> compreen<strong>de</strong>r suas diferentes percepções <strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve ser<br />

uma instituição pública <strong>de</strong> direitos humanos no nível <strong>do</strong> governo local.<br />

Palavras-chave: <strong>Direitos</strong> humanos; instituições públicas; políticas públicas;<br />

governo local; neoinstitucionalismo.<br />

ABSTRACT<br />

This paper is part of the result of my research in the multidisciplinary PhD in "Law,<br />

Justice and Citizenship in the 21st Century", at the Center for Social Studies of<br />

the University of Coimbra, Portugal. In our thesis, we analyze the creation of<br />

public institutions for human rights at the local level, through a case study of the<br />

Human Rights Departament of the Municipality of São Paulo, Brazil; emphasizing<br />

1<br />

No trabalho <strong>de</strong> campo realiza<strong>do</strong>s entrevistas com os diversos escalões <strong>de</strong> funcionários<br />

públicos, contu<strong>do</strong> para este artigo específico optamos por utilizar apenas as entrevistas com os<br />

dirigentes; assim como, utilizaremos apenas algumas variáveis <strong>de</strong> análise e não todas as<br />

utilizadas para a tese completa.<br />

306


that on the basis of the theoretical instruments of neoinstitutionalist currents we<br />

try to perceive institutional changes and permanences since the creation of the<br />

Municipal Commission of Human Rights and its transformation into a Secretariat<br />

of Human Rights and Citizenship, bigger institution than the first. In this article the<br />

analysis focuses on the discourse of the lea<strong>de</strong>rs of the mentioned institutions,<br />

trying to un<strong>de</strong>rstanding their different perceptions of what a public institution of<br />

human rights should be and work at the level of local government.<br />

Keywords: Human rights; public institutions; public policies; local government;<br />

neoinstitutionalism.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Os direitos humanos são objeto principal <strong>de</strong> conhecidas normas<br />

internacionais 2 , resultantes estas <strong>de</strong> longos <strong>de</strong>bates no âmbito das Nações<br />

Unidas e outros órgãos internacionais. São também parte <strong>do</strong> texto legislativo<br />

nacional <strong>do</strong>s países conforme estes internalizam a normativa internacional<br />

ratificada. Entretanto, consi<strong>de</strong>ramos que é no plano local que os direitos<br />

humanos se realizam ou mesmo são viola<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>, escolhemos<br />

analisar no <strong>do</strong>utoramento, com base no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso da área <strong>de</strong> direitos<br />

humanos da Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo, a criação e o funcionamento, as<br />

características <strong>de</strong> mudanças e permanências em termos institucionais <strong>de</strong><br />

órgãos 3 locais <strong>de</strong> direitos humanos. O texto que ora se apresenta como resumo<br />

expandi<strong>do</strong> para comunicação oral no I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>,<br />

visa apresentar resulta<strong>do</strong>s parciais da nossa investigação <strong>do</strong>utoral, utilizan<strong>do</strong><br />

parte da base teórica-conceitual levantada em revisão bibliográfica e, ainda tem<br />

como insumo primordial parte da pesquisa <strong>de</strong> campo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, que são<br />

2<br />

A Carta das Nações Unidas; a Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>; o Pacto <strong>do</strong>s<br />

<strong>Direitos</strong> Civis e Políticos; o Pacto <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> Econômicos, Sociais e Culturais; os Princípios <strong>de</strong><br />

Paris; a Declaração <strong>de</strong> Viena; os Objetivos <strong>do</strong> Milênio e os Objetivos <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>;<br />

<strong>de</strong>ntre outros <strong>do</strong>cumentos mais específicos relativos a direitos das minorias, por exemplo, são<br />

exemplos <strong>de</strong> normas internacionais <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

3<br />

Neste texto utilizaremos os termos “instituições” e “órgãos” como sinônimos e no subitem<br />

fundamentação teórica trataremos mais <strong>de</strong>talhadamente <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> instituição que<br />

utilizamos.<br />

307


as entrevistas realizadas com todas pessoas que foram dirigentes da área <strong>de</strong><br />

direitos humanos da Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2003 a 2017.<br />

Além da importância que possuem na arena internacional, global e<br />

regional, os direitos humanos <strong>de</strong>stacam-se, no campo <strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário nos territórios nacionais; especificamente no Brasil, o tema tem si<strong>do</strong><br />

nas últimas décadas objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões importantes, <strong>de</strong>bates acalora<strong>do</strong>s, seja<br />

em primeira instância ou fases recursais, consolidan<strong>do</strong> jurisprudência e <strong>do</strong>utrina<br />

jurídica. Também o Po<strong>de</strong>r Legislativo, positiva ou negativamente, tem se ati<strong>do</strong><br />

aos direitos humanos no Brasil. Entretanto, o Po<strong>de</strong>r Executivo é aquele que<br />

<strong>de</strong>tém a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover políticas que superem a chave única <strong>do</strong><br />

combate a violações <strong>de</strong> direitos humanos, que <strong>de</strong>ve continuar sen<strong>do</strong> persegui<strong>do</strong><br />

por qualquer socieda<strong>de</strong>, mas que não basta se o que se preten<strong>de</strong> é uma<br />

socieda<strong>de</strong> mais justa, <strong>de</strong>senvolvida e sustentável. Nesta perspectiva<br />

consi<strong>de</strong>ramos que a investigação <strong>do</strong> tema <strong>do</strong>s direitos humanos no governo local<br />

é relevante para o aprimoramento e <strong>de</strong>senvolvimento da gestão urbana, com a<br />

maior parte da população mundial habitan<strong>do</strong> as cida<strong>de</strong>s 4 é cada dia mais<br />

importante refletir sobre como o governo local po<strong>de</strong> atuar para efetivação <strong>do</strong>s<br />

direitos humanos, o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e o incentivo a participação<br />

cidadã <strong>de</strong> seus habitantes.<br />

O problema a ser investiga<strong>do</strong> é a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgãos públicos <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, especializa<strong>do</strong>s na promoção <strong>de</strong> direitos humanos no âmbito <strong>do</strong><br />

governo local. O que se preten<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso é a criação e<br />

funcionamento da Comissão Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> da Prefeitura <strong>de</strong><br />

São Paulo e sua transformação em Secretaria Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> e<br />

Cidadania.<br />

4<br />

A este respeito ver relatório das Nações Unidas, disponível em:<br />

https://www.unric.org/pt/actualida<strong>de</strong>/31537-relatorio-da-onu-mostra-populacao-mundial-cada-<br />

vez-mais-urbanizada-mais-<strong>de</strong>-meta<strong>de</strong>-vive-em-zonas-urbanizadas-ao-que-se-po<strong>de</strong>m-juntar-25-<br />

mil-milhoes-em-2050. Acessa<strong>do</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />

308


OBJETIVOS<br />

Nossos objetivos se distinguem em objetivos conceituais e práticos, que<br />

se inter-relacionam e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, tanto <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista teórico quanto <strong>do</strong><br />

ponto <strong>de</strong> vista empírico <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso. Assim, são estes os objetivos<br />

principais da investigação:<br />

Objetivos conceituais<br />

Definir políticas públicas <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

Distinguir promoção <strong>de</strong> direitos humanos da <strong>de</strong>fesa que se faz <strong>do</strong>s<br />

mesmos ao se judicializar violações.<br />

Conceitualizar instituição pública local <strong>de</strong> direitos humanos.<br />

Objetivos práticos<br />

Enten<strong>de</strong>r porque e para que foi cria<strong>do</strong> um órgão <strong>de</strong> direitos humanos na<br />

Prefeitura <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Enten<strong>de</strong>r porque a Comissão Municipal <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> foi<br />

transformada em uma Secretaria, quais as implicações práticas disto para a<br />

promoção <strong>do</strong>s direitos humanos no município.<br />

Elencar elementos da experiência <strong>do</strong> município <strong>de</strong> São Paulo que possam<br />

ser utiliza<strong>do</strong>s por outras cida<strong>de</strong>s, em termos <strong>de</strong> arranjos institucionais e<br />

ferramentas <strong>de</strong> gestão.<br />

Se possível, preten<strong>de</strong>mos esboçar uma narrativa das mudanças e<br />

constâncias <strong>do</strong> discurso <strong>de</strong> direitos humanos <strong>do</strong>s dirigentes da Prefeitura <strong>de</strong> São<br />

Paulo específicos da área temática.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Utilizamos como base teórica para o trabalho o Novo Institucionalismo,<br />

complementa<strong>do</strong> em suas 4 principais correntes, Histórico, Sociológico, Racional<br />

e Discursivo. Consi<strong>de</strong>ramos que o Novo Institucionalismo traz elementos<br />

conceituais primordiais para po<strong>de</strong>rmos analisar o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, uma vez que<br />

coloca centralida<strong>de</strong> nas instituições para análise <strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>. Não se<br />

309


trata <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar menos importantes o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s movimentos sociais e <strong>do</strong>s<br />

indivíduos, mas colocar o foco na instituição em si, no que permanece e no que<br />

se modifica ao longo da existência <strong>de</strong>sta e assim, po<strong>de</strong>rmos analisar os impactos<br />

disto nos direitos humanos no nível local e também no plano discursivo <strong>do</strong> que<br />

se consolida como discurso <strong>de</strong> direitos humanos e <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> que vem a ser<br />

entendi<strong>do</strong> como políticas públicas <strong>de</strong> direitos humanos 5 .<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

A meto<strong>do</strong>logia utilizada parte da estratégia principal <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso,<br />

por meio <strong>do</strong> qual procuramos enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>talhadamente o que ocorre no caso<br />

específico, entretanto sempre cotejan<strong>do</strong> com os elementos conceituais e<br />

teóricos gerais que <strong>de</strong>finem os direitos humanos nos cenários internacional,<br />

político, jurídico e acadêmico.<br />

Os méto<strong>do</strong>s utiliza<strong>do</strong>s além da pesquisa bibliográfica para parte teórica,<br />

foram para a coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s: entrevistas semiestruturadas com dirigentes <strong>do</strong>s<br />

referi<strong>do</strong>s órgãos <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso; coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, principalmente pela<br />

internet, <strong>de</strong>ntre <strong>do</strong>cumentos oficiais, como relatórios institucionais, orçamento<br />

público e leis. Os méto<strong>do</strong>s para tratamento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s passam por: análise<br />

<strong>do</strong>cumental, análise quantitativa (com base em da<strong>do</strong>s estatísticos, orçamentais<br />

e alguns indica<strong>do</strong>res <strong>de</strong> direitos humanos) e análise qualitativa (análise <strong>do</strong><br />

discurso, com suporte <strong>de</strong> software específico 6 ).<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Como menciona<strong>do</strong> este é um trabalho que apresentará resulta<strong>do</strong>s<br />

parciais <strong>de</strong> investigação <strong>do</strong>utoral. Esperamos apresentar no I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> resulta<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s diretamente aos objetivos<br />

conceituais e práticos que elencamos no subitem específico. Ou seja,<br />

5<br />

Schmidt (2008, 2010, 2015) fala na importância <strong>do</strong> contexto para o discurso, assim com base nas<br />

entrevistas realizadas procuraremos compreen<strong>de</strong>r o que se consoli<strong>do</strong>u como discurso <strong>de</strong> direitos humanos<br />

no município <strong>de</strong> São Paulo, se se consoli<strong>do</strong>u e o que é inconstante também.<br />

6<br />

Ao elaborar este resumo estávamos também inician<strong>do</strong> o trabalho com o software webQDA, portanto até<br />

a data <strong>do</strong> <strong>Congresso</strong> consi<strong>de</strong>ramos já ser possível apresentar algumas consi<strong>de</strong>rações resultantes <strong>do</strong> uso<br />

<strong>de</strong>sta ferramenta, ainda que não tão consolidadas. A ferramenta é online e está disponível (sob licença) no<br />

en<strong>de</strong>reço: https://www.webqda.net.<br />

310


apresentaremos possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceitos para os termos: “promoção <strong>de</strong><br />

direitos humanos”, “políticas públicas <strong>de</strong> direitos humanos” e “instituição pública<br />

local <strong>de</strong> direitos humanos”. Compararemos estas nossas <strong>de</strong>finições conceituais,<br />

com o que dizem as normas internacionais principais e com o que os<br />

entrevista<strong>do</strong>s disseram, bem como teceremos comparações entre as<br />

perspectivas <strong>do</strong>s próprios entrevista<strong>do</strong>s.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS<br />

Para fins <strong>de</strong>ste trabalho específico para o I <strong>Congresso</strong> <strong>Global</strong> <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong><br />

<strong>Humanos</strong>, preten<strong>de</strong>mos apresentar em linhas gerais nosso estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso, já<br />

com as informações coletadas organizadas, contu<strong>do</strong> sem ainda ter análise mais<br />

aprofundada para além <strong>do</strong>s itens aqui enuncia<strong>do</strong>s. Ou seja, frisamos tratar-se <strong>de</strong><br />

um trabalho em andamento e cujos resulta<strong>do</strong>s estarão um pouco mais<br />

avança<strong>do</strong>s na altura <strong>do</strong> <strong>Congresso</strong> <strong>do</strong> que se encontram na data da submissão<br />

<strong>de</strong>ste resumo e, mesmo assim os resulta<strong>do</strong>s e análises consolida<strong>do</strong>s apenas<br />

estarão disponíveis na conclusão <strong>do</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong>.<br />

REFERÊNCIAS<br />

Moreno Pires, S. (2011). Sustainability Indicators and Local Governance in<br />

Portugal. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiro.<br />

Schmidt, Vivien A. (2008) “Discursive Institutionalism: The Explanatory Power of<br />

I<strong>de</strong>as and Discourse“ Annual Review of Political Science. 11(1), 303–326.<br />

Schmidt, Vivien A. (2010) “Taking i<strong>de</strong>as and discourse seriously: explaining<br />

change through discursive institutionalism as the fourth ‘new institutionalism’“<br />

European Political Science Review. 2(01), 1–25.<br />

Schmidt, V. A. (2015). Discursive Institutionalism: Un<strong>de</strong>rstanding Policy Context.<br />

Handbook of Critical Policy Studies, 17.<br />

Sikkink, Kathryn; Ropp, Stephen C.; Risse, Thomas (1999) The Power of Human<br />

Rights: International Norms and Domestic Change. Cambridge: Cambridge<br />

University Press.<br />

Sikkink, Kathryn; Ropp, Stephen C.; Risse, Thomas (2013) The Persistent Power<br />

of Human Rights: From Commitment to Compliance. Cambridge: Cambridge<br />

University Press.<br />

Vázquez, D., & Delaplace, D. (2011). POLÍTICAS PÚBLICAS NA<br />

PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS : UM CAMPO EM CONSTRUÇÃO.<br />

311


SUR - Revista Internacional <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>, 8, 35–65. Disponível em:<br />

http://www.conectas.org/pt/acoes/sur/edicao/14/1000391-politicas-publicas-naperspectiva-<strong>de</strong>-direitos-humanos-um-campo-em-construcao,<br />

acessa<strong>do</strong> em 20<br />

<strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />

312


A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DAS<br />

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A INCLUSÃO<br />

EM DESTINOS TURÍSTICOS<br />

FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão<br />

Mestre em Direito (UNIFOR). Prof. Assistente <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Direito (UFMA)<br />

alexsandro.rahbani@ufma.br<br />

SARAIVA, Luiziane Silva<br />

Mestre em Cultura e Socieda<strong>de</strong> (UFMA). Prof.ª Assistente <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Comunicação Social (UFMA)<br />

luiziane.saraiva@ufma.br<br />

SANTOS, Saulo Ribeiro <strong>do</strong>s<br />

Doutor em Gestão Urbana (PUCPR). Doutor em Geografia (UFPR). Prof. Adjunto <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Turismo e<br />

Hotelaria (UFMA) saulo.ribeiro@ufma.br<br />

RESUMO<br />

O presente trabalho analisa a influência das normas da Convenção das Nações<br />

Unidas sobre o direito das pessoas com <strong>de</strong>ficiência e sua contribuição ao turismo<br />

acessível em <strong>de</strong>stinos turísticos. A importância econômica e social <strong>do</strong> turismo é<br />

comprovada pelos da<strong>do</strong>s da Organização Mundial <strong>do</strong> Turismo, o qual tem<br />

significativa participação no produto interno bruto mundial, bem como é<br />

responsável pela elevação <strong>do</strong> percentual <strong>de</strong> geração <strong>do</strong>s empregos, em nível<br />

global. O movimento internacional para tornar o turismo acessível e inclusivo é<br />

crescente e tem a missão <strong>de</strong> tornar seus produtos e serviços disponíveis para<br />

pessoas com <strong>de</strong>ficiência, parcela significativa da população, segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s da<br />

Organização Mundial da Saú<strong>de</strong>. A acessibilida<strong>de</strong> é a chave para concretização<br />

<strong>de</strong>sse direito humano, pois <strong>de</strong>ve facilitar a chegada e o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> turistas<br />

no local visita<strong>do</strong>, eliminan<strong>do</strong> barreiras <strong>de</strong> todas as espécies e amplian<strong>do</strong> a<br />

comunicação <strong>do</strong> visitante com o seu <strong>de</strong>stino. Para alcançar o objetivo <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa, utilizou-se <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s bibliográficos e <strong>do</strong>cumentais com análise<br />

qualitativa. Os resulta<strong>do</strong>s apontam que tal prática proporciona a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mudanças urbanas e sociais, sejam estruturais, físicas e culturais nos <strong>de</strong>stinos<br />

turísticos inclusivos e seus habitantes. Essas mudanças, bem feitas,<br />

proporcionarão a conciliação entre o <strong>de</strong>senvolvimento social e o econômico.<br />

Palavras-chave: direitos humanos; turismo acessível; <strong>de</strong>senvolvimento social e<br />

econômico.<br />

313


ABSTRACT<br />

The current research analyses how the terms of United Nations Convention of<br />

the Rights of Persons with Disabilities contributes to make sure that touristic<br />

places are inclusive. The economical and social importance of tourism are<br />

recognized by World Tourism Organization (UNWTO) which says that tourism<br />

has a relevant participation on the world gross <strong>do</strong>mestic product (GDP) as well is<br />

responsible for growing percentage of new places to work in the world. The global<br />

movement to make tourism accessible and inclusive is increasing and has the<br />

mission to ensure that its products and services are available to people with<br />

disabilities, which is significant part of population, according to World Health<br />

Organization (WHO). Accessibility is the key to guarantee and make real this<br />

human right, because helps tourists to arrive and move themselves through their<br />

<strong>de</strong>stination places, eliminating barriers of all kinds and expanding the<br />

communication of the visitor with his/her <strong>de</strong>stiny. To reach the purpose of this<br />

research, it was used bibliographic and <strong>do</strong>cumentary data with qualitative<br />

analyze. The results say that such practice requires urban and social changes be<br />

them structural, physical and cultural ones, envolving inclusive places and the<br />

whole environment, as its habitants. These changes, well <strong>do</strong>ne, provi<strong>de</strong>s<br />

harmony between social and economical <strong>de</strong>velopment.<br />

Keywords: human rights; accessible tourism, social and economic <strong>de</strong>velopment.<br />

INTRODUÇÃO<br />

De acor<strong>do</strong> com a Organização Mundial <strong>do</strong> Turismo (OMT), agência<br />

especializada das Nações Unidas, o turismo <strong>de</strong>ve ser acessível a to<strong>do</strong>s, pois<br />

não existe turismo sem acesso, e este <strong>de</strong>ve ser universal 1 . Portanto, pensar um<br />

<strong>de</strong>stino turístico acessível é compreen<strong>de</strong>r que o <strong>de</strong>slocamento é fundamental<br />

para a mobilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> visitante, bem como o acesso às informações referentes<br />

ao ambiente existente, o que lhe permitirá maior autonomia.<br />

Destarte, a mobilida<strong>de</strong> é para to<strong>do</strong>s, tanto para pessoas i<strong>do</strong>sas, crianças,<br />

jovens, adultos, grávidas, ca<strong>de</strong>irantes, pessoas com mobilida<strong>de</strong> reduzida, com<br />

1<br />

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Disponível em:<br />

. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />

314


<strong>de</strong>ficiência, entre outros 2 . Assim, um <strong>de</strong>stino turístico <strong>de</strong>ve estar prepara<strong>do</strong> para<br />

eliminar as barreiras físicas e sociais que a cida<strong>de</strong> possui, crian<strong>do</strong> meios <strong>de</strong><br />

acesso a to<strong>do</strong>s os atrativos turísticos. Da<strong>do</strong>s da Organização Mundial da Saú<strong>de</strong><br />

(OMS) 3 indicam que cerca <strong>de</strong> 1 bilhão <strong>de</strong> pessoas vivem com algum tipo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficiência.<br />

Desta forma, a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência<br />

da ONU, em vigência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2008, é um marco regulatório que contribui para que<br />

pessoas com <strong>de</strong>ficiência tenham direitos garanti<strong>do</strong>s em uma projeção universal.<br />

Dentre esses direitos se encontra a acessibilida<strong>de</strong>, a qual é intrínseca ao turismo,<br />

pois, o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>ve facilitar o acesso e <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> turistas no local<br />

visita<strong>do</strong>, eliminan<strong>do</strong> barreiras e amplian<strong>do</strong> a comunicação <strong>do</strong> visitante com o<br />

<strong>de</strong>stino 4 .<br />

OBJETIVOS<br />

Analisar a influência das normas da Convenção das Nações Unidas sobre<br />

o direito das pessoas com <strong>de</strong>ficiência e sua contribuição ao turismo acessível<br />

em <strong>de</strong>stinos turísticos.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

O presente trabalho aporta os conceitos <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> turismo<br />

acessível, à luz das normativas da Convenção sobre o Direito das Pessoas com<br />

Deficiência (ONU) e da Organização Mundial <strong>do</strong> Turismo (OMT), além da<br />

abordagem <strong>de</strong> outros autores que analisam seus impactos na socieda<strong>de</strong>. Traz,<br />

ainda, uma abordagem introdutória sobre cultura, na visão antropológica e social<br />

<strong>de</strong> Roque Laraia, juntamente com os da<strong>do</strong>s oficiais da OMS, OMT e ONU para<br />

<strong>de</strong>monstrar a viabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> turismo acessível como promoção <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos na ativida<strong>de</strong> econômica na era da globalização.<br />

2<br />

ALLIS, Thiago. Sobre cida<strong>de</strong>s, bicicletas e turismo: evidências na propaganda imobiliária em<br />

São Paulo. Ca<strong>de</strong>rno Virtual <strong>de</strong> Turismo, v. 15, n. 3, 2015.<br />

3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em:<br />

. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />

4<br />

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Disponível em:<br />

. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />

315


METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa bibliográfica e <strong>do</strong>cumental na qual utilizou-se<br />

as bases <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s Redalyc, o Portal <strong>de</strong> Periódicos CAPES, o Portal da OMT, o<br />

Portal da ONU e o Portal <strong>de</strong> Instituto Nacional para Reabilitação <strong>de</strong> Portugal para<br />

a seleção <strong>de</strong> artigos publica<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> 2010. Além <strong>de</strong> artigos científicos,<br />

foram feitas pesquisas em livros específicos sobre o assunto. O estu<strong>do</strong> é <strong>de</strong><br />

natureza <strong>de</strong>scritiva e exploratória, com análise qualitativa.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

O turismo é um fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e econômico. Tornou-se<br />

um <strong>do</strong>s principais agentes no comércio internacional, e representa, ao mesmo<br />

tempo, uma das principais fontes <strong>de</strong> rendimentos para muitos países em<br />

<strong>de</strong>senvolvimento. Segun<strong>do</strong> a OMT 5 , o volume <strong>de</strong> negócios <strong>do</strong> turismo é igual ou<br />

até mesmo superior ao das exportações <strong>de</strong> petróleo, produtos alimentícios ou<br />

automóveis 6 .<br />

Sua contribuição para a ativida<strong>de</strong> econômica em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> é<br />

estimada em cerca <strong>de</strong> 5% 7 . Para o emprego, sua contribuição ten<strong>de</strong> a ser<br />

ligeiramente superior e é estimada na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 6-7% <strong>do</strong> número total <strong>de</strong><br />

empregos no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>, seja direta e indiretamente 8 .<br />

Nos últimos <strong>de</strong>z anos o interesse por estu<strong>do</strong>s específicos <strong>de</strong><br />

mobilida<strong>de</strong> e acessibilida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>stinos turísticos tem cresci<strong>do</strong>, e<br />

compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tal aspecto, se faz necessário assegurar a inclusão para to<strong>do</strong>s,<br />

como indicam autores que trabalham com <strong>de</strong>stino turístico acessível.<br />

