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Copyleft 2018 Maxwell dos Santos<br />

Alguns direitos reservados.<br />

+55 27 99943-3585<br />

+55 27 3100-8333<br />

sanmaxwell@gmail.com<br />

Responsabilidade Editorial | Maxwell dos Santos<br />

Revisão Final | Maxwell dos Santos<br />

Diagramação do Miolo | Maxwell dos Santos<br />

Capa | Maxwell dos Santos. Ilustração tirada do Freepik<br />

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação<br />

(CIP),<br />

Ficha Catalográfica feita pelo autor<br />

S237v Santos, Maxwell dos, 1986–<br />

Melanie[recurso eletrônico] / Maxwell dos<br />

Santos. – Vitória: Do Autor, 2018.<br />

Modo de acesso: World Wide Web<br />

<br />

1. Literatura infantojuvenil. I. Título.<br />

CDD 028.5<br />

CDU 087.5<br />

Índices para catálogo sistemático:<br />

1. Literatura infantojuvenil 028.5<br />

2. Literatura juvenil 028.5


A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar<br />

desigualmente aos desiguais, na medida em que se<br />

desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à<br />

desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da<br />

igualdade… Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais<br />

com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não<br />

igualdade real.<br />

Rui Barbosa(1849-1923)


Para Fernanda Nunes Fernandes.


SUMÁRIO<br />

Prefácio................................................................................12<br />

Apresentação.......................................................................15<br />

Recado do autor..................................................................19<br />

Capítulo 1 | A gênese de um sonho....................................25<br />

Capítulo 2 | Eu passei no PUPT.........................................34<br />

Capítulo 3 | O primeiro dia de aula....................................43<br />

Capítulo 4 | A vida é ligeira................................................48<br />

Capítulo 5 | O revés de um parto.......................................56<br />

Capítulo 6 | Sorte grande...................................................63<br />

Capítulo 7 | Diante dos donos............................................68<br />

Capítulo 8 | No Lamarck....................................................74<br />

Capítulo 9 | No sítio dos avós............................................82<br />

Capítulo 10 | A volta às aulas..............................................89<br />

Capítulo 11 | Quarenta versus 60.......................................96<br />

Capítulo 12 | O vestibular tá aí.........................................105<br />

Capítulo 13 | A hora da verdade........................................112<br />

Autor e Obra.......................................................................118<br />

