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Gestão Hospitalar N.º 17 2019

Responsabilização e profissionalização A evolução dos hospitais portugueses Hospitais públicos, níveis intermédios de gestão e administradores hospitalares As políticas e práticas de formação dos hospitais do SNS O papel da Inspeção Geral das Atividades em saúde nas organizações de saúde Responsabilidade penal médica por negligência Teresa Sustelo de Freitas: É imperioso fazer uma reforma profunda no modelo de prestação de cuidados de saúde Registos clínicos, codificação, financiamento: que triângulo queremos ter? Hospitalização domiciliária, uma boa alternativa ao internamento hospitalar para um grupo específico de pacientes APAH discute modelos de gestão da qualidade e melhoria continua em saúde Entrevista a Marcia Makdisse: Alocar valor aos pacientes Desempenho hospitalar como determinante na criação de valor em saúde Barómetro da adoção da telessaúde e inteligência artificial no sistema de saúde - Resultados da 1ª edição Análise aos resultados do Barómetro da adoção da telessaúde e inteligência artificial Telemonitorização de doentes com insuficiência cardíaca crónica: Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira, E.P. Evocação do professor Coriolano Ferreira Prémio Coriolano Ferreira Vivências e testemunhos de 50 anos de história Homenagem aos sócios de honra e mérito da APAH Cerimónia comemorativa dos 50 anos da Administração Hospitalar em Portugal

Responsabilização e profissionalização
A evolução dos hospitais portugueses
Hospitais públicos, níveis intermédios de gestão e administradores hospitalares
As políticas e práticas de formação dos hospitais do SNS
O papel da Inspeção Geral das Atividades em saúde nas organizações de saúde
Responsabilidade penal médica por negligência
Teresa Sustelo de Freitas: É imperioso fazer uma reforma profunda no modelo de prestação de cuidados de saúde
Registos clínicos, codificação, financiamento: que triângulo queremos ter?
Hospitalização domiciliária, uma boa alternativa ao internamento hospitalar para um grupo específico de pacientes
APAH discute modelos de gestão da qualidade e melhoria continua em saúde
Entrevista a Marcia Makdisse: Alocar valor aos pacientes
Desempenho hospitalar como determinante na criação de valor em saúde
Barómetro da adoção da telessaúde e inteligência artificial no sistema de saúde - Resultados da 1ª edição
Análise aos resultados do Barómetro da adoção da telessaúde e inteligência artificial
Telemonitorização de doentes com insuficiência cardíaca crónica: Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira, E.P.
Evocação do professor Coriolano Ferreira
Prémio Coriolano Ferreira
Vivências e testemunhos de 50 anos de história
Homenagem aos sócios de honra e mérito da APAH
Cerimónia comemorativa dos 50 anos da Administração Hospitalar em Portugal

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GH Reflexões de direito biomédico<br />