Assim, a acessibilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser entendida como a eliminação <strong>de</strong><br />

obstáculos e barreiras para garantir o acesso universal a to<strong>do</strong>s os<br />

cidadãos ao ambiente, transporte, instalações e serviços turísticos.<br />

Tu<strong>do</strong> sobre o princípio <strong>de</strong> que o turismo é um direito social fundamental<br />

para to<strong>do</strong>s, o que se traduz no direito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s,<br />

a não discriminação e a integração social <strong>de</strong> um segmento importante,<br />

ou seja, a socieda<strong>de</strong>: temporária <strong>de</strong>sativada (grávidas, etc.),<br />

5<br />

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO. Disponível em:<br />

. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />

6<br />

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. AJONU. Disponível em:<br />

. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />

7<br />

Id. ibid.<br />

8<br />

Id. ibid.<br />

316


incapacita<strong>do</strong>s permanentes (motor, sensorial ou intelectual), pessoas<br />

i<strong>do</strong>sas, famílias com crianças, etc 9 .<br />

A Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência é o primeiro<br />

Trata<strong>do</strong> Internacional <strong>de</strong> <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> <strong>do</strong> século XXI, específico para essas<br />

pessoas 10 . Antes, porém, em 2001, a ONU criou um comitê ad hoc, cujo lema<br />

era Nothing about us without us, para avaliar propostas, discutir e elaborar o seu<br />

texto 11 .<br />

Isso <strong>de</strong>monstra o consenso e o reconhecimento pela socieda<strong>de</strong><br />

internacional da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir efetivamente o respeito à pessoa com<br />

<strong>de</strong>ficiência, pois a Convenção reafirma os princípios universais (dignida<strong>de</strong>,<br />

integralida<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e não discriminação) em que se baseia e <strong>de</strong>fine as<br />

obrigações gerais <strong>do</strong>s Governos relativas à integração das várias dimensões da<br />

<strong>de</strong>ficiência nas suas políticas, bem como as obrigações específicas relativas à<br />

sensibilização da socieda<strong>de</strong> para a <strong>de</strong>ficiência, ao combate aos estereótipos e à<br />

valorização das pessoas com <strong>de</strong>ficiência 12 .<br />

Nesse contexto, a <strong>de</strong>ficiência é a combinação <strong>de</strong> limitações pessoais com<br />

impedimentos culturais, econômicos, físicos e sociais, <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong> a questão <strong>do</strong><br />

âmbito <strong>do</strong> indivíduo com <strong>de</strong>ficiência para a socieda<strong>de</strong>, que passa a assumir a<br />

<strong>de</strong>ficiência e seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos como assunto <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s<br />

espaços <strong>do</strong>mésticos para a vida pública, da esfera privada ou <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s<br />

familiares para a questão <strong>de</strong> justiça 13 .<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, então, que as pessoas com <strong>de</strong>ficiência são parte da<br />

socieda<strong>de</strong> e com direitos e <strong>de</strong>veres garanti<strong>do</strong>s por lei, seria evi<strong>de</strong>nte a<br />

9<br />

INVAT.TUR. Destino turístico inteligente: manual operativo para la configuracion <strong>de</strong> <strong>de</strong>tinos<br />

turisticos inteligentes. Valencia: Agència Valenciana <strong>de</strong>l Turisme, 2015. p. 45.<br />

10<br />

LOPES, Laís Vanessa Carvalho <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong>. Convenção sobre os direitos das pessoas com<br />

<strong>de</strong>ficiência da ONU. In: GUGEL, Maria Aparecida; COSTA FILHO, Waldir Macieira; RIBEIRO,<br />

Lauro Luiz Gomes (Org.). Deficiência no Brasil: uma abordagem integral <strong>do</strong>s direitos das<br />

pessoas com <strong>de</strong>ficiência. Florianópolis: Obra Jurídica, 2007. p. 41-65.<br />

11<br />

Id. ibid.<br />

12 PORTUGAL. INSTITUTO NACIONAL PARA A REABILITAÇÃO. Convenção sobre os <strong>Direitos</strong><br />

das Pessoas com Deficiência. Disponível em: .<br />

Acesso em: 05 set. 2014.<br />

13 NAUSSBAUM, Martha. Las fronteras <strong>de</strong> la justicia: consi<strong>de</strong>raciones sobre la exclusión.<br />

Barcelona: Pai<strong>do</strong>s Iberica, 2007.<br />

317


observância <strong>do</strong>s aspectos estruturais e logísticos, necessários a esse público,<br />

que fundamentam a gestão turística nas cida<strong>de</strong>s. Mas, culturalmente, observase<br />

um “esquecimento” constante <strong>de</strong> gestores e da socieda<strong>de</strong> em geral, das<br />

questões referentes aos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s grupos minoritários, a exemplo das<br />

pessoas com <strong>de</strong>ficiências.<br />

Isso reflete e exige uma profunda mudança <strong>de</strong> comportamento social com<br />

o respeito pela diferença e pela aceitação da pessoa com <strong>de</strong>ficiência como parte<br />

da diversida<strong>de</strong> humana, ou seja, essa transformação <strong>de</strong> comportamento intenta<br />

que as “pessoas com <strong>de</strong>ficiência têm <strong>de</strong> ser tratadas como quaisquer outras, não<br />

po<strong>de</strong>m sofrer <strong>de</strong>svantagens, nem restrições ou privações <strong>de</strong> direitos por causa<br />

disso, nem lhes po<strong>de</strong>m ser impostos encargos que não sejam impostos a<br />

quaisquer outras” 14 .<br />

Mas, basta a existência <strong>de</strong> uma norma para que, efetivamente, o problema<br />

seja sana<strong>do</strong>? Essa mudança <strong>de</strong> comportamento passa a vigorar na prática<br />

diária, tão logo seja legalmente manifesta? Não. Um aspecto fundamental para<br />

a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer normativa é a cultura. Ela que “é aquele to<strong>do</strong> complexo<br />

que inclui conhecimentos, crença, arte, moral, direito, costume e outras<br />

capacida<strong>de</strong>s e hábitos adquiri<strong>do</strong>s pelo homem como membro da socieda<strong>de</strong>” 15 .<br />

Por isso, se faz pertinente consi<strong>de</strong>rar que <strong>de</strong>ntre as contribuições da<br />

Convenção, ora apresentada, está a existência <strong>de</strong> uma plataforma legal para a<br />

construção <strong>de</strong> uma cultura que viabilize a ampla acessibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas pessoas,<br />

neste caso específico, ao gozo <strong>do</strong>s benefícios <strong>do</strong>s <strong>de</strong>stinos turísticos. E como<br />

<strong>de</strong>senvolver essa cultura? Um <strong>do</strong>s aportes para esse processo é o investimento<br />

em comunicação, fazen<strong>do</strong> valer o direito à informação, também aponta<strong>do</strong> na<br />

referida norma. No que diz respeito à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Comunicação, a norma é bem<br />

diversificada e aponta no artigo 2 que o termo<br />

14 MIRANDA, Jorge. Comentário à Convenção por Jorge Miranda, 2011. Disponível em:<br />

. Acesso em: 05<br />

set. 2014.<br />

15<br />

TYLOR, Edward. Primitive Culture. Londres, John Mursay & Co, 1871. cap. 1, p. 1 apud<br />

LARAIA, Roque <strong>de</strong> Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 2011. p.<br />

25.<br />

318


abrange as línguas, a visualização <strong>de</strong> textos, o braille, a comunicação<br />

tátil, os caracteres amplia<strong>do</strong>s, os dispositivos <strong>de</strong> multimídia acessível,<br />

assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos<br />

e os meios <strong>de</strong> voz digitalizada e os mo<strong>do</strong>s, meios e formatos<br />

aumentativos e alternativos <strong>de</strong> comunicação, inclusive a tecnologia da<br />

informação e comunicação acessíveis (Artigo 2) 16 .<br />

Com relação às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), os<br />

relacionamentos sociais e organizacionais sofreram mudanças consi<strong>de</strong>ráveis<br />

com o advento da internet e seus híbri<strong>do</strong>s. Atualmente, os meios <strong>de</strong><br />

comunicação com os públicos <strong>de</strong> interesse são varia<strong>do</strong>s e, nem sempre os<br />

dispositivos digitais fazem parte <strong>do</strong> cardápio ofereci<strong>do</strong> pelos setores <strong>de</strong><br />

atendimento ao público, muito menos quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> pessoas com<br />

<strong>de</strong>ficiência; quan<strong>do</strong> o fazem, nem sempre é com a qualida<strong>de</strong> esperada,<br />

possibilitan<strong>do</strong> a interação a<strong>de</strong>quada com esses dispositivos. A acessibilida<strong>de</strong><br />

plena contempla a compreensão viabilizada por uma comunicação eficiente,<br />

dirigida às especificida<strong>de</strong>s oriundas das <strong>de</strong>mandas <strong>do</strong> público em questão.<br />

Compreen<strong>de</strong>r tal aspecto é fundamental para <strong>de</strong>senvolver políticas e<br />

estratégias <strong>de</strong> âmbito turístico, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>stino turístico <strong>de</strong> infraestrutura<br />

a<strong>de</strong>quada que atenda às necessida<strong>de</strong>s e, principalmente, satisfaça as<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> visitante, sen<strong>do</strong> um <strong>de</strong>stino inclusivo.<br />

Uma socieda<strong>de</strong> inclusiva se constrói retiran<strong>do</strong> as barreiras que impe<strong>de</strong>m<br />

a participação <strong>de</strong>ssas pessoas <strong>de</strong> usufruírem <strong>de</strong> seus direitos em condições <strong>de</strong><br />

igualda<strong>de</strong>. Desta forma, a Convenção, ao ter reconheci<strong>do</strong> o mo<strong>de</strong>lo social como<br />

o mais novo paradigma para conceituar as pessoas com <strong>de</strong>ficiência, embasou<br />

também a consolidação da acessibilida<strong>de</strong> positivada como princípio fundamental<br />

para que esse segmento concretize seus direitos fundamentais em to<strong>do</strong>s os<br />

aspectos <strong>de</strong> suas vidas.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, a acessibilida<strong>de</strong> como direito natural, inato ao ser humano,<br />

po<strong>de</strong>ria ser eventualmente concedida se pleiteada por uma pessoa com<br />

16<br />

PORTUGAL. INSTITUTO NACIONAL PARA A REABILITAÇÃO. Convenção sobre os<br />

<strong>Direitos</strong> das Pessoas com Deficiência. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 05 set. 2014.<br />

319


<strong>de</strong>ficiência, mas não havia dispositivo <strong>de</strong> texto legal internacional que garantisse<br />

o seu provimento universal. Desta maneira, com “o novo trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> direitos<br />

humanos que promoveu o seu reconhecimento global e positivo, assegura-se<br />

legitimida<strong>de</strong> e a implantação da acessibilida<strong>de</strong> como princípio nortea<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />

sistemas jurídicos e como um direito fundamental” 17 .<br />

No preâmbulo da Convenção foi expressamente reconhecida a<br />

importância da acessibilida<strong>de</strong> aos meios físico, social, econômico e cultural, à<br />

saú<strong>de</strong>, à educação, e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas<br />

com <strong>de</strong>ficiência o pleno gozo <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os direitos humanos e liberda<strong>de</strong>s<br />

fundamentais. E seu artigo 3°, juntamente com o respeito à dignida<strong>de</strong>, a<br />

autonomia individual, aliada a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer suas próprias escolhas, a<br />

in<strong>de</strong>pendência, a não discriminação, a plena e efetiva participação e inclusão, o<br />

respeito à diferença, a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, a acessibilida<strong>de</strong> foi elencada<br />

como um <strong>do</strong>s princípios gerais que nortearão a vida das pessoas com<br />

<strong>de</strong>ficiências.<br />

Para que essas pessoas exerçam <strong>de</strong> forma efetiva o direito à<br />

acessibilida<strong>de</strong>, a Convenção <strong>de</strong>terminou também em seu artigo 9°, que os<br />

Esta<strong>do</strong>s estarão obriga<strong>do</strong>s a tomar medidas apropriadas para assegurar a sua<br />

efetivação, em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s com as <strong>de</strong>mais pessoas, ao meio<br />

físico, ao transporte, à informação e comunicação, bem como a outros serviços<br />

e instalações abertos ao público ou <strong>de</strong> uso público, tanto na zona urbana como<br />

na rural.<br />

As Nações Unidas, por meio da OMT já havia publica<strong>do</strong> em 1980 a<br />

Declaração <strong>de</strong> Manila, cujo texto, pela primeira vez, fez a correlação entre o<br />

turismo e a acessibilida<strong>de</strong>. A sua principal contribuição ocorreu, quan<strong>do</strong>,<br />

internacionalmente, se “[...] reconheceu o turismo como um direito fundamental<br />

e um meio estratégico para o <strong>de</strong>senvolvimento humano, recomendan<strong>do</strong> aos<br />

17<br />

LOPES, Laís Vanessa Carvalho <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong>. Convenção sobre os direitos das pessoas<br />

com <strong>de</strong>ficiência da ONU e seu protocolo facultativo e a acessibilida<strong>de</strong>. Dissertação <strong>de</strong><br />

Mestra<strong>do</strong> em Direito – Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo, São Paulo, 2009, p. 140-<br />

141.<br />

320


Esta<strong>do</strong>s-Membros a regulamentação <strong>de</strong> serviços turísticos indican<strong>do</strong> os <strong>de</strong>talhes<br />

mais importantes sobre acessibilida<strong>de</strong>” 18 .<br />

A manutenção <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> respeito aos valores, direitos e<br />

necessida<strong>de</strong>s das pessoas com <strong>de</strong>ficiência vai além da “construção <strong>de</strong> rampas”.<br />

Observa-se que a mobilida<strong>de</strong> necessária ao turismo inclusivo contempla a<br />

capacitação <strong>do</strong>s recursos humanos para esse trato, infraestrutura e<br />

equipamentos adapta<strong>do</strong>s, informação clara e disponível nas mais variadas<br />

plataformas, além <strong>de</strong> maior respeito aos quesitos <strong>de</strong> hospitalida<strong>de</strong> ao turista.<br />

Desta forma, a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> obstáculos e barreiras existentes em edifícios,<br />

ro<strong>do</strong>vias, meios <strong>de</strong> transporte e outras instalações internas e externas, tal qual<br />

escolas, residências, instalações médicas e locais <strong>de</strong> trabalho, bem como,<br />

informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e <strong>de</strong><br />

emergência, <strong>de</strong>verão ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s e, quan<strong>do</strong> necessário, excluí<strong>do</strong>s. Isso é<br />

gestão.<br />

A acessibilida<strong>de</strong> é uma condição <strong>de</strong> aproximação, com segurança e<br />

autonomia, a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s espaços, objetos e elementos diversos,<br />

possibilitan<strong>do</strong> a utilização <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>s inerentes e usos específicos<br />

que eles possam oferecer. Por essa compreensão, o Brasil passou a consi<strong>de</strong>rar<br />

constitucionalmente a acessibilida<strong>de</strong> um direito humano com enquadramento<br />

legal constitucional 19 .<br />

Por isto, é essencial que existam políticas públicas 20 direcionadas a tal<br />

fim, com o objetivo <strong>de</strong> direcionar esforços conjuntos tornan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>stino turístico<br />

não somente inclusivo, mas principalmente acessível a to<strong>do</strong>s 21 .<br />

18<br />

INVAT.TUR. Destino turístico inteligente: manual operativo para la configuracion <strong>de</strong> <strong>de</strong>tinos<br />

turisticos inteligentes. Valencia: Agència Valenciana <strong>de</strong>l Turisme, 2015. p. 45.<br />

19<br />

FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão. A convenção das nações unidas sobre o direito <strong>de</strong><br />

acessibilida<strong>de</strong> da pessoa com <strong>de</strong>ficiência: o controle <strong>de</strong> convencionalida<strong>de</strong> e seus reflexos no<br />

direito brasileiro. In: XIV <strong>Congresso</strong> Brasileiro <strong>de</strong> Direito Internacional, 2016, Grama<strong>do</strong>. Direito<br />

Internacional em Expansão. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016. v. VI. p. 166.<br />

20<br />

SANTOS, Saulo R. <strong>do</strong>s. Revisitan<strong>do</strong> conceitos sobre políticas públicas e gestão <strong>do</strong> turismo em<br />

cida<strong>de</strong>s. Revista Turismo Contemporâneo. v. 4, n. 2, jul./<strong>de</strong>z., 2016, p. 286-306.<br />

21<br />

KUNZ, Jaciel Gustavo; TOSTA, Eline. Turismo e mobilida<strong>de</strong>: um diagnóstico da acessibilida<strong>de</strong><br />

geográfica à fronteira Chuí-Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul/RS, Brasil/Chuy, Uruguai. Turismo e Socieda<strong>de</strong>,<br />

v. 9, n.3, 2016.<br />

321


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

É constatada a contribuição crescente <strong>do</strong> turismo para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da economia global. O merca<strong>do</strong> turístico movimenta cada vez mais um portfólio<br />

diversifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> produtos e serviços, oportunizan<strong>do</strong> a inserção <strong>de</strong> profissionais<br />

<strong>de</strong> áreas distintas, mas convergentes, no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e social. Em todas as etapas <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> relacionamento entre o<br />

turista e os produtos ou serviços ofereci<strong>do</strong>s há que se garantir condições efetivas<br />

<strong>de</strong> usufruto <strong>de</strong>sses benefícios. No que diz respeito ao turismo inclusivo, essas<br />

etapas <strong>de</strong>vem ser mais acessíveis e humanizadas. Não se trata <strong>de</strong> benevolência,<br />

mas sim a retificação <strong>de</strong> um erro histórico ao qual as pessoas com <strong>de</strong>ficiência<br />

são submetidas, frequentemente, diante <strong>do</strong>s mais varia<strong>do</strong>s atendimentos.<br />

Desta forma, resta evi<strong>de</strong>nciada a importância da acessibilida<strong>de</strong> para um<br />

turismo mais inclusivo em <strong>de</strong>stinos turísticos. A inclusão das pessoas com<br />

<strong>de</strong>ficiência nas ativida<strong>de</strong>s turísticas, além <strong>de</strong> ser um direito, é uma excelente<br />

oportunida<strong>de</strong> para se <strong>de</strong>monstrar a viabilida<strong>de</strong> da aplicação <strong>de</strong> temas <strong>de</strong> direitos<br />

humanos na ativida<strong>de</strong> econômica na era globalizada, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> o caráter<br />

social, sem inviabilizar o econômico.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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Internacional em Expansão. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016. v. VI. p.<br />

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configuracion <strong>de</strong> <strong>de</strong>tinos turisticos inteligentes. Valencia: Agència Valenciana<br />

<strong>de</strong>l Turisme, 2015.<br />

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acessibilida<strong>de</strong> geográfica à fronteira Chuí-Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul/RS, Brasil/Chuy,<br />

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322


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2018.<br />

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em: 14 nov. 2018.<br />

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. Acesso em: 14 nov. 2018.<br />

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SANTOS, Saulo R. <strong>do</strong>s. Revisitan<strong>do</strong> conceitos sobre políticas públicas e<br />

gestão <strong>do</strong> turismo em cida<strong>de</strong>s. Revista Turismo Contemporâneo. v. 4, n. 2,<br />

jul./<strong>de</strong>z., 2016, p. 286-306.<br />

323


EFEITOS PRÁTICOS DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 182 DA<br />

OIT NO BRASIL E EM PORTUGAL<br />

PEPE MACHADO, Felipe<br />

Gradua<strong>do</strong> em Direito pelo Centro Universitário da Cida<strong>de</strong> (2007)<br />

Pós Gradua<strong>do</strong> em Direito e Processo <strong>do</strong> Trabalho pelo IPEJUR com livre <strong>do</strong>cência (2008).<br />

Mestran<strong>do</strong> pela Universida<strong>de</strong> Portucalense (2018).<br />

Membro <strong>do</strong> IJP (Instituto Jurídico Portucalense) - Neurojustice.<br />

Advoga<strong>do</strong>.<br />

pepemacha<strong>do</strong>@msn.com<br />

RESUMO<br />

O presente estu<strong>do</strong> visa a traçar uma breve exposição <strong>do</strong>s efeitos práticos da<br />

ratificação da convenção nº 182 da OIT que versa sobre erradicação <strong>do</strong> trabalho<br />

infantil. Dentre os países signatários da convenção, preten<strong>de</strong>mos estudar as<br />

consequências internas nos <strong>do</strong>is países analisa<strong>do</strong>s – Brasil e Portugal -<br />

apontan<strong>do</strong> suas conquistas, suas <strong>de</strong>ficiências e metas para cumprimento <strong>do</strong><br />

pactua<strong>do</strong>. Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> importante instrumento para garantia <strong>do</strong>s direitos<br />

sociais das crianças, a convenção proposta por organismo internacional se<br />

reveste <strong>de</strong> diretriz fundamental para a consecução <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s objetivos<br />

da humanida<strong>de</strong>: cuidar <strong>do</strong> futuro da socieda<strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong> parecer <strong>de</strong>veras óbvio<br />

que as crianças <strong>de</strong>vem ter seus direitos sociais resguarda<strong>do</strong>s, ainda é<br />

absolutamente necessário tutelar o interesse das pessoas menores <strong>de</strong> 18 anos,<br />

com o objetivo <strong>de</strong> evoluir para uma socieda<strong>de</strong> mais justa e fraterna.<br />

Palavras-chave: Erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil; Convenção Internacional;<br />

Organização Internacional <strong>do</strong> Trabalho; <strong>Direitos</strong> Fundamentais; Proteção da<br />

Criança.<br />

ABSTRACT<br />

The present study aims to give a brief account of the practical effects of the<br />

ratification of ILO Convention nº 182 concerning the elimination of child labor.<br />

Among the signatory countries of the convention, we intend to study the internal<br />

consequences in the two countries analyzed - Brazil and Portugal - pointing out<br />

their achievements, their <strong>de</strong>ficiencies and goals to fulfill the agreement. As an<br />

important instrument for guaranteeing the social rights of children, the convention<br />

324


proposed by the international body is a fundamental gui<strong>de</strong>line for the<br />

achievement of one of the great objectives of humankind: to take care of the<br />

future of society. Although it seems quite obvious that children should have their<br />

social rights protected, it is still absolutely necessary to protect the interest of<br />

people un<strong>de</strong>r 18 years, with the goal of evolving into a more just and fraternal<br />

society.<br />

Keywords: Eradication of child labor; International Convention; International<br />

Labor Organization; Fundamental rights; Child Protection.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Ao longo <strong>do</strong>s tempos, traçan<strong>do</strong> um corte temporal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong>claração <strong>do</strong>s<br />

direitos <strong>do</strong> homem até os dias atuais, as conquistas no campo <strong>do</strong>s direitos<br />

sociais caminharam notoriamente em <strong>de</strong>scompasso com a economia e/ou<br />

política que estava instaurada em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> da história.<br />

O enlace entre os direitos humanos <strong>de</strong> uma forma geral e as políticas<br />

públicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social, se <strong>de</strong>pararam com o indissociável po<strong>de</strong>rio<br />

econômico e as disputas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r das classes <strong>do</strong>minantes, os quais refrearam<br />

sem sombra <strong>de</strong> dúvidas o avanço exponencial que tais direitos po<strong>de</strong>riam ter<br />

alcança<strong>do</strong>, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> o atual estágio social <strong>de</strong> busca pelo tempo perdi<strong>do</strong>.<br />

Certamente o leitor contumaz <strong>do</strong>s trabalhos envolven<strong>do</strong> organismos<br />

internacionais liga<strong>do</strong>s à manutenção e ampliação <strong>do</strong>s direitos sociais,<br />

concordará que em to<strong>do</strong>s os campos humanísticos existem diretrizes capazes<br />

<strong>de</strong> nos levar à construção e solidificação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> utopicamente justa<br />

e fraterna. Logicamente, nossa geração não po<strong>de</strong>rá ter tal pretensão sob risco<br />

<strong>de</strong> cair em <strong>de</strong>sgraça ou ser ridicularizada nas suas i<strong>de</strong>ias pseu<strong>do</strong> vanguardistas.<br />

Entretanto, se trabalharmos juntos em prol <strong>de</strong> um mesmo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>ixaremos as sementes fortes o suficiente para germinarem sistemas <strong>de</strong><br />

controle eficientes que impedirão o retorno à barbárie atualmente instaurada.<br />

Com tais premissas <strong>de</strong>finidas – i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> justiça, igualda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong><br />