Seja parceiro do autor independente..............................120


PREFÁCIO<br />

MELANIE É O MAIS NOVO LIVRO de Maxwell dos Santos, classificado<br />

pelo autor como “literatura infantojuvenil”.<br />

Assim como os anteriores, denota uma preocupação<br />

um tanto pedagógica, o que, se o afasta do terreno da ficção,<br />

aproxima-o contudo de realizar o intento do autor,<br />

que aqui cobre duas frentes: a defesa do sistema de cotas<br />

no ensino público e a tentativa de conscientizar acerca<br />

dos perigos que envolvem a combinação de álcool com a<br />

direção de veículos.<br />

A escrita de Maxwell é diferente. Por isso mesmo, ela<br />

nos tenta a provar que de fato entendemos e respeitamos<br />

o que vem a ser a diferença.<br />

Neste que seria uma espécie de breve romance pedagógico,<br />

o autor abre notas explicativas, notas de referência e<br />

outras ainda para explicar o que, costumeiramente, na escrita<br />

ficcional, o narrador ou um dos personagens teria<br />

dito a partir dos seus próprios afetos, afetados estes pelos<br />

afetos do autor.<br />

Maxwell põe assim, mais uma vez, a escrita a serviço<br />

12 | MELANIE


das causas que lhe parecem relevantes. O modo objetivo<br />

que tem de se comunicar e de ver o mundo está presente,<br />

como não poderia deixar de ser, na história de Melanie, a<br />

moça pobre que sonha ser médica.<br />

Mas quem é o dono dessa escrita, vem-nos o ímpeto de<br />

questionar ao percorrer mais de perto as linhas de Melanie.<br />

A priori, é difícil dizer, mas se imagina que sejam vocês,<br />

os seus futuros leitores, os iguais dos desiguais. Ou os<br />

desiguais dos iguais.<br />

É o que nos explica a epígrafe que Maxwell foi colher<br />

em Rui Barbosa, e que parece dizer da própria condição<br />

do autor de Melanie nesse mundo desigual, em que por vezes<br />

parece um milagre que os desiguais sobrevivam – e,<br />

mais ainda, que desejem escrever, que escrevam e publiquem.<br />

Que busquem editores, leitores e prefaciadores… E que<br />

se resolvam por fim a publicar de modo independente, em<br />

e-book, abrindo mão, por necessidade e como condição de<br />

publicação, de parte da cadeia que tradicionalmente envolve<br />

a produção de um livro, em nome do imponderável<br />

desejo ou necessidade de comunicar.<br />

A que se prestam, portanto, as palavras deste meu prefácio?<br />

A defender, com todas as letras, o direito das Melanie<br />

às cotas, tanto quanto o do Maxwell à escrita.<br />

De todas as funções que a escrita já provou ter, as<br />

13 | MAXWELL DOS SANTOS


quais, zelosos do nosso saber e do lugar sagrado da literatura,<br />

procuramos esconder no porão ou expor em finas<br />

caixas, Maxwell conseguiu extrair o de que necessitava<br />

para dar destino a anseios que, apenas formalizados, parecem<br />

mesmo deixar de sê-los para se tornarem escrita –<br />

descarnada, porém, ainda viva!<br />

Andréia Penha Delmaschio<br />

Professora, escritora e pesquisadora<br />

Doutora em Semiologia pela UFRJ<br />

14 | MELANIE


APRESENTAÇÃO<br />

VOCÊ CONHECE A MELANIE? Talvez já tenha ouvido falar<br />

dela – ou tenha conhecido alguém semelhante. É uma jovem<br />

garota de classe média para baixa, que está prestes a<br />

realizar o vestibular para o concorrido curso de Medicina.<br />

Melanie sabe que a vida não é fácil. Mas o que ela sabe sobre<br />

a vida?<br />

Melanie sabe que mora em uma casa simples, sabe que<br />

pode ajudar o vendedor de balas no ônibus, sabe que precisa<br />

fazer um cursinho, sabe que o Rodrigo, seu amigo,<br />

mesmo escolhendo fazer vestibular para Engenharia Ambiental,<br />

precisa estudar as disciplinas de humanas. Sabe<br />

também que o ano é 2007, que os celulares já tomam o espaço<br />

de comunicação – ligações e torpedos –, que a internet<br />

já faz parte do dia a dia dos jovens com o MSN e com<br />

o Orkut.<br />

O que Melanie realmente não sabe é o que a espera<br />

nessa aventura na qual está embarcando. Ela tem uma família,<br />

ela tem amigos, ela tem um namorado e ela tem um<br />

objetivo. Mas, entre o início da história e seu final, a trilha<br />

15 | MAXWELL DOS SANTOS


é tortuosa, mostrando que a vida oferece desafios diários<br />

e que as condições para enfrentá-los se mostram desiguais<br />

na sociedade.<br />

De um lado, indivíduos que facilitam seus caminhos<br />

por meio do dinheiro que possuem; de outro, aqueles que<br />

precisam de esforço dobrado (e às vezes um pouquinho<br />

de sorte) para conseguirem avançar em suas metas.<br />

E isso Melanie sabe. Ela sabe que a riqueza não está a<br />

seu favor. O que ela também não sabe ainda é que esses<br />

conflitos podem até mesmo se transformar em acirrados<br />

protestos entre alunos – cotistas e não cotistas.<br />

Outra coisa que Melanie não sabe (mas vai descobrir) é<br />

que o mercado da educação não se faz apenas de sonhadores<br />

em defesa de um mundo mais justo e igualitário.<br />

Ele também é formado por empresários, cujos focos estão<br />

voltados para o lucro, fazendo das vidas de seus alunos<br />

um grande jogo de xadrez, que envolve clientes privilegiados,<br />

os quais receberão melhores condições de disputar as<br />

vagas mais concorridas em troca de publicidade e, consequentemente,<br />

resultando na procura de mais clientes em<br />

busca de uma vaga na universidade.<br />

Se Melanie vai descobrir que o mundo não é feito apenas<br />

de boas intenções, ela também vai perceber que pode<br />

encontrar laços fortes em familiares e amigos – e, às vezes,<br />

com pessoas que ela mal conhece – que a ajudarão a<br />

16 | MELANIE


tornar sua caminhada menos penosa.<br />

Isso não quer dizer que será fácil (e começo a desconfiar<br />

que Melanie sabe disso antes mesmo de começar a narrativa).<br />

Ainda assim, Melanie sabe (e isso ela sabe bem)<br />

que uma galinha caipira ensopada com batata e quiabo,<br />

quando preparada pela avó que mora no interior, é um<br />

excelente remédio para amenizar o peso de suas batalhas.<br />

Numa Vitória, capital do Espírito Santo, que mistura<br />

realidade e ficção – que se cria e se recria entre a vida e a<br />

literatura –, Melanie nos leva a conhecer um pouco mais<br />

de sua vida em momentos que revelam as dores e as dificuldades<br />

com os quais a juventude frequentemente tem<br />

que lidar no momento entre sair do Ensino Médio e buscar<br />

uma profissão.<br />

Será que Melanie sabe que vida é ligeira?<br />

A mãe de Melanie diz: “Ninguém quer saber que você é<br />

apenas uma menina”.<br />

Será que o mundo sabe que Melanie não é só uma menina,<br />

mas que é uma humana, uma pessoa, alguém que<br />

tem sonhos, desejos, dores, amores, alegrias e tristezas?<br />

Será que a sociedade sabe que Melanie não é só um resultado<br />

colado na parede da universidade?<br />

E o que o leitor deve saber antes de iniciar a leitura?<br />

Deve saber que Melanie vai descobrir muitas coisas que<br />

ainda não conhece: vai aprender biologia, vai aprender<br />

17 | MAXWELL DOS SANTOS


química, vai aprender que a sociedade é desigual, vai<br />

aprender que viver é muito perigoso. E você, leitor, pode<br />

se perguntar: mas isso desanima Melanie? A resposta<br />

você só saberá folheando as próximas páginas.<br />

Nelson Martinelli Filho<br />

Doutor em Letras pela UFES e professor do IFES<br />

18 | MELANIE


RECADO DO AUTOR<br />

ESTA OBRA SURGIU A PARTIR das experiências que tive nos<br />

anos que estudei como bolsista num conhecido cursinho<br />

do interior paulista, nos anos de 2005 e 2007, na turma do<br />

semiextensivo, que vai de agosto a dezembro. A primeira<br />

vez, de manhã e a segunda, à noite. Queria tentar Jornalismo<br />

na UFES em 2005 e História na UFES e Jornalismo<br />

na UERJ em 2007.<br />

Em ambas as oportunidades, eu pude ter contato com<br />

aspirantes ao curso de Medicina. Alguns já estavam tentando<br />

o curso pela segunda, terceira, quarta ou quinta<br />

vez.<br />

Então, surgiu Melanie, moça doce e de nobres sentimentos,<br />

que tem uma meta: ser médica. Contudo, ela tem<br />

uma série de desafios: ela é de origem humilde, moradora<br />

do Bairro da Penha, bairro periférico de Vitória e estudou<br />

toda a vida em escola pública. Praticamente, uma azarona<br />

no cruel páreo pelas vagas de Medicina.<br />

Terá que enfrentar alunos que por toda a vida puderam<br />

estudar em boas escolas, fizeram intercâmbio no exterior,<br />

enfim, toda uma bagagem intelectual e acadêmica<br />

necessária para enfrentar os vestibulares mais duros e<br />

concorridos.<br />

19 | MAXWELL DOS SANTOS


Ela sofre um duro golpe do destino, ao ser atropelada<br />

com seu irmão Juninho, portador de necessidades especiais<br />

e de Bárbara, sua prima. Eles morrem no acidente e a<br />

jovem pensa jogar tudo para o alto.<br />

Após sair do hospital, Melanie passa a esmerar-se mais<br />

e mais nos estudos, até que chama a atenção de um dos<br />

professores do PUPT, que fala dela para os sócios do Lamarck,<br />

o cursinho líder de aprovações em Medicina no<br />

Estado. Melanie ganha uma bolsa para a turma integral<br />

de Medicina e passa a estudar lá.<br />

Digo, sem medo de errar, que clima entre os candidatos<br />

de Medicina é de competição acirrada e pressão permanente<br />

dos professores, pais e da sociedade. A neurose é<br />

reforçada pelos coordenadores, que repetem o mantra:<br />

“o concorrente pode estar ao lado”, incitando o individualismo<br />

e o terrorismo psicológico.<br />

Como consequência, a maioria dos alunos sofre alterações<br />

de humor, engordam ou emagrecem e abdicam de<br />

atividades sociais, como ir ao cinema ou jogar vôlei na<br />

praia. Respiram vestibular 24 horas, uma paranoia que só<br />

acaba quando seus nomes estão na lista de aprovados.<br />

Quanto ao objetivo dos cursinhos de Vitória, das três,<br />

uma: se é para ver quem vai tirar o 1º lugar geral em Medicina,<br />

ou quem aprova mais em Medicina ou quem aprova<br />

mais na UFES. Os alunos são considerados como meros<br />

20 | MELANIE


números e nada mais.<br />

Lembro do rebuliço da aprovação da reserva de 40%<br />

das vagas na UFES para alunos de escola pública. Os alunos<br />

do PUPT e outros cursinhos voltados para a população<br />

mais carente comemoraram a decisão. Nas palavras<br />

da então aluna do 3º ano da EEEM Irmã Maria Horta,<br />

Grazielly Fernandes dos Santos, 17 anos, candidata ao<br />

curso de Medicina, em entrevista ao jornal A Tribuna, do<br />

dia 11 de agosto de 2007:<br />

Sem sombra de dúvidas, as cotas democratizam o acesso à<br />

universidade e estabilizam a nossa situação, de estudantes da escola<br />

pública, para bater de frente com os alunos das particulares<br />

no vestibular. Mas não é nada agradável ouvir de representantes<br />

dos médicos que vamos diminuir a qualidade profissional.<br />

Isso não é verdade e vamos provar.<br />

O então secretário-geral do Conselho Regional de Medicina<br />

do Espírito Santo (CRM-ES),Celso Murad, em entrevista<br />

ao mesmo jornal, se diz contrário a qualquer tipo<br />

de assistencialismo e, em sua opinião, esse caráter das cotas<br />

que, para ele, não vão resolver o problema da falta de<br />

investimento na educação e podem contribuir para piorar<br />

a qualidade profissional.<br />

A opinião do então presidente da autarquia fiscalizadora<br />

da classe médica, em declaração à A Tribuna, do dia<br />

10 de agosto de 2007, também é contrária às cotas:<br />

21 | MAXWELL DOS SANTOS


O sistema de cotas é complicado, porque não ser mais o critério<br />

da competência que fará o aluno passar no vestibular. Pode<br />

haver pessoa com nota maior que não vai passar. Em princípio,<br />

eu não sou a favor. Os direitos são iguais. Há alunos bons na escola<br />

pública que conseguem passar no vestibular para Medicina.<br />

O sistema de cotas é discriminatório. Mas, quem sabe isso não<br />

venha contribuir para o ensino público nos próximos anos?<br />

A oposição dos representantes do CRM-ES às cotas é<br />

uma posição reacionária de uma categoria profissional<br />

formada por pessoas de classe média-alta, que tiveram<br />

condições de estudar em boas escolas, conseguiram entrar<br />

na universidade e cursar Medicina. Para eles, é fácil<br />

dizer que a base precisa ser melhorada e que basta competência.<br />

Difícil é convencer a juventude pobre, majoritariamente<br />

negra e marginalizada das periferias a esperar tanto<br />

tempo por melhorias na educação, o que pode levar décadas.<br />

Parece que os representantes da classe média querem<br />

que a Medicina seja uma profissão elitista, servindo<br />

somente como instrumento de poder político e econômico,<br />

não cumprindo o juramento de Hipócrates (que deve<br />

estar se remoendo no túmulo – se é que ele ainda está intacto),<br />

que é salvar vidas.<br />

Quanto à alegação que as cotas ferem o mérito acadêmico,<br />

vale a pena observar o argumento do artigo Estudo<br />

22 | MELANIE


Errado: Qual é a capital de Kubanacan?, de Antonio Ozaí da<br />

Silva:<br />

Seria cômico, se não fosse trágico, observar como professores,<br />

alunos, pais e amplos setores da sociedade se rendem diante da<br />

ideologia do mérito. Ainda há quem acredite na idiotice de que<br />

passar ou não no exame vestibular se resume a uma questão de<br />

esforço e dom individual. De fato, o vestibular só se sustenta devido<br />

ao poder econômico das escolas e cursinhos adestradores de<br />

indivíduos egoístas e competitivos e dos interesses corporativos<br />

dos que compõem a indústria do vestibular.<br />

Os alunos da rede privada fizeram passeata até a UFES<br />

protestar não contra as cotas, mas pelo alto percentual<br />

instituído. A questão das cotas chegou à Assembleia Legislativa,<br />

onde ocorreu no dia 16 de agosto de 2007 uma<br />

audiência pública, onde alunos e professores de escolas<br />

públicas e privadas expuseram seus pontos de vista. Fui lá<br />

como mero espectador, só ouvindo as posições dos dois<br />

lados.<br />

A classe média é contra cotas e sugere que se melhore a<br />

qualidade do ensino público na base. Mas não é capaz de<br />

pôr seus filhos na escola pública. Veja o que disse o senador<br />

Cristovam Buarque (PPS-DF), em entrevista à Agência<br />

Senado:<br />

Porque na hora em que a classe média brasileira colocar seus<br />

filhos na escola pública, aí essas escolas vão começar a melhorar.<br />

23 | MAXWELL DOS SANTOS


Porque a classe média tem força de pressão. Todo serviço público<br />

para as classes média e alta é melhor. Veja: as rodoviárias são<br />

ruins e os aeroportos são bons. Os pais desses alunos de classe<br />

média falam com os professores em pé de igualdade. Já o pai pobre<br />

fala com professor e professora humildemente.<br />

Esse envolvimento da classe média e alta com a escola pública<br />

é o caminho para que a escola pública melhore. As cotas para<br />

as escolas públicas têm duas vantagens.<br />

Primeiro, muitos dos jovens dessas escolas que hoje nem sonham<br />

em entrar na universidade passarão a pensar e a se preparar<br />

para isso. Quando souberem que tem uma cota para eles<br />

na universidade, vão estudar mais no Ensino Médio, vão ser<br />

mais estimulados. E isso vai melhorar a qualidade da escola pública.<br />

A melhoria do ensino público começa a partir de sua<br />

valorização. E a reserva de vagas para alunos é um estímulo<br />

para que os jovens acreditarem que a universidade é<br />

um sonho possível.<br />

Desejo a todos uma boa leitura.<br />

Maxwell dos Santos<br />

Dezembro de 2018<br />

24 | MELANIE


CAPÍTULO 1 | A GÊNESE DE UM SONHO<br />

O GRANDE SONHO DA VIDA de Melanie era ser médica, mas<br />

não tinha condições de pagar a faculdade de Medicina,<br />

tampouco pagar um cursinho para que pudesse ajudá-la<br />

alcançar esta meta.<br />

Até novembro de 2006, ela estagiava de manhã na<br />

clínica Femina e fazia o 3° ano do Ensino Médio à tarde,<br />

na EEEM Fernando Duarte Rabelo. Após o término do<br />

contrato, trabalhou com contrato temporário na loja de<br />

calçados Cometa. Ela queria juntar dinheiro para pagar<br />

um cursinho.<br />

Para isso, abriu uma poupança na Caixa. Meses depois,<br />

após tirar o extrato no caixa eletrônico, viu que o valor<br />

acumulado só daria para pagar as apostilas, o uniforme e<br />

o material. Pensou em voltar a trabalhar para pagar o cursinho,<br />

mas desistiu, porque o curso de Medicina é o mais<br />

concorrido da UFES (Universidade Federal do Espírito<br />

Santo), com relação candidato/vaga superior a 20 e para<br />

passar, teria que se dedicar integralmente e se trabalhasse,<br />

não teria tempo para estudar.<br />

Melanie morava uma casa de alvenaria, perfil classe<br />

média para baixa, de três quartos, sala, cozinha, banheiro,<br />

área de serviço e varanda, localizada na Avenida Hermí-<br />

25 | MAXWELL DOS SANTOS


nio Blackman, no Bairro da Penha, em frente à EMEF Zilda<br />

Andrade. O imóvel era de sua família.<br />

Quando tudo parecia perdido, soube por um programa<br />

de televisão a respeito do último dia das inscrições para o<br />

processo seletivo do Projeto Universidade para Todos 1 ,<br />

mantido pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida, que<br />

deveriam ser feitas na agência da Caixa da UFES.<br />

Após tomar um demorado banho de meia hora, levar<br />

mais uns dez minutos para se arrumar, mais quinze para<br />

procurar seus documentos e pô-los na bolsa, Melanie estava<br />

pronta para ir ao banco fazer a inscrição. Antes de ir,<br />

aproximou-se de Juninho, seu irmão mais novo, branco,<br />

cabelo liso, 12 anos, com Síndrome de Down e falou com<br />

ele:<br />

– Juninho, meu amor, eu vou ao banco resolver um<br />

problema e volto mais tarde, tá? Um beijo.<br />

– Um beijo, Mel – disse Juninho, dando um beijo no<br />

rosto de Melanie.<br />

Melanie seguiu para o ponto de ônibus, na Avenida<br />

1 Projeto social surgido em 5 de agosto de 1996, a partir da iniciativa<br />

de três estudantes da UFES (José Vasconcelos Maria e os irmãos<br />

Rodrigo e Rodrigo Trazzi), que visava preparar alunos e de escola<br />

pública ao vestibular da Universidade. Era mantido pela<br />

FCAA(Fundação Ceciliano Abel de Almeida) até o encerramento das<br />

atividades da entidade em 2014. Atualmente, é mantido pela<br />

Associação Universidade para Todos.<br />

26 | MELANIE


Maruípe. Fazia um calor senegalesco naquele dia 07 de fevereiro<br />

de 2007. O ônibus 184(Jardim da Penha-Rodoviária)<br />

chegou e ela entrou nele.<br />

O trânsito estava muito lento, em virtude de um acidente<br />

automobilístico, envolvendo um caminhão da Ambev<br />

e uma picape Dodge RAM, ocorrido nas proximidades<br />

do campo do Caxias Esporte Clube. Já passava de 13h30-<br />

min e o ônibus ainda estava no local do acidente, deixando<br />

a jovem angustiada.<br />

Rapidamente, chegou a ambulância do Corpo de Bombeiros<br />

para socorrer as vítimas do horrendo, porém cotidiano<br />

acidente de trânsito. Por sorte, os ocupantes dos<br />

veículos só tiveram ferimentos leves e em vinte minutos,<br />

os agentes da Guarda Municipal normalizaram o fluxo de<br />

trânsito.<br />

– Graças a Deus! Eu vou conseguir chegar a tempo ao<br />

banco – disse Melanie.<br />

No coletivo, embarcou Márcio, um jovem que vendia<br />

doces dentro do ônibus. Ele falou:<br />

– Boa tarde, senhores passageiros. Sou soropositivo e<br />

por isso, não consigo emprego em lugar nenhum. Eu podia<br />

tá matando, tá roubando, mas tô aqui trabalhando honestamente.<br />

Tô vendendo sete paçocas por um real. Também<br />

tenho cinco jujubas, por 1 real. Quem puder me ajudar,<br />

eu agradeço.<br />

27 | MAXWELL DOS SANTOS


Vários passageiros se comoveram com a história do<br />

vendedor, inclusive Melanie, comprando-lhe os doces.<br />

– Eu sei que é pouco, mas é o que eu posso ajudar – respondeu<br />

Melanie, olhando para o vendedor com um sorriso,<br />

acariciando-lhe as mãos e dando o dinheiro.<br />

– Obrigado. Você é um anjo – respondeu Márcio, admirado<br />

e recolhendo o dinheiro.<br />

O ônibus chegou ao ponto da UFES. Melanie atravessou<br />

a Avenida Fernando Ferrari para entrar no campus e<br />

ir fazer a inscrição da prova do PUPT, na agência da Caixa.<br />

Ela se espantou com a quantidade de pessoas dentro<br />

da agência e fora dela, que vieram pagar a taxa de inscrição,<br />

preencher a ficha de inscrição e entregá-la no posto<br />

de atendimento próximo à agência. Na fila, a jovem encontrou<br />

um ex-colega de escola que não via há muito e<br />

também estava na fila para a inscrição.<br />

Era Rodrigo, 17 anos, negro, cabelo trançado, terminando<br />

o 3° ano do Ensino Médio no CEFET-ES 2 e pretendia<br />

tentar Engenharia Ambiental. Como Melanie, ele não<br />

tinha condições de pagar um cursinho e por isso, queria<br />

uma vaga no PUPT. Entediada com aquela fila, Melanie<br />

começou a puxar conversa com Rodrigo:<br />

2 Atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do<br />

Espírito Santo.<br />

28 | MELANIE


– Rodrigo, quanto tempo!<br />

– Nossa, Melanie. Eu também não te vejo há uma cara!<br />

O que tem feito da vida?<br />

– Por enquanto, tô sem fazer nada. Vim aqui pra fazer<br />

a inscrição do Projeto. Quero tentar Medicina, mas tô sem<br />

grana pra pagar um cursinho e por isso, vejo no PUPT<br />

uma oportunidade de realizar meu sonho.<br />

– Eu quero fazer Engenharia Ambiental. Meus pais não<br />

têm condições de arcar com um cursinho e eu, muito menos.<br />

Amigos meus me disseram que o Projeto era muito<br />

bom e decidi disputar uma vaga.<br />

– E sua mãe, já tá melhor?<br />

– Ela morreu. Quando a gente achava que ela tava curada,<br />

o câncer voltou devastador. Deu metástase, se espalhou<br />

pros outros órgãos e ela não resistiu.<br />

– Meus sentimentos, que Deus a tenha num bom lugar.<br />

Há seis meses, papai também morreu de câncer no intestino<br />

e ainda sofro com isso. Toda noite, eu choro de saudade<br />

dele. Ele foi o melhor pai do mundo.<br />

Rodrigo começou a chorar e disse:<br />

– A minha angústia é a mesma. Penso em mamãe em<br />

tudo o que eu faço. Vaso ruim não quebra mesmo. Por<br />

que o destino tem que ser cruel com as pessoas que a gente<br />

mais ama?<br />

– É o que me pergunto também. Não fica assim, queri-<br />

29 | MAXWELL DOS SANTOS


do. Um dia, você vai superar essa dor – respondeu Melanie,<br />

abraçando e afagando Rodrigo.<br />

Chegou a vez de Melanie entregar a ficha de inscrição<br />

no posto de atendimento do PUPT. Para ela, foi um alívio<br />

sair da fila, que estava enorme. Depois, chegou a vez de<br />

Rodrigo entregar sua ficha. Antes de sair dali, perguntou<br />

à Melanie:<br />

– Mel, me passa seu MSN e Orkut.<br />

– Passo sim, Rodrigo. Só preciso de um papel – respondeu<br />

Melanie.<br />

– Aqui tá o papel – falou Rodrigo, entregando o papel.<br />

– Rodrigo, foi um prazer te ver, mas tenho que ir.<br />

Tchau – disse Melanie, abraçando e beijando o amigo.<br />

– Tchau, Melanie – respondeu Rodrigo, retribuindo o<br />

gesto da amiga.<br />

Rodrigo, fora da agência, pensou em Melanie. Surgiram<br />

em seu pensamento imagens da moça em flashback<br />

do tempo da escola, com destaque ao baile de formatura<br />

da 8ª série, onde ele foi par dela. Ele disse:<br />

– Desde a época de escola, tenho uma queda por Melanie,<br />

mas sou tímido demais pra mandar a real pra ela.<br />

Uma menina linda por dentro e por fora, com olhar que<br />

encanta a qualquer pessoa, tem a voz mais doce que eu já<br />

escutei, tão educada e meiga! Está sempre de bom humor,<br />

disposta a ajudar às pessoas! Ela abria mão das férias pra<br />

30 | MELANIE


ajudar os alunos que ficavam de NOA. Por que, cargas<br />

d'água, os carinhas pagam pau pra essas piriguetes, por<br />

fora, uma bela viola, mas por dentro, pão bolorento, têm<br />

forma, mas não têm conteúdo. Mas fazer o quê? Cada um<br />

tem o seu gosto e eu gosto muito da Mel.<br />

Rodrigo tinha uma queda por Melanie, moça de 1,60<br />

m, branca, olhos verdes e longos cabelos castanhos, uma<br />

verdadeira bonequinha que encantava os meninos no esplendor<br />

da puberdade e homens barbados do Bairro da<br />

Penha com sua doçura e graça. Pretendentes não faltavam.<br />

Era Rodrigo e as torcidas dos Quatro Grandes do<br />

Rio (Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense) 3 .<br />

Melanie, após ter chegado da agência da Caixa, tomou<br />

banho e foi para o quarto, onde conversava com seu namorado<br />

Bebeto, moreno claro, 21 anos, cabelos pretos e<br />

estatura mediana. Ela estava de robe e ele, de camisa e<br />

calça da Cyclone, sentado na cama dela. Bebeto fez um<br />

convite:<br />

– Melanie, que tal a gente ir à sorveteria Kiabai tomar<br />

um sorvete?<br />

– Hoje não, Bebeto. Tô com uma senhora dor de cabe-<br />

3 Coloquei esta hipérbole para demonstrar o quanto Melanie era<br />

desejada pelos homens daquele bairro e para criticar o<br />

provincianismo do capixaba, que geralmente não valoriza os times da<br />

terra.<br />

31 | MAXWELL DOS SANTOS


ça. Fica pra outro dia.<br />

– Pára de show, Melanie! Toma um Paracetamol. É tiro<br />

e queda.<br />

– Ô meu amor, hoje tô mal mesmo. Na geladeira, tem<br />

um pote de sorvete. Pega ele e as colheres na cozinha pra<br />

gente comer aqui.<br />

– Tudo bem, meu amor.<br />

Bebeto foi à cozinha, pegou o pote de sorvete na geladeira<br />

e as colheres no armário. Passou um carro na rua,<br />

com um som altíssimo, tocando Mulher de Fases, da banda<br />

Raimundos.<br />

“Essa música fala o que é a Melanie: complicada e perfeitinha,<br />

vive fazendo charme pra irritar a gente” – pensou.<br />

Bebeto voltou ao quarto, com o pote de sorvete e as colheres.<br />

Sentou na cama de Melanie e abriu o pote. Entre<br />

uma colherada e outra, eles se beijaram. O clima esquentou<br />

e Bebeto passou a mão nas coxas de Melanie, que cortou<br />

na hora e disse:<br />

– O que é isso, Bebeto? Já falei pra você que só vou<br />

transar depois do casamento. Quem ama, espera, Bebeto.<br />

– Droga, Melanie! Há seis meses que a gente namora e<br />

ainda tá nesse zero a zero. Pra mim já deu. Nosso namoro<br />

termina por aqui – gritou Bebeto.<br />

– Bebeto, por favor, não vá – implorou Melanie.<br />

32 | MELANIE


– Adeus – reiterou Bebeto, furioso, batendo a porta.<br />

Melanie chorava sem parar.<br />

33 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 2 | EU PASSEI NO PUPT<br />