RESPONSABILIDADE PENAL<br />

MÉDICA POR NEGLIGÊNCIA<br />

Sónia Mariza Florêncio Fidalgo<br />

Professora da Faculdade de Direito<br />

da Universidade de Coimbra<br />

Investigadora do Centro de Direito Biomédico<br />

Introdução<br />

O Direito Penal é o conjunto de normas<br />

1.<br />

jurídicas que definem as condutas que são<br />

crimes e as consequências jurídicas que<br />

lhes correspondem. Quem pratica um<br />

comportamento previsto na lei como crime pode<br />

ser sancionado com uma pena ou com uma medida<br />

de segurança.<br />

A função do Direito Penal é a de proteção de bens<br />

jurídicos. Bem jurídico é “a expressão de um interesse,<br />

da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou<br />

integridade de um certo estado, objeto ou bem em<br />

si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente<br />

reconhecido como valioso” 1 . São exemplos<br />

de bens jurídicos a vida, a integridade física, a liberdade,<br />

a honra, etc.<br />

O Direito Penal não protege todos os bens jurídicos;<br />

protege apenas certos bens jurídicos e somente contra<br />

determinadas formas de agressão. O Direito Penal<br />

é um ramo do direito de intervenção subsidiária,<br />

de ultima ratio - só intervém quando os bens em causa<br />

não puderem ser suficientemente tutelados por<br />

outro ramo do direito (v.g. o Direito Civil), que tenha<br />

consequências menos gravosas para o agressor.<br />

O Direito Penal descreve claramente os bens juridicos<br />

que quer proteger e os comportamentos que<br />

quer punir - nisto se traduz o princípio da legalidade<br />

(não há crime nem pena sem lei). Para que um sujeito<br />

seja responsabilizado criminalmente tem de praticar<br />

um comportamento previsto na lei como crime,<br />

correntes da violação das regras normais de atuação<br />

poderão fundamentar a responsabilidade do médico<br />

a título de negligência 4 . Por outro lado, nem todos<br />

os comportamentos que violam as regras normais<br />

de atuação e que causam uma ofensa ao paciente<br />

serão punidos - pode atuar, no caso concreto, por<br />

exemplo, uma causa de exclusão da ilicitude ou uma<br />

causa de exclusão da culpa.<br />

II. O paradigma da compreensão jurídico-penal dos<br />

atos médicos<br />

O legislador português reconhece a relevante função<br />

social exercida pela classe médica - o nosso Código<br />

Penal (CP) dedica um tratamento diferenciado<br />

e privilegiado à atividade médica, através do regime<br />

específico das intervenções e tratamentos médico-<br />

-cirúrgicos (artigo 150.<strong>º</strong>). Nos termos do artigo 150.<strong>º</strong><br />