– o presente estu<strong>do</strong> visa a propor uma análise qualitativa e quantificativa <strong>do</strong>s<br />

sistemas emprega<strong>do</strong>s para colocar em prática tão nobres i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> proteção ao<br />

bem mais precioso que temos: nosso futuro / nossas crianças.<br />

325


O foco <strong>de</strong> avaliação serão as práticas implementadas ou a implementar<br />

para a busca da erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil.<br />

Naturalmente o ávi<strong>do</strong> leitor <strong>de</strong>ve estar se perguntan<strong>do</strong> o motivo <strong>de</strong> análise<br />

<strong>do</strong> trabalho infantil para a busca <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> utópica (apenas<br />

sobre o ponto <strong>de</strong> vista i<strong>de</strong>ológico) se atualmente <strong>de</strong>vemos também buscar<br />

estu<strong>do</strong>s para melhorias nas relações sociais tão aviltadas pela simples ausência<br />

da observância pelos governos <strong>do</strong>s direitos sociais básicos. De fato, há muito<br />

ainda o que fazer e programar para a buscar colocar em prática estes i<strong>de</strong>ais e<br />

proporcionar um início próspero e palpável <strong>de</strong> paz social.<br />

O que preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar é que a raiz <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os problemas po<strong>de</strong><br />

ser cuidada, ou seja, sen<strong>do</strong> as crianças o futuro <strong>do</strong> povo constituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma<br />

organizada enquanto nação, ao observar e colocar em prática as normativas <strong>de</strong><br />

erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil, certamente propiciaremos que os <strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong><br />

possam se <strong>de</strong>dicar exclusivamente à formação educacional como indivíduos<br />

socialmente responsáveis no futuro.<br />

Apenas o exemplo para as gerações vin<strong>do</strong>uras sobre a preocupação em<br />

exterminar a prática <strong>do</strong> trabalho infantil, igualmente criará um terreno fértil para<br />

aqueles que estiverem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s a continuar com tal objetivo, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> até<br />

mesmo ser uma criança preservada da realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> laboral que<br />

estu<strong>do</strong>u e, por este motivo se tornou um indivíduo <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> a garantir que<br />

outras crianças em situação análoga a sua tenham o mesmo feliz <strong>de</strong>stino <strong>de</strong><br />

conseguir alcançar a plena liberda<strong>de</strong> para ser apenas criança.<br />

A parte <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> compara<strong>do</strong> é aborda<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma forma objetiva, sem se<br />

<strong>de</strong>ixar levar pela superficialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> a análise das políticas públicas<br />

que foram implantadas em outro país signatário da convenção nº 182 da OIT,<br />

qual seja, Portugal.<br />

Assim, não somente as políticas públicas para a erradicação <strong>do</strong> trabalho<br />

infantil brasileiras serão analisadas, mas em caráter comparativo e analítico as<br />

políticas públicas portuguesas igualmente serão foco <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, com o objetivo<br />

<strong>de</strong> traçar melhorias para ambos os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gestão pública <strong>de</strong> questão com<br />

viés tão necessário para a garantia das futuras gerações.<br />

326


OBJETIVOS<br />

O presente estu<strong>do</strong> tem o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar na prática os efeitos da<br />

ratificação por Brasil e Portugal da convenção nº 182 da OIT que versa sobre<br />

erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil.<br />

Através da análise empírica com da<strong>do</strong>s concretos extraí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> relatório<br />

da OIT, preten<strong>de</strong>mos fomentar a discussão <strong>de</strong> melhores caminhos para buscar<br />

o atingimento <strong>do</strong> compromisso firma<strong>do</strong> pelos <strong>do</strong>is países.<br />

Acreditamos que a erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil é importante<br />

instrumento para garantia <strong>do</strong>s direitos sociais das crianças e <strong>de</strong> toda a<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutelar as pessoas menores <strong>de</strong> 18 anos, ten<strong>de</strong> não<br />

somente com o objetivo <strong>de</strong> evoluir para uma socieda<strong>de</strong> mais justa e fraterna,<br />

mas também trazer igualda<strong>de</strong> nas relações laborais e econômicas.<br />

Empresas no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>, e, em especial no Brasil e em Portugal, foram<br />

alvo <strong>de</strong> fiscalização governamental com a consequente constatação <strong>de</strong><br />

utilização <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra infantil para obtenção <strong>de</strong> produtos com custo <strong>de</strong><br />

produção mais baixo.<br />

Esta precarização das relações <strong>de</strong> trabalho torna não somente a<br />

socieda<strong>de</strong> mais carente <strong>de</strong> recursos, mas também se traduz em instrumento <strong>de</strong><br />

retirada da infância e juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes.<br />

Preten<strong>de</strong>mos ainda <strong>de</strong>monstrar que a erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil não<br />

apenas trará benefícios para <strong>de</strong>terminada parcela da socieda<strong>de</strong>, mas<br />

proporcionará melhores condições <strong>de</strong> trabalho para to<strong>do</strong>s com, por exemplo, a<br />

criação <strong>de</strong> novos postos <strong>de</strong> trabalho que antes eram ocupa<strong>do</strong>s por crianças.<br />

Contu<strong>do</strong>, acreditamos que <strong>de</strong>vam existir mecanismos governamentais<br />

para que a proibição <strong>do</strong> trabalho infantil venha atrela<strong>do</strong> a uma melhora na<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das famílias envolvidas e não como retirada <strong>de</strong> renda ou piora<br />

na condição social em <strong>de</strong>trimento da ausência <strong>de</strong> uma suposta “força <strong>de</strong><br />

trabalho” no seio familiar.<br />

O que propomos é na verda<strong>de</strong> que a criança seja tratada como<br />

investimento seguro para proporcionar melhora na condição social, através <strong>de</strong><br />

capacitação e estu<strong>do</strong>s direciona<strong>do</strong>s para as várias camadas familiares atingidas.<br />

327


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

Acreditamos ter da<strong>do</strong>s concretos <strong>de</strong> que a mão <strong>de</strong> obra infantil é a menos<br />

remunerada e por isso é a mais explorada <strong>de</strong> todas. Esta questão surge como<br />

uma verda<strong>de</strong>ira oportunida<strong>de</strong> para práticas <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra com<br />

o objetivo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s corporações empresariais auferirem lucros bem maiores<br />

ao reduzir <strong>de</strong> forma significativa o valor dispendi<strong>do</strong> para a remuneração <strong>do</strong>s<br />

trabalha<strong>do</strong>res pela contraprestação efetuada na manufatura <strong>de</strong> produtos.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Análise das Convenções editadas pela OIT, à luz das legislações internas<br />

<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países – Brasil e Portugal – com o consequente estu<strong>do</strong> para a<br />

verificação da eficácia no plano <strong>do</strong> direito interno sobre os compromissos<br />

assumi<strong>do</strong>s no plano internacional pelos países signatários das Convenções.<br />

O estu<strong>do</strong> ainda verificou quais as práticas concretas a<strong>do</strong>tadas pelos<br />

países objeto <strong>de</strong> análise, como criação <strong>de</strong> programas governamentais e órgãos<br />

específicos <strong>de</strong> combate ao trabalho infantil.<br />

Houve ainda intensa análise <strong>do</strong> relatório emiti<strong>do</strong> pela OIT sobre as<br />

estatísticas relacionadas à eficácia das medidas a<strong>do</strong>tadas pelos <strong>do</strong>is países,<br />

ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> verifica<strong>do</strong> que as metas pelas quais existiu o compromisso para a<br />

erradicação, não serão cumpridas pelos países signatários.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Preten<strong>de</strong>mos fomentar a discussão da efetivida<strong>de</strong> no plano local e<br />

internacional da erradicação <strong>do</strong> trabalho infantil através da crítica das práticas já<br />

existentes e sugerir a criação <strong>de</strong> outras para buscar alcançar ao menos as metas<br />

traçadas no prazo estabeleci<strong>do</strong> pela OIT.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Consi<strong>de</strong>ramos fundamental o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> tema em voga, como forma <strong>de</strong><br />

proporcionar a estabilização das relações sociais através da proteção<br />

incondicional <strong>do</strong> trabalho infantil.<br />

328


Contu<strong>do</strong>, para tanto, propomos que existam práticas mais efetivas por<br />

parte <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos para alcançar os objetivos firma<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> da<br />

assinatura da Convenção para a Erradicação <strong>do</strong> Trabalho infantil.<br />

O caminho é árduo mas não impossível. A criação <strong>de</strong> instrumentos que<br />

visem a proteção da renda familiar e possam fazer com que as crianças e<br />

a<strong>do</strong>lescentes contribuam para a melhoria da condição econômica-social <strong>de</strong> suas<br />

famílias, passam necessariamente por uma conscientização maior <strong>do</strong>s grupos<br />

familiares locais atingi<strong>do</strong>s e não uma mera proibição <strong>de</strong> prática sem qualquer<br />

planejamento como atualmente é feito.<br />

A função fiscalizatória <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é importante para garantir a extinção da<br />

prática <strong>do</strong> trabalho infantil, mas acreditamos sinceramente que tal proibição <strong>de</strong>ve<br />

ser acompanhada <strong>de</strong> práticas que visem garantir e melhorar a condição<br />

econômica <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> grupo familiar atingi<strong>do</strong>.<br />

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eira_e_leticia_aguiar_men<strong>de</strong>s_miranda.pdf.<br />

332


RESUMEN<br />

LA CONSTRUCCIÓN DEL DERECHO SOCIAL DE ACCESO A LOS<br />

SERVICIOS SOCIALES<br />

FERNÁNDEZ, Maria Victòria Forns i<br />

Licenciada en Antropología Social y Cultural<br />

Diplomada en Trabajo Social<br />

Profesora Colabora<strong>do</strong>ra Permanente <strong>de</strong> Trabajo Social<br />

Universitat Rovira i Virgili<br />

mariavictoria.forns@urv.cat<br />

El acceso a los servicios sociales se configura, pues, como verda<strong>de</strong>ro <strong>de</strong>recho<br />

universal fundamenta<strong>do</strong> en las disposiciones constitucionales y estatutarias. En<br />

este marco jurídico fundamental, la legislación específica en materia <strong>de</strong> servicios<br />

sociales <strong>de</strong> carácter general; así como la que se refiere a los diferentes ámbitos<br />

sectoriales <strong>de</strong> la acción pública social ha permiti<strong>do</strong> tejer el entrama<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

servicios y prestaciones que, a mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> red, salvaguarda las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> las<br />

personas más vulnerables y que se ha consolida<strong>do</strong> poco a poco <strong>de</strong> forma<br />

irreversible, a través <strong>de</strong> la evolución normativa. De tal suerte, que hemos asisti<strong>do</strong><br />

a una profunda transformación <strong>de</strong>l sistema público <strong>de</strong> protección social.<br />

Palabras clave: Derechos humanos. Derechos sociales. Servicios sociales.<br />

Or<strong>de</strong>namiento jurídico.<br />

ABSTRACT<br />

The access to the social services configures , then , as true universal right based<br />

in the constitutional and statutory disposals. In this fundamental juridical frame,<br />

the specific legislation in matter of social services of general character; as well<br />

as the one who refers to the different sectorial fields of the social public action<br />

has allowed to knit the entrama<strong>do</strong> of services and provision that, to way of<br />

network, salvaguarda the needs of the most vulnerable people and that has<br />

consolidated little by little of irreversible form, through the normative evolution. Of<br />

such luck, that have assisted to a <strong>de</strong>ep transformation of the public system of<br />

social protection.<br />

Keywords: Human Rights. Social Rights. Social Services. Juridical Legislation.<br />

333


SUMANRIO: 1. Introducción.- 2. Encuadre jurídico internacional y europeo.- 3.<br />

El Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>l Bienestar y su marco jurídico.- 4. La construcción <strong>de</strong>l Derecho <strong>de</strong><br />

acceso a los Servicios Sociales.- 5.- Conclusiones.-<br />

1 INTRODUCCIÓN<br />

Los <strong>de</strong>rechos humanos y, en particular, los <strong>de</strong>rechos sociales constituyen<br />

el marco jurídico <strong>de</strong> referencia <strong>de</strong> los servicios sociales en España. Los <strong>de</strong>rechos<br />

fundamentales sociales nacen para garantizar a la persona un nivel <strong>de</strong> bienestar<br />

digno y suficiente; mantenien<strong>do</strong> el necesario equilibrio entre prestación y<br />

protección para dar una respuesta a<strong>de</strong>cuada a las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l individuo en<br />

una sociedad globalizada y, a menu<strong>do</strong>, sobrepasada por la vorágine <strong>de</strong> los<br />

cambios políticos, organizativos, tecnológicos, sociales y, sobreto<strong>do</strong>,<br />

económicos. Atendien<strong>do</strong> al carácter <strong>de</strong> servicio público que los po<strong>de</strong>res públicos<br />

<strong>de</strong>ben asegurar, se pue<strong>de</strong> afirmar que el <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> acceso a los servicios<br />

sociales se ha converti<strong>do</strong> en un nuevo <strong>de</strong>recho social exigible por los<br />

ciudadanos, en justo cumplimiento <strong>de</strong> lo estableci<strong>do</strong> por el or<strong>de</strong>n internacional.<br />

2 ENCUADRE JURÍDICO INTERNACIONAL Y EUROPEO<br />

Los <strong>de</strong>rechos sociales son el punto <strong>de</strong> partida y el fundamento <strong>de</strong> la<br />

legislación <strong>de</strong> los servicios sociales y <strong>de</strong> sus actuaciones en relación a las<br />

personas (Forns, 2018). Se hace así necesario realizar una aproximación <strong>de</strong> la<br />

normativa a escala internacional. Con este propósito analizaremos la<br />

Declaración Universal <strong>de</strong> los Derechos <strong>Humanos</strong> <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> diciembre <strong>de</strong> 1948<br />

(DUDH), aprobada por la Asamblea General <strong>de</strong> les Naciones Unidas y ratificada<br />

por España en 1977, <strong>do</strong>s años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la muerte <strong>de</strong>l dicta<strong>do</strong>r.<br />

La DUDH en el artículo 25 afirma que “toda persona tiene <strong>de</strong>recho a un<br />

nivel <strong>de</strong> vida a<strong>de</strong>cua<strong>do</strong> que le asegure, así como a su familia, su salud y el<br />

bienestar, y en especial la alimentación, el vesti<strong>do</strong>, la vivienda, la asistencia<br />

médica y los servicios sociales necesarios; tiene asimismo <strong>de</strong>recho a los seguros<br />

en caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempleo, enfermedad, invali<strong>de</strong>z, viu<strong>de</strong>z, vejez y otros casos <strong>de</strong><br />

pérdida <strong>de</strong> sus medios <strong>de</strong> subsistencia por circunstancias in<strong>de</strong>pendientes a su<br />

voluntad”. En 1948 ya se hablaba <strong>de</strong> los servicios sociales como un <strong>de</strong>recho para<br />

334


todas las personas. Hay quizá que matizar que al concepto servicios sociales no<br />

le po<strong>de</strong>mos atribuir la misma acepción que le damos en la actualidad, tal y como<br />

afirma Fantova (2008, p. 20), “[…] ésta hace mención expresa <strong>de</strong> los Servicios<br />

sociales (artículo 25) aunque, ciertamente, no cabe pensar que se refiera a ellos<br />

en el senti<strong>do</strong> preciso que tal expresión ha i<strong>do</strong> adquirien<strong>do</strong> en nuestro entorno<br />

[…]” aunque la propia DUDH utiliza el concepto “servicios sociales” no les<br />

po<strong>de</strong>mos atribuir la misma acepción que le damos en la actualidad. No se refiere<br />

sólo al <strong>de</strong>recho a los servicios sociales strictu sensu, si hacemos un repaso <strong>de</strong><br />

los artículos subsiguientes consi<strong>de</strong>ra como <strong>de</strong>rechos sociales también a los que<br />

se refieren a la atención a la salud, la educación gratuita, el acceso a la vivienda,<br />

entre otros. Así pues, resulta muy importante la incorporación <strong>de</strong> los servicios<br />

sociales en la DUDH, aunque no los <strong>de</strong>sarrolla.<br />

Por lo que respecta a Europa, la Carta Social Europea <strong>de</strong> 1961 (CSE) es<br />

más explícita que los textos internacionales, en la <strong>de</strong>finición <strong>de</strong> los servicios<br />

sociales como <strong>de</strong>recho y los relaciona con el trabajo social y <strong>de</strong>termina los<br />

objetivos <strong>de</strong> bienestar y <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarrollo personal y social. La firma <strong>de</strong> este texto en<br />

el marco <strong>de</strong>l Consejo <strong>de</strong> Europa supuso el compromiso <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar los esfuerzos<br />

necesarios para conseguir mejorar la calidad <strong>de</strong> vida y la promoción <strong>de</strong>l bienestar<br />

social <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los pueblos tanto <strong>de</strong> realidad urbana como rural, buscan<strong>do</strong> así<br />

un equilibrio territorial a través <strong>de</strong> instituciones y acciones a<strong>de</strong>cuadas. Es el<br />

trata<strong>do</strong> internacional más importante en materia <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos sociales. Según<br />

Jimena y Salce<strong>do</strong> (2006, p. 278), “[…] constituye el instrumento más<br />

emblemático <strong>de</strong>l Derecho social <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos humanos […]”.<br />

La CSE quiere garantizar el ejercicio <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales sin<br />

discriminación por razón <strong>de</strong> raza, color, sexo, religión, opinión política,<br />

nacionalidad u origen social. Define diferentes <strong>de</strong>rechos sociales entre los cuales<br />

incorpora en el artículo 13 “toda persona que carezca <strong>de</strong> recursos suficientes<br />

tiene <strong>de</strong>recho a la asistencia social y médica”. Y en el artículo 14, se refiere así:<br />

“toda persona tiene <strong>de</strong>recho a beneficiarse <strong>de</strong> los servicios <strong>de</strong> bienestar social”.<br />

El <strong>de</strong>recho a beneficiarse <strong>de</strong> los servicios sociales se garantiza en este mismo<br />

artículo dón<strong>de</strong> se explicita que las partes contratantes, refirién<strong>do</strong>se a los<br />

firmantes <strong>de</strong> la Carta, se comprometen a “fomentar u organizar servicios que,<br />

335


utilizan<strong>do</strong> los méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> un servicio social, contribuyan al bienestar y al<br />

<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los individuos y <strong>de</strong> los grupos en la comunidad, así como a su<br />

adaptación al medio o entorno social” y a “estimular la participación <strong>de</strong> los<br />

individuos y <strong>de</strong> las organizaciones benéficas o <strong>de</strong> otra clase en la creación y<br />

mantenimiento <strong>de</strong> tales servicios.”<br />

La Carta <strong>de</strong> Derechos Fundamentales <strong>de</strong> 2007 (CDF), en el marco <strong>de</strong> la<br />

Unión Europea, compren<strong>de</strong> un conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos sociales en forma <strong>de</strong>:<br />

<strong>de</strong>rechos civiles, políticos y sociales <strong>de</strong> todas las ciudadanas y ciudadanos <strong>de</strong> la<br />

Unión Europea. El Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Lisboa firma<strong>do</strong> el 13 <strong>de</strong> diciembre <strong>de</strong> 2007 le<br />

otorga carácter jurídico vinculante en toda la Unión Europea, exceptuan<strong>do</strong><br />

Polonia y el Reino Uni<strong>do</strong>. Con anterioridad y <strong>de</strong> forma sectorial se a<strong>do</strong>ptó la<br />

Convención sobre los Derechos <strong>de</strong> las Personas con Discapacidad <strong>de</strong> 2006, que<br />

en el artículo 26 hace referencia a la necesidad <strong>de</strong> organizar y ofrecer servicios<br />

sociales para las personas con discapacidad. La CDF se refiere a los principios<br />

<strong>de</strong> dignidad, igualdad, solidaridad, ciudadanía, justicia, y libertad, que inspiran el<br />

articula<strong>do</strong> <strong>de</strong> los diferentes títulos <strong>de</strong>l <strong>do</strong>cumento. El artículo 34.1 sobre la<br />

“seguridad social y ayuda social” en el que se establece que “la Unión reconoce<br />

y respeta el <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> acceso a las prestaciones <strong>de</strong> seguridad social y a los<br />

servicios sociales que garantizan una protección en casos como la maternidad,<br />

la enfermedad, los acci<strong>de</strong>ntes laborales, la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia o la vejez, así como en<br />

caso <strong>de</strong> pérdida <strong>de</strong> empleo, según las modalida<strong>de</strong>s establecidas por el Derecho<br />

comunitario y las legislaciones y prácticas nacionales”. Así pues, se hace<br />

referencia explícitamente a los servicios sociales como los garantes <strong>de</strong> la<br />

protección <strong>de</strong> diferentes colectivos que requieren según el texto una especial<br />

atención, aunque muy vincula<strong>do</strong>s al ámbito laboral. Ahora bien, en el artículo<br />

34.3 según López (2008, p. 578),<br />

[…] supera estos <strong>de</strong>rechos sociales vincula<strong>do</strong>s al ámbito laboral,<br />

porque en su tercer aparta<strong>do</strong> contempla <strong>de</strong>rechos orienta<strong>do</strong>s a evitar<br />

la exclusión social y la pobreza. De esta manera, este precepto inicia<br />

el conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos universales que la Carta <strong>de</strong> Derechos<br />

Fundamentales incluye […].<br />

Los <strong>de</strong>rechos recogi<strong>do</strong>s en estos textos europeos se consolidan, con la<br />

proclamación <strong>de</strong>l Pilar Europeo <strong>de</strong> Derechos Sociales, <strong>de</strong> forma conjunta por el<br />

336


Parlamento Europeo, el Consejo y la Comisión <strong>de</strong> 2017, que en opinión <strong>de</strong><br />

Casa<strong>do</strong> (2018, p. 13-14),<br />

[…] constituye una respuesta necesaria <strong>de</strong> la Unión EU 22 para<br />

reenganchar a millones <strong>de</strong> ciudadanos al proyecto europeo, tras los<br />

graves efectos <strong>de</strong> la crisis económica y <strong>de</strong> la política europea <strong>de</strong><br />

austeridad en términos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempleo, pobreza y <strong>de</strong>sigualdad […]. En<br />

los años <strong>de</strong> crisis se han produci<strong>do</strong> un recorte y una flexibilización<br />

importante <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales. Es necesario, en un contexto<br />

económico más favorable, reaccionar frente a la magnitud <strong>de</strong> los<br />

recortes que se han produci<strong>do</strong> y la profundidad <strong>de</strong> algunos <strong>de</strong> los<br />

cambios lleva<strong>do</strong>s a cabo, con resulta<strong>do</strong>s preocupantes en términos <strong>de</strong><br />

precariedad laboral o <strong>de</strong>sigualdad. La población empieza a tomar<br />

conciencia <strong>de</strong>l impacto <strong>de</strong> la crisis sobre los <strong>de</strong>rechos sociales y <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

la UE se consi<strong>de</strong>ra imprescindible dar una respuesta política.<br />

Aunque afirma Giardini (2018, p. 93) que,<br />

[…] la construcción <strong>de</strong> la dimensión social <strong>de</strong> la Unión Europea tiene<br />

todavía muchos retos pendientes y muchas necesida<strong>de</strong>s a las que<br />

respon<strong>de</strong>r. Es necesario un claro compromiso <strong>de</strong> la política comunitaria<br />

(y, por tanto, <strong>de</strong> los gobiernos europeos) con respecto a la solidaridad<br />

social en Europa […].<br />

3 EL ESTADO DEL BIENESTAR Y SU MARCO JURÍDICO<br />

El nacimiento <strong>de</strong> la <strong>de</strong>mocracia formal en el Esta<strong>do</strong> español po<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong>cir que <strong>de</strong>vendrá en el cataliza<strong>do</strong>r hacia la creación <strong>de</strong> los servicios sociales<br />

tal y como los enten<strong>de</strong>mos actualmente (FORNS, 2018). La promulgación <strong>de</strong> la<br />

Constitución española <strong>de</strong> 1978 (CE) configura el actual Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> las<br />

autonomías, que supone el principio <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los servicios sociales en<br />

Catalunya.<br />

La CE supone un cambio <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo estatal, hacia el Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho,<br />

<strong>de</strong>mocrático y social que en el ámbito territorial conllevará el establecimiento <strong>de</strong>l<br />

Esta<strong>do</strong> autonómico, que supondrá la asunción <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s colectivas<br />

para hacer frente a las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> los ciudadanos. Clasifica en tres grupos<br />

los <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> los españoles: los <strong>de</strong>rechos fundamentales y liberta<strong>de</strong>s<br />

públicas; los <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres <strong>de</strong> los ciudadanos y finalmente los principios<br />

rectores <strong>de</strong> la política social y económica. Mientras los <strong>do</strong>s primeros, como indica<br />