AO LONGO DOS ANOS, o Projeto Universidade para Todos ficou<br />

conhecido e a disputa para a vaga aumentou a cada<br />

ano, a ponto de existir um pré-PUPT 4 , ou seja, um preparatório<br />

para o Projeto. Não havia limites para a indústria<br />

dos cursinhos lucrar cada vez mais com os vestibulandos,<br />

ainda que seja em cima de um projeto social, que só existe<br />

por causa das deficiências de seus alunos, majoritariamente<br />

oriundos do ensino público estadual.<br />

A prova era composta por questões de Língua Portuguesa,<br />

Matemática, História, Geografia e Ecologia. Havia<br />

pontos de corte distintos para alunos da comunidade<br />

(que já terminaram o Ensino Médio) e SEDU 5 (que ainda<br />

estão no 3º ano do Ensino Médio).<br />

Sabendo disso, Melanie esqueceu definitivamente de<br />

4 O preparatório pertencia a um professor do PUPT, que também<br />

mantinha um pré-vestibular e os congressos específicos de cada<br />

matéria (Congresso de História, Congresso de Literatura, Congresso<br />

de Redação).<br />

5 O número de vagas para o PUPT a cada ano dependia do apoio dado<br />

pelos patrocinadores privados. As prefeituras da Grande Vitória, do<br />

interior e a SEDU (Secretaria de Estado da Educação do Espírito<br />

Santo) também patrocinavam o projeto.<br />

34 | MELANIE


Bebeto e começou a estudar todas as tardes no seu quarto.<br />

Só tinha um pouco de dificuldades em Matemática, e<br />

por isso, chamou seu primo Pedro, aluno de Engenharia<br />

Mecânica da UFES para ajudá-la nessas matérias em casa.<br />

***<br />

No dia 04 de março de 2007, um domingo, Melanie<br />

chegou ao Centro de Línguas da UFES para fazer a prova<br />

de seleção do PUPT. Ela trouxe o comprovante de inscrição,<br />

o RG, o estojo da Fricite com caneta, lapiseira e borracha<br />

e uma garrafa de água mineral sem gás da Coroa.<br />

– Poxa, hoje tá fazendo um solzão, daqueles que anima<br />

a gente sair de casa e ir pra praia. Pelo sonho da universidade,<br />

eu farei qualquer renúncia e esta será a primeira<br />

delas – disse Melanie.<br />

A sala onde a prova do PUPT era aplicada estava cheia<br />

de candidatos, bastante ansiosos por uma vaga. O fiscal<br />

distribuiu as provas aos candidatos, que só podiam abrilas<br />

após sua autorização. Três minutos depois, o fiscal autorizou<br />

o início da prova. Melanie abriu a prova e se assustou.<br />

“Essas questões de Língua Portuguesa tão cheias de<br />

pegadinhas. Tá explicado porque elas têm maior peso.<br />

Vou deixá-las pro final” – pensou.<br />

35 | MAXWELL DOS SANTOS


Melanie começou a responder as questões de História,<br />

Geografia e Ecologia. Respondidas tais questões, ela foi<br />

para as questões de Matemática e Língua Portuguesa. Ela<br />

preencheu o gabarito, entregou-o ao fiscal e saiu da sala,<br />

levando a prova.<br />

– Agora, é só aguardar o resultado e que Deus me abençoe<br />

e abençoe àqueles que fizeram essa prova – disse Melanie.<br />

***<br />

18 de março de 2007, um domingo: o dia da verdade.<br />

Foi divulgado o resultado da prova de seleção do Projeto,<br />

publicado na portaria da FCAA e nos jornais de maior circulação<br />

no Espirito Santo. Melanie, ao ver seu nome entre<br />

os aprovados no jornal, chorou de alegria no seu quarto,<br />

enquanto ouvia no computador Dos enamorados, de Laura<br />

Pausini. Saiu do quarto, abraçou a mãe, Darlene, 40 anos,<br />

morena clara, cabelo preto, baixinha como a filha, que estava<br />

na sala e disse:<br />

– Mãe, eu passei na prova do PUPT! Vou poder realizar<br />

meu sonho.<br />

– Parabéns, minha filha. Quando você vai se matricular?<br />

– A partir de amanhã. Só fico preocupada como vou<br />

conseguir a tempo o histórico escolar. Terça à tarde, vou<br />

passar na escola pra tentar, pelo menos, pegar a declara-<br />

36 | MELANIE


ção de conclusão do Ensino Médio. Acontece que quem<br />

fica na secretaria é a Gerusa, que é muito antipática. Meu<br />

Deus, que mulher mal-amada!<br />

– Essa aí parece que nunca viu macho, com esse gênio,<br />

ela vai mesmo é ficar pra titia.<br />

– Mãe, vou precisar de R$ 60,00 para pagar as apostilas<br />

do Projeto.<br />

– Agora não tenho, mas vou passar no caixa eletrônico<br />

e você pega comigo mais tarde.<br />

– Te amo, mamãe. Você é tudo pra mim.<br />

***<br />

Na terça-feira à tarde, Melanie foi à sua antiga escola<br />

requerer a declaração de conclusão de 3º ano do Ensino<br />

Médio. Mas para sua surpresa, a Gerusa se aposentou.<br />

“Essa aí já era pra ter se aposentado faz tempo. Era<br />

uma mulher muito amargurada” - pensou Melanie.<br />

Em poucos minutos, a nova secretária escolar digitou a<br />

declaração no computador, imprimiu, carimbou, assinou<br />

a declaração e a entregou à Melanie. Ela saiu da escola e<br />

no ponto em frente ao Boulevard da Praia, pegou um ônibus<br />

para a UFES, onde funcionava a sede da FCAA, mantenedora<br />

do PUPT.<br />

Na porta da Fundação, havia uma fila de cem pessoas<br />

para a matrícula. Uma funcionária fazia a triagem dos<br />

37 | MAXWELL DOS SANTOS


documentos para verificar se estavam em ordem. Se o<br />

classificado estivesse com os documentos conforme o edital,<br />

seria encaminhado para a matrícula na sala do PUPT.<br />

Enquanto aguardavam sua vez, uns jogavam baralho, outros<br />

conversavam banalidades.<br />

– Ainda não acredito na derrota do meu Mengão pro<br />

Volta Redonda. Um timaço perdendo prum timeco – reclamou<br />

Udson.<br />

– Acontece, meu chapa, que os jogadores do seu Mengão<br />

só têm amor ao dinheiro e não honram o manto rubro-negro.<br />

Preferem cair nas baladas cariocas e por isso,<br />

não têm disposição pra treinar, se é que eles pisam os pés<br />

lá na Gávea. Por causa disso, o Voltaço mandou aquela goleada<br />

– respondeu Michael, vestido com a camisa do Fluminense.<br />

– Falou e disse, parceiro. Há muito, o futebol brasileiro,<br />

principalmente o carioca, anda numa situação lamentável.<br />

Os bons jogadores são vendidos pros times da Europa.<br />

Ficam aí só os pernas de pau, que não jogam nada e<br />

fazem extravagâncias fora do campo – observou Nelson.<br />

Após uma hora e meia, chegou a vez de Melanie, com<br />

os documentos, ir à sala do PUPT fazer sua matrícula. A<br />

secretária perguntou e digitou os dados no computador:<br />

– Nome?<br />

– Melanie Coser Pignaton.<br />

38 | MELANIE


– Nascimento?<br />

– 01 de julho de 1988.<br />

– Nome da mãe?<br />

– Darlene Silva Coser Pignaton.<br />

– Nome do pai?<br />

– Genésio Leonardo Pignaton.<br />

– Endereço?<br />

– Avenida Hermínio Blackman, 690.<br />

– Bairro?<br />

– Bairro da Penha.<br />

– Cidade?<br />

– Vitória.<br />

– Identidade?<br />

– 933.255<br />

– CPF?<br />

– 051.344.266-45.<br />

– Telefone fixo?<br />

– 3324-5353<br />

– Telefone celular?<br />

– 9821-5866<br />

– Certificado de conclusão do Ensino Médio?<br />

– Não consegui, mas tenho declaração da escola.<br />

– Turno que vai estudar?<br />

– Vespertino.<br />

– Os R$ 60,00 da primeira apostila?<br />

39 | MAXWELL DOS SANTOS


– Aqui estão.<br />

– Obrigada e boa sorte.<br />

Melanie saiu da FCAA e foi para casa. Ao se aproximar<br />

do portão, a jovem deparou-se com uma situação desagradável,<br />

onde dona Zelmínia, senhora de 68 anos, baixa e<br />

cabelo grisalho, judiava de Juninho, porque ele derrubou<br />

seu cesto de pães. Desaforada, ela gritou:<br />

– Só podia ser uma droga de retardado mental pra fazer<br />

essa desgraça. Sai daqui, aberração da natureza! Filhote<br />

de cruz-credo com ave-maria! Aborto malfeito!<br />

Isso magoou demais Melanie, que foi em direção à senhora<br />

e disse:<br />

– O que é isso, dona Zelmínia? Larga o meu irmão já!<br />

Fabinho, um amigo de Juninho, que estava na rua, falou<br />

com Melanie:<br />

– Mel, essa velha feia bateu no Juninho, porque ele,<br />

sem querer, derrubou um cesto de pães.<br />

– É mesmo, meu lindo? – perguntou Melanie, fazendo<br />

um carinho na cabeça do menino.<br />

– É – respondeu Fabinho.<br />

– Ela me bateu, Mel – disse Juninho.<br />

Os outros meninos confirmam a versão dele. Melanie<br />

falou umas verdades para Dona Zelmínia:<br />

– Dona Zelmínia, me responde uma pergunta: a senhora<br />

acha certo ofender um portador de necessidades espe-<br />

40 | MELANIE


ciais por ele ter derrubado um cesto? Se a senhora tivesse<br />

um filho com problema igual ao do meu irmão, a senhora<br />

o amaria ou o consideraria um estorvo em sua vida, abandonando-o<br />

nesses córregos de rios, como fazem muitas<br />

mães por aí?<br />

Dona Zelmínia, apontando um dedo em riste para Melanie,<br />

saiu irritada dali, dizendo desaforos:<br />

– Menina abelhuda! Que o diabo que a carregue!<br />

Quem estava ali, achou um máximo a lição de moral<br />

que Melanie deu naquela senhora e os meninos mais engraçadinhos<br />

gritaram:<br />

– Melanie pra presidente!<br />

Ela respondeu às manifestações:<br />

– Obrigada, gente. Era a hora de dar um basta nessa situação.<br />

Dona Zelmínia tinha que ouvir umas verdades.<br />

Não é a primeira vez que ela age assim com o Juninho,<br />

usando termos grosseiros. Até mais, meninos. Vem, Juninho,<br />

vamos pra casa.<br />

Melanie chegou à cozinha com Juninho. Darlene estava<br />

na mesa jantando, antes de pegar o plantão no Hospital<br />

Santo Antônio, onde trabalhava como técnica de enfermagem.<br />

Eram dezoito horas e trinta minutos. O céu estava<br />

limpo, sem nuvens e a Lua mostrava seu resplendor.<br />

Ela e Juninho sentaram à mesa com Darlene. Para o jantar,<br />

tinha arroz, feijão, macarrão, batatinha, salada e cos-<br />

41 | MAXWELL DOS SANTOS


telinha de porco. Melanie serviu-se de comida e depois<br />

disso, falou com a mãe:<br />

– Mamãe, acredita que Dona Zelmínia voltou a agir<br />

com grosseria com Juninho?<br />

– O quê? Daqui a pouco, eu vou descer o pau nessa velha<br />

louca! Quem ela pensa que é? Ela vai aprender com<br />

uma quente e duas fervendo a não judiar com os filhos<br />

dos outros! - gritou Darlene, socando a mesa.<br />

– Não faz isso, mamãe. Eu tive uma conversinha com<br />

dona Zelmínia, mas ela reagiu com desaforos. Se a anciã<br />

age assim com Juninho na minha presença, imagina o<br />

que ela faria se não tivesse por perto?<br />

– Eu tenho que ir pro hospital assumir o plantão da<br />

noite. Hoje promete ser tenso. Cuida bem do Juninho,<br />

hein? Tchau.<br />

– Tchau, mãe.<br />

Ao terminar o jantar, Melanie lavou as vasilhas e foi<br />

para a sala ler o livro Um amor para recordar, de Nicholas<br />

Sparks. As aulas no PUPT começariam daqui a alguns<br />

dias.<br />

42 | MELANIE


CAPÍTULO 3 | O PRIMEIRO DIA DE AULA<br />

MELANIE ESTAVA TODA CONTENTE, PORQUE era o seu primeiro<br />

dia de aula no PUPT. As aulas aconteciam numa das salas<br />

do CCJE 6 , na UFES, das 13h30min às 18h30min. A primeira<br />

aula naquela segunda-feira foi de História Geral. O<br />

professor era Jackson, 22 anos, branco, olhos castanhos e<br />

cabelos pretos. Ele está vestido com uma camisa de Che<br />

Guevara, com a frase na frente “HAY QUE ENDURECER-<br />

SE, SIN PERDER LA TERNURA JAMÁS”. Ele estava explicando<br />

o perfil da sociedade espartana:<br />

– Os esparciatas, ligados ao exército, formavam a elite.<br />

Os periecos formavam o que a gente chama atualmente<br />

de classe média, com homens livres e sem direitos políticos.<br />

Eles viviam da agricultura, do comércio e do artesanato,<br />

atividades proibidas à aristocracia espartana. Os hilotas<br />

eram a ralé, viviam como escravos do Estado.<br />

Márcio, negro, 17 anos, cabeça raspada, baixinho e<br />

musculoso, fez uma pergunta:<br />

6<br />

Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade<br />

Federal do Espírito Santo. Lá estão sediados os cursos de<br />

Administração, Arquivologia, Biblioteconomia, Ciências<br />

Econômicas, Ciências Contábeis, Direito, Gemologia e Serviço<br />

Social.<br />

43 | MAXWELL DOS SANTOS


– Professor, como era o sistema político de Esparta?<br />

– Esparta tinha dois reis, vindos de duas famílias, os<br />

Ágidos e os Euripôntides, sendo a primeira, aqueia, e a segunda,<br />

dória. Mas os poderes se concentravam na Gerúsia,<br />

com 28 membros com mais de 60 anos e presidida pelos<br />

dois reis. No século VII a.C, foi criada a Assembleia<br />

dos Cidadãos, com livre participação de todos os espartanos<br />

com mais de trinta anos, onde eram discutidas e<br />

aprovadas as propostas de governo enviadas pela Gerúsia.<br />

Os gerontes, embora eleitos, eram vitalícios, e o Eforato,<br />

guardião da tradição, detinha um poder sem limites. Os<br />

éforos vigiavam de perto não só os costumes, mas também<br />

a atuação dos reis, agindo como policiais, juízes e supervisores<br />

da administração.<br />

A segunda aula foi ministrada por Luís Roberto, moreno,<br />

porte atlético, 40 anos, cabelo grisalho e professor de<br />

História do Brasil, que explicou acerca dos grupos políticos<br />

do Período Regencial:<br />

– A renúncia de Dom Pedro I provocou a disputa do<br />

poder entre os dois grupos políticos do Brasil Império: liberais<br />

exaltados e liberais moderados. O grupo dos exaltados<br />

era formado pela classe média, enquanto o grupo dos<br />

moderados era constituído pelos latifundiários. Estas<br />

duas correntes políticas formavam o Partido Brasileiro, e<br />

se aliaram para constranger o Imperador, porque se sen-<br />

44 | MELANIE


tiam insatisfeitos com o estilo autoritário de Dom Pedro<br />

I. Os membros do Partido Português, apoiavam o autoritarismo<br />

do herdeiro do trono luso. Houve um confronto<br />

entre os Partidos Brasileiro e Português, conhecido como<br />

a Noite das Garrafadas, ocorrida no Rio de Janeiro, em<br />

1831.<br />

A terceira aula foi de Matemática, com Amarildo, 25<br />

anos, moreno claro, baixo e cabelo liso. A aula era de Trigonometria<br />

e para que os alunos decorassem os valores<br />

de 30, 45 e 60 graus de seno e cosseno, ele cantou 7 uma paródia<br />

de uma música da Xuxa, Tindolelê. Ele começou pelos<br />

senos.<br />

– Todo mundo 1,2,3, 1,2,3/todo mundo na raiz, na raiz/todo<br />

mundo sobre dois/todo mundo sobre dois/todo mundo sobre dois.<br />

E depois, Amarildo foi para os cossenos:<br />

– Todo mundo 3,2,1, 3,2,1/todo mundo na raiz/na raiz/todo<br />

mundo sobre dois/todo mundo sobre dois/todo mundo sobre dois.<br />

Acerola, de Biologia, deu a última aula, sobre o funcionamento<br />

do sistema excretor dos animais, cantou<br />

uma paródia 8 de uma cantiga de roda, Ciranda Cirandinha,<br />

acompanhada de pandeiro:<br />

7 Canção extraída do Blog Nenhum dia é inútil .<br />

Acesso em 27 de outubro de 2015.<br />

8 Canção extraída do site Vestibular 1 Acesso em<br />

27 de outubro de 2015.<br />

45 | MAXWELL DOS SANTOS


– Camarão tem glândula verde/para amônia liberar/a minhoca<br />

tem nefrídias que usa para excretar/nos insetos tubos de<br />

Malpighi/ácido úrico vão eliminar/nas planarias células flama/<br />

nas aranhas glândulas coaxais/o homem produz amônia/no<br />

meio intracelular/o fígado muda para ureia/que o rim vai excretar.<br />

No fim de tarde, Rodrigo estava no quarto, deitado na<br />

cama. O telefone tocou na sala. Seu pai, Marcelo, negro,<br />

alto, 43 anos, atendeu.<br />

Ele chamou o filho:<br />

– Rodrigo, ligação pra você. Venha atender.<br />

– Tô indo já.<br />

Ele foi atender a ligação:<br />

– Alô, quem fala?<br />

– É a Shirley, secretária do TU. No último sábado, você<br />

fez o bolsão pro extensivo, acertou mais de setenta e cinco<br />

por cento das questões e você conseguiu uma bolsa de<br />

100%. Estou ligando pra perguntar se você tem interesse<br />

na matrícula.<br />

– Claro que tenho. Quando posso passar aí pra fazer a<br />

matrícula?<br />

– A partir de hoje. Só precisa levar o RG, CPF, comprovante<br />

de residência e os R$ 70,00 da 1ª apostila.<br />

– Tá bom. Obrigado.<br />

– De nada.<br />

46 | MELANIE


Marcelo se aproximou de Rodrigo e perguntou:<br />

– Era o quê, meu filho?<br />

– Pai, ganhei uma bolsa integral no TU – respondeu<br />

Rodrigo.<br />

– Parabéns, Rodrigo. Que Deus te abençoe – disse Marcelo.<br />

– Obrigado, pai – respondeu Rodrigo.<br />

Rodrigo colocou o telefone no gancho e para comemorar<br />

a conquista da bolsa, ele pegou o violão que estava em<br />

cima do sofá, tocou Apenas mais uma de amor, de Lulu Santos.<br />

Melanie, em seu quarto, ouvia música em seu mp3 player<br />

da Vicini, com 1 gigabyte de capacidade. Seu V3 tocou.<br />

Vendo que era Bárbara, atendeu a ligação:<br />

– Oi, Bárbara. Tudo bom?<br />

– Tudo ótimo. E você?<br />

– Vou bem, Bárbara.<br />

– Vamos comer pizza na Mamma Mia?<br />

– Claro que quero. Eu amo pizza. Posso levar o Juninho?<br />

– Pode. Tô com muita saudade dele. Amanhã, às sete,<br />

passo aí pra buscar vocês. Um beijo.<br />

– Outro, meu bem.<br />

47 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 4 | A VIDA É LIGEIRA<br />