do CP, a intervenção médico-cirúrgica medicamente<br />

indicada, realizada por um médico, com finalidade<br />

terapêutica e segundo as leges artis não preenche<br />

o tipo legal de crime de ofensa à integridade física. E<br />

a intervenção será atípica mesmo nos casos em que<br />

falhe nos seus objetivos, isto é, mesmo que agrave a<br />

lesão ou a doença ou provoque a morte do paciente.<br />

A produção de resultados indesejáveis só relevará,<br />

entre nós, como ofensa corporal típica quando representar<br />

a consequência da violação das leges artis 5 .<br />

Por outro lado, a intervenção médico-cirúrgica não<br />

preencherá o tipo de crime de ofensa à integridade<br />

física, independentemente de o paciente ter dado<br />

ou não o seu consentimento. A inexistência de consentimento<br />

do paciente pode conduzir à punição do<br />

médico pelo crime de intervenções e tratamentos<br />

médico-cirúrgicos arbitrários (artigo 156.<strong>º</strong> do CP),<br />

que consubstancia um crime contra a liberdade pessoal<br />

e não um crime contra a integridade física 6 .<br />

Porém, se o médico atuar negligentemente e se dessa<br />

atuação advier uma lesão para o corpo ou para<br />

saúde ou mesmo a morte do paciente, o médico<br />

pode vir a ser punido por ofensa à integridade física<br />

por negligência (artigo 148.<strong>º</strong> do CP) ou por homicídio<br />

por negligência (artigo 137.<strong>º</strong> do CP).<br />

III. O tipo de ilícito negligente: a violação do dever<br />

de cuidado<br />

1. Nos crimes negligentes, diferentemente do que<br />

sucede nos crimes dolosos, a vontade do agente não<br />

se dirige ao resultado. O tipo de ilícito negligente<br />

consubstancia-se na violação, por parte do agente,<br />

de um dever objetivo de cuidado que sobre ele impende<br />

e que conduz à produção de um resultado<br />

típico que seria previsível e evitável pelo homem<br />

“<br />

O LEGISLADOR PORTUGUÊS<br />

RECONHECE A RELEVANTE<br />

FUNÇÃO SOCIAL EXERCIDA<br />

PELA CLASSE MÉDICA.<br />

O CÓDIGO PENAL DEDICA<br />

UM TRATAMENTO DIFERENCIADO<br />

À ATIVIDADE MÉDICA.<br />

atuando com dolo ou com negligência, preenchendo<br />

o tipo de ilícito e o tipo de culpa respetivos - tipo de<br />

ilícito, tipo de culpa e punibilidade são as categorias<br />

dogmáticas do conceito de facto punível 2 .<br />

2. A atividade médica é uma atividade que se desenvolve<br />

num contexto de risco. Atendendo à natureza<br />

dos bens jurídicos que podem ser afetados no decurso<br />

de uma intervenção médica - a vida, a integridade<br />

física e a liberdade do paciente, o direito penal não<br />

poderá deixar de intervir. Se o médico, no exercício<br />

da sua profissão, levar a cabo um comportamento<br />

que viole as regras normais de atuação e, consequentemente,<br />

não melhorar ou prejudicar a saúde do<br />

paciente, ou descurar o seu consentimento para a<br />

intervenção em causa, ofende (por ação ou omissão)<br />

bens jurídicos penalmente protegidos e, como tal,<br />

poderá vir a ser penalmente responsabilizado.<br />

São, no entanto, infundados os receios dos médicos<br />

“que veem o Direito como uma máquina rígida e<br />

implacável, pronta para reprimir o menor desvio no<br />

exercício da sua atividade” 3 . O paciente não tem o<br />

direito à cura. Tendo em conta os conhecimentos<br />

da medicina e as circunstâncias de tempo e de lugar,<br />

pode apenas exigir-se ao médico que faça tudo o<br />

que estiver ao seu alcance para melhorar o estado<br />

de saúde do paciente. Mesmo quando o médico comete<br />

um erro que provoca uma ofensa ao doente,<br />

tal não significa que o médico venha a ser criminalmente<br />

responsabilizado - erro médico não é sinónimo<br />

de negligência médica. Só os erros médicos de-<br />

”<br />

médio, pertencente à categoria intelectual e social<br />

e ao círculo de vida do agente (artigo 15<strong>º</strong> do CP) 7 .<br />

Para que se possa imputar a um profissional de saúde<br />

um crime de ofensa à integridade física por negligência<br />

ou de homicídio por negligência, este agente<br />

tem de ter violado o dever de cuidado que sobre<br />

ele impendia e o resultado que se verificou (lesão<br />

do corpo ou da saúde, ou morte do doente) tem<br />

de ser imputada, precisamente, àquela violação do<br />

dever. Consequentemente, é necessário saber com<br />

exatidão quando se dá a violação do dever objetivo<br />

de cuidado.<br />

2. Quais são as fontes concretizadoras do dever objetivo<br />

de cuidado no exercício da medicina? 8<br />

Na aferição do preenchimento do tipo de ilícito negligente<br />

tem de averiguar-se se o agente violou o dever<br />

objetivo de cuidado no caso concreto - o legislador,<br />

no artigo 15.<strong>º</strong> do CP, utiliza a expressão “segundo<br />

as circunstâncias”.<br />

Há, desde logo, que ter em consideração um conjunto<br />

de regras jurídicas de comportamento que regulam<br />

a atividade médica. Pense-se, por exemplo, no<br />

Estatuto da Ordem dos Médicos 9 e na legislação que<br />

regula a colheita e transplante de órgãos e tecidos de<br />

origem humana 10 , a investigação clínica 11 e a procriação<br />

medicamente assistida 12 .<br />

No entanto, tendo conta, por um lado, a permanente<br />

evolução da medicina e, por outro, a multiplicidade<br />

e complexidade das diversas especialidades, seria<br />

impossível o legislador criar normas jurídicas concretizadoras<br />

do dever de cuidado em cada caso. Nos }<br />

20 21

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