22<br />

UE, Unión Europea<br />

337


vinculan a to<strong>do</strong>s los po<strong>de</strong>res públicos y son inmediata y directamente exigibles,<br />

en el caso <strong>de</strong>l tercer grupo según Vila (2009, p. 24)<br />

[…] la aplicación <strong>de</strong> estos <strong>de</strong>rechos sociales queda diferida, pues, a lo<br />

que <strong>de</strong>terminen las leyes que los <strong>de</strong>sarrollen. La aprobación <strong>de</strong> estas<br />

leyes correspon<strong>de</strong> al po<strong>de</strong>r legislativo estatal o autonómico<br />

competente, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con los criterios <strong>de</strong> Reparto competencial<br />

estableci<strong>do</strong>s en los artículos 147 a 150 <strong>de</strong> la CE y los correspondientes<br />

EA 23 .<br />

Deja por lo tanto en manos <strong>de</strong> las Comunida<strong>de</strong>s Autónomas (CCAA) la<br />

competencia exclusiva en materia <strong>de</strong> servicios sociales.<br />

La CE en el capítulo correspondiente a los <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres<br />

fundamentales hace referencia expresa a la dignidad <strong>de</strong> la persona y a la<br />

necesidad <strong>de</strong> facilitar el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los ciudadanos y se ratifica en los <strong>de</strong>rechos<br />

fundamentales y las liberta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s los trata<strong>do</strong>s internacionales y la<br />

normativa europea, que el Esta<strong>do</strong> español haya firma<strong>do</strong>.<br />

El artículo 14 CE establece que “los españoles son iguales ante la ley, sin<br />

que pueda prevalecer discriminación alguna por razón <strong>de</strong> nacimiento, raza, sexo,<br />

religión, opinión o cualquier otra condición o circunstancia personal o social”. El<br />

capítulo III, “De los principios rectores <strong>de</strong> la política social y económica”, incluye<br />

tres artículos que se refieren a colectivos específicos a los que presta especial<br />

atención por su protección a: la familia, la infancia, las discapacida<strong>de</strong>s y<br />

ancianos. Aunque el objeto <strong>de</strong> los servicios sociales en la actualidad va mucho<br />

más allá <strong>de</strong> la atención a estos colectivos, amplian<strong>do</strong> a la ciudadanía en su<br />

totalidad a través <strong>de</strong>l acceso universal y <strong>de</strong> la atención integral a la persona.<br />

La CE a través <strong>de</strong>l artículo 148.20 establece que las CCAA asumirán las<br />

competencias en materia <strong>de</strong> “asistencia social”. Por lo tanto <strong>de</strong>staca la<br />

responsabilidad <strong>de</strong> las CCAA en la asunción <strong>de</strong> los servicios sociales y su<br />

carácter social, así como el principio <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralización <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>r,<br />

aproximan<strong>do</strong> los servicios al ciudadano.<br />

En este senti<strong>do</strong>, el Esta<strong>do</strong> autonómico es un el Esta<strong>do</strong> social y <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los servicios sociales, tal y como afirma Agua<strong>do</strong> (2012, p. 47),<br />

23<br />

EA, Estatutos Autonómicos<br />

338


[…] ha si<strong>do</strong> en gran medida el motor <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>l<br />

Bienestar y el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales en España. Es<br />

preciso recordar el papel relevante que han teni<strong>do</strong> al respecto las<br />

CCAA, en ámbitos como los Servicios sociales, la educación y la<br />

sanidad, en los que ha asumi<strong>do</strong> competencias <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con lo<br />

dispuesto por el bloque <strong>de</strong> la constitucionalidad.<br />

Cabe reconocer que la aprobación <strong>de</strong> la CE supondrá un antes y un<br />

<strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>l Bienestar y en la superación <strong>de</strong> la<br />

beneficencia y el <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos sociales recogi<strong>do</strong>s con anterioridad<br />

en la normativa internacional.<br />

La CE, reconoce el <strong>de</strong>recho a la autonomía en el artículo 2 y por ello a<br />

través <strong>de</strong> la Ley orgánica 6/2006, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> julio <strong>de</strong> reforma <strong>de</strong>l Estatuto <strong>de</strong><br />

Autonomía <strong>de</strong> Catalunya (EC) se preten<strong>de</strong> adaptar el autogobierno catalán al<br />

contexto <strong>de</strong>l siglo XXI y respon<strong>de</strong>r a las realida<strong>de</strong>s y necesida<strong>de</strong>s sociales<br />

respecto <strong>de</strong>l Estatuto anterior <strong>de</strong> 1979. El nuevo EC, como norma institucional<br />

básica <strong>de</strong> les CCAA tiene un impacto en to<strong>do</strong>s los ámbitos, también en los<br />

servicios sociales. Respecto a las noveda<strong>de</strong>s que aportan los estatutos <strong>de</strong><br />

autonomía reforma<strong>do</strong>s, entre el que se encuentra el EC, asegura Vila (2011,<br />

p.167),<br />

[…] en el cas <strong>de</strong>ls serveis socials, veurem que es refereixen [els<br />

estaturs reformats com el català] al concepte i al dret d’accés i també<br />

enfatitzen la competència exclusiva autonómica sobre aquesta matèria<br />

[els serveis socials] i concreten el seu abast. D’altra banda, regulen<br />

altres aspectes, com l’or<strong>de</strong>nament territorial o les competències locals,<br />

que s’han <strong>de</strong> tenir en compte a la lesgislació <strong>de</strong> serveis socials.<br />

El EC <strong>de</strong>sarrolla con mucha más concreción el articula<strong>do</strong> que se refiere a<br />

los titulares <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos atribuyen<strong>do</strong> condición <strong>de</strong> ciudadanos a cualquier<br />

español con vecindad administrativa en cualquiera <strong>de</strong> los municipios <strong>de</strong> la<br />

Comunidad Autónoma, y en particular sobre esta cuestión el cita<strong>do</strong> autor indica<br />

que el EC “[…] assenyala com a titulars <strong>de</strong>ls drets en general – inclosos els<br />

serveis socials- les ‘persones’ […]”(VILA, 2011, p. 168). Y, ciertamente, el EC<br />

resulta muy proteccionista en relación a los <strong>de</strong>rechos y a aquellos que pue<strong>de</strong>n<br />

ser sus titulares.<br />

339


En esta línea, Pelegrí, <strong>de</strong>fien<strong>de</strong> también que el EC coinci<strong>de</strong> con una etapa<br />

garantista <strong>de</strong> la historia <strong>de</strong> los servicios sociales en Catalunya tal y como el<br />

mismo la <strong>de</strong>fine en el perío<strong>do</strong> que va <strong>de</strong>l 2004 al 2007, en la cual se aprueba el<br />

segun<strong>do</strong> Estatuto y la Ley <strong>de</strong> prestaciones sociales <strong>de</strong> carácter económico o el<br />

<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> la Ley 10/1997 <strong>de</strong> la renta mínima <strong>de</strong> inserción, entre otras normas<br />

que impactan <strong>de</strong> manera significativa en el sistema catalán <strong>de</strong> servicios sociales.<br />

Así, consi<strong>de</strong>ra que el nuevo Estatuto “[…] reconeix els serveis socials amb molta<br />

més profunditat que l’anterior. [...] El terme “serveis socials” substitueix l’antic<br />

d’assistència social i se li s’assenyalen les atribucions d’una forma més valenta i<br />

mo<strong>de</strong>rna [...]” (PELEGRÍ, 2010, p. 211).<br />

4 LA CONSTRUCCIÓN DEL DERECHO DE ACCESO A LOS SERVICIOS<br />

SOCIALES<br />

En relación a los <strong>de</strong>rechos, <strong>de</strong>beres y principios relaciona<strong>do</strong>s con los<br />

servicios sociales y sus garantías, una <strong>de</strong> les gran<strong>de</strong>s noveda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l EC es la<br />

inclusión <strong>de</strong> los <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres <strong>de</strong> las personas resi<strong>de</strong>ntes o que se<br />

encuentren en el territorio <strong>de</strong> Catalunya.<br />

El Estatuto, establece el catálogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos y <strong>de</strong>beres garantiza<strong>do</strong>s a<br />

to<strong>do</strong>s los ciudadanos y ciudadanas <strong>de</strong> Catalunya, que los po<strong>de</strong>res públicos han<br />

<strong>de</strong> promover y preservar. Así, en el artículo 15.2 EC se establece que “todas las<br />

personas tienen <strong>de</strong>recho a vivir con dignidad, seguridad y autonomía, libres <strong>de</strong><br />

explotación, <strong>de</strong> malos tratos y <strong>de</strong> to<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> discriminación, y tienen <strong>de</strong>recho al<br />

libre <strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> su personalidad y capacidad personal”. El capítulo I <strong>de</strong><br />

Derechos y <strong>de</strong>beres <strong>de</strong>l ámbito civil y social relaciona to<strong>do</strong>s los ámbitos en los<br />

que los <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> las personas están protegi<strong>do</strong>s por el EC, artículos 16 a 19<br />

y 26: familias, menores, ancianos, mujeres, servicios sociales y vivienda; to<strong>do</strong>s<br />

estos se refieren específicamente al que llamamos en la actualidad “servicios <strong>de</strong><br />

atención a las personas”, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los cuales los servicios sociales tienen un<br />

interés particular.<br />

Entre los <strong>de</strong>rechos, el EC menciona explícitamente el “Derecho a los<br />

servicios sociales” y establece que se podrá acce<strong>de</strong>r en condiciones <strong>de</strong> igualdad.<br />

Cabe <strong>de</strong>stacar que algunos <strong>de</strong> los principios <strong>de</strong>l EC están relaciona<strong>do</strong>s con los<br />

340


servicios sociales. Por ejemplo, cuan<strong>do</strong> se refiere explícitamente a la promoción<br />

<strong>de</strong> políticas públicas que fomentan la cohesión social y que garantizan un<br />

sistema <strong>de</strong> servicios sociales <strong>de</strong> titularidad pública y concertada, a<strong>de</strong>cuada a sus<br />

indica<strong>do</strong>res económicos y sociales, así mismo consi<strong>de</strong>ra que se <strong>de</strong>be garantizar<br />

la gratuidad <strong>de</strong> los servicios sociales básicos.<br />

En el artículo 24.1 EC, dón<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca el acceso a prestaciones y que<br />

pera cualquier actuación requiere el consentimiento <strong>de</strong> las personas, hacien<strong>do</strong><br />

que sean sujetos activos <strong>de</strong> las intervenciones sociales. El aparta<strong>do</strong> 2 <strong>de</strong>l mismo<br />

artículo consi<strong>de</strong>ra las personas con necesida<strong>de</strong>s especiales sujetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los servicios sociales. Las víctimas <strong>de</strong> pobreza se reconocen como<br />

beneficiarias <strong>de</strong> la renta garantizada <strong>de</strong> ciudadanía, en el aparta<strong>do</strong> 3 <strong>de</strong>l artículo<br />

24 EC. En los aparta<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> y terceo <strong>de</strong>l artículo 24 EC, dice Tornos (2008,<br />

p. 96),<br />

[…] reconocen un <strong>de</strong>recho genérico a recibir prestaciones sociales a<br />

las personas con necesida<strong>de</strong>s especiales para mantener la autonomía<br />

personal en la vida diaria o a las que estén en situación <strong>de</strong> pobreza.<br />

Pero tampoco <strong>de</strong>terminan qué prestaciones concretes, remitien<strong>do</strong> su<br />

concreción a lo que establezca la ley […].<br />

Por lo tanto, aunque se reconocen <strong>de</strong>rechos, y como expresa este autor,<br />

“<strong>de</strong>rechos genéricos”, no po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>cir que en el EC se haga referencia al<br />

<strong>de</strong>recho subjetivo a prestaciones sociales concretas, en to<strong>do</strong> caso el EC impone<br />

un mandato al legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> cómo articular las prestaciones, en base al principio<br />

<strong>de</strong> igualdad recogi<strong>do</strong> en el artículo 24.1 EC, que establece que “todas las<br />

personas tienen <strong>de</strong>recho a acce<strong>de</strong>r en condiciones <strong>de</strong> igualdad a les<br />

prestaciones <strong>de</strong> la red <strong>de</strong> servicios sociales <strong>de</strong> responsabilidad pública, a ser<br />

informadas sobre estas prestaciones y a dar el consentimiento para cualquier<br />

actuación que les afecte personalmente, en los términos que establecen las<br />

leyes.”<br />

Así pues, concluye Tornos (2008, p. 97)<br />

[…] el Estatuto <strong>de</strong> Autonomía no crea <strong>de</strong>rechos públicos subjetivos en<br />

materia <strong>de</strong> servicios sociales […]. Lo que sí queda garantiza<strong>do</strong> es que<br />

<strong>de</strong>be existir un sistema público <strong>de</strong> servicios sociales, cuya gestión<br />

podrá ser concertada. Lo que no es posible es renunciar a la<br />

341


esponsabilidad pública en la garantía <strong>de</strong> unes mínimas prestaciones<br />

[…].<br />

En su contra López, <strong>de</strong>fien<strong>de</strong> la tesis contraria, posición con la que<br />

plenamente nos i<strong>de</strong>ntificamos. No solo consi<strong>de</strong>ra que en los nuevos estatutos<br />

<strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> español reflejan los <strong>de</strong>rechos sociales <strong>de</strong> manera clara y evi<strong>de</strong>nte,<br />

sino que apunta que, en estos nuevos estatutos, entre los cuales está el <strong>de</strong><br />

Catalunya, se <strong>de</strong>terminan un sinnúmero <strong>de</strong> <strong>de</strong>rechos subjetivos, pues “[…]<br />

regulan con especial precisión <strong>do</strong>s garantías fundamentales: la exigibilidad <strong>de</strong><br />

los <strong>de</strong>rechos subjetivos estatutarios frente a los po<strong>de</strong>res públicos y su<br />

justiciabilidad ante los tribunales en caso <strong>de</strong> incumplimiento […]” (LÓPEZ, 2012,<br />

p. 33).<br />

5 CONCLUSIONES<br />

Los <strong>de</strong>rechos sociales históricamente se han vincula<strong>do</strong> a la protección<br />

<strong>de</strong>l ser humano ante cualquier tipo <strong>de</strong> discriminación, <strong>de</strong>sigualdad o necesidad<br />

social. Siempre han teni<strong>do</strong> y siguen tenien<strong>do</strong> un marca<strong>do</strong> carácter reivindicativo<br />

y sus objetivos se centran en mejorar la calidad <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> las personas y su<br />

bienestar en to<strong>do</strong>s los ámbitos. Muchos son los <strong>de</strong>rechos sociales recogi<strong>do</strong>s en<br />

la normativa internacional y europea, y hemos podi<strong>do</strong> comprobar como esta tiene<br />

su traducción en el marco constitucional español y en el estatutario catalán.<br />

Nos hemos centra<strong>do</strong> en el acceso a los servicios sociales configurán<strong>do</strong>lo,<br />

como verda<strong>de</strong>ro <strong>de</strong>recho universal fundamenta<strong>do</strong> en las disposiciones<br />

constitucionales y estatutarias. En este marco jurídico fundamental, la legislación<br />

específica en materia <strong>de</strong> servicios sociales <strong>de</strong> carácter general; así como la que<br />

se refiere a los diferentes ámbitos sectoriales <strong>de</strong> la acción pública social ha<br />

permiti<strong>do</strong> tejer el entrama<strong>do</strong> <strong>de</strong> servicios y prestaciones que, a mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> red,<br />

salvaguarda las necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> las personas más vulnerables y que se ha<br />

consolida<strong>do</strong> poco a poco <strong>de</strong> forma irreversible, a través <strong>de</strong> la evolución<br />

normativa. Hemos asisti<strong>do</strong> a una profunda transformación <strong>de</strong>l sistema público <strong>de</strong><br />

protección social que se nutre <strong>de</strong> una diversidad <strong>de</strong> opera<strong>do</strong>res, públicos y<br />

priva<strong>do</strong>s; pero sobreto<strong>do</strong> <strong>de</strong>l Tercer Sector.<br />

342


Este nuevo mo<strong>de</strong>lo relacional ha situa<strong>do</strong> en el centro <strong>de</strong>l sistema <strong>de</strong><br />

servicios sociales a la persona legitimada para exigir el efectivo cumplimiento <strong>de</strong>l<br />

<strong>de</strong>recho <strong>de</strong> acceso.<br />

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343


RESUMO<br />

OS OBJETIVOS DO MILÉNIO – OS RESULTADOS DE 2015 E<br />

PROSPETIVA PARA 2030<br />

MARQUES DOS SANTOS, Paula<br />

Doutoramento<br />

psantos@estgl.ipv.pt<br />

ANTUNES, Sandra Maria<br />

Doutoramento<br />

santunes@estgl.ipv.pt<br />

GUEDES, Anabela<br />

Doutoramento<br />

ague<strong>de</strong>s@estgl.ipv.pt<br />

O presente artigo preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma análise crítica das metas alcançadas em<br />

relação aos 8 Objetivos <strong>do</strong> Milénio (ODM), inicialmente traça<strong>do</strong>s no ano <strong>de</strong> 2000,<br />

aprecia<strong>do</strong>s os resulta<strong>do</strong>s relata<strong>do</strong>s no balanço <strong>de</strong> 2015.<br />

Preten<strong>de</strong>mos, adicionalmente, perceber <strong>de</strong> que forma os 8 objetivos inicialmente<br />

previstos <strong>de</strong>ram lugar aos 17 novos Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável (ODS),<br />

e qual a sua repercussão nas ações enquadradas ao nível da Agenda 2030. A proposta<br />

<strong>de</strong> análise é geograficamente circunscrita ao espaço da União Europeia. A meto<strong>do</strong>logia<br />

a<strong>do</strong>tada enquadra a exploração bibliográfica, suportada por técnicas <strong>de</strong> análise<br />

<strong>do</strong>cumental e <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> a investigação essencialmente <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong>scritivo. Os<br />

resulta<strong>do</strong>s espera<strong>do</strong>s serão, na lógica <strong>de</strong> um paper review, elucidativos <strong>do</strong>s progressos<br />

alcança<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s fracassos regista<strong>do</strong>s, contribuin<strong>do</strong> para um conhecimento mais<br />

apura<strong>do</strong> da temática.<br />

Palavras-chave: Objetivos <strong>do</strong> Milénio, Resulta<strong>do</strong>s em 2015; Agenda 2030.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A Declaração <strong>do</strong> Milénio foi um marco no início <strong>do</strong>s anos 2000, elencan<strong>do</strong><br />

os Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>do</strong> Milénio, enquanto metas <strong>de</strong> melhoria nos<br />

diversos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano, para to<strong>do</strong>s os países que<br />

haviam assina<strong>do</strong> a mesma <strong>de</strong>claração. Todavia, a disparida<strong>de</strong> ao nível <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento e da diversida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>sses países tornou difícil a sua<br />

praticabilida<strong>de</strong> e efetivação <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s.<br />

344


Em 2015, o Relatório das Nações Unidas apresentou um balanço <strong>do</strong> que<br />

foi alcança<strong>do</strong>, procuran<strong>do</strong> também lançar a semente para uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

objetivos mais concreta e realista para cada região <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Como resulta<strong>do</strong><br />

foi <strong>de</strong>senhada a Agenda 2030, on<strong>de</strong> foram plasma<strong>do</strong>s 17 objetivos, subdividi<strong>do</strong>s<br />

em quase duas centenas <strong>de</strong> metas específicas, a alcançar até 2025-2030.<br />

OBJETIVOS<br />

O presente trabalho procura analisar o percurso realiza<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os ODM<br />

até à <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s ODS, através <strong>de</strong> exploração bibliográfica e análise<br />

<strong>do</strong>cumental, procuran<strong>do</strong> realçar as principais preocupações para o futuro e<br />

i<strong>de</strong>ntificar os mecanismos propostos para que a Agenda 2030 se tornasse numa<br />

mencanismo mais exequível e eficiente, quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong> com os progressos<br />

alcança<strong>do</strong>s com os objetivos <strong>do</strong> Milénio. Desse processo preten<strong>de</strong>-se ainda<br />

analisar com maior enfoque a forma como a monitorização <strong>do</strong>s ODS tem si<strong>do</strong><br />

feita no espaço da União Europeia.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

A era da globalização está em constante evolução, conduzin<strong>do</strong> a<br />

socieda<strong>de</strong> em re<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XXI a <strong>de</strong>senvolver-se a um nível multidimensional<br />

em diferentes níveis <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> (local, regional, nacional e internacional),<br />

geran<strong>do</strong> uma extensa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> inetr<strong>de</strong>pendência universal <strong>do</strong>s fenómenos<br />

políticos, económicos, tecnológicos, ecológicos, culturais, entre outros (Castells,<br />

1999). Esta evolução e competição <strong>de</strong>senfreadas da socieda<strong>de</strong> pós-industrial<br />

têm, no entanto, evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> a sua insustentabilida<strong>de</strong>, caso não sejam tomadas<br />

medidas <strong>de</strong> controlo e equida<strong>de</strong> entre os diversos países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, pelo que<br />

assistimos a uma “preocupación internacional <strong>do</strong>n<strong>de</strong> diferentes actores<br />

geopolíticos . . . investigan y analizan, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hace décadas, los fenómenos<br />

transfronteirizos que afectan en la vida <strong>de</strong> las personas” (Ruano, 2016, p. 153),<br />

buscan<strong>do</strong> um novo paradigma <strong>de</strong> compreensão e <strong>de</strong> interação planetário.<br />

De facto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os trabalhos <strong>de</strong> Estocolmo e da Comissão Brundtland, ou<br />

mesmo <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> Quioto, os países têm procura<strong>do</strong> <strong>de</strong>finir acor<strong>do</strong>s e<br />

compromissos que garantam a sustentabilida<strong>de</strong> da vida no planeta, embora com<br />

345


esulta<strong>do</strong>s pouco expressivos em diversas regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Esses esforços<br />

foram plasma<strong>do</strong>s na <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s 8 Objetivos <strong>do</strong> Milénio (ODM), em 2000, pelas<br />

Nações Unidas, assumi<strong>do</strong>s por 189 países, e refletiam as principais metas para<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento humano.<br />

Os ODM foram, <strong>de</strong> facto, um marco histórico da<strong>do</strong> que “nunca um<br />

conjunto <strong>de</strong> objetivos mundiais a serem alcança<strong>do</strong>s por to<strong>do</strong>s os países e em<br />

to<strong>do</strong>s os níveis . . . foram sistematiza<strong>do</strong>s em um único <strong>do</strong>cumento, com metas e<br />

indica<strong>do</strong>res claros para monitorá-los” (Oka<strong>do</strong> & Quinelli, 2016, p. 118), com a<br />

pretensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir uma caminho comum para a paz, proteção <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos, <strong>de</strong>mocracia e proteção <strong>do</strong> meio ambiente.<br />

Des<strong>de</strong> 2000 verificamos, contu<strong>do</strong> e apesar <strong>do</strong>s esforços envida<strong>do</strong>s ao<br />

nível internacional, uma enorme dificulda<strong>de</strong> em concretizar esses objetivos em<br />

avanços efetivos, manten<strong>do</strong>-se uma disparida<strong>de</strong> abismal entre países<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s e países menos avança<strong>do</strong>s e uma relativa indiferença por parte<br />

das comunida<strong>de</strong>s no referente à sua responsabilida<strong>de</strong> para com as populações<br />

mais frágeis e excluídas.<br />

Com a apresentação <strong>do</strong> Relatório <strong>de</strong> 2015, a Cimeira da ONU aprova<br />

Agenda 2030 (Resolução A/RES/70/1, 2015), on<strong>de</strong> foram elenca<strong>do</strong>s os novos<br />

17 objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável (ODS), concretiza<strong>do</strong>s por sua vez<br />

em 169 metas e mais <strong>de</strong> 200 indica<strong>do</strong>res. Estes novos objetivos constituem uma<br />

“renovação ou ampliação <strong>do</strong>s compromissos outrora assumi<strong>do</strong>s” (Oka<strong>do</strong> &<br />

Quinelli, 2016, p. 112) e “<strong>de</strong>mandan una organización <strong>de</strong>l conocimiento com<br />

nuevas fórmulas políticas transfronteirizas puesto que constituyen un reto <strong>de</strong><br />

gobernabilidad mundial sin prece<strong>de</strong>ntes históricos que requieren <strong>de</strong>asrrollar<br />

nuevas sinergias multi<strong>de</strong>nsionales <strong>de</strong> carácter glocal entre la ciodadanía<br />

planetaria actual e futura” (Ruano, 2016, p. 152)<br />

Ficou, por isso, estabeleci<strong>do</strong> que os novos ODS, alicerça<strong>do</strong>s na premissa<br />