MELANIE E JUNINHO FORAM DE CARRO com Bárbara à Pizzaria<br />

Mamma Mia, em Jardim da Penha. As primas puseram<br />

a conversa em dia:<br />

– Bárbara, faz um tempão que eu não como uma pizza<br />

aos quatro queijos ou uma portuguesa.<br />

– Jura, Mel?<br />

– É verdade. A última vez que fui comer uma pizza foi<br />

no meu aniversário, ano passado, numa pizzaria em Itararé,<br />

com meus amigos.<br />

– Nem me lembro mais de quando comi uma pizza.<br />

– Nossa, você tá melhor do que eu!<br />

– É verdade, Mel.<br />

O garçom trouxe a pizza maracanã de calabresa e a<br />

Coca-Cola de dois litros. Melanie cortou uma fatia da pizza<br />

e a deu para Juninho.<br />

– Se quiser mais pizza, é só pedir pra mim, tá meu<br />

bem? – disse Melanie.<br />

– Sim, Mel – respondeu Juninho, com a pizza na boca.<br />

– Babi, eu tô fazendo cursinho no PUPT. Eu vou tentar<br />

o vestibular pra Medicina.<br />

– Que legal, Mel. Tá gostando do cursinho?<br />

– Tô achando maravilhoso. Os professores são tão ba-<br />

48 | MELANIE


canas. Alguns deles dão aulas no TU e no Lamarck, os cursinhos<br />

mais badalados e caros de Vitória.<br />

– A propósito, você viu algum gatinho nesse cursinho?<br />

– Ai, Bárbara. Que pergunta! – respondeu Melanie, corada<br />

de vergonha – Depois que eu e o Bebeto terminamos<br />

o namoro, decidi me concentrar nos estudos.<br />

– Desculpa se te constrangi, querida.<br />

– Não precisa se desculpar, meu amor – respondeu Melanie,<br />

afagando o braço de Bárbara.<br />

Ao terminarem a pizza, os primos foram ao caixa, pagaram<br />

a conta e foram para o carro. Eles voltavam para<br />

casa. No caminho, Bárbara parou no Posto 3 Irmãos, no<br />

cruzamento da Reta da Penha com a Rua Dona Maria<br />

Rosa para abastecer.<br />

De repente, um Golf GTI e um Audi A3, que vinham a<br />

140 km/h, invadiram o posto, atropelando Bárbara, Juninho,<br />

Melanie, que havia saído do posto de conveniência<br />

onde comprou guloseimas para o irmão e Carlinhos, o<br />

frentista.<br />

Com a violência do atropelamento, Juninho foi arremessado<br />

a uma distância de 5 metros do posto e teve morte<br />

instantânea, assim como o frentista Carlinhos, que teve<br />

afundamento de crânio e perda de massa encefálica.<br />

Leandro, gerente do posto, acionou o Samu, o Corpo<br />

de Bombeiros e a Polícia Militar. Várias ambulâncias che-<br />

49 | MAXWELL DOS SANTOS


garam ao local.<br />

Os policiais do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar<br />

abordaram, no local do acidente, Lucas Hans von Krüger<br />

e Robson Juarez Barrios Lopez, respectivamente motoristas<br />

do Golf GTI e do Audi A3.<br />

Lucas, 22 anos, loiro, olhos azuis, 1,90 m de altura,<br />

musculoso, estudante de Direito da FVD. Ele era filho de<br />

Claudio von Krüger, sócio do maior escritório de advocacia<br />

do Estado, Krüger, Barreira e Loureiro Advogados Associados.<br />

Robson, 23 anos, moreno claro, bombado, ostentava<br />

cordões de prata, era colega de turma na mesma<br />

faculdade.<br />

Eles participavam de um racha na Reta da Penha e estavam<br />

visivelmente alterados e seus carros cheios de<br />

cocaína, lança-perfume e uísque. O capitão Damasceno<br />

conversou com os rapazes, acompanhado dos aspirantes<br />

Juliano e Kleber.<br />

– Gostaria que os senhores soprem o bafômetro – disse<br />

o capitão Damasceno, aproximando o equipamento na<br />

boca de Lucas.<br />

– Eu não vou soprar bafômetro nenhum. Ninguém é<br />

obrigado a gerar provas contra si mesmo. Tá escrito na<br />

Constituição. Não me enche a droga do saco – gritou Lucas.<br />

– Polícia para quem precisa/Polícia para quem precisa de po-<br />

50 | MELANIE


lícia – cantou Robson, a canção Polícia, dos Titãs.<br />

– Você com revólver na mão é um bicho feroz/Sem ele, fica rebolando/Até<br />

muda de voz – debochou Lucas, cantando o<br />

samba Bicho Feroz, de Bezerra da Silva, apontando o dedo<br />

para a pistola 380 que estava no coldre do capitão Damasceno.<br />

– Eu bebo sim/E vou vivendo/Tem gente que não bebe e tá<br />

morrendo – cantou Robson, cambaleando, a música Eu<br />

bebo sim, de Elizeth Cardoso.<br />

– Com a marvada pinga/É que eu me atrapaio/Eu entro na<br />

venda e já dou meu taio/Pego no copo e dali num saio/Ali memo<br />

eu bebo/Ali memo eu caio/Só pra carregar é que eu dô trabaio/Oi<br />

lá – cantou Lucas, A Moda da Pinga, de Inezita Barroso,<br />

tropicando pelo posto.<br />

– O espetáculo tá lindo! Que vozes! Queremos que os<br />

senhores colaborem e soprem o bafômetro – respondeu o<br />

capitão Damasceno, já perdendo a paciência.<br />

– Qual foi a parte do não vou soprar essa desgraça de<br />

bafômetro que você não entendeu, soldadinho de meia<br />

pataca? – gritou Lucas, dando um empurrão no capitão<br />

Damasceno.<br />

– O senhor está preso por desacato à autoridade e<br />

agressão – respondeu o capitão Damasceno.<br />

– Meu irmão, toma cuidado! Você sabe com quem tá<br />

falando? Meu pai é amigo do comandante da Polícia Mili-<br />

51 | MAXWELL DOS SANTOS


tar. Se eu parar na delegacia, você tá ferrado, velho –<br />

ameaçou Lucas.<br />

– O tio da minha noiva é desembargador do Tribunal<br />

de Justiça. Você não sabe com quem tá falando, seu arrombado<br />

– ameaçou Robson dando um chute nas costas<br />

do capitão Damasceno.<br />

O capitão Damasceno e os aspirantes Juliano e Kleber<br />

tiveram que usar gás de pimenta para neutralizar os mauricinhos,<br />

colocá-los na viatura da PM e levá-los ao DPJ de<br />

Vitória. Na delegacia, os rapazes fizeram ameaças aos policiais.<br />

– Quando eu sair daqui, vou acertar as contas com vocês,<br />

seus policiais de meia tigela. Só porque têm uma<br />

arma e um distintivo, pensam que são alguma coisa – disse<br />

Robson, fazendo o gesto de uma arma em direção aos<br />

policiais.<br />

– Na republiqueta de bananas chamada Brasil, só vai<br />

pra cadeia pobre, preto e prostituta. Eu sou rico, influente,<br />

filho do maior advogado do Estado. Não vai dar nada,<br />

não. No fim das contas, a gente só vai pagar algumas cestas<br />

básicas – zombou Lucas.<br />

– Eu, preso? Vai sonhando…Só porque peguei meu carango,<br />

botei pra quebrar a 140 por hora, mas por uma fatalidade<br />

qualquer, atropelei um frentista, um retardado<br />

mental do olho puxado, uma loira do cabelo curtinho, que<br />

52 | MELANIE


é a maior gata e uma baixinha linda – ironizou Robson.<br />

– Eu juro por tudo que mais sagrado em minha vida<br />

que eu vou descobrir onde esses policiais moram e vou<br />

acabar com a família deles. Eu tô falando sério, desgraça!<br />

– gritou Lucas.<br />

– Tô indo preso porque atropelei um retardado – disse<br />

Robson, friamente.<br />

– Você não sente remorso de ter matado três vidas<br />

num racha – perguntou Juvenal Noberto, repórter do programa<br />

Hora da Bronca, da TV Mestre Álvaro, para Lucas.<br />

– Rapaz, desliga essa câmera. Eu não te autorizei a fazer<br />

imagens minhas. Eu me reservo no direito de só falar<br />

em juízo. Velho, se isso for pro ar, eu boto você e a emissora<br />

na justiça – gritou Lucas.<br />

– Eu sou jornalista e tô exercendo o meu direito à liberdade<br />

de imprensa – respondeu Juvenal.<br />

– Seu programa é sensacionalista e grotesco. Se alimenta<br />

das desgraças alheias. Jornalistas são abutres, não<br />

tem o menor respeito com a imagem e a privacidade das<br />

pessoas – gritou Lucas, empurrando o microfone de Juvenal.<br />

– E você, playbozinho mimado, que usa o carro pras<br />

suas estripulias e agora tem três mortes nas costas – respondeu<br />

Juvenal.<br />

– Jornalista de quinta categoria! Eu juro por tudo que é<br />

53 | MAXWELL DOS SANTOS


mais sagrado que vou fazer de tudo pra te mandarem embora<br />

da TV Mestre Álvaro. Papai é amigo do dono da<br />

emissora. No que depender de mim, eu vou te perseguir,<br />

você não vai arrumar emprego em lugar nenhum, vou<br />

transformar a sua vida num inferno – gritou Lucas, dando<br />

um chute na câmera que estava na mão de Tobias, o<br />

repórter cinematográfico.<br />

– Ai, que medinho de você. Tô me borrando todinho –<br />

debochou Juvenal.<br />

– Tu tá avisado. Se sair alguma coisa em relação ao<br />

meu nome e minha imagem, você será mais um na fila<br />

dos desempregados. Emprego pra jornalista tá difícil hoje<br />

em dia, sabia? – ameaçou Lucas.<br />

– Vai na fé, irmão – respondeu Juvenal, ironicamente.<br />

Os rapazes foram indiciados por embriaguez ao volante,<br />

triplo homicídio com dolo eventual e tentativa de homicídio<br />

com dolo eventual. Eles fizeram exame de sangue<br />

no Departamento Médico Legal para detectar traços de álcool,<br />

que deu positivo. Após pagaram uma fiança de 5 mil<br />

reais, cada um, eles foram liberados no dia seguinte.<br />

Bárbara e Melanie foram levadas para o Hospital São<br />

Lucas. A prima de nossa heroína não resistiu aos ferimentos<br />

e morreu ao receber os primeiros socorros. O corpo de<br />

Juninho foi removido para o Departamento Médico-<br />

Legal.<br />

54 | MELANIE


Darlene foi comunicada do atropelamento e começou<br />

a gritar e chorar:<br />

– Meu Deus, me diz que isso não é verdade!<br />

Ao ver o cadáver de Juninho dentro da gaveta do DML,<br />

Darlene desmaiou. Após recompor-se, aquela jovem senhora<br />

iniciou as tratativas da liberação do corpo do filho<br />

que lhe era caro.<br />

55 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 5 | O REVÉS DE UM PARTO<br />

Oh, pedaço de mim<br />

Oh, metade arrancada de mim<br />

Leva o vulto teu<br />

Que a saudade é o revés de um parto<br />

A saudade é arrumar o quarto<br />

Do filho que já morreu<br />

Saudade de mim, Chico Buarque<br />

O CORPO DE JUNINHO FOI VELADO em sua casa. O clima era<br />

de tristeza e revolta. Darlene não saía de perto do caixão.<br />

– Meu filho, meu filhinho querido. Volta pra mim, por<br />

favor. Mamãe te ama e te quer bem – disse Darlene, acariciando<br />

o rosto do filho morto.<br />

Dona Zelmínia apareceu de supetão e se aproximando<br />

de Darlene, disse:<br />

– Darlene, meus sentimentos.<br />

– O que a senhora faz aqui? Retire-se da minha casa e<br />

respeite a minha dor – disse Darlene, subindo o tom da<br />

voz.<br />

– Eu vim prestar minha solidariedade – respondeu<br />

dona Zelmínia, hipocritamente.<br />

– Solidariedade? Alguma vez na sua vida, a senhora<br />

soube o que é isso? Desde que conheço a senhora, sempre<br />

56 | MELANIE


vi uma mulher egoísta e mesquinha. A senhora discriminava<br />

e maltratava meu filho por ele ser especial e vem<br />

aqui dizer que é solidária com a minha dor? Faça-me o favor,<br />

dona Zelmínia! A senhora é mentirosa e hipócrita.<br />

Cai fora da minha casa agora – gritou Darlene.<br />

– Eu tô arrependida – respondeu dona Zelmínia.<br />

– Fora da minha casa, velhaca, patife e canalha! Me<br />

deixa em paz! – gritou Darlene, empurrando dona Zelmínia.<br />

Em Joana D’Arc, o corpo de Carlinhos foi velado na<br />

Igreja Pentecostal Brasas no Altar. Sua mãe, dona<br />

Sebastiana, desmaiou e teve que ser amparada.<br />

– Eu quero meu filho! O que vai ser de mim sem você,<br />

Carlinhos? – disse dona Sebastiana, chorando.<br />

Cleidiane, agora viúva, chorava inconsolável. Eles foram<br />

casados e tiveram duas filhas, Viviane, 18 anos e Cecília,<br />

17 anos.<br />

– Carlinhos era um homem tão bom, trabalhador, temente<br />

a Deus, não tinha inimigos. Por que ele morreu<br />

dessa maneira? – gritou, chorando.<br />

Às 14 horas, o corpo de Juninho saiu de sua casa e foi<br />

colocado dentro do carro funerário, onde seguiu para o<br />

cemitério de Maruípe. O ônibus da funerária levou parentes<br />

e amigos da família de Juninho. No mesmo horário em<br />

que o corpo chegava ao cemitério, Carlinhos era sepulta-<br />

57 | MAXWELL DOS SANTOS


do, sob aplausos e clamores de justiça.<br />

Às 15:30, o corpo de Juninho foi enterrado. Ele estava<br />

vestido com a fantasia do Homem-Aranha e um boneco<br />

do personagem ia com ele dentro do caixão.<br />

Bárbara foi sepultada às 16 horas, no cemitério Além<br />

do Rio Azul, em Laranjeiras, na Serra. Sua mãe, Salomé e<br />

seu noivo, Igor, desmaiaram e foram amparados. O caixão<br />

desceu sob aplausos.<br />

***<br />

Melanie estava internada na enfermaria do Hospital<br />

São Lucas. Ela teve fraturas no braço esquerdo e a perna<br />

direita teve fratura exposta com a violência do atropelamento.<br />

Sua mãe foi à enfermaria conversar com ela.<br />

– O que aconteceu? Por que eu tô aqui? – perguntou<br />

Melanie, ainda um pouco tonta.<br />

– Você, a Bárbara e o Juninho foram atropelados num<br />

posto de gasolina – respondeu Darlene.<br />

– Cadê a Bárbara e o Juninho? – perguntou Melanie.<br />

– Eles estão com o Senhor – respondeu Darlene, chorando.<br />

– Meu Deus, por que fez isso comigo? Me tirou as pessoas<br />

mais caras da minha vida. Por quê, meu Pai? Por<br />

quê? – gritou Melanie, pondo as mãos no rosto – Eu queria<br />

ter morrido junto com eles.<br />

58 | MELANIE


– Não fala isso nem de brincadeira, minha filha. Você é<br />

o meu único tesouro. Eu te amo muito – disse Darlene.<br />

– Eu também te amo – respondeu Melanie, abraçando<br />

a mãe.<br />

***<br />

Uma semana depois, os parentes e amigos de Bárbara,<br />

Juninho, Melanie e Carlinhos, fizeram uma caminhada<br />

pedindo paz no trânsito e cobrando mais empenho nas<br />

investigações, pois sentiam que estavam muito lentas e os<br />

assassinos estavam soltos.<br />

A caminhada saiu da Rodovia Serafim Derenzi, em<br />

Joana D'Arc, passou pela Avenida Maruípe e foi para a<br />

Rua Dona Maria Rosa e lá fizeram orações.<br />

Após isso, Cleidiane fez um discurso:<br />

– Meu peito tá sangrando. Minha vida já não é mais a<br />

mesma, desde que o Carlinhos morreu. Eu e minhas filhas<br />

passamos necessidades. Ninguém do posto apareceu<br />

pra dar uma assistência. Ainda não pagaram pra gente os<br />

direitos trabalhistas do Carlinhos. Ninguém da família<br />

dos atropeladores ou eles mesmos apareceu pra perguntar<br />

se a gente tá precisando de alguma coisa. As investigações<br />

não andam e os assassinos, eu digo, assassinos, pois<br />

quem pega o carro e dirige a mais de 140 km/h, assume o<br />

risco de matar. São pessoas ricas e influentes. Se fosse o<br />

Carlinhos que tivesse atropelado e matado esses dois ra-<br />

59 | MAXWELL DOS SANTOS


pazes, ele, coitado, já tava numa cela fria e suja.<br />

Darlene também falou:<br />

– Minha filha ainda tá internada no hospital. Ela já<br />

sabe que não verá mais o irmãozinho e a prima que ela<br />

tanto amava. Tive que enterrar meu filho com dinheiro do<br />

meu bolso. Ninguém me deu assistência. Três vidas foram<br />

arrancadas daqui por causa do desejo egoísta de dois<br />

moleques com rabo cheio de uísque e cocaína, pegaram<br />

seus carros e dirigiram perigosamente. Nada vai trazer<br />

meu filho e minha sobrinha de volta. A dor é grande demais.<br />

Quero que eles saiam do tribunal do júri, condenados<br />

por triplo homicídio, algemados, entrando no camburão<br />

pro presídio.<br />

Os manifestantes começaram gritar: Justiça! Justiça!<br />

***<br />

No início da noite, Rodrigo estava na enfermaria do<br />

Hospital São Lucas, onde Melanie estava internada. Ele se<br />

aproximou da moça e disse:<br />

– Oi, Melanie.<br />

– Oi, Rodrigo. Que bom te ver. Tava com saudade de<br />

você – respondeu Melanie, abraçando e dando um beijo<br />

no rosto do amigo.<br />

– Como você se sente agora?<br />

– Ai, Rodrigo, eu tô super arrasada com a morte do Ju-<br />

60 | MELANIE


ninho e da Babi. A morfina disfarça a dor física que sinto<br />

no braço e na perna, mas não pode mascarar a dor que<br />

sinto na alma, por ter perdido por culpa de dois inconsequentes,<br />

as pessoas que me eram caras. Quero jogar tudo<br />

pro alto e desistir de tudo, inclusive do sonho de ser médica.<br />

De que vale alcançar o objetivo, se as pessoas queridas<br />

não tão mais entre a gente pra partilhar essa alegria?<br />

– Melanie, não faça isso. Não desista do seu objetivo.<br />

Vai parar no meio do caminho? Quando perdi a mamãe,<br />

senti vontade de desistir da vida. Todavia, eu tenho um<br />

objetivo na vida, que é me formar em Engenharia Ambiental.<br />

Tomara Deus que eu consiga passar na UFES. Onde<br />

quer que mamãe esteja, ela vai ficar orgulhosa de mim,<br />

por ter alcançado meu objetivo, assim como Juninho e<br />

Bárbara ficarão orgulhosos caso você passe em Medicina.<br />

– Obrigada pelas palavras, querido. Quando sair daqui,<br />

vou lutar pelo meu sonho de ser médica. A propósito,<br />

como anda a sua vida de estudos?<br />

– Tem sido muito puxada. Tenho aula de manhã no TU,<br />

aula no CEFET-ES à tarde e quando chego em casa, como<br />

alguma coisa e continuo estudando até duas da manhã.<br />

– Caramba, como você estuda!<br />

– Engenharia Ambiental é superconcorrido na UFES e<br />

tem que meter as caras pra passar.<br />

Lúcia, a enfermeira, entrou na enfermaria e disse para<br />

61 | MAXWELL DOS SANTOS


Rodrigo:<br />

– O horário de visitas acabou.<br />

– Poxa, deixa falar com minha amiga só mais cinco minutos.<br />

– Negativo. Se quiser falar com sua amiga, volte amanhã.<br />

– Tá bom. Já tô indo embora.<br />

Rodrigo despediu-se de Melanie deu um abraço e um<br />

beijo na amiga, que naquela visita, recebeu uma injeção<br />

de ânimo para seguir em sua jornada rumo à UFES. Nos<br />

próximos dias, ela receberia alta do hospital e voltaria<br />

para casa.<br />

62 | MELANIE


CAPÍTULO 6 | SORTE GRANDE<br />

MELANIE RECEBEU ALTA DO HOSPITAL, andando de muletas<br />

e com o braço enfaixado. Seu olhar era triste e vazio. Estava<br />

visivelmente arrasada. Ainda não se conformava com a<br />

morte de Juninho e de Bárbara, sua prima.<br />

Como terapia para tentar superar essa dor, ela se esmerava<br />

cada vez mais nos estudos, a fazer perguntas nas<br />

aulas e fora delas. Por conseguinte, ela obteve as primeiras<br />

colocações nos simulados do PUPT e nos simulados<br />

discursivos de Química e Biologia.<br />

A moça não sentido algum naquilo tudo. Tudo que fazia,<br />

lembrava o irmão e prima queridos. Era uma dor difícil<br />

de cicatrizar e que somente Deus, com Seu bálsamo,<br />

poderia sarar.<br />

Enquanto isso, um cursinho enxergava nela as primeiras<br />

colocações em Medicina, quiçá o primeiro lugar geral<br />

do curso no vestibular da UFES em 2008. A história de<br />

Melanie chegou aos ouvidos dos sócios do colégio e cursinho<br />

Lamarck, líder absoluto em aprovações em Medicina<br />

na UFES desde 1990.<br />

Os cursinhos têm uma política agressiva de captação<br />

de alunos. Organizam concursos de bolsas, também conhecidos<br />

como bolsões (provas que medem conhecimen-<br />

63 | MAXWELL DOS SANTOS


to tradicional, onde o número de acertos define o percentual<br />

de desconto, que pode chegar a 100%), dão bolsas integrais<br />

a alunos do CEFET-ES, principalmente para quem<br />

vai tentar Engenharia, bolsas para alunos que tiveram boa<br />

pontuação na 1ª etapa da UFES e descaradamente, roubam<br />

alunos de outros cursinhos privados e até mesmo do<br />

PUPT com proposta de bolsa integral.<br />

Era como o Flamengo, que usou um olheiro para buscar<br />

seu craque promissor nos rincões do Brasil. Esse<br />

olheiro se chamava Paulo André, que além de dar aula no<br />

PUPT, era professor do Lamarck nas unidades de Colatina,<br />

Linhares e Cachoeiro de Itapemirim e dava aulas discursivas<br />

na unidade de Jardim da Penha.<br />

No fim da manhã, ocorreu uma reunião na sala de<br />

Marcelo, 45 anos, branco, alto e careca. Ele era diretor pedagógico<br />

e um dos dezesseis sócios do Lamarck. Além de<br />

Marcelo, estava presente Paulo André e professor Flamarion,<br />

60 anos, branco, baixo, gordo e barbudo, cotista majoritário<br />

do pré-vestibular e dono do Michelângelo, colégio<br />

destinado à classe alta de Vitória.<br />

– Professor Flamarion, há uma aluna no PUPT que tem<br />

se destacado nos simulados objetivos e discursivos, por<br />

vezes, quase fechando a prova. Ela quer tentar Medicina<br />

na UFES. Em tantos anos de Projeto, nunca vi uma aluna<br />

tão inteligente e promissora – disse Paulo André.<br />

64 | MELANIE


– Quem é essa menina, Paulo? – perguntou Marcelo,<br />

curioso.<br />

– É a Melanie. Tem 18 anos. Faz 19 em julho – respondeu<br />

Paulo André.<br />

– Encontre essa menina e a traga pra cá. Nós queremos<br />

conhecê-la. Daremos uma bolsa integral para a turma integral<br />

de Medicina – disse Flamarion.<br />

Paulo André, após atender alguns alunos que estavam<br />

com dúvidas, se aproximou de Melanie e disse:<br />

– Melanie, como você e os demais alunos do Projeto sabem,<br />

eu dou aula nas unidades do Lamarck no interior e<br />

as discursivas de sábado, em Jardim da Penha. Os diretores<br />

querem conhecer você, no objetivo de te dar uma bolsa<br />

integral pra turma de Medicina. Eles souberam de seu<br />

esforço e desempenho nos simulados.<br />

Melanie ficou perplexa. Ela pediu uma bolsa no Lamarck,<br />

mas o pedido foi indeferido. Para concorrer a uma<br />

bolsa, o candidato teria que apresentar o boletim de resultados<br />

da 1ª etapa na UFES. Com base nele, o Lamarck definia<br />

o percentual de desconto. Se o aluno tirasse 48 pontos<br />

de 60 pontos possíveis, teria grandes chances de obter<br />

bolsa integral. Mas a turma integral de Medicina era seleta,<br />

só entrava nela aqueles alunos com pontuação acima<br />

de 45 pontos na 1ª etapa e era a única que não concedia<br />

bolsas e descontos. Toda regra tem sua exceção e a abri-<br />

65 | MAXWELL DOS SANTOS


am para Melanie, que perguntou:<br />

– Deixa ver se entendi: O Lamarck tá querendo me dar<br />

uma bolsa para a turma de Medicina, que coisa incrível!<br />

Eu tinha pedido uma bolsa lá dias depois da prova do<br />

PUPT, mas me negaram. Parece que tô sonhando acordada.<br />

Não posso acreditar.<br />

– Pois é, Melanie. Você tirou a sorte grande de ganhar<br />

uma bolsa integral no curso campeão de aprovação em<br />

Medicina. Não é todo dia que a sorte sorri pra gente. Meu<br />

sonho era ser médico, mas como eu era pobre e não tinha<br />

como me manter nesse curso, fiz Farmácia e depois, fiz<br />

complementação pedagógica pra dar aulas de Biologia no<br />

Ensino Médio.<br />

– É mesmo?<br />

–Sim, Melanie. O PUPT, apesar das boas intenções em<br />

democratizar o acesso de alunos de escola pública à<br />

UFES, não tem estrutura para preparar os alunos que<br />

querem tentar Medicina. É triste dizer isso, mas é verdade.<br />

– Se eu fosse rancorosa e tivesse amor-próprio, eu recusaria<br />

na hora. Meu sonho é fazer Medicina e você tem<br />

razão quando diz que o Projeto deixa a desejar no tocante<br />

à estrutura pra quem vai tentar essa carreira. Quando<br />

posso ir lá pra conversar com esses sócios?<br />

– Eu vou ligar agora pra secretária do Marcelo, diretor<br />

66 | MELANIE


pedagógico do Lamarck, pra ver a disponibilidade dele de<br />

te atender amanhã.<br />

Paulo André ligou de seu celular para a secretária de<br />

Marcelo, solicitando um horário para Melanie encontrar<br />

com ele. Eles conversaram durante minutos. Depois, Paulo<br />

André repassou o recado para Melanie:<br />

– Melanie, marcaram pra você às 15 horas, pra você encontrar<br />

com Marcelo.<br />

– Obrigada.<br />

67 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 7 | DIANTE DOS DONOS<br />