<strong>do</strong> “leave no one behind”, <strong>de</strong>veriam tornar-se estruturalmente impactantes aos<br />

níveis social, eocómico e ambiental, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma SMART (specific,<br />

measurable, attainable, relevant and time-bound) (Gallo & Setti, 2014, p. 4386)<br />

(Filho, 2018); além da sua implementação <strong>de</strong>ver ser monitorizada em to<strong>do</strong>s os<br />

346


193 países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, anualmente, para um maior controlo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

e exequibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s mesmos.<br />

Além disso, e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> cada<br />

país, procurou-se dar uma maior reposnsabilida<strong>de</strong> conjunta e solidária a to<strong>do</strong>s<br />

os países para alcançar os objetivos para que, <strong>de</strong>ssa forma, os resulta<strong>do</strong>s<br />

fossem mais efetivos que aqueles alcança<strong>do</strong>s em 2015 (Agência para o<br />

Desenvolvimento e Coesão, I.P., s.d.).<br />

A inclusão <strong>de</strong>stas inovações são, a nosso ver, um passo no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

viabilizar o progresso e a realização <strong>do</strong>s objetivos agora <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s. Também<br />

esses objetivos foram mais <strong>de</strong>talha<strong>do</strong>s, subdividin<strong>do</strong>-se em 17, visan<strong>do</strong> criar um<br />

mo<strong>de</strong>lo global para acabar com a pobreza, promover a properida<strong>de</strong> e o bemestar<br />

<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, proteger o meio ambiente e combater as alterações climáticas<br />

(UNRIC, s.d.). De facto, ao serem mais flexíveis e adaptáveis às diversas<br />

realida<strong>de</strong>s locais e regionais através <strong>de</strong> “indica<strong>do</strong>res comparáveis, quantitativos<br />

e monitorizáveis” (Gallo & Setti, 2014, p. 4386), consi<strong>de</strong>ram-se mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s<br />

e eficientes na capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s países os alcançarem e <strong>de</strong> envolverem as<br />

próprias comunida<strong>de</strong>s.<br />

De uma forma sintética, os ODS <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s versam as áreas social,<br />

económica e ambiental, ou nas palavras <strong>de</strong> (Oka<strong>do</strong> & Quinelli, 2016, p. 120) os<br />

“5 Ps da nova agenda: a) pessoas; b) planeta; c) parcerias; d) prosperida<strong>de</strong>; e<br />

d) paz”, sistematiza<strong>do</strong>s da seguinte forma:<br />

1. ODS 1 – erradicar a pobreza – <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a <strong>de</strong>finião da ONU o limiar da<br />

pobreza extrema situa-se, atualmente, em 1,25 USD por dia. Este será um <strong>do</strong>s<br />

objetivos mais graves e difíceis <strong>de</strong> alcançar, da<strong>do</strong> que o objetivo é não só reduzir<br />

“pelo menos para meta<strong>de</strong> a proporção <strong>de</strong> homens, mulheres e crianças, <strong>de</strong> todas<br />

as ida<strong>de</strong>s, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />

as <strong>de</strong>finições nacionais”, mas também “implementar , a nível nacional, medidas<br />

e sistemas <strong>de</strong> proteção social a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s” e “aumentar a resiliência <strong>do</strong>s mais<br />

pobres e em situação <strong>de</strong> maior vulnerabilida<strong>de</strong>”, crian<strong>do</strong> as condições<br />

necessárias para criar sistemas <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> acesso a to<strong>do</strong>s os serviços<br />

básicos (UNRIC, s.d.).<br />

2. ODS 2 – erradicar a fome – este objetivo exige “acabar com todas as formas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>snutrição”, bem como garantir o acesso universal a “uma alimentação <strong>de</strong><br />

347


qualida<strong>de</strong>, nutritiva e suficiente durante to<strong>do</strong> o ano”. Tal situação só será<br />

exequível se for salvaguardada a produtivida<strong>de</strong> agrícola e a utilização <strong>de</strong><br />

sistemas sustentáveis <strong>de</strong> produção (com respeito pelo meio ambiente e pela<br />

diversida<strong>de</strong> genética), além da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas e mecanismos que<br />

assegurem a livre concorrências nos merca<strong>do</strong>s (UNRIC, s.d.).<br />

3. ODS 2 – saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> – a aposta numa saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> refletir-se-á<br />

na redução da taxa <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> materna global, <strong>do</strong>s recém-nasci<strong>do</strong>s e<br />

crianças menores <strong>de</strong> 5 anos; na eliminação <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças contagiosas e<br />

epi<strong>de</strong>mias; na promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental; no acesso universal aos serviços <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> sexual e reprodutiva; na prevenção e tratamento <strong>do</strong> abuso <strong>de</strong> substâncias;<br />

na redução da sinistralida<strong>de</strong> ro<strong>do</strong>viária; na aposta e reforço da qualificação <strong>do</strong>s<br />

recursos humanos especializa<strong>do</strong>s e na cobertura universal <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, bem como<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas nacionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública. (UNRIC, s.d.).<br />

4. ODS 4 – educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> – o acesso livre, equitativa e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

constitui-se como uma meta <strong>de</strong> base imprescindível, garantin<strong>do</strong> as qualificações<br />

mínimas a to<strong>do</strong>s os jovens. Esta universalização <strong>do</strong> acesso ao ensino e<br />

qualificação exigirá a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> apoios sociais para os grupos mais sensíveis<br />

economicamente, além da cooperação internacional, não só ao nível da<br />

investigação mas também na implementação <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> alfabetização.<br />

5. ODS 5 – igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género – “acabar com todas as formas <strong>de</strong> discriminação<br />

contra todas as mulheres e meninas” e com toda as formas <strong>de</strong> violência<br />

(casamentos prematuros, mutilação, etc.) é uma gran<strong>de</strong> preocupação mundial,<br />

dadas as práticas culturais enraizadas em alguns países. A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género<br />

exige ainda “a<strong>do</strong>tar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a<br />

promoção da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género e o empo<strong>de</strong>ramento <strong>de</strong> todas as mulheres e<br />

meninas em to<strong>do</strong>s os níveis” (UNRIC, s.d.).<br />

6. ODS 6 – água potável e saneamento – o acesso universal e equitativo à agua<br />

potável, bem como o saneamento básico é um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio mundial, dadas<br />

as suas implicações na luta contra a poluição, a eficiência no uso <strong>do</strong>s recursos<br />

hídricos e em políticas <strong>de</strong> saneamento e tratamento <strong>de</strong> resíduos. Este objetivo<br />

exigirá ainda a educação para a poupança da água e o envolvimento das<br />

comunida<strong>de</strong>s locais.<br />

7. ODS 7 – energias renováveis e acessíveis – preten<strong>de</strong>-se tornar o acesso à<br />

energia universalmente acessível, apostan<strong>do</strong> cada vez mais em fontes<br />

renováveis, não esquecen<strong>do</strong> a eficiência na sua utilização, quer através da<br />

348


mo<strong>de</strong>rnização das infraestruturas, quer através da investigação nesta área para<br />

a sua eficiência e redução <strong>de</strong> gastos/custos.<br />

8. ODS 8 – trabalho digno e crescimento económico – neste objetivo foram<br />

<strong>de</strong>finidas um conjunto <strong>de</strong> metas capazes <strong>de</strong> “promover políticas orientadas para<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento que apoiem as ativida<strong>de</strong>s produtivas, geração <strong>de</strong> emprego<br />

<strong>de</strong>cente, empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>rismo, criativida<strong>de</strong> e inovação, e incentivar a formalização<br />

e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive através <strong>do</strong><br />

acesso aos serviços financeiros”. O crescimento económico <strong>de</strong>verá ter como<br />

preocupação a melhoria da produtivida<strong>de</strong>, da diversificação da produção e da<br />

inovação, protegen<strong>do</strong> sempre os trabalha<strong>do</strong>res com o intuito <strong>de</strong> vislumbrar o<br />

emprego pleno até 2030, cumprin<strong>do</strong> com o Pacto Mundial para o emprego da<br />

Organização Mundial <strong>do</strong> Trabalho (UNRIC, s.d.).<br />

9. ODS 9 – indústria, inovação e infraestruturas – a aposta na inovação,<br />

investigação e <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico constituem as base para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> “infraestruturas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> confiança, sustentáveis e<br />

resilientes, incluin<strong>do</strong> infraestruturas regionais e transfronteiriças, para apoiar o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento económico e o bem-estar humano, focan<strong>do</strong>-se no acesso<br />

equitativo e a preços acessíveis para to<strong>do</strong>s”. O mesmo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>verá<br />

também ser suporta<strong>do</strong> pelas TIC e pelo acesso universal à internet.<br />

10. ODS 10 – reduzir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s – a realização <strong>de</strong>ste objetivo passa pela<br />

promoção da “inclusão social, económica e política <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ida<strong>de</strong>, género, <strong>de</strong>ficiência, raça, etnia, origem, religião,<br />

condição económica ou outra”, bem como pela a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> políticas,<br />

“especialmente ao nível fiscal, salarial e <strong>de</strong> proteção social”, para alcançar<br />

progressivamente uma maior igualda<strong>de</strong> e “facilitar a migração e a mobilida<strong>de</strong><br />

das pessoas <strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>nada, segura, regular e responsável” (UNRIC, s.d.).<br />

11. ODS 11 – cida<strong>de</strong>s e comunida<strong>de</strong>s sustentáveis – a sustentabilida<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s<br />

passa pela habitação inclusiva, segura e a<strong>de</strong>quada, por sistemas <strong>de</strong> transportes<br />

acessíveis e sustentáveis e pelo acesso a espaços públicos, através <strong>de</strong> um<br />

planeamento regional e nacional; pela proteção <strong>do</strong> património cultural e natural;<br />

e pela redução <strong>do</strong> impacto da vida em socieda<strong>de</strong> no meio ambiente.<br />

12. ODS 12 – produção e consumo sustentáveis – este objetivo centra os seus<br />

resulta<strong>do</strong>s na implementação <strong>do</strong> Plano Decenal <strong>de</strong> Programas sobre Produção<br />

e Consumo sustentáveis, corresponsabilizan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os países, especialmente<br />

os países <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s. Assim, procura-se alcançar a gestão sustentável <strong>do</strong>s<br />

349


ecursos naturais, a redução <strong>do</strong>s produtos químicos e a geração <strong>de</strong> resíduos,<br />

consciencializan<strong>do</strong> empresas e cidadãos a a<strong>do</strong>tar práticas sustentáveis e<br />

responsáveis.<br />

13. ODS 13 – ação climática – neste objetivos preten<strong>de</strong>-se essesncialmente<br />

“reforçar a resiliência e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação a riscos relaciona<strong>do</strong>s com o<br />

clima e as catástrofes naturais em to<strong>do</strong>s os países”, levan<strong>do</strong> os países a<br />

comprometerem-se com o assumi<strong>do</strong> na Convenção-Quadro das Nações Unidas<br />

sobre Alterações Climáticas, respeitan<strong>do</strong> os compromissos internacionais <strong>de</strong><br />

proteção ambiental.<br />

14. ODS 14 – proteger a vida marinha – a proteção <strong>do</strong> planeta passa também pela<br />

proteção <strong>do</strong>s amres, fonte <strong>de</strong> vida e recurso insubstituível para a subsistência<br />

da vida. Por isso, além <strong>do</strong> ODS 13 e <strong>de</strong> todas as preocupações evi<strong>de</strong>nciadas<br />

noutros ODS em relação ao respeito pelo meio ambiente, a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>ste ODS<br />

preten<strong>de</strong> sublinhar a necessida<strong>de</strong> premente da redução da poluição marítima e<br />

<strong>do</strong>s recursos piscatórios, tornan<strong>do</strong> estas ativida<strong>de</strong>s económicas sustentáveis e<br />

responsáveis.<br />

15. ODS 15 – proteger a vida terrestre – a par da proteção <strong>do</strong>s oceanos, surge<br />

também a proteção das florestas, combaten<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sertificação ou a <strong>de</strong>smatação<br />

por objetivos simplementos economicistas, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> ecossistemas<br />

insubstituíveis ou aceleran<strong>do</strong> processos <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> espécies animais. A<br />

preservação da biodiversida<strong>de</strong> terrestre exigirá também a <strong>de</strong>finição e a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong><br />

políticas nacionais e internacionais <strong>de</strong> cooperação para combater o tráfico ilegal<br />

<strong>de</strong> animais/plantas.<br />

16. ODS 16 – paz, justiça e instituições eficazes – a luta contra re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tráfico<br />

(humano, armas, etc.), crime organiza<strong>do</strong> e corrupção e subsequente <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito exige instituições eficazes, responsáveis e transparentes,<br />

alicerçadas na justiça e na <strong>de</strong>fesa das liberda<strong>de</strong>s fundamentais. Tal situação só<br />

conseguirá ser consolida<strong>de</strong> se houver uma vonta<strong>de</strong> efetiva e conjunta <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os países para respon<strong>de</strong>rem a esses <strong>de</strong>safios com estratégias concertadas e<br />

mecanismos comuns.<br />

17. ODS 17 – parcerias para a implementação <strong>do</strong>s objetivos – o último ODS reforça<br />

a i<strong>de</strong>ia já veiculada em toda estratégia <strong>de</strong> corresponsabilização e solidarieda<strong>de</strong><br />

entre to<strong>do</strong>s os países, ou seja, a efetivação <strong>do</strong>s progressos pretendi<strong>do</strong>s só serão<br />

possíveis através da colaboração entre os países, reforçan<strong>do</strong> a cooperação sulsul<br />

e norte-sul, coadjuvada por processos <strong>de</strong> cooperação regional, <strong>de</strong> forma a<br />

350


criar as condições neccessárias para que as metas passem da retórica para a<br />

prática.<br />

METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

Para esta investigação foi conduzida uma pesquisa exploratória <strong>de</strong> fontes<br />

bibliográficas, que teve como finalida<strong>de</strong>s clarificar e ampliar o conhecimento em<br />

torno <strong>do</strong> enquadramento histórico que circunscreve os conceitos envolvi<strong>do</strong>s nos<br />

objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, perscrutan<strong>do</strong> a sua evolução <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

os iniciais oito objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Milénio até aos contornos <strong>de</strong> que<br />

atualmente se revestem, e analisan<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s avanços alcança<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro<br />

da União Europeia (UE) no que a eles se reporta.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

A implementação <strong>do</strong>s ODM conduziu a alguns progressos, apesar <strong>do</strong>s<br />

problemas e lacunas que persistiram, como a “representativida<strong>de</strong> parlamentar<br />

feminina ou o número <strong>de</strong> pessoas em situação <strong>de</strong> pobreza extrema e fome”<br />

(Oka<strong>do</strong> & Quinelli, 2016, p. 128). Isto é, a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s ODM foram um primeiro<br />

passo para a consciencialização <strong>do</strong>s países, ao nível planetário, da necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se corresponsabilizarem por um <strong>de</strong>senvolvimento universal e sustentável.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, os ODS surgiram como uma tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ao<br />

<strong>de</strong>safios relaciona<strong>do</strong>s com a fome, pobreza, saú<strong>de</strong> pública, educação e bem<br />

estar, já que a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s anteriores ODM não haviam ti<strong>do</strong> <strong>de</strong>vidamente em<br />

conta as “populações mais excluídas; não inclusão da violência produzida pelo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento; <strong>de</strong>staque insuficiente à boa governança e a governos e<br />

instituições transparentes e <strong>de</strong>mocráticas; pouca importância ao crescimento<br />

inclusivo; e baixa matricialida<strong>de</strong>” (Gallo & Setti, 2014, p. 4385), sofren<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

limitações estruturais.<br />

Como referimos supra, a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s 17 ODS, intimamente liga<strong>do</strong>s às<br />

169 metas e 200 indica<strong>do</strong>res, permitiu uma monitorização mais a<strong>de</strong>quada, a par<br />

da corresponsabilização <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os 193 países. Ao nível da União Europeia<br />

(UE), essa monitorização passou a ser feita ao nível nacional e comunitário,<br />

351


permitin<strong>do</strong> a comparação da mesma evolução entre os 27 Esta<strong>do</strong>s membros<br />

(Eurostat, 2018).<br />

Para que seja possível o cumprimento <strong>do</strong>s ODS, a UE comprometeu-se<br />

<strong>de</strong> imediato em integrar os mesmos objetivos com as priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finidas pela<br />

Comissão Europeia (Próximas etapas para um futuro europeu sustentável,<br />

2016).<br />

Além disso, no mesmo <strong>do</strong>cumento, reforça<strong>do</strong> pelo Livro Branco sobre o<br />

futuro da Europa a 27 (Comissão Europeia, 2017), verificamos a interligação <strong>do</strong>s<br />

ODS com as políticas <strong>de</strong> coesão comunitárias e com os fun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> investimento<br />

da União (Fun<strong>do</strong>s Europeus Estruturais e <strong>de</strong> Investimento - FEEI), procuran<strong>do</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificar formas concretas para a sua implementação, como é o caso <strong>do</strong><br />

programa Horizonte 2020, através <strong>do</strong> seu pilar <strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios societais. O Livro<br />

Branco reforça ainda o papel da UE para alcançar os ODS com a sua agenda<br />

para a ação externa, apoian<strong>do</strong> a realização <strong>do</strong>s ODS nos territórios vizinhos,<br />

on<strong>de</strong> a UE <strong>de</strong>senvolva ações <strong>de</strong> apoio humanitário e/ou no âmbito da sua política<br />

<strong>de</strong> vizinhança (Comissão Europeia, 2017, pp. 8-9).<br />

O relatório <strong>de</strong> 2018 (Eurostat, 2018) apresenta uma análise exaustiva <strong>do</strong>s<br />

progresssos alcança<strong>do</strong>s, com base na comparação entre os indica<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s<br />

ODS, avalia<strong>do</strong>s em função <strong>de</strong> metas quantitativas para a UE. Até 2018, os<br />

resulta<strong>do</strong>s mais positivos foram alcança<strong>do</strong>s em relação ao ODS 3 “Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong>” (redução <strong>do</strong> consumo <strong>de</strong> tabaco, maior acesso a cuida<strong>do</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

melhoria da esperança <strong>de</strong> vida e redução da taxa <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> nos recémnasci<strong>do</strong>s<br />

e das mortes por <strong>do</strong>enças crónicas ou aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho; redução<br />

da poluição <strong>do</strong> ar e sonora), seguin<strong>do</strong>-se o ODS 4 “Educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>” (pelo<br />

aumento <strong>do</strong> emprego <strong>de</strong> recém-licencia<strong>do</strong>s; redução <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no escolar<br />

precoce); e o ODS 7 “energias renováveis e acessíveis” (com a redução <strong>do</strong><br />

consumo energético, aumento da percentagem <strong>de</strong> energia <strong>de</strong> fontes renováveis,<br />

uma leve redução na <strong>de</strong>pendência energética <strong>do</strong> exterior, bem como na melhoria<br />

<strong>do</strong> conforto térmico nas casas) (Eurostat, 2018).<br />

Foram ainda apresenta<strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s positivos em relação ao ODS 11<br />

“cida<strong>de</strong>s e comunida<strong>de</strong>s sustentáveis” (pela redução <strong>do</strong> número <strong>de</strong> cidadãos a<br />

viver em condições <strong>de</strong> inabitabilida<strong>de</strong>, aumento da taxa <strong>de</strong> reciclagem <strong>de</strong> lixo,<br />

352


aumento da utilização <strong>de</strong> transportes públicos), ao ODS 12 “produção e consumo<br />

sustentáveis” (resulta<strong>do</strong>s ténues em relação ao tratamento <strong>do</strong> lixo, consumo/uso<br />

<strong>de</strong> químicos e emissão <strong>de</strong> CO2 <strong>de</strong> viaturas particulares); ao ODS 5 “igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> género” (redução ténue da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> género); ao ODS 8 “trabalho digno e<br />

crescimento económico” (em comparação com 2017, verificaram-se melhores<br />

<strong>de</strong>sempenhos no PIB per capita e na taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego a longo prazo;<br />

aumento da produtivida<strong>de</strong> na UE). Em relação ao ODS 17 “parcerias para a<br />

implementação <strong>do</strong>s objetivos”, os resulta<strong>do</strong>s também não são uniformes a to<strong>do</strong><br />

o território – houve gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s para <strong>de</strong>dicar 0,7% <strong>do</strong> PIB à assistência<br />

e ao <strong>de</strong>senvolvimento externo, além das importações provindas <strong>de</strong> países<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s continuarem a aumentar. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> isso, as dívidas públicas<br />

<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-membros conseguiram diminuir. Quanto ao ODS 1 “erradicar a<br />

pobreza”, verificaram-se diferentes tendências no espaço da UE – houve por um<br />

la<strong>do</strong> melhorias nas condições <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>, mas também redução na<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cidadãos manterem o conforto térmico nas suas casas e, em<br />

alguns países; o número <strong>de</strong> pessoas em risco <strong>de</strong> pobreza aumentou.<br />

De uma forma menos expressiva, registaram-se alguns avanços em<br />

relação ao ODS 15 “proteger a vida terrestre” e ao ODS 2 “erradicar a fome”.<br />

No referente ao ODS 9 “indústria, inovação e infraestruturas” assistimos<br />

a um número igual <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentos positivos e negativos, em relação aos<br />

indica<strong>do</strong>res, dada a redução <strong>do</strong> transporte <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias por via ferroviária ou<br />

fluvial e <strong>do</strong> registo <strong>de</strong> patentes, bem como da estagnação das políticas para<br />

redução da emissão <strong>de</strong> CO2. Apesar disso, verificou-se um maior número <strong>de</strong><br />

indivíduos a trabalhar em áreas tecnológicas e um aumento da utilização <strong>de</strong><br />

comboios e autocarros pelos indivíduos.<br />

Em relação aos ODS 6 “água potável e saneamento” (a maioria <strong>do</strong>s<br />

cidadãos tem acesso a saneamento e a água potável <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, embora a<br />

qualida<strong>de</strong> da água em alguns rios tenha piora<strong>do</strong>), ODS 13 “ação climática”<br />

(apesar <strong>do</strong>s avanços na redução <strong>do</strong> efeito estufa e das energias renováveis, o<br />

problema continua a centrar-se nas emissões <strong>de</strong> CO2, ODS 14 “proteger a vida<br />

marítima” (embora exista o projeto da Re<strong>de</strong> Natura, os da<strong>do</strong>s disponíveis não<br />

são conclusivos acerca da preservação <strong>do</strong>s habitats e espécies marinhas ou em<br />

353


elação à pesca sustentável) e ODS 16 “paz, justiça e instituições eficazes”<br />

(assistiu-se à redução <strong>do</strong> número <strong>de</strong> homicídios, ao aumento <strong>de</strong> investimento<br />

em tribunais, mas não existem da<strong>do</strong>s suficientes em relação à corrupção ou<br />

in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> justiça), o relatório <strong>de</strong> 2018 afirma não existirem<br />

da<strong>do</strong>s suficientes nos últimos 5 anos para apresentar resulta<strong>do</strong>s efetivos.<br />

(Eurostat, 2018)<br />

CONSIDERAÇÕES /FINAIS<br />

A <strong>de</strong>finição, em 2015, <strong>do</strong>s objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável,<br />

plasma<strong>do</strong>s na Agenda 2030, constitui uma prorrogação <strong>do</strong>s prazos que não<br />

foram possíveis <strong>de</strong> cumprir anteriormente, reforçan<strong>do</strong> a preocupação com a<br />

sustentabilida<strong>de</strong> e com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento equitativo <strong>de</strong> to<strong>do</strong><br />

o planeta.<br />

A Agenda 2030 reflete, no entanto, uma visão ten<strong>de</strong>ncialmente liberal e<br />

economicista, a qual tem <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> as relações internacionais <strong>do</strong> século XXI (e<br />

já no século XX). Essa visão está presente no papel aponta<strong>do</strong> ao setor priva<strong>do</strong><br />

na promoção da sustentabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scuran<strong>do</strong>, todavia, as contradições que lhe<br />

são inerentes pela sua inserção em mo<strong>de</strong>los nacionais e regionais <strong>de</strong> produção<br />

e consumo díspares e mesmo hegemónicos.<br />

Também na saú<strong>de</strong> verificamos uma perspetiva economicista,<br />

apresentan<strong>do</strong>-se a saú<strong>de</strong> como um produto, cujo consumi<strong>do</strong>r (os indivíduos são<br />

aí vistos como consumi<strong>do</strong>res e não cidadãos) <strong>de</strong>ve ser protegi<strong>do</strong> <strong>de</strong> falhas <strong>do</strong><br />

merca<strong>do</strong>.<br />

Apesar disso, verificam-se avanços quan<strong>do</strong> comparamos os ODM com os<br />