NO DIA SEGUINTE, MELANIE ESTAVA na recepção do Lamarck,<br />

onde lia a Época para passar o tempo. Logo veio<br />

Sandra, a secretária do Marcelo para chamá-la:<br />

– Melanie, o Professor Marcelo está na sala. Pode me<br />

acompanhar?<br />

– Sim – disse Melanie.<br />

Sandra levou a moça à sala de Marcelo, onde também<br />

estava Flamarion.<br />

– Então você é a famosa Melanie?<br />

– Sim, sou eu – respondeu Melanie, vermelha de vergonha.<br />

– Meu nome é Marcelo, sou o diretor pedagógico e um<br />

dos 16 sócios do Lamarck. Este é o professor Flamarion, o<br />

cotista majoritário – disse Marcelo.<br />

– Prazer em conhecê-lo, professor Flamarion – disse<br />

Melanie.<br />

– O prazer é todo meu – respondeu Flamarion.<br />

– Melanie, nós sabemos que seu grande sonho é ser<br />

médica. Por que escolheu essa profissão? – perguntou<br />

Marcelo.<br />

68 | MELANIE


– Em primeiro lugar, Marcelo, muito obrigada pela<br />

oportunidade. Eu quero ser médica pelo objetivo de ajudar<br />

o próximo e salvar vidas. Pra mim, o dinheiro que se<br />

pode ganhar e o prestígio que se pode ter são aspectos secundários.<br />

Muita gente quer fazer Medicina movida pelo<br />

dinheiro e pelo prestígio, mas acaba se decepcionando.<br />

Pra fazer Medicina, a gente tem que ter amor pelas pessoas,<br />

por amor naquilo que faz – respondeu Melanie.<br />

– Você tem consciência que Medicina é um curso muito<br />

concorrido, especialmente aqui na UFES, não? O Lamarck<br />

é um cursinho especializado em biomédicas, especialmente<br />

Medicina. Como o professor Paulo André frisou,<br />

o PUPT não tem estrutura para preparar seus alunos<br />

para essa carreira. Foi ele que falou de você pra nós, de<br />

sua história e seu empenho nos simulados objetivos e discursivos.<br />

O que motivou esta reunião foi a decisão de te<br />

conceder uma bolsa integral para turma integral de biomédicas<br />

– disse Flamarion.<br />

Melanie desabou no choro. Ainda não acreditara na<br />

chance que teria naquele momento.<br />

– E tem mais. O Lamarck também vai arcar com o uniforme,<br />

as apostilas e duas inscrições de vestibulares para<br />

Medicina. A única preocupação que você vai ter de hoje<br />

em diante é só estudar. E muito. Boa sorte e bem-vinda ao<br />

Lamarck – disse Marcelo.<br />

69 | MAXWELL DOS SANTOS


Melanie saiu da sala da diretoria e fez a matrícula para<br />

a turma integral de biomédicas.<br />

Os diretores do Lamarck se encantaram com a inteligência<br />

e graciosidade de Melanie. No entanto, o que eles<br />

estavam fazendo não era assistencialismo, era investimento<br />

a curto e médio prazo.<br />

Naquele momento, Melanie assinava um contrato de<br />

prestação de serviços educacionais e assim, vestindo a camisa<br />

azul e branca, em lugar da camisa rosa do PUPT. Estava<br />

trocando a sala ventilada do CCJE/UFES por uma<br />

sala climatizada, data show, cadeiras acolchoadas e a<br />

equipe de professores do Estado.<br />

Melanie foi até a sua agora ex-turma no CCJE despedir-se<br />

dos colegas. Eles ficaram muito consternados, mas<br />

felizes pela oportunidade que ela teve naquele momento.<br />

Todos lhe abraçaram, desejando-lhe boa sorte naquela<br />

nova fase de sua vida. Ela foi para casa.<br />

No ônibus, Melanie enviou um torpedo às amigas<br />

Nani, Bebel, Marina e Dominique, convidando-as para<br />

irem à sua casa pôr os babados em dia. Ela passou no supermercado<br />

Cosmos, na Rua das Palmeiras, no Itararé,<br />

para comprar frango à passarinha para fritar e os refrigerantes<br />

Coroa de limão, uva e guaraná, que estavam em<br />

promoção.<br />

Na cozinha, Melanie pôs os pedaços de frango para fri-<br />

70 | MELANIE


tar na fritadeira, enquanto aguardava suas amigas chegarem.<br />

Em poucos minutos, elas chegaram a sua casa e bateram<br />

a porta. Melanie abriu a porta para atendê-las e disse:<br />

– Que bom rever vocês. Vamos entrar?<br />

Melanie tirou uma porção de frango da fritadeira e pôs<br />

num recipiente com papel toalha para que as meninas comessem,<br />

enquanto colocava outra porção para fritar. Ela<br />

pediu à Bebel que abrisse a geladeira e pegasse o refrigerante<br />

Coroa de limão e o pusesse na mesa.<br />

Dominique falou com Melanie:<br />

– Mel, você tá melhor?<br />

– Domi, eu tento levar a vida da melhor forma possível,<br />

tentando me manter sempre ocupada. Esse ano, tô focada<br />

no vestibular. Mas não consigo arrancar do meu coração a<br />

saudade que tenho do Juninho e da Babi. Eu os amava<br />

muito – respondeu Melanie, começando a chorar no colo<br />

de Dominique.<br />

– Não fica assim não, amiga. Um dia, vocês vão se encontrar<br />

– respondeu Dominique, abraçando a amiga.<br />

– Nossa, Mel. Você tirou a sorte de ganhar uma bolsa<br />

integral num cursinho onde só tem rico – disse Marina.<br />

– Pois é, Marina. Acho que tô sonhando acordada. Eu<br />

aceitei a proposta de bolsa do Lamarck. Eles vão me dar o<br />

uniforme, as apostilas e três inscrições de vestibulares pra<br />

71 | MAXWELL DOS SANTOS


Medicina. Eu começo amanhã mesmo – respondeu Melanie.<br />

– Tô estudando em casa pra tentar uma vaga de Tecnólogo<br />

em Saneamento Ambiental no CEFET-ES. O que me<br />

mata é a redação – disse Bebel.<br />

– Que legal, Melanie. Quisera eu ter essa oportunidade.<br />

Eu tive que largar a escola no 1° ano por causa do nascimento<br />

do meu filho e voltei a estudar agora, no supletivo<br />

do Hildebrando Lucas – comentou Marina.<br />

– Vocês sabiam que a Melina tá grávida? O que mais<br />

me preocupa é o fato dela ter mais uma de suas crises de<br />

histeria e sofrer um aborto – disse Melanie.<br />

– Que horror, vira essa boca para lá, Melanie – falou<br />

Bebel.<br />

– Deixa de ser recalcada. Isso não combina contigo –<br />

repreendeu Marina.<br />

– Eu acho que você, por não ter se deitado com Bebeto,<br />

tá morrendo de inveja por não esperar um filho dele e taí<br />

de recalque, né? Confessa, Mel, você tava louquinha pra<br />

fazer amor com Bebeto, ter um filho e se casarem, mas na<br />

hora H, você vacilou e ele foi procurar Melina e…bingo!<br />

Ela ficou grávida – comentou Nani.<br />

– Eu quero ter uma noite de amor e dela gerar um novo<br />

ser. Não agora. Cada coisa no seu tempo. Só depois do casamento.<br />

Bebeto sabia das minhas convicções religiosas,<br />

72 | MELANIE


mas não as levou a sério. O que quis dizer é que Melina<br />

tem que ter cuidado com essas crises de fúria nesses primeiros<br />

três meses de gravidez, que são os mais críticos.<br />

Apesar de tudo, eu tenho pena dela – observou Melanie.<br />

Após o animado bate-papo, as meninas foram embora.<br />

Melanie lavou os pratos e foi dormir, porque tinha que<br />

acordar cedo para a aula no Lamarck.<br />

73 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 8 | NO LAMARCK<br />

MELANIE CHEGOU AO LAMARCK, JÁ como aluna. Enquanto<br />

sua carteirinha não ficasse pronta, o segurança passou o<br />

crachá para que ela entrasse. A sala de aula tinha data<br />

show ligado a um computador com acesso à Internet, arcondicionado<br />

e sistema de sonorização, onde os professores<br />

faziam suas explanações com microfone sem fio.<br />

Em poucos minutos, entrou Maria Célia, professora de<br />

Literatura Brasileira, negra, alta, magra, 25 anos, cabelo<br />

cacheado e, falando do livro Quincas Borba, de Machado de<br />

Assis, que seria cobrado no vestibular da UFES:<br />

– Quincas Borba é um romance em terceira pessoa,<br />

mas que se manifesta em primeira pessoa, onisciente e<br />

onipresente. Conta a história de Rubião, um ex-professor,<br />

que se torna rico, ao receber a herança de Quincas Borba,<br />

o filósofo. A obra tem como características a descrição<br />

exata e crítica de personagens e a sua vida social, denúncia<br />

dos valores da burguesia, crítica à hipocrisia e à moral<br />

aparente.<br />

Em seguida, Tio Faisão, branco, alto, 41 anos, cabelos<br />

loiros e olhos azuis, falou sobre os ácidos:<br />

– Os ácidos são todas as substâncias que, em água, liberam<br />

única e exclusivamente íons H+. Eles têm sabor<br />

74 | MELANIE


azedo. Se íons hidrônio são encontrados em uma solução,<br />

a solução é ácida em natureza. Íons hidrônio (ou hidroxônio)<br />

são os únicos íons com carga positiva (cátions) formados<br />

quando um ácido é dissolvido em água. Todas as<br />

propriedades de um ácido se devem à presença destes<br />

íons. A fórmula química de um íon hidrônio é H3O1+. Ácidos<br />

são conhecidos como “doadores de prótons”.<br />

No recreio, Melanie foi à cantina e pediu um lanche:<br />

– Quanto custa esse quibe?<br />

– R$ 3,20 – respondeu a atendente da lanchonete<br />

– E a Fanta uva em lata? – perguntou Melanie.<br />

– R$ 2,80 – respondeu a atendente.<br />

– Taí o dinheiro. Pode me dar os dois – respondeu Melanie,<br />

dando o dinheiro à atendente.<br />

Com o lanche nas mãos, Melanie indignou-se com o<br />

preço dos lanches da cantina do Lamarck.<br />

– Nossa Senhora! Que lanches caros! A partir de amanha,<br />

eu vou trazer meu lanche de casa – disse Melanie, indignada.<br />

Camilla, uma patricinha loira, alta e olhos castanhos,<br />

que estava na cantina, não via Melanie com bons olhos.<br />

Falou do vestuário e da aparência dela:<br />

– Nossa, que tênis mais emo. E essa calça, parece que<br />

foi comprada no bazar da Igreja ou nessas liquidações<br />

dessas lojas de departamentos. Sem falar do cabelo dela,<br />

75 | MAXWELL DOS SANTOS


que não vê uma hidratação faz um tempão. Que horror!<br />

Roger, um playboy musculoso, moreno, estatura<br />

mediana, que não parava de olhar para Melanie. Ele disse:<br />

– Que princesinha, brother. Ah, se ela me desse condição…<br />

Ela é um piteuzinho, uma bonequinha de luxo.<br />

Os alunos do integral voltaram à sala para a aula dupla<br />

de Geografia 2, com Ronaldo, 35 anos, branco, baixo, gordo,<br />

cabelo castanho. Ele falava sobre aquecimento global,<br />

tema altamente vestibulável. Melanie, entediada com a<br />

aula, dormiu.<br />

Para finalizar as aulas da manhã, Acerola, 31 anos, negro,<br />

estatura mediana e usando uma peruca com cor acerola,<br />

professor de Biologia, deu uma bela explicação sobre<br />

os artrópodes:<br />

– Os artrópodes têm aparelho digestório completo e<br />

peças bucais com mandíbulas laterais adaptadas pra mastigação<br />

ou sucção. O corpo dos artrópodes é revestido por<br />

um exoesqueleto à base de quitina, sendo que na maioria<br />

dos crustáceos, além da quitina, este exoesqueleto é constituído<br />

de carbonato de cálcio.<br />

Melanie, a convite de Marcelo, foi almoçar no Vix<br />

Gourmet, uma churrascaria chique na Enseada do Suá.<br />

– Como foi o seu primeiro dia no Lamarck? – perguntou<br />

Marcelo.<br />

– Ótimo, incluindo os professores. Só não gosto muito<br />

76 | MELANIE


da baixa temperatura do ar-condicionado – respondeu<br />

Melanie.<br />

– Não repara. É assim mesmo. Tá gostando da comida?<br />

-perguntou Marcelo.<br />

– Tá uma delicia, principalmente coraçãozinho de galinha<br />

–respondeu Melanie.<br />

Melanie voltou para a turma de Medicina, onde teria<br />

aulas de resolução de exercícios com os professores. Ela<br />

ficou estudando até 21:00. Ao chegar em casa, Melanie tomou<br />

uma ducha quente para relaxar. Ela cantou músicas<br />

do Roupa Nova:<br />

– Te dou meu coração/Queria dar o mundo/Luar do meu sertão/Seguindo<br />

no trem azul (…)Sei, não é questão de aceitar/Sim,<br />

não sou mais um a negar/A gente não pode pedir/Se a vida cansou<br />

de ensinar/Sei que o amor nos dá asa/Mas volta pra<br />

casa(…)Linda, só você me fascina/Te desejo muito além do prazer/Vista<br />

meu futuro em teu corpo/E me ama, como eu amo você.<br />

(…)Eu te amo e vou gritar pra todo mundo ouvir/É você o meu<br />

desejo de viver/Sou menino e teu amor é que me faz crescer/Me<br />

entrego corpo e alma pra você.<br />

Melanie, vestida com o baby-doll, abriu a geladeira e<br />

pegou arroz, feijão, macarrão e uns pedaços de frango.<br />

Ela pôs para esquentar no micro-ondas por dois minutos,<br />

sentou no sofá da sala para comer, assistiu um pouco de<br />

TV e depois foi dormir.<br />

77 | MAXWELL DOS SANTOS


***<br />

Melanie acordou com uma cólica menstrual e na base<br />

do Atroveran, entrou no segundo horário, na aula de Física<br />

2, com Brutus, 29 anos, branco, alto, cabeça raspada e<br />

musculoso, que cantou uma música 9 do Pachecão, conhecido<br />

professor de pré-vestibulares em Belo Horizonte:<br />

– Calor, calor, calor/Calor eu vou te dar/Se você não se tocar/<br />

Que essa matéria cai no vestibular/Calor é a energia que transita/entre<br />

corpos com temperaturas diferentes/Calor eu vou te dar<br />

se você não se lembrar/Primeiro você precisa saber/que um corpo<br />

não possui calor, possui energia interna/Pequena, quando frio e<br />

grande quando quente/Se a molécula vibrar é condução/Se deslocar<br />

é convecção/Se for onda eletromagnética é radiação/Que<br />

nesse troca-troca de calor/Você poderá calcular/Com qual macete<br />

(Q = m.c.DT)/Se a temperatura variar/Que nesse troca-troca<br />

de calor/Você poderá calcular/Com quem mela(Q = m.L)/Se a<br />

matéria de estado mudar.<br />

Chegou o intervalo. Os alunos saíram para o lanche.<br />

Melanie ficou na sala estudando. Mas foi advertida pela<br />

auxiliar de coordenação para que saísse da sala para ir ao<br />

intervalo. Ela saiu. Ao fim do intervalo, os alunos voltaram<br />

para a sala da turma de Medicina.<br />

9<br />

Canção extraída do site Vestibular 1.Acesso<br />

em 27 de outubro de 2013.<br />

78 | MELANIE


A cólica de Melanie voltou mais forte. Ela saiu da sala e<br />

levou um copo e um frasco de Atroveran e foi ao bebedouro<br />

tomar o remédio.<br />

Demóstenes, 45 anos, branco, estatura mediana e careca,<br />

professor de Física 4. Eis a sua aula de Magnetismo,<br />

com uma paródia 10 de YMCA, do Village People:<br />

– Imã/Vou falar pra vocês/de um imã/as linhas de indução/saem<br />

do polo norte e chegam no polo sul/Quando uma corrente<br />

elétrica/percorre um fio condutor surge/um campo magnético/dado<br />

pela regra/Essa é a Regra da mão direita/O dedão<br />

pra corrente/Os dedos pro ponto/e o sentido do campo é o do<br />

Tapa!<br />

Melanie não parava de rir.<br />

A cólica da jovem deu trégua e ela estava com mais ânimo<br />

para a última aula da manhã, de Física 3, com Flora, 25<br />

anos, branca, loira de cabelo curto e olhos verdes. Para explanar<br />

sobre gravitação, Flora cantou uma paródia 11 de<br />

Garganta, de Ana Carolina, com voz e violão.<br />

– Minha cabeça estranha se Física vejo/me vem um desejo<br />

doido de gritar/minha cabeça arranha se fórmula vejo /quando<br />

penso em tanta coisa que vou calcular/Venho por essa agora lhe<br />

10<br />

Canção extraída do site Scribd . Acesso em<br />

27 de outubro de 2013.<br />

11<br />

Canção extraída do site Vestibular 1 .<br />

Acesso em 27 de outubro de 2013.<br />

79 | MAXWELL DOS SANTOS


falar de gravidade, gravidade universal, também vou<br />

contar/Sente-se bem em tua carteira, se revire pelo avesso/porque<br />

essa matéria você tem que estudar/São três leis de<br />

Kepler/vou lhe falar na cara dura/elas dizem com ternura sem te<br />

complicar/Em torno do sol os planetas giram em forma elíptica<br />

sem se desviar/Se do sol aproxima a velocidade aumenta/ então<br />

diminui quando se afastar/O cubo da distância sobre o quadrado<br />

do período/ em que os planetas se põem a girar/Entre duas<br />

partículas existe um par de forças de atração proporcional/ao<br />

quadrado da distância e inversamente proporcional/inversamente<br />

proporcional…<br />

***<br />

Os donos do Lamarck queriam saber como andava o<br />

desempenho de Melanie nos estudos. Não nos simulados<br />

semanais, mas numa situação real de vestibular, como o<br />

da FCMV para o curso de Medicina, ainda que gastasse R$<br />

200,00 de inscrição e sabendo que se Melanie passasse,<br />

ela não poderia arcar com as mensalidades do curso de<br />

Medicina, que eram superiores a R$ 2000.00. Eles incentivaram-na<br />

a fazer essa prova e colocaram-na turma especial<br />

para esta conceituada faculdade.<br />

***<br />

80 | MELANIE


No dia da prova, havia uma grande concentração de<br />

candidatos do Lamarck e de outros cursinhos e escolas esperando<br />

para fazer a prova da 1ª etapa.<br />

O resultado da 1ª etapa foi divulgado na quarta-feira,<br />

às 12 horas. Os 180 candidatos classificados para a segunda<br />

etapa fizeram as provas na quinta e sexta-feira. E Melanie<br />

estava entre os classificados.<br />

O resultado final saiu no dia 13 de julho de 2007 e Melanie<br />

ficou em 12º lugar, deixando a equipe do Lamarck<br />

muito feliz e nossa heroína mais confiante para enfrentar<br />

o vestibular da UFES. O Lamarck ocupou 54 das 60 vagas<br />

do curso de Medicina.<br />

As turmas de 3º ano e pré-vestibular entraram em recesso<br />

de duas semanas. Melanie passaria esse período no<br />

sítio dos avós, em João Neiva.<br />

81 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 9 | NO SÍTIO DOS AVÓS<br />

MELANIE FOI PASSAR UNS DIAS em João Neiva para descansar.<br />

O ônibus saiu da Rodoviária, passando pela região da<br />

Vila Rubim, Centro de Vitória, Av. Vitória, Reta da Penha,<br />

Av. Fernando Ferrari até a BR 101, onde parou em Carapina<br />

para pegar mais passageiros. A linha prosseguiu seu<br />

trajeto na rodovia federal, onde alguns trechos estavam<br />

repletos de buracos.<br />

A moça encantou-se com a visão de vacas, bois e bezerros<br />

e cavalos pastando nas fazendas às margens da BR<br />

101, entre Fundão e Ibiraçu. O ônibus parou em Ibiraçu<br />

para pegar mais gente. Era mais de meio-dia e o sol estava<br />

causticante, quando ela desembarcou na rodoviária da<br />

cidade e começou a andar pelas ruas, até chegar ao Bar do<br />

Chico para tomar um refrigerante e comer um salgado.<br />

Lá encontrou Ciro, branco, 45 anos, baixo, cabelo grisalho,<br />

olhos castanhos e seu tio por parte de mãe. Ele era<br />

dono de uma loja de material de construção e estava vestido<br />

com a camisa “COSER MATERIAL DE CONSTRU-<br />

ÇÃO”.<br />

Melanie conversou com seu tio:<br />

– Oi, tio Ciro.<br />

– Mel, que bom te ver aqui. Veio passear aqui na cida-<br />

82 | MELANIE


de?<br />

– Na verdade, vim visitar o vovô e a vovó. Você me leva<br />

até lá?<br />

– Claro que sim. Deixa eu só acertar a conta aqui no<br />

bar pra gente ir lá.<br />

Ciro pagou o torresmo e a dose de cachaça que consumiu<br />

ao dono do bar, seu Chico, 70 anos, caboclo, baixinho,<br />

gordo e um tanto mal-encarado. A jukebox tocava<br />

Águas Passadas, de Fafá de Belém, com participação de<br />

Zezé de Camargo e Luciano.<br />

Ciro levou Melanie para a caminhonete D-20, e foram<br />

até o sítio de seu Giuseppe. Era uma propriedade de cinco<br />

hectares, com vários pés de manga, cajá, maracujá, mamão,<br />

limão, um chiqueiro com dez porcos, um galinheiro<br />

com um galo reprodutor, quinze galinhas caipiras poedeiras<br />

e quinze frangos de corte.<br />

Havia também plantações de milho, ervilha, taioba,<br />

salsa e cebolinha. Havia dois jumentos de carga e três cavalos<br />

para sela. Para completar, o sítio contava também<br />

com quatro vacas leiteiras. Em poucos minutos, chegou a<br />

caminhonete de Ciro no sítio de seu Giuseppe. A alegria<br />

tomou conta daquele vovô ao ver sua neta.<br />

– Melanie, que bom te ver de novo – disse seu Giuseppe,<br />

abraçando a neta.<br />

– Eu também me sinto feliz de te encontrar, vovô. Vim<br />

83 | MAXWELL DOS SANTOS


aqui pra descansar alguns dias. Quando venho pro interior,<br />

me sinto no céu e me esqueço dos problemas da vida e<br />

da rotina frenética da cidade grande. Após operar a hérnia,<br />

o senhor já se sente melhor? – perguntou Melanie,<br />

afagando as mãos do avô.<br />

– Sim, Mel. Eu já me sinto melhor, com disposição para<br />

o que der e vier. Sua mãe me contou que você passou em<br />

Medicina – comentou seu Giuseppe.<br />

– Passei sim, vovô. Mas numa faculdade particular, a<br />

FCMV. Fiz a pedido do cursinho pra ver como me sairia<br />

numa situação real de vestibular. Eu jamais teria condições<br />

de pagar o curso. Por isso que tenho estudado pra<br />

passar em Medicina na UFES ou conseguir uma bolsa integral<br />

pelo ProUni, que é um programa do governo federal<br />

de bolsas de estudos a alunos carentes – disse Melanie.<br />

– Vamos entrar pra comer, Mel. Daqui já sinto o cheiro<br />

da galinha ensopada – observou seu Giuseppe.<br />

Melanie, Ciro e seu Giuseppe entraram em casa. Dona<br />

Zilda, 70 anos, branca, baixa, um pouco acima do peso e<br />

avó de Melanie servia o almoço: galinha caipira ensopada<br />

com batata e quiabo, macarrão, arroz, feijão e salada.<br />

Para refrescar, um suquinho de cajá. Quando viu a neta,<br />

aquela senhora ficou contente e a abraçou.<br />

– Vovó, a senhora não tem noção de quanto tempo esperei<br />

pra revê-la novamente e comer essa galinha caipira<br />

84 | MELANIE


ensopada com batata e quiabo. A senhora tem mãos divinas<br />

– disse Melanie, abraçando dona Zilda.<br />

– Obrigada, Melanie. Quando a gente faz as coisas<br />

pondo o coração, tudo fica melhor – respondeu dona Zilda.<br />

– Ai, vovó, galinha caipira é tudo de bom. É muito mais<br />

gostosa, porque é criada solta no terreiro na base do milho,<br />

bem ao contrário da galinha de granja, criada confinada<br />

e recebe horrores de hormônios pra ganhar peso e ir<br />

pro abate em menos tempo. É a lógica capitalista do resultado<br />

a todo custo – comentou Melanie.<br />

– É vero, minha filha – respondeu dona Zilda.<br />

Dona Zilda serviu os pratos à Melanie, seu Giuseppe e<br />

a si mesma. O almoço em família seguiu harmonioso.<br />

Durante toda a tarde, Melanie cavalgou no Montesquieu,<br />

o cavalo do sítio, subiu na mangueira, chupou várias<br />

mangas e ficou pensando na vida.<br />

De repente, ela começou a se lembrar de Juninho, de<br />

Bárbara e dos bons momentos que eles passaram naquele<br />

sítio, como encontros familiares e as viradas de ano feitas<br />

naquele lugar. Uma nuvem de lágrimas inundou o rosto<br />

daquela jovem. Ela pôs para fora todo o seu pranto. Era<br />

apegadíssima ao irmão e à prima.<br />

No fim da tarde, o celular de Melanie tocou. Ela atendeu:<br />

85 | MAXWELL DOS SANTOS


– Ei, Bebel. Como é que você vai, minha flor?<br />

– Vou muito bem. Fui aprovada no CEFET-ES, no tecnólogo<br />

de Saneamento Ambiental.<br />

– Parabéns, querida! Quando é que começam as aulas?<br />

– Daqui a alguns dias. Eu soube que você passou em<br />

sétimo lugar em Medicina na FCMV. É uma pena que não<br />

vai poder fazer o curso, né?<br />

– Não mesmo. Só se eu tivesse um pai rico pra bancar.<br />

Mas eu posso tentar a FCMV pelo ProUni como uma alternativa<br />

se eu não passar nas universidades que escolhi pra<br />

tentar Medicina.<br />

– Quais universidades?<br />

– A UFES e a UFF.<br />

– Não dá pra ficar presa numa só opção.<br />

– Mel, você tá aonde?<br />

– Tô aqui no sítio de vovô, em João Neiva. É um milagre<br />

que meu celular esteja pegando na zona rural e você<br />

tenha conseguido falar comigo. Cheguei aqui e vou ficar<br />

uns dias.<br />

– Às vezes homem é atraso na vida da gente.<br />

– Depende do homem, Bebel. Isso é muito relativo. A<br />

gente tem que saber escolher bem pra não dar de cara<br />

com pessoas que só querem uma aventura e brincar com<br />

nossos sentimentos. Por hora, não tô caçando namorado,<br />

mas a minha vaga de Medicina.<br />

86 | MELANIE


– É verdade, mas a gente não pode controlar o coração.<br />

– Ai, Bebel, como a gente vai controlar o coração? Na<br />

época da escola, lembra quando a gente comprava as revistas<br />

de celebridades e essas revistas de adolescentes só<br />

pra pegar os pôsteres dos artistas do momento?<br />

– Nossa, eu pregava as fotos do Henri Castelli na porta<br />

do guarda-roupa e as do Sérgio Marone na parede do meu<br />

quarto. Enquanto isso, minhas colegas de escola colecionavam<br />

pôsteres desses pagodeiros, como Waguinho,<br />

Vavá, Belo, Salgadinho, Alexandre Pires, Rodriguinho,<br />

Chrigor e principalmente Netinho, que as meninas sonhavam<br />

ter um dia de princesa. A gente tá ficando velha,<br />

né?<br />

– É mesmo. E eu, Bebel, que suspirava por Bruno Gagliasso.<br />

Meu Deus, que homem lindo! Aqueles olhos claros<br />

me faziam delirar. Pena que um monumento daquele<br />

só pode ficar no plano da nossa imaginação, porque o<br />

bofe já é comprometido.<br />

– Aí, Mel, tá sabendo que Bebeto e Melina tiveram uma<br />

briga feia, e por causa disso, ela sofreu um aborto?<br />

– Meu Deus, eu temia que isso pudesse acontecer.<br />

Como que foi isso, Bebel?<br />

– Foi por causa dos ciúmes da Melina, por achar que<br />

Bebeto tava lhe corneando. Quando Bebeto chegou em<br />

casa, a briga começou, Melina fez um monte de acusa-<br />

87 | MAXWELL DOS SANTOS


ções. Bebeto se defendeu. O bicho pegou quando Melina<br />

pegou um vaso e quis atirar contra Bebeto, que se esquivou.<br />

Então Melina pegou um punhal e foi detida por Bebeto.<br />

Então ela viu que seu vestido tava manchado de sangue.<br />

Ele saiu de casa e deixou Melina sozinha. Depois disso,<br />

Melina botou Bebeto pra fora de casa, jogando as coisas<br />

dele no meio da rua.<br />

– Sinto muito pela Melina. Ela deve tá muito arrasada.<br />

Perder um filho nessa situação não é brincadeira!<br />

– Pois é, Mel. Sonhar não custa nada, nem tira pedaço.<br />

Fico pensando em você, vestida de jaleco atendendo as<br />

pessoas. Você já escolheu a sua especialização?<br />

– Fico na dúvida entre pediatria e oncologia, que é o estudo<br />

do câncer.<br />

– Oncologia, por causa do seu pai, Mel?<br />

– Sim, se eu fosse médica, faria o possível para salvá-lo.<br />

Todavia, o destino das pessoas pertence a Deus e nesses, a<br />

Medicina não pode intervir na Sua vontade.<br />

– Mel, agora tenho que desligar. Um beijo.<br />

– Outro, meu amor.<br />

Melanie aproveitou intensamente os dias no sítio até o<br />

domingo à tarde, quando saiu de casos lá, rumo à rodoviária<br />

de João Neiva. Ela estava voltando à Vitória. As aulas<br />

no Lamarck voltariam no dia seguinte.<br />

88 | MELANIE


CAPÍTULO 10 | A VOLTA ÀS AULAS<br />

AS AULAS VOLTARAM NO LAMARCK, após um período de recesso.<br />

Na turma integral de Medicina, Maria Celia falou<br />

de um livro que constava no programa de obras literárias<br />

do vestibular da UFES para 2008:<br />

– Muito bom dia, moçada. A aula de hoje é sobre o livro<br />

Os mortos estão no living, de Miguel Marvilla 12 . É uma coletânea<br />

de contos lançada em 1987, dividida em duas partes:<br />

os mortos, com 24 contos e os outros, com 6 contos. A<br />

tônica do livro é a morte, mais do que isso, fala da finitude<br />

das coisas. A morte, na concepção marvilliana, pode<br />

ser uma redenção ou uma punição. Em certas estórias, o<br />

autor flerta com o realismo fantástico, tornando banal o<br />

que é considerado absurdo.<br />

Melanie tentava se concentrar na aula, mas o sono era<br />

mais forte do que ela, que dormiu docemente.<br />

12<br />

Miguel Marvilla (1959-2009) foi um poeta, contista e editor<br />

capixaba. Um dos fundadores da editora Florecultura, que<br />

publicou várias de suas obras. Vale lembrar que quando este<br />

autor fez vestibular para História na UFES em 2007, ganhou do<br />

saudoso autor um exemplar da obra em questão.<br />

89 | MAXWELL DOS SANTOS


***<br />

No intervalo das aulas no TU, Rodrigo ligou para Melanie:<br />

– Oi, Melanie. É o Rodrigo falando.<br />

– Ei, Rodrigo. Como vai, meu bem?<br />

– Nunca estive tão contente como hoje. A UFES vai ter<br />

cotas de 40% para alunos de escola pública?<br />

– Já não era sem tempo. Lembra quando no ano passado,<br />

a gente protestou lá na UFES a favor das cotas de 26%<br />

pra negros, 25% pra escola pública e 1% pros indígenas. A<br />

proposta foi rejeitada duas vezes no CEPE. Deu até treta<br />

brava entre os pró e anticotas. Apesar de estudar num<br />

cursinho que é campeão em aprovação em Medicina, eu<br />

não me esqueço de onde vim e de onde estudei. Todos os<br />

dias, agradeço a Deus pela oportunidade neste cursinho,<br />

que vai me ajudar a realizar o sonho de ser médica.<br />

– Eu também agradeço a Deus por estudar no TU. Mas<br />

não dá pra aturar todo ano os cursinhos disputando pra<br />

ver quem aprova mais na UFES, quem aprova mais em<br />

Medicina na UFES, quem vai tirar o primeiro lugar geral<br />

na UFES ou quem vai tirar o primeiro lugar em Medicina<br />

na UFES. O que seria dos donos de cursinhos se o vestibular<br />

acabasse ou se a nossa única federal usasse as notas do<br />

ENEM? As cotas são um freio nessa ganância dos tubarões<br />

do ensino.<br />

90 | MELANIE


– Lógico que os donos de cursinhos tão furiosos, porque<br />

vão aprovar menos alunos e aprovando menos alunos,<br />

terão menos material publicitário pra divulgação.<br />

– E pensar que tem uma cláusula contratual, na qual<br />

obriga a gente a ceder voz e imagem ao cursinho, se tirarmos<br />

o primeiro lugar geral.<br />

– Faço ideia como a galera do PUPT e dos outros cursinhos<br />

populares tão felizes com esta vitória. A gente tem<br />

que seguir lutando por uma educação de qualidade, mesmo<br />

a gente sabendo que isso pode levar anos, quiçá décadas.<br />

– Creio que as cotas pra alunos de escola pública são<br />

uma forma de valorizar o ensino público. E com a valorização<br />

da escola pública, por consequência, a qualidade do<br />

ensino melhorará.<br />

***<br />

Flamarion estava impaciente, fumando charuto e andando<br />

de um lado para outro da varanda de sua mansão,<br />

na Ilha do Frade e falou alto:<br />

– Maldita hora que vieram essas cotas. Porque o governo<br />

não melhora o ensino público, assim os alunos da rede<br />

pública poderiam disputar com os alunos da rede particu-<br />

91 | MAXWELL DOS SANTOS


lar de igual pra igual? Isso é mais uma medida populista e<br />

assistencialista desse governo esquerdista. Educação superior<br />

não é um direito, mas um privilégio daqueles que<br />

se esforçaram.<br />

Ele abriu a garrafa de Ballantine's, encheu o copo, pôs<br />

dois cubos de gelo, tomou e murmurou:<br />

– A UFES tem que ser um centro de excelência, onde<br />

somente os melhores alunos devem estudar nela, pelos<br />

seus méritos acadêmicos e não se transformar em um escolão<br />

de terceiro grau, onde alunos de escola pública,<br />

muitas vezes sem base para acompanhar os ensinamentos,<br />

vão acabar sucateando a universidade, nivelando por<br />

baixo o ensino. Não é função da universidade promover<br />

justiça social.<br />

Flamarion tornou a encher o copo de uísque e gritou:<br />

– As cotas são uma migalha do governo aos pobres!<br />

Sem contar que essa decisão dos infernos vai fazer o Lamarck<br />

perder muito dinheiro, pois com as cotas, teremos<br />

menos aprovações, principalmente em Medicina, nossa<br />

menina dos olhos e o pessoal da classe média e média-baixa<br />

vai tirar seus filhos do Lamarck e de outros colégios<br />

pra botar na escola pública. É o fim da picada!<br />

Melina, a ex-namorada do Bebeto, morena clara, 1,67<br />

m, 20 anos, cabelos pretos, olhos castanhos e coxas grossas,<br />

estava no salão para pintar o cabelo de acaju e fazer<br />

92 | MELANIE


hidratação. O salão, chamado Neide's Coiffeur, localizado<br />

na Avenida Rio Branco, em Santa Lúcia, estava cheio de<br />

peruas e patricinhas cortando o cabelo, fazendo escova,<br />

fazendo luzes e hidratando o cabelo.<br />

Neide, 40 anos, branca, baixa, magra e cabelos pretos e<br />

longos, mostrou o catálogo à Melina para que ela escolhesse<br />

a tonalidade de acaju que ela pintaria. A cabeleireira<br />

falou com Melina:<br />

– E aí, Melina, que tonalidade você vai pintar?<br />

– É essa aqui. Quero ficar poderosa pro casamento da<br />

minha prima – respondeu Melina, apontando a cor acaju.<br />

– A classe média só se ferra. A UFES pôs 40% de cotas<br />

pra alunos de escola pública, a três meses do vestibular e<br />

com renda familiar de R$ 2.660,00. 40% a três meses das<br />

provas? É uma sacanagem com os pais de alunos das escolas<br />

particulares, que como eu, se matam pra pagar as<br />

mensalidades pra garantir um bom ensino, já que a escola<br />

pública tá sucateada. Eu tenho uma filha, a Dandara, que<br />

vai tentar Direito e ela tá desesperada por causa dessa<br />

presepada da UFES – disse Neide, indignada.<br />

– Com todo o respeito, Neide, acho que a UFES tá certíssima<br />

em implantar as cotas, porque lá só entra filhinho<br />

de papai, principalmente nos cursos de Medicina, Direito<br />

e Engenharia. O ensino público tá sucateado e os alunos<br />

que lá estudam ficam em desvantagem com os alunos de<br />

93 | MAXWELL DOS SANTOS


escola pública. Digo com autoridade, porque fui aluna do<br />

Aflordízio Carvalho da Silva, colégio com uma infraestrutura<br />

precária, alta rotatividade de professores e cinco greves<br />

no ano de 2002. Me formei em 2005.Esse ano, tô fazendo<br />

vestibular pra Direito na UFES e até entrei no cursinho<br />

TU, na turma do semiextensivo à noite.<br />

– Quem faz a escola é o aluno. Ele que se esforce, estude<br />

de dia, de noite e até de madrugada pra passar na<br />

UFES. O governo quer, através das cotas, estimular o comodismo<br />

e a vagabundagem dos alunos de escola pública,<br />

que não querem nada com o estudo e ficam matando aula<br />

pra namorar ou fumar maconha. Agora sabendo que tem<br />

cotas, não vão mover uma palha pra se esforçar. E o mérito,<br />

onde fica?<br />

– Alto lá, Neide. Você acha que nas escolas particulares<br />

só tenham alunos esforçados? Sei de casos de alunos do<br />

Lamarck, do TU, do Gabaritando, do Michelangelo e do<br />

CVB que usam drogas pesadas e não querem nada com os<br />

estudos, assim como conheço alunos de escolas públicas<br />

que são dedicados aos estudos. É muito relativo. Pensa<br />

naqueles alunos de escolas públicas que têm que trabalhar<br />

pra sustentar a casa, naqueles alunos que têm encargos<br />

de família. Que tempo eles vão ter pra estudar? Hã? Você<br />

tá redondamente enganada. As cotas vão incentivar a galera<br />

da escola pública a estudar mais, vai elevar a autoesti-<br />

94 | MELANIE


ma deles. Sabe de uma coisa, vamos deixar esse assunto<br />

de cotas pra outro dia e se concentre no meu cabelo. Hoje<br />

quero ficar poderosa e quem sabe, pegar algum gatinho.<br />

Neide pôs o rabo entre as pernas e continuou pintando<br />

o cabelo de Melina. Naquele momento, chegou Dandara,<br />

a filha da dona do salão, 17 anos, branca, estatura mediana,<br />

cabelos pretos e cheia de curvas.<br />

– Mãe, eu vou pro shopping passear com umas amigas<br />

– disse Dandara.<br />

– Tá bom, filha. Mas vê se não chega muito tarde – respondeu<br />

Neide.<br />

– Sim, mãe – disse Dandara.<br />

No dia seguinte, haveria um confronto entre os alunos<br />

da rede pública contra os alunos da rede privada na UFES.<br />

Seria quentíssimo.<br />

95 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 11 | QUARENTA VERSUS 60<br />