ODS, da<strong>do</strong> que na preparação <strong>de</strong>stes existiu uma preocupação clara <strong>do</strong><br />

envolvimento <strong>do</strong>s países e das comunida<strong>de</strong> para alcançar as metas elencadas.<br />

A esse respeito, apontamos também como avanços positivos a introdução<br />

da meta <strong>do</strong> acesso universal à saú<strong>de</strong>, educação e ao espaço público, entre<br />

outros, bem como a importância dada à participação <strong>do</strong>s indivíduos, enquanto<br />

comunida<strong>de</strong>.<br />

354


A i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> “leave no one behind” constitui-se como premissa <strong>de</strong> toda a<br />

Agenda 2030, on<strong>de</strong> a accountability <strong>do</strong>s países <strong>de</strong>ve ser a base <strong>de</strong> todas as<br />

iniciativas <strong>de</strong>senvolvidas.<br />

No fun<strong>do</strong>, a Agenda 2030 evi<strong>de</strong>ncia a insustentabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> atual mo<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> produção e consumo, exigin<strong>do</strong> um mo<strong>de</strong>lo basea<strong>do</strong> na solidarieda<strong>de</strong> e<br />

cooperação internacionais. A falta <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo alternativo para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento sustentável ao nível <strong>de</strong> uma governança global inviabilizam a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar resulta<strong>do</strong>s mais expressivos, apesar <strong>do</strong> esforço<br />

verifica<strong>do</strong> em algumas regiões, como é o caso da União Europeia.<br />

REFERÊNCIAS<br />

Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P. (s.d.). A Agenda 2030. Obti<strong>do</strong> em<br />

novembro <strong>de</strong> 2018, <strong>de</strong> http://www.adcoesao.pt/content/agenda-2030-objetivos-<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento-sustentavel<br />

Castells, M. (1999). A era da informação. A socieda<strong>de</strong> em re<strong>de</strong>. São Paulo: Paz e Terra.<br />

Comissão Europeia. (22 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2016). Próximas etapas para um futuro<br />

europeu sustentável. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho,<br />

ao Conselho Económico e Social e ao Comité das Regiões. Bruxelas. Obti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

http://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52016DC0739&from=SL<br />

Comissão Europeia. (1 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2017). Reflexões e cenários para a UE-27 em 2025<br />

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https://ec.europa.eu/commission/sites/betapolitical/files/livro_branco_sobre_o_futuro_da_europa_pt.pdf<br />

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Monitoring Report on Progress towards the SGDS in an EU context. Luxemburgo:<br />

Publications Office of the European Union. <strong>do</strong>i:10.2785/401485<br />

Filho, C. d. (27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2018). Agenda 2030 para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável:<br />

uma leitura <strong>de</strong> política pública na clave da biblioteca escolar. Revista Digital<br />

Biblioteconomia e Ciência da Informação, 16(3), pp. 355-372.<br />

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Gallo, E., & Setti, A. (agosto <strong>de</strong> 2014). Território, intersetorialida<strong>de</strong> e escalas: requisitos<br />

para a efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s ODS. Revista Ciêncua & Saú<strong>de</strong> Coletiva, pp. 4383-4396. Obti<strong>do</strong><br />

em setembro <strong>de</strong> 2017<br />

Oka<strong>do</strong>, G., & Quinelli, L. (jul/<strong>de</strong>z. <strong>de</strong> 2016). Megatendências mundiais 2030 e os<br />

objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável (ODS): uma reflexão preliminar sobre a nova<br />

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Transformar o nosso mun<strong>do</strong>: Agenda 2030 <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável. Obti<strong>do</strong> em<br />

355


outubro <strong>de</strong> 2018, <strong>de</strong> http://www.adcoesao.pt/content/agenda-2030-objetivos-<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento-sustentavel<br />

Ruano, J. C. (2016). Los objetivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarollo sostenible: una encrucijada<br />

paradigmática <strong>de</strong> la sociedad globalizada. Cua<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Filosofia Latinoamericana,<br />

37(115), pp. 149-175. Obti<strong>do</strong> em outubro <strong>de</strong> 2018<br />

UNRIC. (s.d.). Objetivos <strong>de</strong> Desenvolvimento Sustentável. s.l. Obti<strong>do</strong> em outubro <strong>de</strong><br />

2018, <strong>de</strong> https://www.unric.org/pt/17-objetivos-<strong>de</strong>-<strong>de</strong>senvolvimento-sustentavel<br />

356


A UTILIZAÇÃO RETÓRICA DO TERMO “CRISE DE MIGRAÇÃO”: uma<br />

análise das realida<strong>de</strong>s francesa e brasileira<br />

DUTRA FERNÁNDEZ, Thaís<br />

Mestranda em Human Rights and Humanitarian Action no Instituto <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Políticos <strong>de</strong> Paris (Sciences Po).<br />

Bacharel em Direito pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (UFMG) e em Relações Internacionais pela Pontifícia<br />

Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

thais.dutrafernan<strong>de</strong>z@sciencespo.fr<br />

ALBUQUERQUE AZEVEDO GOMES, Janaína<br />

Mestranda em Ciências Jurídico-Internacionais na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa (ULisboa). Bacharel<br />

em Direito pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB).<br />

janainagomes@campus.ul.pt<br />

RESUMO<br />

Des<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2015 o tema da migração tem esta<strong>do</strong> constantemente em pauta,<br />

sen<strong>do</strong> continuamente explora<strong>do</strong> pela mídia. Conflitos, bem como crises políticas<br />

e econômicas têm motiva<strong>do</strong> o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas que<br />

buscam escapar <strong>de</strong>ssa situação. Na realida<strong>de</strong> francesa os fluxos migratórios<br />

recentemente noticia<strong>do</strong>s se originam <strong>de</strong> países <strong>do</strong> Oriente Médio, enquanto no<br />

caso brasileiro, a maioria provém <strong>de</strong> outros países latino-americanos. Em<br />

relação à França, a entrada <strong>de</strong>ssas pessoas tem si<strong>do</strong> diretamente relacionada<br />

aos casos <strong>de</strong> ataques terroristas, enquanto no Brasil é correlaciona<strong>do</strong> ao<br />

aumento da violência e à superlotação <strong>do</strong>s serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

educação. Em ambos é possível perceber a hostilida<strong>de</strong> da população <strong>de</strong><br />

acolhida e a utilização retórica <strong>de</strong>sses fluxos como responsáveis por<br />

instabilida<strong>de</strong>s. Dessa forma, com base na análise comparativa <strong>do</strong>s casos<br />

brasileiro e francês este artigo visa a compreen<strong>de</strong>r como o discurso <strong>de</strong> uma crise<br />

migratória é utiliza<strong>do</strong> para mascarar a existência <strong>de</strong> crises mais profundas e préexistentes<br />

à chegada <strong>de</strong>ssas pessoas migrantes.<br />

Palavras-chave: Fluxos migratórios; análise comparativa; Brasil; França.<br />

ABSTRACT<br />

Since 2015 the subject of migration has been constantly on the agenda, being<br />

unceasingly explored by the media. Conflicts, as well as political and economic<br />

crisis, have motivated the displacement of thousands of people who seek to<br />

escape this situation. In French reality the recently reported migration flows have<br />

originated from Middle Eastern countries, while in the Brazilian case, the majority<br />

comes from other Latin American countries. In relation to France, the entrance<br />

of these people has been directly related to cases of terrorist attacks, while in<br />

Brazil it is associated with the increase in violence and the crowding of public<br />

health and education services. In both cases it is possible to notice the hostility<br />

of the host population and the rhetorical use of these flows as being responsible<br />

for instabilities. Thus, based on a comparative analysis of the Brazilian and the<br />

French cases, this article seeks to un<strong>de</strong>rstand how the speech of a migratory<br />

357


crisis is used to mask the existence of <strong>de</strong>eper and pre-existing crisis on the<br />

arrival of these migrants.<br />

Keywords: Migration flows, comparative analysis; Brazil; France.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A utilização <strong>do</strong> termo crises migratórias tem si<strong>do</strong> comumente utiliza<strong>do</strong><br />

para se referir a um tipo <strong>de</strong> fenômeno causa<strong>do</strong> pelos fluxos <strong>de</strong> pessoas através<br />

das fronteiras que ocorrem em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> em um breve espaço <strong>de</strong><br />

tempo. Esses movimentos, que se acentuaram após 2015, são consequência <strong>de</strong><br />

conflitos arma<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>s políticas e <strong>de</strong> estagnações econômicas nos<br />

países <strong>de</strong> origem. Do outro la<strong>do</strong>, nos países <strong>de</strong> acolhida, o discurso comumente<br />

emprega<strong>do</strong> pelos governantes é o <strong>de</strong> que esses fluxos seriam a causa <strong>do</strong>s<br />

problemas internos.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, a retórica utilizada é a <strong>de</strong> que os fluxos migratórios<br />

prece<strong>de</strong>riam as crises nos países <strong>de</strong> chegada. No entanto, após melhor análise<br />

da situação po<strong>de</strong>-se perceber <strong>de</strong>safios internos no âmbito da saú<strong>de</strong>, da<br />

educação e da segurança que antece<strong>de</strong>m a chegada <strong>de</strong>sses imigrantes.<br />

Esse fenômeno está presente nas realida<strong>de</strong>s europeia e brasileira. No<br />

âmbito da União Europeia, po<strong>de</strong>-se perceber <strong>de</strong>savenças pré-existentes entre<br />

os Esta<strong>do</strong>s membros que se fortaleceram e se acentuaram com o aumento <strong>do</strong>s<br />

fluxos migratórios. Mais especificamente em relação à França, a chamada selva<br />

<strong>de</strong> Calais se tornou um espaço <strong>de</strong> vazio jurídico in<strong>de</strong>seja<strong>do</strong> em que os próprios<br />

migrantes e as associações <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> se organizaram<br />

<strong>de</strong> forma a prover direitos sociais. No caso brasileiro, os serviços públicos já<br />

eram <strong>de</strong>ficitários no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Roraima, no entanto, a chegada <strong>do</strong>s imigrantes<br />

venezuelanos foi consi<strong>de</strong>rada a responsável, pelos governos locais e fe<strong>de</strong>rais,<br />

pela falência na promoção <strong>de</strong>sses serviços.<br />

358


OBJETIVOS<br />

Geral:<br />

Analisar a utilização <strong>de</strong> um discurso <strong>de</strong> crise migratória para encobrir<br />

crises políticas e sociais e a existência <strong>de</strong> uma percepção negativa em relação<br />

ao estrangeiro nos contextos brasileiro e francês.<br />

Específico:<br />

Verificar a existência <strong>de</strong> uma crise migratória nos contextos brasileiro e<br />

francês após o ano <strong>de</strong> 2015.<br />

Comparar como o tema da migração é apresenta<strong>do</strong> e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> nas<br />

legislações brasileira e a francesa.<br />

Analisar como os Esta<strong>do</strong>s brasileiro e francês percebem a entrada e a<br />

presença <strong>de</strong> imigrantes.<br />

Compreen<strong>de</strong>r como as legislações brasileira e francesas sobre o tema<br />

das migrações lidam com os vazios jurídicos.<br />

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

a) Definição <strong>do</strong> termo crise migratória nos contextos europeu e brasileiro<br />

O termo crise migratória passou a ser emprega<strong>do</strong> na realida<strong>de</strong> da União<br />

Europeia após os naufrágios ocorri<strong>do</strong>s na costa da Líbia no mês <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2015.<br />

Enquanto no dia 12 <strong>de</strong> abril cerca <strong>de</strong> 400 migrantes <strong>de</strong>sapareceram e apenas<br />

150 sobreviveram, uma semana <strong>de</strong>pois, os números foram ainda mais<br />

chocantes, com apenas 28 sobreviventes <strong>de</strong> um total <strong>de</strong> 800 pessoas a bor<strong>do</strong><br />

(LE MONDE, 2015).<br />

359


Figura 1 – Entradas irregulares (2015-2018)<br />

Fonte: Conselho da Europa, 2018<br />

Como se po<strong>de</strong> observar na Figura 1 acima representada, no ano <strong>de</strong> 2015,<br />

os fluxos migratórios que se dirigiam ao continente Europeu aumentaram <strong>de</strong><br />

maneira vertiginosa em relação ao ano prece<strong>de</strong>nte. O pico <strong>de</strong> entradas<br />

irregulares se <strong>de</strong>u igualmente naquele ano, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então os números<br />

começaram a reduzir, sen<strong>do</strong> hoje inferiores àqueles que antece<strong>de</strong>ram 2015.<br />

Todavia, mesmo com uma drástica redução <strong>de</strong>sses fluxos, a retórica <strong>do</strong>s Chefes<br />

<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> Governo europeus e <strong>de</strong> veículos da mídia continua a empregar<br />

o termo crise migratória.<br />

Em setembro <strong>de</strong> 2018, durante reunião informal <strong>do</strong> Conselho Europeu, a<br />

questão migratória se caracterizou como um <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong>safios aos<br />

governantes europeus. Os países <strong>do</strong> leste e <strong>do</strong> sul da Europa – os Visegrad, a<br />

Áustria e a Itália – se antagonizaram aos países da Europa oci<strong>de</strong>ntal –<br />

Alemanha, França e Espanha – no tocante à aceitação e à repartição <strong>de</strong><br />

solicitantes <strong>de</strong> refúgio. Enquanto aqueles se recusam a receber quotas <strong>de</strong><br />

imigrantes, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> “sofrerem” com a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solicitações,<br />

esses reforçam a necessida<strong>de</strong> da valorização <strong>do</strong> princípio da solidarieda<strong>de</strong><br />

europeia em que to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veriam ter as mesmas responsabilida<strong>de</strong>s.<br />

360


Diante <strong>do</strong>s números que <strong>de</strong>monstram não haver, no ano <strong>de</strong> 2018, um fluxo<br />

migratório que justificaria a sua caracterização como suficiente para gerar um<br />

transtorno às instituições europeias, é possível discutir se, em vez <strong>de</strong> uma crise<br />

migratória, o que acontece na União Europeia seria, pois, uma crise institucional<br />

ou uma crise política. I<strong>de</strong>ntificar uma crise da União Europeia seria admitir que<br />

as instituições estariam paralisadas e impedidas <strong>de</strong> funcionar propriamente.<br />

Dessa forma, po<strong>de</strong>r-se-ia aventar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma crise em termos <strong>de</strong><br />

cooperação no cerne da UE. Seria, então, a política <strong>de</strong>senvolvida pelos Esta<strong>do</strong>s<br />

Membros que estaria levan<strong>do</strong> o bloco a enfrentar os <strong>de</strong>safios e as incertezas que<br />

se reproduzem. Um marco da falta <strong>de</strong> cooperação é a política <strong>de</strong> relocalização<br />

anteriormente mencionada. Os países <strong>do</strong> leste europeu se recusam a receber a<br />

quota <strong>de</strong> imigrantes que lhes teria si<strong>do</strong> atribuída em razão <strong>de</strong> suas condições<br />

econômicas. Não obstante, a política <strong>de</strong> relocalização no âmbito <strong>do</strong> Conselho da<br />

Europa torna possível que os Esta<strong>do</strong>s contrários invoquem sua oposição para o<br />

não cumprimento <strong>do</strong> acorda<strong>do</strong>.<br />

As conclusões parciais indicam não estarmos diante <strong>de</strong> uma atual crise<br />

migratória na Europa, contu<strong>do</strong>, o termo tem si<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> no contexto brasileiro<br />

para se referir à entrada <strong>de</strong> venezuelanos na região Norte <strong>do</strong> país. De acor<strong>do</strong><br />

com a Organização Internacional para as Migrações, o fluxo <strong>de</strong> emigrantes<br />

venezuelanos já é comparável aos momentos <strong>de</strong> crise ocorri<strong>do</strong>s no Mediterrâneo<br />

no ano <strong>de</strong> 2015 (BBC, 2018). Em razão das crises econômica e política, milhares<br />

<strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>ixaram o país sul-americano com <strong>de</strong>stino, em sua maioria, aos<br />

países vizinhos.<br />

b) A percepção negativa <strong>do</strong> imigrante pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acolhida<br />

Diante <strong>do</strong>s recentes e intensos fluxos migratórios, os Esta<strong>do</strong>s se sentiram<br />

compeli<strong>do</strong>s a robustecer a legislação no que concerne a aceitação e a permissão<br />

<strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> imigrantes. Todavia, apesar <strong>de</strong> terem si<strong>do</strong> cria<strong>do</strong>s mecanismos<br />

nos diversos or<strong>de</strong>namentos jurídicos para garantir sua proteção, a isonomia é<br />

apenas aparente, sen<strong>do</strong> inverossímil afirmar que todas as pessoas são tratadas<br />

<strong>de</strong> forma homogênea in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua origem.<br />

361


Tal panorama já era percebi<strong>do</strong> no contexto histórico brasileiro no perío<strong>do</strong><br />

entre o final <strong>do</strong> século XIX e o início <strong>do</strong> século XX. Tulchin (2016) aponta que o<br />

Brasil se encontrava permea<strong>do</strong> pelo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> racial que acometia<br />

os países oci<strong>de</strong>ntais e, na tentativa <strong>de</strong> estabelecer sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e afirmar-se<br />

como nação (BOLSANELLO, 1996), abriu suas fronteiras para receber mão-<strong>de</strong>obra<br />

europeia. Essa política aten<strong>de</strong>u a um duplo objetivo <strong>de</strong> fornecer a mão-<strong>de</strong>obra<br />

necessitada no campo e <strong>de</strong> embranquecer a população. As facilitações<br />

asseguradas a esses imigrantes <strong>de</strong> origem europeia não se esten<strong>de</strong>ram aos<br />

<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> origem asiática ou africana, por serem consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s “biologicamente<br />

<strong>de</strong>genera<strong>do</strong>s e, consequentemente, não contribuírem para melhorar a qualida<strong>de</strong><br />

racial mestiça” (BASBAUM, 2004).<br />

Entretanto, as políticas <strong>de</strong> abertura imigratória não tardaram em serem<br />

interrompidas. A criação <strong>do</strong>s núcleos coloniais mostrou-se malsucedida, uma<br />

vez que a imigração em massa permitiu a formação <strong>de</strong> pequenas comunida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> estrangeiros que se mantinham apartadas da socieda<strong>de</strong> brasileira (LUCA,<br />

2004). A<strong>de</strong>mais, os trabalha<strong>do</strong>res trouxeram consigo as reivindicações por<br />

melhores salários e condições <strong>de</strong> trabalho (SILVA, 2008). Em <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong><br />

fracasso da agenda <strong>de</strong> branqueamento, <strong>do</strong> <strong>de</strong>semprego generaliza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

nacionais e das reivindicações trabalhistas, a presença <strong>do</strong>s estrangeiros foi<br />

automaticamente associada ao surgimento <strong>de</strong>sses transtornos sociais.<br />

Não obstante, o discurso que associa a eclosão <strong>de</strong> problemas sociais à<br />

chegada <strong>do</strong>s imigrantes foi dificilmente supera<strong>do</strong>, revelan<strong>do</strong>-se cada vez mais<br />

atual. Como assinalam Barbosa, Obregon (2018) e Pinto, Obregon (2018), os<br />

efeitos da crise na Venezuela também impactaram o cenário brasileiro, pois<br />

teriam ocasiona<strong>do</strong> superlotação <strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e o crescimento da onda<br />

<strong>de</strong> violência, bem como teriam fomenta<strong>do</strong> o incremento da prostituição e <strong>do</strong><br />

trabalho em condições <strong>de</strong>gradantes na região.<br />

Nota-se que tal fenômeno não se restringe à experiência brasileira, visto<br />

que para a maioria da percepção francesa (86%) a imigração tem um impacto<br />

negativo para o país <strong>de</strong> acolhida.<br />

362


Figura 2 - A percepção francesa sobre a imigração<br />

Source: Le Figaro, 2018<br />

A oposição em relação à imigração na França se acentuou com os<br />

ataques terroristas que passaram ocorrer a partir <strong>de</strong> 2015. O <strong>de</strong>bate passou a<br />

invocar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que terroristas infiltra<strong>do</strong>s teriam sua entrada facilitada<br />

no país por meio <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s fluxos migratórios que eclodiram com a<br />

intensificação <strong>do</strong>s conflitos internos sírios. Dessa forma, a imigração <strong>de</strong> pessoas<br />

<strong>de</strong> origem árabe e <strong>de</strong> religião muçulmana foi fortemente associada a ataques<br />

que geraram centenas <strong>de</strong> vítimas.<br />

Entremente, para melhor compreen<strong>de</strong>r o discurso anti-imigração, é<br />

indispensável se distanciar das mudanças internas geradas pela chegada<br />

<strong>de</strong>ssas pessoas e se <strong>de</strong>bruçar sobre a construção da imagem <strong>do</strong> imigrante como<br />

inimigo e a forma como isso afeta sua recepção pela população local, bem como<br />

sua situação jurídica nesse contexto.<br />

363


Para alcançar tal propósito, é fundamental assimilar as i<strong>de</strong>ias trazidas por<br />

Ab<strong>de</strong>lmalek Sayad (1998), que propõe que a visão sobre a condição <strong>do</strong> imigrante<br />

é caracterizada pelo aban<strong>do</strong>no provisório. Isto significa que, à primeira vista, a<br />

estadia é apenas temporária e a permissão <strong>de</strong> permanência no Esta<strong>do</strong><br />

estrangeiro po<strong>de</strong> ser revogada a qualquer momento. O autor questiona, então,<br />

qual seria a finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> imigrante no contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, da<strong>do</strong> que sua<br />

razão <strong>de</strong> ser estaria atrelada ao trabalho e sua permanência <strong>de</strong>smotivada o<br />

transformaria em um problema social.<br />

Sem embargo, a presunção <strong>de</strong> que o imigrante é o responsável por<br />

transtornos como a elevação da violência ou o abarrotamento <strong>do</strong>s hospitais não<br />

<strong>de</strong>riva <strong>do</strong> acirramento das relações internacionais, tampouco representa ameaça<br />

à segurança nacional, porém, evi<strong>de</strong>ncia falhas nos sistemas internos préexistentes<br />

à chegada <strong>de</strong>ssas pessoas (LINDSAY, 2010).<br />

Tal acepção retoma a noção <strong>de</strong> que sempre existe uma escolha e a<br />

alternativa <strong>de</strong> retornar ao país <strong>de</strong> origem. Não obstante, ainda que se<br />

compreenda que o fator propulsor <strong>do</strong>s fluxos migratórios é a necessida<strong>de</strong> e não<br />

a opção, a receptivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> imigrante pelo país <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino continua<br />

intrinsecamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua própria conveniência e promove a<br />

perpetuação da distinção entre “<strong>de</strong>sejáveis” e “in<strong>de</strong>sejáveis” que estimula o<br />

discurso xenofóbico.<br />

A arguição da autopreservação contra ameaças externas visan<strong>do</strong> à<br />

contenção <strong>do</strong> curso migratório propicia a criação <strong>de</strong> dispositivos legais que, em<br />

outras conjunturas, seriam consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s inadmissíveis se aplica<strong>do</strong>s aos<br />

cidadãos nacionais (LINDSAY, 2010). A separação entre “nacionais” e “nãonacionais”<br />

acaba por excluir o estrangeiro <strong>do</strong> campo político (SAYAD, 1998) e<br />

resulta na supressão <strong>de</strong> direitos que levam à exploração <strong>do</strong> imigrante.<br />

364


c) Breve apresentação das legislações migratórias francesa e brasileira<br />

Francesa<br />

No âmbito da União Europeia, o tema da migração é <strong>de</strong> competência<br />

compartilhada entre os Esta<strong>do</strong>s e a instituição supranacional. Dessa forma, a<br />

França, como Esta<strong>do</strong> membro da União Europeia, <strong>de</strong>ve incorporar ao seu<br />

or<strong>de</strong>namento interno as diretivas e os regulamentos acorda<strong>do</strong>s no âmbito<br />

supranacional. No âmbito <strong>do</strong> bloco, é possível perceber que direito migratório se<br />

baseia na convergência <strong>de</strong> três <strong>do</strong>cumentos: o Código <strong>de</strong> Fronteiras Schengen<br />

(2016), no Código <strong>de</strong> Vistos (2009) e a Convenção <strong>de</strong> Dublin <strong>de</strong> 2008.<br />

O objetivo <strong>de</strong> Schengen é o <strong>de</strong> eliminação das fronteiras entre os países<br />

que a<strong>de</strong>riram ao Código. Para isso, é necessário o fortalecimento das fronteiras<br />

externas, com o estabelecimento <strong>de</strong> medidas comuns para assegurar entrada<br />

comum àqueles que possuem a permissão para ingressar no território <strong>do</strong> bloco.<br />

Na realida<strong>de</strong>, a preocupação maior <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s está nas migrações<br />

secundárias, quan<strong>do</strong> um indivíduo que teve seu ingresso permiti<strong>do</strong> por um<br />

Esta<strong>do</strong>, migra para outro membro da União Europeia. Por isso a importância <strong>do</strong><br />

Código <strong>de</strong> Vistos, que estabelece <strong>de</strong> maneira uniforme quais as formas <strong>de</strong><br />

entrada regular no território e o tempo <strong>de</strong> permanência que po<strong>de</strong> ser garanti<strong>do</strong><br />

aos indivíduos. Por fim, Dublin estabelece qual será o Esta<strong>do</strong> responsável por<br />

analisar as solicitações <strong>de</strong> asilo, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a evitar o chama<strong>do</strong> asylum shopping,<br />

que é quan<strong>do</strong> um indivíduo realiza a <strong>de</strong>manda em mais <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong>.<br />

A<strong>de</strong>mais, cabe unicamente ao Esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>finir as próprias regras <strong>de</strong><br />

acolhimento, <strong>de</strong> integração e <strong>de</strong> permanência em seu território. Dessa forma,<br />

apesar <strong>de</strong> ser uma regra comunitária a <strong>de</strong>finir quan<strong>do</strong> um indivíduo po<strong>de</strong>rá<br />

ingressar em território europeu, será uma regra nacional que estabelecerá o<br />

tempo atribuí<strong>do</strong> <strong>de</strong> residência e as condições em que ela <strong>de</strong>ve ocorrer.<br />

Igualmente, em relação ao instituto <strong>do</strong> asilo, Dublin estabelece o Esta<strong>do</strong><br />

responsável por analisar a <strong>de</strong>manda, porém os critérios para que essa<br />

solicitação possa ser reconhecida irá variar entre os Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua<br />

internalização da Convenção <strong>de</strong> Genebra relativa ao Estatuto <strong>do</strong>s Refugia<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

1951.<br />

365


Brasileira<br />

Em novembro <strong>de</strong> 2018 entrou em vigor no Brasil novo diploma migratório.<br />

De vocação mais humanista, prezan<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos das pessoas<br />

migrantes, essa lei substituiu o Estatuto <strong>do</strong> Estrangeiro – lei a<strong>do</strong>tada no perío<strong>do</strong><br />

autoritário brasileiro e que percebia o imigrante como potencial ameaça à<br />

Segurança Nacional. Antes da a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>sse novo texto legal, no entanto, o<br />

direito migratório brasileiro vinha sen<strong>do</strong> constantemente atualiza<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong><br />

Resoluções Normativas editadas pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Imigração (CNIg),<br />

órgão parte da estrutura <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> Trabalho.<br />

O terremoto ocorri<strong>do</strong> no Haiti em 2010 gerou novo fluxo para o Brasil. O<br />

país chefiava a Missão das Nações Unidas para a Estabilização <strong>do</strong> Haiti<br />

(MINUSTAH) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, por isso o Brasil passou a ser percebi<strong>do</strong> como um<br />

lugar <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imigração. No entanto, diante da rigi<strong>de</strong>z <strong>do</strong> Estatuto<br />

<strong>do</strong> Estrangeiro, essas pessoas que chegaram enfrentaram dificulda<strong>de</strong> para se<br />

regularizar, vislumbran<strong>do</strong> no instituto <strong>do</strong> refúgio uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter acesso<br />

à carteira <strong>de</strong> trabalho e ao Cadastro <strong>de</strong> Pessoa Física (CPF). Diante disso, o<br />

CNIg criou os chama<strong>do</strong>s vistos por razões humanitárias (Resolução Normativa<br />

n. 97 <strong>de</strong> 2012) que assegurava um tempo <strong>de</strong> permanência <strong>de</strong> cinco anos no<br />

Brasil. Posteriormente os sírios também pu<strong>de</strong>ram se beneficiar <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

visto (Resolução Normativa n. 17 <strong>de</strong> 2013). A nova lei <strong>de</strong> Migração incorporou<br />

o instituto <strong>do</strong> visto humanitário, porém até o momento ele não foi regulamenta<strong>do</strong>,<br />

o que inviabiliza a sua solicitação.<br />

Em relação à situação <strong>do</strong>s venezuelanos, no ano <strong>de</strong> 2017 o CNIg editou<br />

resolução que garantia a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solicitar residência temporária aos<br />

nacionais <strong>de</strong> países fronteiriços que tivessem entra<strong>do</strong> no Brasil pela via<br />

terrestre. Em 2018, no entanto, os Ministério <strong>do</strong> Trabalho, da Justiça, das<br />

Relações Exteriores e da Segurança Pública editaram Portaria Interministerial<br />

que retiram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso pela via terrestre e permite que o<br />

indivíduo não tenha que <strong>de</strong>sistir da solicitação <strong>de</strong> refúgio. Por fim, em relação<br />

ao instituto <strong>do</strong> refúgio, vale salientar que a lei brasileira a<strong>do</strong>tou, além <strong>do</strong>s<br />

requisitos estipula<strong>do</strong>s pela Convenção <strong>de</strong> Genebra <strong>de</strong> 1951, a <strong>de</strong>finição<br />

ampliada a<strong>do</strong>tada pela Declaração <strong>de</strong> Cartagena.<br />

366


METODOLOGIA/MÉTODOS<br />

No que concerne à sua natureza, a pesquisa é <strong>de</strong>scritiva e explicativa,<br />

posto que se propõe a <strong>de</strong>screver as características <strong>do</strong>s fluxos migratórios no<br />

Brasil e na França e que busca, por meio <strong>de</strong> uma análise comparativa, explicar<br />

o propósito a que se <strong>de</strong>stinam as legislações criadas para lidar com esses<br />

fenômenos. Quanto à abordagem, elucida-se que se trata <strong>de</strong> uma pesquisa<br />

qualitativa, pois seu caráter é essencialmente exploratório e interpretativo. Serão<br />

utiliza<strong>do</strong>s procedimentos como a pesquisa bibliográfica, jurispru<strong>de</strong>ncial e<br />

<strong>do</strong>cumental para obter uma percepção mais compreensiva sobre a situação<br />

jurídica <strong>do</strong> imigrante. Além disso, serão examina<strong>do</strong>s artigos jornalísticos para<br />

ilustrar o posicionamento da imprensa e o impacto da mídia sobre a percepção<br />

social em relação aos imigrantes.<br />

RESULTADOS/DISCUSSÃO<br />

Diante <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong>s fluxos migratórios e das dificulda<strong>de</strong>s em se<br />

regularizar, formou-se na região <strong>de</strong> Calais, no norte <strong>de</strong> França, um espaço <strong>de</strong><br />

espera para aqueles indivíduos que objetivavam emigrar para o Reino Uni<strong>do</strong>.<br />

Enquanto existiu, a chamada selva <strong>de</strong> Calais pô<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um vazio<br />

jurídico, na medida em que a atuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> francês na região se restringia<br />

à construção <strong>de</strong> muros <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a evitar a migração <strong>de</strong>ssas pessoas. Por esse<br />

motivo, as associações e os próprios migrantes passaram a organizar sozinhas<br />

as relações sociais. Não se trata <strong>de</strong> um não-lugar jurídico, mas sim <strong>de</strong> um lugar<br />

não <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> pelo Direito e que se opõe aos espaços <strong>de</strong> vida conforme os<br />

valores e os objetivos <strong>do</strong> Direito Europeu. Tratava-se <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> trânsito,<br />

cria<strong>do</strong> à margem da vida e que acabou por se tornar um lugar <strong>de</strong> contestação.<br />

Uma realida<strong>de</strong> paralela po<strong>de</strong> ser observada no caso brasileiro no esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Roraima. Os venezuelanos, em sua maioria, ingressam no Brasil pela cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Pacaraima. O objetivo <strong>de</strong>ssas pessoas, no entanto, não é permanecer nessa<br />

cida<strong>de</strong>, mas se <strong>de</strong>slocar para outros lugares on<strong>de</strong> possam ter melhores<br />

condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento social e econômico. No entanto, diante <strong>de</strong><br />

obstáculos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica e social, essas pessoas acabam permanecen<strong>do</strong><br />

nesse lugar que, anteriormente, era pensa<strong>do</strong> para ser apenas um lugar <strong>de</strong><br />

367


passagem. Diante da experiência francesa e <strong>do</strong> <strong>de</strong>senrolar <strong>do</strong>s acontecimentos<br />

em Roraima, é possível posteriormente se questionar se Pacaraima diante da<br />

inércia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro, assim como Calais, po<strong>de</strong> se tornar esse vazio<br />

jurídico que atua como lugar <strong>de</strong> contestação.<br />

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS/FINAIS<br />

Diante <strong>do</strong>s argumentos, históricos e legislações previamente<br />

apresenta<strong>do</strong>s é possível perceber que, apesar <strong>de</strong> o Brasil e a França terem<br />

lida<strong>do</strong> no passa<strong>do</strong> recente com fluxos migratórios consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s atípicos, a<br />

questão migratória tem representa<strong>do</strong> um <strong>de</strong>safio para ambos os países. No caso<br />

<strong>do</strong> Brasil, é possível perceber no último ano avanços legislativos e normativos<br />

no tocante à tentativa <strong>de</strong> regularizar esses indivíduos que ingressam no país,<br />

conferin<strong>do</strong> a eles <strong>do</strong>cumentos que possa facilitar a sua inserção na socieda<strong>de</strong><br />

brasileira. Entretanto, o ingresso <strong>de</strong> venezuelanos na região norte <strong>do</strong> país gerou<br />

instabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>scontentamento da população local, que atribui aos recémchega<strong>do</strong>s<br />

a responsabilida<strong>de</strong> pelo aumento da violência e pela sobrecarga nos<br />

serviços públicos. Em contrapartida, no que concerne a França, o seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento legislativo acaba fican<strong>do</strong> atrela<strong>do</strong> ao âmbito da União<br />

Europeia, porém, não é possível perceber o interesse em regularizar a situação<br />

<strong>de</strong>ssas pessoas que chegam. A questão <strong>do</strong>s imigrantes, assim como ocorre no<br />

caso brasileiro, também é associada a consequências negativas, o que acaba<br />

por fortalecer uma imagem negativa <strong>do</strong> estrangeiro no país.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BARBOSA, Carolina C.; OBREGON, Marcelo F. Q. Venezuela para além das<br />

fronteiras: Análise <strong>do</strong> impacto da crise venezuelana na população e na saú<strong>de</strong><br />

pública <strong>de</strong> Roraima. Derecho y Cambio Social, 25p. 01 out. 2018. ISSN: 2224-<br />

4131.<br />

BASBAUM, Hersch W. A saga <strong>do</strong> ju<strong>de</strong>u brasileiro. São Paulo: Edições<br />

Inteligentes, 2004. 192 p.<br />

368


BAUMARD, Maryline. Au moins 400 migrants disparus dans un naufrage en<br />

Méditerranée. Le Mon<strong>de</strong>. 14 abr. 2015. Disponível em:<br />

. Acesso em: 15 nov. 2018.<br />

BBC. ONU diz que crise migratória na Venezuela já está quase no nível <strong>de</strong><br />

fluxo <strong>de</strong> refugia<strong>do</strong>s no Mediterrâneo. 25 ago. 2018. Disponível em:<br />

. Acesso em: 15<br />

nov. 2018.<br />

BOLSANELLO, Maria A. Darwinismo social, eugenia e racismo "científico": sua<br />

repercussão na socieda<strong>de</strong> e na educação brasileira. Educar em Revista,<br />

Curitiba, 1996. Disponível em:<br />

. Acesso em: 28 nov. 2018.<br />

LE FIGARO. Sondage: les Français jugent sévèrement l'immigration. 15 set.<br />

2017. Disponível em: .<br />

Acesso em: 15 nov. 2018.<br />

LINDSAY, Matthew J. Immigration as Invasion: Sovereignty, Security, and the<br />

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LUCA, Tânia R. <strong>de</strong>; MARTINS, Ana L. Imprensa e cida<strong>de</strong>. São Paulo: UNESP,<br />

2006. 136 p.<br />

MICHAELIS. Mo<strong>de</strong>rno dicionário da língua portuguesa. São Paulo:<br />

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369


PINTO, Lara C.; OBREGON, Marcelo F. Q. A crise <strong>do</strong>s refugia<strong>do</strong>s na<br />

Venezuela e a relação com o Brasil. Derecho y Cambio Social, 21p. 02 jan.<br />

2018. ISSN: 2224-4131.<br />

SAYAD, Ab<strong>de</strong>lmalek. O que é um imigrante? In: SAYAD, Ab<strong>de</strong>lmalek. A<br />

Imigração ou os Para<strong>do</strong>xos da Alterida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora da Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo, 1998. Cap. 3. p. 45-72. Tradução: Cristina Murachco.<br />

SILVA, Zélia L. (Org.). Imigração e cidadania: os impasses e disputas nos<br />

caminhos da brasilida<strong>de</strong>. In: HASHIMOTO, Francisco; TANNO, Janete L.;<br />

OKAMOTO, Mônica S. Cem anos <strong>de</strong> imigração japonesa: História, memória e<br />

arte. São Paulo: UNESP, 2008, v. 1, p. 41-62.<br />

TULCHIN, Joseph S. América Latina X Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s: Uma Relação<br />

Turbulenta. São Paulo: Contexto, 2016. 272 p.<br />

370


A VENEZUELA NO MERCOSUL: a<strong>de</strong>são, suspensão e migração<br />

OLIVEIRA FILHA, Manuelita Hermes Rosa.<br />

Procura<strong>do</strong>ra Fe<strong>de</strong>ral. Mestre em Sistemas Jurídicos Contemporâneos pela Università <strong>de</strong>gli studi di Roma Tor Vergata.<br />

Especialista em Justiça Constitucional e Tutela <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> pela Università di Pisa e em Direito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pela<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia. E-mail: manuelita.oliveira@agu.gov.br.<br />

RESUMO<br />

Empreen<strong>de</strong>-se a pesquisa sobre a existência <strong>de</strong> aplicação da normativa<br />

acerca livre circulação <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Merca<strong>do</strong> Comum <strong>do</strong> Sul<br />

(MERCOSUL) aos cidadãos venezuelanos. A partir da análise <strong>do</strong> histórico <strong>do</strong><br />

processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são da Venezuela e <strong>do</strong> acervo normativo aplicável, consluise<br />

que houve uma mora na incorporação <strong>do</strong> acervo normativo <strong>de</strong><br />

MERCOSUL que acarretou a suspensão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Membro e, outrossim,<br />

acarretou uma diminuição na proteção da migração intrarregional, uma vez<br />

que o referi<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não é signatário <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência em vigor<br />

no MERCOSUL.<br />

Palavras-chave: Direito Internacional. Migração regional. Merca<strong>do</strong> Comum<br />

<strong>do</strong> Sul. Livre circulação <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res.<br />

ABSTRACT<br />

The leading purpose of this thesis is searching and un<strong>de</strong>rstanding the<br />

existence of the application of the regulations on free movement of workers<br />

of the Common Market of the South (MERCOSUR) to Venezuelan citizens.<br />

Based on the analysis of the history of the Venezuelan accession to the<br />

MERCOSUR and the applicable normative acquis, it is conclu<strong>de</strong>d that there<br />

was a <strong>de</strong>lay in the incorporation of the MERCOSUR normative, which led to<br />

the suspension of the Member State and, as a result, a reduction in the<br />

protection of migration since that State is not a signatory to the Agreement on<br />

Resi<strong>de</strong>nce in force in MERCOSUR.<br />

Keywords: International Law. Regional Migration. Southern Common<br />

Market. Free movement of workers.<br />

371


INTRODUÇÃO<br />

A migração, embora seja um fenômeno recorrente na humanida<strong>de</strong>, tem<br />

si<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> novas ondas <strong>de</strong> crescimento, uma das quais é verificada na<br />

América <strong>do</strong> Sul, consistente na emigração <strong>de</strong> venezuelanos para outros países<br />

da região.<br />

A Declaração Universal <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>do</strong> Homem, <strong>de</strong> 1948, prevê o direito<br />

emigrar, é dizer, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar um país, conforme estatuí<strong>do</strong> no artigo 13.2: “To<strong>do</strong> ser<br />

humano tem o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este<br />

regressar”. Po<strong>de</strong>-se afirmar, nesta linha, que emigrar é um direito fundamental 1 .<br />

Imigrar, contu<strong>do</strong>, não seria um direito fundamental, dada ausência <strong>de</strong><br />

previsão normativa e por se tratar <strong>de</strong> questão intrinsecamente ligada à soberania<br />

estatal.<br />

A Venezuela é um Esta<strong>do</strong> membro <strong>do</strong> Merca<strong>do</strong> Comum <strong>do</strong> Sul –<br />

MERCOSUL - e o <strong>de</strong>slocamento intrabloco foi regula<strong>do</strong>. Insta perscrutar, pois,<br />

em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> integração regional, quais seriam os instrumentos normativos<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para proporcionar o exercício da mobilida<strong>de</strong> aos nacionais <strong>do</strong>s países<br />

<strong>do</strong> MERCOSUL e se esta normativa é aplicável aos venezuelanos.<br />

Afrontar a problemática tratada reveste-se <strong>de</strong> importância no que tange à<br />

necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> dar resposta jurídica pertinente ao tratamento <strong>de</strong>ste fenômeno<br />

migratório, <strong>de</strong>limitan<strong>do</strong> os planos <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Membros e <strong>do</strong><br />

MERCOSUL, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aclarar os caminhos <strong>de</strong> proteção disponíveis aos<br />

cidadãos.<br />

OBJETIVO<br />

O objetivo da pesquisa é verificar a existência <strong>de</strong> instrumentos normativos<br />

acerca da mobilida<strong>de</strong> intramercosul e a sua aplicabilida<strong>de</strong> à Venezuela,<br />

mormente consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a sua suspensão <strong>do</strong> bloco.<br />

Especificamente, i<strong>de</strong>ntificar se a suspensão <strong>do</strong> país <strong>do</strong> MERCOSUL, em<br />

razão da crise humanitária que o assola, acarretou consequências negativas aos<br />

1<br />

Cf. PÉCOUD, Antoine; GUCHTENEIRE, Paul <strong>de</strong>. Introduction: the migration without bor<strong>de</strong>rs<br />

scenario. In: PÉCOUD, Antoine; GUCHTENEIRE, Paul <strong>de</strong> (edit.). Migration without bor<strong>de</strong>rs:<br />

essay on the free movement of people. Paris: UNESCO Publishing, 2007, p. 8.<br />

372


cidadãos no que atine a uma eventual <strong>de</strong>sprosteção quanto à migração entre os<br />

Esta<strong>do</strong>s Membros e, consequentemente, à preservação <strong>de</strong> sua dignida<strong>de</strong>.<br />

MÉTODOS<br />

A fim <strong>de</strong> atingir os objetivos, parte-se <strong>de</strong> uma perspectiva <strong>de</strong>scritiva e<br />

histórico-normativa. A meto<strong>do</strong>logia utilizada para a realização da pesquisa foi o<br />

méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem <strong>de</strong>dutivo. A técnica da pesquisa é indireta, abrangen<strong>do</strong><br />

as pesquisas <strong>do</strong>cumental e bibliográfica.<br />

DISCUSSÃO<br />

Caracteriza<strong>do</strong> por ser um processo <strong>de</strong> integração flexível e ambivalente,<br />

o Merca<strong>do</strong> Comum <strong>do</strong> Sul – MERCOSUL - surgiu em 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1991 2 ,<br />

quan<strong>do</strong> assina<strong>do</strong>, na República <strong>do</strong> Paraguai, o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção 3 .<br />

Em ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1991, visou primacialmente<br />

integrar economicamente Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Seus objetivos<br />

foram aumentar a competitivida<strong>de</strong> e a produtivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Membros, com abertura<br />

das economias, incremento <strong>do</strong> comércio e melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>do</strong>s<br />

cidadãos, com a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> políticas macroeconômicas e a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> uma<br />

tarifa externa comum (TEC).<br />

Além <strong>do</strong> fundacional Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção, foi firma<strong>do</strong>, em 17 <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1991, o Protocolo <strong>de</strong> Brasília para a solução <strong>de</strong> controvérsias, que instituiu<br />

sistemas <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> controvérsias dual: um volta<strong>do</strong> para litígios entre<br />

Esta<strong>do</strong>s, e outro, para aqueles entre particulares e Esta<strong>do</strong>s.<br />

Como marco regulatório posterior ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção, cite-se o<br />

Protocolo <strong>de</strong> Outro Preto (POP) ou Protocolo Adicional ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção 4 ,<br />

2<br />

No Brasil, foi aprova<strong>do</strong> pelo Decreto Legislativo 197 <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1991. (BRASIL.<br />

Decreto Legislativo n° 197, <strong>de</strong> 1991. Disponível em:<br />

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/<strong>de</strong>cleg/1991/<strong>de</strong>cretolegislativo-197-25-setembro-1991-<br />

358152-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.)<br />

3<br />

MERCOSUL. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção. Disponível em:<br />

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaAdpf101/anexo/Trata<strong>do</strong>_<strong>de</strong>_Assunc<br />

ao.pdf. Acesso em: 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />

4<br />

MERCOSUL. Protocolo Adicional ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção sobre a Estrutura Institucional<br />

<strong>do</strong> Mercosul – Protocolo <strong>de</strong> Ouro Preto. Disponível em:<br />

http://www.mercosur.int/msweb/SM/Normas/PT/CMC_1994_OuroPreto.pdf. Acesso em: 12 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 2018.<br />

373


firma<strong>do</strong> em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1994, que re<strong>de</strong>finiu o MERCOSUL, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-lhe <strong>de</strong><br />

personalida<strong>de</strong> jurídica própria, <strong>de</strong> Direito Internacional; <strong>de</strong> estrutura institucional<br />

<strong>de</strong>finitiva com natureza intergovernamental, com <strong>de</strong>cisões tomadas por<br />

consenso, <strong>de</strong>limita<strong>do</strong> como uma união aduaneira imperfeita. Paulo Borba<br />

Casella aborda criticamente as inovações encetadas pelo POP, que não <strong>do</strong>taram<br />

o bloco <strong>de</strong> instituições e ferramentas hábeis a ensejar o seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

como real projeto <strong>de</strong> integração 5 .<br />

Mencione-se, outrossim, o Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia sobre o compromisso<br />

<strong>de</strong>mocrático no MERCOSUL, República da Bolívia e República <strong>do</strong> Chile 6 , que foi<br />

celebra<strong>do</strong> em Ushuaia, em 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998. A fim <strong>de</strong> garantir a plena vigência<br />

das instituições <strong>de</strong>mocráticas, estabelece medidas a serem a<strong>do</strong>tadas por<br />

consenso em situações <strong>de</strong> ruptura da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática 7 em um <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s<br />

Partes.<br />

O Protocolo <strong>de</strong> Olivos 8 , <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, <strong>de</strong>rrogou o Protocolo<br />

<strong>de</strong> Brasília 9 , <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1991, e criou o Tribunal Permanente <strong>de</strong><br />

Revisão, sedia<strong>do</strong> em Assunção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, cujo regulamento procedimental foi<br />

estabeleci<strong>do</strong> pela Decisão CMC n° 30/05 10 .<br />

5<br />

BORBA CASELLA, Paulo. MERCOSUL: EXIGÊNCIAS E PERSPECTIVAS integração e<br />

consolidação <strong>de</strong> espaço econômico (1995-2001-2006). São Paulo: LTr, 1996, p. 61.<br />

6<br />

MERCOSUL. Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul,<br />

Bolívia e Chile. Disponível em:<br />

http://www.mercosur.int/innovaportal/file/110/1/1998_protocolo_<strong>de</strong>_ushuaiacompromiso_<strong>de</strong>mocratico_port.pdf.<br />

Acesso em: 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2018.<br />

7<br />

Conforme explica Victor Bazán: “La cláusula en cuestión fue invocada por los Esta<strong>do</strong>s más<br />

fuertes <strong>de</strong>l Mercosur en ocasión <strong>de</strong> la crisis política que vivó Paraguay en 1996. Ello sirvió como<br />

disuasivo para <strong>de</strong>sactivar una rebelión militar creciente en ese país, previa admonición <strong>de</strong><br />

exclusión <strong>de</strong> Paraguay <strong>de</strong>l Mercosur si no se respectaba el compromiso <strong>de</strong>mocrático” (BAZÁN,<br />

Victor. Mercosur y Derechos <strong>Humanos</strong>: Panorama, Problema y Desafíos. In: VON BOGDANDY,<br />

Armin; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morares (coord.). <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong>,<br />

Democracia e Integração Jurídica: avançan<strong>do</strong> no diálogo constitucional e regional. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 481.)<br />

8<br />

BRASIL. Decreto n.° 4.982, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004. Promulga o Protocolo <strong>de</strong> Olivos<br />

para a Solução <strong>de</strong> Controvérsias no Mercosul. Disponível em:<br />

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/<strong>de</strong>creto/d4982.htm. Acesso em: 12 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 2018.<br />

9<br />

MERCOSUL. Protocolo <strong>de</strong> Brasília para Solução <strong>de</strong> Controvérsias. Disponível em:<br />

http://www.tprmercosur.org/pt/<strong>do</strong>cum/Protocolo_<strong>de</strong>_Brasilia_pt.pdf. Acesso em: 13 <strong>de</strong> novembro<br />

<strong>de</strong> 2018.<br />

10<br />

MERCOSUL/CMC. Decisão n° 30/05. Regras <strong>de</strong> Procedimento <strong>do</strong> Tribunal Permanente<br />

<strong>de</strong> Revisão. Disponível em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em: 20 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 2018.<br />

374


Existem países que não compõem o MERCOSUL como membros, mas<br />

como associa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> Acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Complementação Econômica.<br />

Participam das reuniões <strong>do</strong>s órgãos como convida<strong>do</strong>s:<br />

a) Chile: associação por meio <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Complementação Econômica<br />

Mercoul-Chile, celebra<strong>do</strong> em San Luis, Argentina, na X Reunião da<br />

Cúpula <strong>do</strong> Mercosul, em 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1996;<br />

b) Bolívia: associou-se com a assinatura <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Complementação<br />

Econômica Mercosul-Bolívia, na XI Reunião da Cúpula <strong>do</strong> Mercosul,<br />

realizada em Fortaleza, Brasil, em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996. Deixou <strong>de</strong><br />

ser país associa<strong>do</strong> para ser membro em processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, mediante<br />

assinatura <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012, que ainda<br />

está sen<strong>do</strong> ratifica<strong>do</strong> pelos <strong>de</strong>mais Esta<strong>do</strong>s Partes. Possui direito <strong>de</strong> voz,<br />

mas não <strong>de</strong> voto;<br />

c) Peru: por meio <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Alcance Parcial <strong>de</strong> Complementação<br />

Econômica Mercosul-Peru, regula<strong>do</strong> pela Decisão CMC n° 39/03 11 ;<br />

d) Colômbia 12 , Equa<strong>do</strong>r 13 e Venezuela 14 : a associação foi formalizada para<br />

aprofundar a integração econômica nas áreas estabelecidas no Acor<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Alcance Parcial <strong>de</strong> Complementação Econômica MERCOSUL-CAN;<br />

e) Guiana: a Decisão CMC n° 09/2013 15 aprovou o Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong><br />

Associação entre o MERCOSUL e a República Cooperativa <strong>de</strong> Guiana;<br />

11<br />

MERCOSUL/CMC. Decisão n° 39/03. Participação da República <strong>do</strong> Peru em Reuniões <strong>do</strong><br />

MERCOSUL. Disponível em: Acesso em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso<br />

em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />

12<br />

MERCOSUL/CMC. Decisão n° 44/04. Atribuição à República da Colômbia da Condição<br />

<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> MERCOSUL. Disponível em:<br />

https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />

13<br />

MERCOSUL/CMC. Decisão n° 43/04. Atribuição à República <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r da Condição <strong>de</strong><br />

Esta<strong>do</strong> Associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Mercosul. Disponível em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4.<br />

Acesso em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />

14<br />

MERCOSUL/CMC. Decisão n° 42/04. Atribuição à República Bolivariana da Venezuela da<br />

Condição <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Associa<strong>do</strong> <strong>do</strong> MERCOSUL. Disponível em:<br />

https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />

15<br />

MERCOSUL/CMC. Decisão n° 09/13. Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong> Associação entre o MERCOSUL<br />

e a República Cooperativa da Guiana. Disponível em:<br />

https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />

375


f) Suriname: a Decisão CMC n° 10/2013 16 aprovou o Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong><br />

Associação entre o MERCOSUL e a República <strong>de</strong> Suriname.<br />

A Venezuela, <strong>de</strong> país associa<strong>do</strong>, passou a Membro. Para tanto,<br />

formalizou um protocolo <strong>de</strong> associação em 2004 e, em 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005,<br />

na XXIX Conferência <strong>do</strong> MERCOSUL, relizada em Montevidéu, por meio da<br />

assinatura <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> Quadro para a A<strong>de</strong>são da República Bolivariana da<br />

Venezuela ao MERCOSUL, entrou em processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, com direito <strong>de</strong> voz,<br />

mas não <strong>de</strong> voto.<br />

Em 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006, finalmente, foi assina<strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são da<br />

República Bolivariana da Venezuela ao MERCOSUL 17 . O artigo 1° estabelece<br />

que o referi<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> a<strong>de</strong>re ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção, ao Protocolo <strong>de</strong> Ouro Preto<br />

e ao Protocolo <strong>de</strong> Olivos para a Solução <strong>de</strong> Controvérsias no MERCOSUL.<br />

Quanto aos <strong>de</strong>mais Trata<strong>do</strong>s e Acor<strong>do</strong>s vigentes no Bloco, merece<br />

<strong>de</strong>staque o teor <strong>do</strong> artigo 3° <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são, que fixa o prazo máximo<br />

<strong>de</strong> quatro anos, a contar da vigência <strong>do</strong> Protocolo, para a a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> acervo<br />

normativo vigente no MERCOSUL, <strong>de</strong> forma gradual, pela Venezuela.<br />

O referi<strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são entrou em vigor em 12 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2012.<br />

Porém, após o prazo final <strong>de</strong> quatro anos, é dizer, agosto <strong>de</strong> 2016, a Venezuela<br />

continuou em mora quanto à obrigação <strong>de</strong> incorporar ao or<strong>de</strong>namento interno<br />

to<strong>do</strong> o arcabouço normativo <strong>do</strong> MERCOSUL. Tal <strong>de</strong>scumprimento levou os<br />

quatro países funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong> bloco a emitir, em 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2016, a<br />

Declaração Relativa ao Funcionamento <strong>do</strong> MERCOSUL e ao Protocolo <strong>de</strong><br />

A<strong>de</strong>são da República Bolivariana da Venezuela, por meio da qual foi <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong><br />

que a Presidência pro tempore não seria atribuída à Venezuela e, a<strong>de</strong>mais, fixouse<br />

o prazo final <strong>de</strong> 1° <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2016 para o total cumprimento das<br />

obrigações assumidas pelo país quan<strong>do</strong> da sua a<strong>de</strong>são, sob pena <strong>de</strong> suspensão<br />

- que efetivamente ocorreu.<br />

16<br />

MERCOSUL/CMC. Decisão n°10/13. Acor<strong>do</strong> Quadro <strong>de</strong> Associação entre o Mercosul e a<br />

República <strong>do</strong> Suriname. Disponível em: https://gestorweb.mercosur.int/?pag=n&tab=4. Acesso<br />

em: 20 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2018.<br />

17<br />

Promulga<strong>do</strong> pelo Brasil pelo Decreto 7.859, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012. (BRASIL. Decreto nº<br />

7.859, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012. Disponível em:<br />

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/<strong>de</strong>creto/d7859.htm. Acesso em: 30 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 2018.)<br />

376


Posteriormente, diante da situação da grave crise política, social e<br />

humanitária <strong>do</strong> país, os Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> MERCOSUL emitiram em Buenos<br />

Aires, em 1° <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2017, uma Declaração sobre a República Bolivariana da<br />

Venezuela, com os seguintes termos:<br />

(...)<br />

Reafirman<strong>do</strong> que a plena vigência das instituições <strong>de</strong>mocráticas é<br />

condição essencial para a existência e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Mercosul,<br />

Ten<strong>do</strong> em conta a ruptura da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática na República<br />

Bolivariana da Venezuela,<br />

Em cumprimento <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção e <strong>de</strong> seus Protocolos e<br />

reafirman<strong>do</strong> seus princípios e objetivos,<br />

DECIDEM<br />

1. Instar o Governo da Venezuela a a<strong>do</strong>tar imediatamente medidas<br />

concretas, concertadas com a oposição, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as disposições<br />

da Constituição da República Bolivariana da Venezuela e <strong>de</strong>mais<br />

normas aplicáveis, para assegurar a efetiva separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, o<br />

respeito ao Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito, aos direitos humanos e às instituições<br />

<strong>de</strong>mocráticas.<br />

2. Exortar o Governo da Venezuela a respeitar o cronograma eleitoral<br />

<strong>de</strong>riva<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua normativa institucional, a restabelecer a separação <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>res, a garantir o pleno gozo <strong>do</strong>s direitos humanos, das garantias<br />

individuais e das liberda<strong>de</strong>s fundamentais e a libertar os presos<br />

políticos.<br />

3. Continuar com as consultas entre si e promover consultas com a<br />

República Bolivariana da Venezuela com vistas ao restabelecimento<br />

da plena vigência das instituições <strong>de</strong>mocráticas nesse país,<br />

acompanhan<strong>do</strong> o menciona<strong>do</strong> processo.<br />

4. Instruir a Presidência Pro Tempore a iniciar as consultas indicadas<br />

no parágrafo anterior, com todas as partes venezuelanas envolvidas.<br />

5. Reiterar sua solidarieda<strong>de</strong> com o povo irmão da Venezuela, com as<br />

vítimas <strong>de</strong> perseguição política e <strong>de</strong> violação <strong>de</strong> direitos humanos, bem<br />

como sua disposição <strong>de</strong> colaborar na busca <strong>de</strong> uma solução pacífica e<br />

<strong>de</strong>finitiva da crise política, institucional, social, <strong>de</strong> abastecimento e<br />

econômica que atravessa a República Bolivariana da Venezuela 18 .<br />

Após, os Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> MERCOSUL, bem como os Esta<strong>do</strong>s<br />

Associa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Chile, Colômbia e Guiana, além <strong>do</strong> México, emitiram uma<br />

18<br />

MERCOSUL. Declaração <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> Mercosul sobre a República Bolivariana<br />

da Venezuela. Disponível em .<br />

Acesso em: 29/10/2018.<br />

377


<strong>de</strong>claração em Men<strong>do</strong>za, Argentina, em 21 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2017, instan<strong>do</strong> o governo<br />

venezuelano ao diálogo a fim <strong>de</strong> superar a crise 19 .<br />

Ocorre, porém, que, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a permanência e o agravamento da<br />

situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito aos direitos fundamentais pela Venezuela, enten<strong>de</strong>u-se<br />

que a ruptura <strong>de</strong>mocrática verificada no país violava o Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia<br />

sobre o Compromisso Democrático <strong>do</strong> MERCOSUL, cujo cumprimento foi<br />

completamente menoscaba<strong>do</strong> pelo Governo venezuelano. Destarte, a<br />

suspensão foi <strong>de</strong>cidida em São Paulo, em 5 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2017, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />

o artigo 5°, §2°, <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia 20 . Desta forma, apesar <strong>de</strong> ter passa<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> associa<strong>do</strong> a membro, a Venezuela encontra-se suspensa <strong>do</strong><br />

MERCOSUL <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2017.<br />

A crise <strong>de</strong>mocrática que atinge o país estimula a saída <strong>do</strong>s nacionais para<br />

outros Esta<strong>do</strong>s. No MERCOSUL, a regulação hodierna sobre migração interna<br />

está prevista no Acor<strong>do</strong> sobre Residência para os Nacionais <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes<br />

<strong>do</strong> Mercosul, Bolívia e Chile, <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> na XXIII Reunião <strong>do</strong> Conselho <strong>do</strong><br />

Merca<strong>do</strong> Comum, realizada em Brasília, nos dias 5 e 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002 21 .<br />

Foi objeto da Decisão n° 28/02, <strong>do</strong> CMC, e entrou em vigor em 28 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />

2009, com as posteriores a<strong>de</strong>sões <strong>do</strong> Peru, <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r (2011, com vigência<br />

imediata) e da Colômbia (2012, com vigência em 2014). Estabelece mecanismos<br />

para obtenção <strong>de</strong> residência legal no território <strong>de</strong> outro Esta<strong>do</strong> Parte e vige entre<br />

19<br />

MERCOSUL. Declaração sobre Situação da República Bolivariana da Venezuela.<br />

Disponível em .<br />

Acesso em: 29/10/2018.<br />

20<br />

MERCOSUL. Decisão sobre a Suspensão da República Bolivariana da Venezuela <strong>do</strong><br />

MERCOSUL em aplicação ao Protocolo <strong>de</strong> Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no<br />

MERCOSUL. Disponível em .<br />

Acesso em: 29/10/2018.<br />

21<br />

Com uma reflexão construtivista <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> institucionalização das políticas migratórias e<br />

<strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bloco, Ludmila A. Culpi sustenta que: “Aplican<strong>do</strong> os conceitos construtivistas,<br />

isso significa que o Mercosul passou por uma mudança <strong>de</strong> estrutura, a qual promoveu uma<br />

modificação <strong>de</strong> interesses após a crise <strong>de</strong> 1999-2002 (CABALLERO, 2013). Essa re<strong>de</strong>finição<br />

relaciona-se com a formação <strong>de</strong> uma agenda sociopolítica a partir <strong>de</strong> 2003. Certos temas<br />

emergiram no <strong>de</strong>bate como os direitos das mulheres, a agricultura familiar, cooperação<br />

educacional e em saú<strong>de</strong>, migração, entre outros. Esse processo foi resulta<strong>do</strong> da i<strong>de</strong>ntificação<br />

entre os chefes <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Mercosul, que possuíam uma agenda social mais progressista, a<br />

qual impactou sobre os <strong>de</strong>bates e o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> bloco”. (CULPI, Ludimila A.<br />

A Evolução da Política Migratória no Mercosul entre 1991 e 2014. Conjuntura <strong>Global</strong>, vol. 4 n.3,<br />

set./<strong>de</strong>z., 2015, p. 427).<br />

378


os seguintes países, membros e associa<strong>do</strong>s: Brasil, Argentina, Paraguai,<br />

Uruguai, Bolívia, Chile, Peru, Equa<strong>do</strong>r e Colômbia.<br />

Percebe-se que a Venezuela, embora Esta<strong>do</strong> membro <strong>do</strong> MERCOSUL,<br />

ainda não faz parte <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência. Trata-se <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s<br />

Acor<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>veriam ter si<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong>s ao or<strong>de</strong>namento venezuelano no<br />

prazo assinala<strong>do</strong> pelo Protocolo <strong>de</strong> A<strong>de</strong>são. Com a sua suspensão e a<br />

manutenção da crise <strong>de</strong>mocrática no país, a perspectiva <strong>de</strong> ingressar no quadro<br />

normativo que proporciona uma migração facilitada é ainda mais remota.<br />

No entanto, calha <strong>de</strong>stacar que, mesmo não sen<strong>do</strong> parte <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Residência, os nacionais da Venezuela gozam <strong>de</strong> igual tratamento na Argentina<br />

e Uruguai. Isto porque estes <strong>do</strong>is países conferem, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> unilateral <strong>de</strong>corrente<br />

<strong>do</strong>s seus regramentos internos, as residências MERCOSUL também aos<br />

venezuelanos, segun<strong>do</strong> os critérios estabeleci<strong>do</strong>s no Acor<strong>do</strong> em exame 22 .<br />

Em verda<strong>de</strong>, há distintas aplicações <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência para os<br />

Nacionais <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> Mercosul, Bolívia e Chile que merecem ser<br />

mencionadas: por um la<strong>do</strong>, o Chile, signatário inicial da norma, restringe a sua<br />

aplicabilida<strong>de</strong> a apenas os <strong>de</strong>mais Esta<strong>do</strong>s que também assinaram o acor<strong>do</strong> no<br />

momento exordial, ou seja, Argentina Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia,<br />

excluin<strong>do</strong>, portanto, os países associa<strong>do</strong>s que fizeram a a<strong>de</strong>são posteriormente,<br />

é dizer, Peru, Equa<strong>do</strong>r e Colômbia.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, Argentina e Uruguai a<strong>do</strong>tam uma postura diametralmente<br />

oposta, já que ampliam a incidência <strong>do</strong> teor normativo <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre<br />

Residência ao membro <strong>do</strong> MERCOSUL remanescente (Venezuela) e a outros<br />

<strong>do</strong>is associa<strong>do</strong>s restantes (Guiana e Suriname). Argentina e Uruguai realizam,<br />

por conseguinte, a aplicação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> MERCOSUL,<br />

sejam membros ou associa<strong>do</strong>s 23 .<br />

22<br />

ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL PARA LAS MIGRACIONES. Evaluación <strong>de</strong>l Acuer<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Resi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l MERCOSUR y su inci<strong>de</strong>ncia en el acceso a <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> los migrantes.<br />

Cua<strong>de</strong>rnos Migratorios Nº 9. Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> la OIM para el Desarollo, 2018, p.68.<br />

23<br />

ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL PARA LAS MIGRACIONES. Evaluación <strong>de</strong>l Acuer<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

Resi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l MERCOSUR y su inci<strong>de</strong>ncia en el acceso a <strong>de</strong>rechos <strong>de</strong> los migrantes.<br />

Cua<strong>de</strong>rnos Migratorios Nº 9. Fon<strong>do</strong> <strong>de</strong> la OIM para el Desarollo, 2018, p. 40.<br />

379


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Como <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, a integração sub-regional consistente no<br />

MERCOSUL paulatinamente absorveu novos países membros e associa<strong>do</strong>s. A<br />

República Bolivariana da Venezuela passou a ser membro, sob o compromisso<br />

<strong>de</strong> incorporação <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o acervo normativo <strong>do</strong> bloco no prazo <strong>de</strong> quatro anos.<br />

A crise humanitária, econômica e político-<strong>de</strong>mocrática que assola o país<br />

possui reflexos não só internos como também externos, com grave repercussão<br />

no MERCOSUL. Embora tenha ocorri<strong>do</strong> a a<strong>de</strong>são, houve a mora <strong>do</strong> país em<br />

incorporar totalmente as normas em vigor <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> integração, fato<br />

que afeta os seus nacionais amplamente: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, a ausência <strong>de</strong><br />

incorporação <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos essenciais para a proteção aos direitos<br />

fundamentais <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> bloco, tais como o Protocolo <strong>de</strong> Assunção sobre<br />

Compromisso com a Promoção e Proteção <strong>do</strong>s <strong>Direitos</strong> <strong>Humanos</strong> <strong>do</strong> Mercosul<br />

e o Acor<strong>do</strong> sobre Residência para Nacionais <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Partes <strong>do</strong> Mercosul,<br />

acarretou a suspensão da Venezuela <strong>do</strong> MERCOSUL; <strong>do</strong> outro, exatamente a<br />

falta <strong>de</strong> vigência <strong>do</strong>s aludi<strong>do</strong>s textos normativos em relação à Venezuela impe<strong>de</strong><br />

que se possa minorar os efeitos da crise <strong>de</strong>mocrática por meio da<br />

implementação <strong>do</strong> teor normativo <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos em prol <strong>do</strong> cidadão<br />

nacional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> suspenso, que é, assim, duplamente <strong>de</strong>sprotegi<strong>do</strong>.<br />

No Cone Sul, como visto, o Acor<strong>do</strong> sobre Residência, <strong>de</strong> 2002, prevê a<br />

circulação <strong>de</strong> pessoas. Apenas para se obter residência permanente, há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> «comprovação <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> vida lícitos que permitam a<br />

subsistência <strong>do</strong> peticionante e <strong>de</strong> seu grupo familiar <strong>de</strong> convívio» (artigo 5°.1.d).<br />

Destaque-se que esse requisito econômico sequer é exigi<strong>do</strong> para a residência<br />

temporária <strong>de</strong> até <strong>do</strong>is anos (artigo 4°). Ainda assim, no que atine à comprovação<br />

<strong>de</strong> meios <strong>de</strong> vida lícitos para fins <strong>de</strong> concessão da residência permanente, insta<br />

mencionar que Argentina e Uruguai não exigem este requisito. Desta forma,<br />

nestes países, prescin<strong>de</strong>-se da <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> requisito econômico tanto para<br />

a concessão da residência temporária quanto para a permanente.<br />

Em momento <strong>de</strong> crise <strong>de</strong>mocrática e gran<strong>de</strong> emigração <strong>de</strong> venezuelanos,<br />

a aplicação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> sobre Residência teria gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para salvaguardar<br />

380


os direitos <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> e sociais, com o acolhimento <strong>do</strong>s venezuelanos, caso<br />

houvesse a prévia incorporação pelo país.<br />

Mesmo na hipótese <strong>de</strong> suspensão, como efetivamente ocorreu, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>se,<br />

aqui, que, nos termos da Declaração sobre a República Bolivariana da<br />

Venezuela, o princípio da solidarieda<strong>de</strong> autorizaria a suspensão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com<br />

a salvaguarda <strong>do</strong>s direitos humanos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que <strong>de</strong>veria ser plenamente<br />

aplicável o Acor<strong>do</strong> sobre Residência aos venezuelanos, sob pena <strong>de</strong> dupla<br />

<strong>de</strong>sproteção da dignida<strong>de</strong> – interna e externamente.<br />

No entanto, a situação que se apresenta <strong>de</strong>lineia-se mais gravosa, diante<br />

da ausência <strong>de</strong> incorporação prévia à suspensão. Resta, portanto, a cada Esta<strong>do</strong><br />

aplicar a legislação interna sobre imigração <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> não aparta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />

interpretação conglobante e à luz <strong>do</strong>s princípios da igualda<strong>de</strong> e da solidarieda<strong>de</strong><br />

regional e social, basilares para o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> embrionária em prol<br />

<strong>de</strong> uma efetiva cidadania regional e <strong>de</strong>mocrática.<br />

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COMISSÕES DO I CONGRESSO GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS<br />

COMISSÃO EXECUTVA<br />

Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />

Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />

Professora Doutora Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas (UFMS/BR)<br />

Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />

Professora Doutora María Esther Martínez Quinteiro (UPT/PT)<br />

Professora Doutora María <strong>de</strong> la Paz Pan<strong>do</strong> Ballesteros (USAL/ES)<br />

Professora Doutora Patrícia Jerónimo (UMinho/PT)<br />

Professora Doutora Sara Margarida Moreno Pires (UA/PT)<br />

COMISSÃO INTERINSTITUCIONAL<br />

Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />

Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />

Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />

Professora Doutora María Esther Martínez Quinteiro (UPT/PT)<br />

COMISSÃO CIENTÍFICA<br />

Professora Doutora Alicia Muñoz Ramírez (USAL/ES)<br />

Professor Doutor Cassius Guimarães Chai (UFMA/BR)<br />

Professora Doutora Carmela Dell' Isola (FDSBC/BR)<br />

Professor Doutor Dilnei Giseli Lorenzi (UFS/BR)<br />

Professor Doutro João Nuno Calvão da Silva (UC/PT)<br />

Doutor João Paulo Borges Bichão (Ministério Público/PT)<br />

Professor Doutor José Luis Caramelo Gomes (UPT/PT)<br />

Professora Doutora Laís Locatelli (IJP/UPT/PT)<br />

Professora Doutora Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas (UFMS/BR)<br />

Professor Doutor Luciano <strong>de</strong> Oliveira Souza Tourinho (UESB/ FASAVIC/FAINOR /BR)<br />

Professora Doutora Maria da Glória Costa Gonçalves <strong>de</strong> Sousa Aquino (UFMA/BR)<br />

Professora Doutora Maria Manuela Dias Marques Magalhães Silva (UPT/PT)<br />

Professora Doutora María <strong>de</strong> la Paz Pan<strong>do</strong> Ballesteros (USAL/ES)<br />

Professor Doutor Miguel Ângelo Splen<strong>do</strong>re Maciel (URCAMP/RS/BR)<br />

Professora Doutora Patrícia Jerónimo (UMinho/PT)<br />

Professor Doutor Pedro Garri<strong>do</strong> Rodriguez (USAL/ES)<br />

Professora Doutora Sara Margarida Moreno Pires (UA/PT)<br />

ASSESSORIA ESPECIAL<br />

Professora Doutora Kátia Regina Marques Moura (UFMA/BR)<br />

Thamyres Lavra – Discente <strong>de</strong> Graduação <strong>de</strong> Direito (UFMA/BR)<br />

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