NO ESTACIONAMENTO DA UFES, HAVIA uma grande concentração<br />

de alunos de escolas privadas protestando contra a<br />

implantação de 40% de cotas para alunos de escola pública.<br />

Muitos estavam com narizes de palhaço, e vários alunos<br />

carregavam cartazes:<br />

“60% DAS VAGAS PARA OS PALHAÇOS”, com o desenho<br />

de um palhaço indignado, com um capelo escrito em<br />

cima: UFES; “TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI”;<br />

“Não somos contra as cotas, mas contra a reserva de<br />

40% a três meses do vestibular”<br />

Um carro de som tentou entrar no campus, mas foi<br />

barrado pelos seguranças da Universidade e o mesmo ficou<br />

pelo lado de fora.<br />

Jean, 20 anos, branco, estatura mediana, cabelos lisos,<br />

era o representante dos alunos de escola privada, aluno<br />

do TU e candidato a uma vaga em Medicina. Ele estava no<br />

carro de som, lendo o manifesto das escolas privadas:<br />

– Nós, estudantes aspirantes do ensino superior público<br />

e de qualidade, estamos cientes da dificuldade encontrada<br />

pelos alunos da escola pública para alcançar esse objetivo.<br />

Sabemos, contudo, que boa parte dessa dificuldade<br />

é fruto da inoperância e da ineficácia do Estado em gerir<br />

uma escola pública de qualidade. Nesse contexto, surgiu a<br />

96 | MELANIE


política de cotas, que embora não seja a solução, pode<br />

amenizar um pouco essa problemática. Entretanto, reservar<br />

40% das vagas para alunos da escola pública, além de<br />

permiti-los concorrer os outros 60% iniciais, é um equívoco…<br />

Os alunos de escola pública vaiaram durante o manifesto<br />

dos alunos da rede privada. Eles saíram do Teatro<br />

Universitário, que fica em frente ao estacionamento. Jean<br />

tentou retomar a leitura do manifesto:<br />

- …ainda mais se analisarmos o fato da decisão ser tomada<br />

a apenas três meses do vestibular. Assim sendo,<br />

apresentamos como contrapropostas: 1º – Redefinição<br />

para 10% na porcentagem das cotas; 2º – Rendimento familiar<br />

de até três salários-mínimos para concorrer às cotas;<br />

3º – O candidato deve optar pelas cotas ou pelo sistema<br />

geral; 4º – Investimento no ensino fundamental e médio,<br />

por parte do governo; 5º – Fazer valer o artigo 208,<br />

cláusula V que diz: “acesso aos níveis mais elevados de ensino,<br />

(…) segundo a capacidade de cada um”. Contamos<br />

com o apoio da sociedade, especialmente dos pais e alunos<br />

em prol da nossa manifestação.<br />

Mais uma vez, os alunos de escola pública vaiaram o<br />

conteúdo do manifesto. Um carro de som chegou com microfone<br />

para os alunos da escola pública. Começou o confronto<br />

de alunos da rede pública e privada, respectiva-<br />

97 | MAXWELL DOS SANTOS


mente representados por Melina e Viviane, cada qual em<br />

seus carros de som:<br />

– Vocês são um bando de filhinhos de papai, que tiveram<br />

tudo de mão beijada, estudaram sempre em boas escolas.<br />

Pequenos burgueses, de classe média, mimados e<br />

cheios de vontades. E porque não, reacionários? Tão desesperados,<br />

porque agora só vão ter 60% de chances de<br />

entrar na UFES e a gente vai ter 40%, que ainda tá pouco.<br />

Na verdade, tinha que ter 100% de cotas pra escola pública!<br />

Vocês falam que tem que investir na base pra que todos<br />

os alunos possam ter pé de igualdade. Mas esquecem<br />

que essas medidas levam muito tempo e vocês acham que<br />

a gente pode esperar? Não dá pra esperar mais. Cotas já!<br />

– Nem todo mundo que estuda em escola particular é<br />

filhinho de papai, querida. Muitos pais passam um arrocho<br />

violento pra pagar as mensalidades numa boa escola,<br />

chegando a se privar de coisas pra si próprios. Outros, pelos<br />

méritos acadêmicos, por serem filhos de professores<br />

ou funcionários ou por serem atletas, conseguiram bolsa<br />

integral ou de 50%. Eu vou tentar Direito. Meus pais não<br />

teriam condições de arcar com as mensalidades. Acho que<br />

a UFES não pensou nesses casos, por isso sou contra cotas<br />

para escola pública e sim a favor das cotas por renda.<br />

– Eu também vou tentar Direito, meu anjo. Acontece<br />

que vocês tiveram boas oportunidades educacionais que a<br />

98 | MELANIE


gente não teve. É uma disputa desigual. Muitos tem que<br />

trabalhar e estudar e não conseguem ter uma boa preparação<br />

pro vestibular. Perguntar não ofende: cadê os donos<br />

dos cursinhos que vocês estudam? Por que eles não vieram<br />

pra protestar com vocês? Cadê os coordenadores de<br />

3º ano e pré-vestibular? Idiotas úteis, massa de manobra!<br />

Desculpa, galerinha da particular. Perdeu, playboyzada!<br />

– E daí? Impor cotas a três meses do vestibular é muita<br />

sacanagem. A cota é desculpa do governo pra não melhorar<br />

a qualidade do ensino público. E outra: independente<br />

de ser escola pública ou privada, depende da força de vontade<br />

do aluno passar na UFES.<br />

– Faça-me o favor! Se força de vontade fosse fator indispensável<br />

para aprovação em vestibulares, não existiriam<br />

cursinhos pré-vestibulares que se alimentam dos sonhos<br />

de jovens que querem entrar nas universidades,<br />

tampouco existiriam cotas! Cursinho só existe pra encobrir<br />

as deficiências de base dos alunos. Você acha que tô<br />

fazendo cursinho pra passar o tempo? Não! É pra atenuar<br />

as deficiências de base no ensino público estadual. Afinal,<br />

você sabe pra que serve o vestibular? Serve como um funil<br />

social não para selecionar os alunos mais aptos, mas sim<br />

para favorecer o candidato treinado pela escola privada<br />

de elite ou que fez um cursinho caríssimo. Das duas uma:<br />

a prova da UFES é pautada no conteúdo das escolas parti-<br />

99 | MAXWELL DOS SANTOS


culares ou os currículos das escolas particulares são pautados<br />

pelo vestibular da UFES, mas seja o que for, o<br />

conteúdo é extenso, cansativo e beneficia quem estudou<br />

na rede particular. E lá vem outra lapada: por que boa<br />

parte dos alunos de escola particular não passa de primeira<br />

no vestibular? Porque no terceiro ano não têm maturidade<br />

pra escolher uma carreira e fazer o vestibular. E os<br />

donos de cursinhos agradecem, porque pra eles vestibular<br />

é igual carnaval: tem todo ano.<br />

Os estudantes da rede pública fizeram uma pequena<br />

assembleia no estacionamento. O movimento da rede<br />

particular seguiu para o prédio da reitoria. Às 17 horas,<br />

com os ânimos mais calmos, um segurança da UFES anotou<br />

nomes das lideranças das duas redes, que escolheram<br />

representantes conversar com o vice-reitor. Melina e Jean<br />

foram os escolhidos. Enquanto aguardavam o fim da reunião,<br />

alunos organizaram um debate, com dois minutos<br />

para que cada interessado defendesse seu ponto de vista.<br />

Melanie preferiu não participar do protesto. Ficou na<br />

biblioteca do Lamarck resolvendo discursivas de Biologia.<br />

Na sala do professor Marcelo, o clima era tenso. Ele estava<br />

conversando com Tio Faisão:<br />

– Com as cotas, as universidades terão que flexibilizar<br />

os métodos de ensino e por conseguinte, seus processos<br />

avaliativos pra que os cotistas consigam passar nas cadei-<br />

100 | MELANIE


as. Grosso modo, vão ter que tornar o caminho suave,<br />

pra fazer bonito nas estatísticas, assim como fazem as escolas<br />

públicas, que precisam atingir metas de aprovação<br />

de cem por cento pra continuar recebendo verbas. Adeus,<br />

meritocracia.<br />

– De que adianta fazer uma faculdade sem uma base<br />

sólida e no final das contas, ser um diplomado incompetente,<br />

desempregado, subempregado ou exercendo uma<br />

profissão alheia do que foi formado, se é que vai se formar,<br />

não reprovar em várias cadeiras e não for jubilado<br />

antes? Hã? O que mais vai ter, daqui a alguns anos, é advogado<br />

trabalhando como gari, jornalista trabalhando<br />

como vendedor de churrasquinho, médico dando aula de<br />

Biologia e engenheiro dando aula de Matemática. Não há<br />

cotas no mercado de trabalho, que tá cada vez mais seletivo<br />

e cruel. Vai ser cada um por si e Deus por todos, ou<br />

contra todos, para aqueles que não acreditam nEle. Não<br />

há vagas pra todos no mercado. Esse lance de universidade<br />

pra todos é eleitoreiro e serve pra afagar uma massa de<br />

jovens pobres iludidos com a promessa de que diploma<br />

superior lhes garantirá um emprego.<br />

– O vestibular, no modelo atual, tem que ser feito para<br />

filtrar alunos que serão úteis para o desenvolvimento tecnológico,<br />

social e ambiental do nosso país. A UFES vai diminuir<br />

o rigor do seu processo seletivo, tão somente para<br />

101 | MAXWELL DOS SANTOS


contribuir com uma suposta inclusão social. Quem diz<br />

que o vestibular da UFES é excludente, não sabe o quanto<br />

os alunos que estudam lá deram duro pra passar, principalmente<br />

os alunos de Medicina, Direito e Engenharia.<br />

– As cotas tratam o efeito, não as causas. É preciso que<br />

haja um maciço investimento na educação básica, pra que<br />

todos tenham o mesmo nível educacional e assim, poder<br />

concorrer as vagas na UFES em pé de igualdade dos alunos<br />

da rede privada. A meu ver, o MEC deveria somente<br />

cuidar da educação básica e privatizar as universidades,<br />

que cobrariam mensalidades para aqueles que podem arcar<br />

e bolsas de estudos ou financiamentos para os alunos<br />

carentes a juros baixos.<br />

– Se o jovem não teve um ensino de qualidade, não são<br />

as universidades que vão sanar isto. É certo que o aluno<br />

oriundo do sistema de cotas terá as portas fechadas no<br />

mercado de trabalho.<br />

– Apos a implantação das cotas, não se espante se aumentar<br />

os casos de erros médicos, prédios caindo e pessoas<br />

sem dentes. É o fim da picada!<br />

À noite, Melanie chorava no banheiro feminino, bastante<br />

magoada. Entrou Flávia, 19 anos, negra, pequenininha,<br />

magrinha, cabelo cacheado. Ela era bolsista da turma<br />

de humanas e tentaria Direito na Ufes e Relações Internacionais<br />

na UFF e encontrou Melanie naquele estado.<br />

102 | MELANIE


– O que aconteceu, Mel? Por que você tá aqui chorando?<br />

– perguntou Flávia.<br />

– Não é nada, não – respondeu Melanie – que não conseguia<br />

disfarçar as lágrimas.<br />

– Fala a verdade, amiga. Pode desabafar comigo – disse<br />

Flávia.<br />

– Promete não comentar a ninguém, nem mesmo pro<br />

Marcelo? – perguntou Melanie.<br />

– Prometo – respondeu Melanie.<br />

– Passei pelo corredor e ouvi as meninas falando que<br />

jamais se consultariam com um médico que entrou na faculdade<br />

de Medicina por causa das cotas, que nós, cotistas<br />

vamos nivelar por baixo o curso de Medicina, aumentando<br />

o número de erros médicos e que cotistas são sinônimo<br />

de incompetência – disse Melanie, chorando.<br />

– Essas patricinhas fúteis falam muita besteira, só tem<br />

dois neurônios. Pra elas, é fácil julgar quando se pode estudar<br />

em boas escolas, fazer viagens à Disney, ter curso<br />

de inglês, intercâmbio no exterior e mesada toda semana<br />

pras micaretas. Pra você ter ideia, só fui numa micareta,<br />

porque minha irmã trabalha na rádio que dá apoio ao<br />

evento. Desconhecem o fato de você ser de família humilde,<br />

moradora de um bairro periférico e de ter estudado<br />

toda a vida em escola pública. Você quer ser médica porque<br />

ama a profissão. Elas só querem fazer Medicina só<br />

103 | MAXWELL DOS SANTOS


pra fazer o ego dos pais ou pra ter status e poder – respondeu<br />

Flávia, indignada.<br />

O vestibular estava se aproximando e a ansiedade de<br />

Melanie crescia em progressão geométrica.<br />

104 | MELANIE


CAPÍTULO 12 | O VESTIBULAR TÁ AÍ<br />

A ROTINA MASSACRANTE DOS ESTUDOS para o vestibular e as<br />

pressões por resultados dentro do Lamarck afetaram o<br />

comportamento de Melanie, deixando-a insuportável, a<br />

ponto de gritar com a mãe, porque ela havia entrado no<br />

quarto sem bater a porta.<br />

Mudanças de comportamento ocorreram em virtude<br />

do ano de vestibular, ainda mais quando a candidata tentaria<br />

o curso mais concorrido da UFES e a pressão é maior<br />

quando ela é bolsista. Até a mais graciosa das meninas<br />

estava sujeita a ter acessos de fúria em razão do vestibular.<br />

Melanie empenhava-se ao máximo com os estudos<br />

para o ENEM. Ela tinha consciência da importância deste<br />

exame, pois ele valia 25 % da nota do vestibular da UFES<br />

ou até mesmo uma bolsa integral para Medicina pelo<br />

ProUni ou Nossa Bolsa. Todos os dias, Melanie lia jornais<br />

e revistas para estar atualizada, uma vez que o conteúdo<br />

do ENEM se pautava em atualidades.<br />

Todos os finais de semana que antecederam o ENEM,<br />

os alunos tiveram aulões preparatórios. A cada simulado<br />

do exame federal, Melanie demonstrava bons resultados,<br />

às vezes nas primeiras colocações, o que a deixava muito<br />

105 | MAXWELL DOS SANTOS


mais confiante para o vestibular.<br />

Conforme combinado, Melanie entregou os boletos de<br />

inscrição da UFES e da UFF para pagamento à secretária<br />

do Marcelo.<br />

***<br />

No TU, Rodrigo ouvia as explicações dos professores,<br />

principalmente de Física e Matemática. Quando chegou a<br />

aula de História com Rosemary, 44 anos, branca, baixa e<br />

loira, O rapaz dormiu na aula. Rosemary corrigiu questões<br />

objetivas.<br />

Melina, que estava à sua frente, percebeu e o cutucando,<br />

disse:<br />

– Rodrigo, você dormiu bem hoje?<br />

– Dormi, por quê?<br />

– Você tava deitado na aula de Rosemary.<br />

– A aula de História é um pé no saco e com ela, fica pior<br />

ainda. Tomar uma garrafa de absinto dá mais prazer que<br />

essa porcaria dessa loira falsificada e sua matéria.<br />

– Eu não gosto dela, mas sou obrigada a assistir sua<br />

aula pra passar na UFES. É normal pra você, que é da área<br />

de exatas, não ligar pras matérias de humanas. Infelizmente<br />

elas são cobradas no vestibular e podem ser a dife-<br />

106 | MELANIE


ença entre a classificação ou não pra segunda etapa.<br />

– Eu não deixo de estudar as matérias de humanas, só<br />

não gosto de estudar História e dessa tal Rosemary. Tomara<br />

que nenhum engraçadinho tenha me filmado e posto<br />

no YouTube.<br />

– Tá bom, então. Só quis te dar um toque pra te ajudar.<br />

– Valeu, Melina.<br />

***<br />

Melanie, vestida com a camisa azul-marinho com o<br />

logo do Lamarck e a inscrição abaixo: VEST 2008, estava<br />

almoçando na mesa e tomando refrigerante. Ela escovou<br />

os dentes e passou o fio dental. Abriu a gaveta da cômoda,<br />

pegou a ficha de inscrição, o RG, o estojo com caneta, borracha<br />

e lapiseira, passou um creme de pentear, penteou o<br />

cabelo, passou brilho nos lábios e calçou um tênis.<br />

Ela chegou ao seu local de prova, no CT 3 da UFES.<br />

Logo, foi abordada pelos professores do CVB, que lhe deram<br />

a famosa sacolinha com informativos e guloseimas.<br />

Os candidatos começaram a chegar. Melanie veio em seguida.<br />

Minutos depois, o fiscal distribuiu a prova. Em seguida,<br />

o fiscal pôs alguns avisos no quadro sobre o início e<br />

término da prova. Às 14 horas, ele falou:<br />

107 | MAXWELL DOS SANTOS


– Podem começar a prova.<br />

Melanie começou a prova pelas questões de humanas,<br />

que ela julgava ser as mais fáceis, conseguiu resolver com<br />

aparente tranquilidade. Baixinho, ela falou:<br />

– Essas questões de História com essas exigências de<br />

datas, troço nada a ver. Não é à toa que os professores do<br />

Lamarck criticam a banca da UFES.<br />

Quando entrou nas questões de exatas e biomédicas, a<br />

situação complicou. Melanie começa a suar frio.<br />

“A prova objetiva da UFES tá o cão chupando manga.<br />

As questões de Biologia tão cheias de pegadinhas” - pensou<br />

Melanie.<br />

Após a prova, Melanie foi ao estacionamento da UFES,<br />

onde barracas de vários cursinhos e escolas particulares<br />

estavam montadas, com água mineral e picolé à vontade.<br />

Ela foi à barraca do TU e encontrou Rodrigo.<br />

– Oi, Rodrigo – disse Melanie, abraçando e beijando o<br />

amigo.<br />

– Melanie, que bom te ver de novo – respondeu Rodrigo.<br />

– A prova tava terrível, com muitas questões cabulosas.<br />

Minha cabeça ia explodir – disse Melanie.<br />

– Pra mim, as questões de História tavam super cabulosas.<br />

Deus me livre! – respondeu Rodrigo.<br />

Paulo André falou com Melanie:<br />

108 | MELANIE


– Melanie, eu preciso ver a sua prova. Há duas questões<br />

de Biologia que pediremos anulação. E ainda temos que<br />

corrigir a prova pro jornal O Moxuara de amanhã.<br />

– Pode levar, mas me devolve.<br />

– Tá bom, Melanie.<br />

***<br />

No dia seguinte, Marcelo convocou uma reunião com<br />

os alunos de 3º ano e pré-vestibular no auditório. Melanie<br />

estava sentada na frente junto com Flávia. Ele falou:<br />

– Bom dia, gente.<br />

– Bom dia.<br />

– Tenho duas boas notícias. A primeira, é que provavelmente,<br />

os pontos de corte poderão cair, em virtude do nível<br />

elevado da prova e a outra boa notícia,é que pediremos<br />

a anulação de uma questão e mudança de gabarito.<br />

Burburinho entre os alunos.<br />

***<br />

Dias depois, saiu o resultado da 1ª etapa da UFES. Rodrigo<br />

foi ovacionado pelos colegas e professores pelo primeiro<br />

lugar em Engenharia Ambiental. Melina também<br />

109 | MAXWELL DOS SANTOS


foi classificada em vigésimo quinto lugar em Direito. Ela<br />

correu para abraçar Rodrigo.<br />

No Lamarck, Melanie ficou contente quando viu seu<br />

nome na lista de classificados para a segunda etapa em<br />

Medicina. Flávia, que estava junto à bonequinha, faria a<br />

segunda etapa da UFES para Direito. As duas se abraçaram.<br />

De repente, Marcelo chegou com a boa-nova:<br />

– Melanie, você ficou em 85º em Medicina na UFF. E<br />

Flávia, parabéns pelo quinto lugar em Relações<br />

Internacionais na UFF.<br />

– Meu fim de semana não podia ser melhor. Aprovada<br />

na primeira etapa na UFES e na UFF – disse Melanie.<br />

– O meu também, Melanie - respondeu Flávia.<br />

***<br />

Melanie fez as provas da 2ª etapa(Redação, Química e<br />

Biologia) da UFF. Na redação, haviam dois temas e o candidato<br />

tinha que escolher um para discorrer. Ela escolheu<br />

falar sobre o acesso a bens culturais com o advento da internet<br />

e das novas tecnologias de reprodução. Na prova de<br />

Química, caíram duas de orgânica, que ela não teve dificuldades<br />

pra resolver. A primeira questão de Biologia<br />

achou complexa de resolver. As outras quatro conseguiu<br />

110 | MELANIE


esolver sem maiores dificuldades.<br />

***<br />

Dias depois, Melanie fez as provas da 2ª etapa da<br />

UFES. No domingo, ela fez a redação. Três temas: primeiro,<br />

quanto à opinião do candidato quanto às cotas. A segunda<br />

era uma reportagem e a terceira, era um texto narrativo.<br />

A prova de Química, para a baixinha foi um pouco<br />

puxada, mas a de Biologia, ela tirou de letra. Cabia à jovem<br />

esperar pelo resultado dos vestibulares.<br />

111 | MAXWELL DOS SANTOS


CAPÍTULO 13 | A HORA DA VERDADE<br />

A ANSIEDADE NÃO DEIXOU MELANIE dormir. Ela passou por<br />

uma noite terrível. Tentava lutar contra a falta de sono,<br />

mas seus esforços eram inúteis.<br />

A UFF liberou há poucos dias o resultado final e a jovem<br />

ficou em 256º lugar, ou seja, na lista de suplentes, já<br />

que Medicina na UFF tem 160 vagas. O medo de não conseguir<br />

passar nem mesmo pela reserva de vagas da UFES<br />

angustiava Melanie.<br />

No Enem, Melanie tirou 80 (soma da prova objetiva<br />

com redação dividido por dois). Porém o corte para bolsa<br />

integral em Medicina pelo ProUni na FCMV era superior<br />

a 90. No programa federal de bolsas, ela ficou na lista de<br />

espera. Mas a moça havia sido selecionada para a bolsa<br />

integral para Enfermagem na FUV pelo Nossa Bolsa. Teve<br />

a documentação aprovada e estava matriculada.<br />

Darlene viu a aflição da filha deitada no sofá, vendo TV<br />

e disse:<br />

– É, Melanie. A sua angústia me angustia. Pelo visto<br />

você não dormiu direito, né?<br />

– Como se pode dormir diante da incerteza da aprovação.<br />

Pra passar o tempo, fiquei vendo TV. A barriga chega<br />

a dar embrulho na gente.<br />

112 | MELANIE


– Eu imagino. Pra você, foi um ano terrível, de pressões<br />

de todos os lados. Chegou uma hora que você tava surtando.<br />

Ninguém quer saber que você é apenas uma menina.<br />

Só querem o resultado e acabou. Uma tremenda máquina<br />

de moer gente chamada vestibular.<br />

– Não vejo a hora de liberarem a lista de aprovados. Assim<br />

diminui o meu suplício.<br />

– Só assim o seu coração aquieta. Como diz Galvão<br />

Bueno: é teste pra cardíaco.<br />

– Não sei se o meu coração vai aguentar diante de tanta<br />

aflição. Acho que ele vai sair pela boca.<br />

– Calma, Melanie. Também não é assim.<br />

Melanie misturou o Toddy ao leite para tomá-lo com a<br />

broa de fubá. Era o seu café da manhã.<br />

***<br />

Na UFES, os servidores da CCV afixaram nas paredes a<br />

relação dos aprovados no vestibular 2008/1. Em minutos,<br />

candidatos de todos os cursinhos chegaram para ver o resultado.<br />

Nas paredes, as listas de aprovados para as vagas<br />

oferecidas dos 66 cursos oferecidos pela Universidade<br />

para aquele ano de 2008. Choros de alegria e tristeza para<br />

uns e outros.<br />

Dos 10.326 candidatos classificados para a segunda<br />

etapa do vestibular da UFES(de um total de 20.466 inscri-<br />

113 | MAXWELL DOS SANTOS


tos), foram aprovados 3.015, sendo que 794 passaram pelas<br />

cotas.<br />

No Lamarck, os alunos de 3º ano e pré-vestibular chegavam<br />

muito apreensivos, principalmente, os alunos que<br />

tentaram Medicina. Boa parte dos colegas(e concorrentes<br />

de turma) de Melanie estavam com semblante de insônia.<br />

Melanie foi à parede onde estava a lista dos aprovados em<br />

Medicina. Seu coração acelerava a cada segundo, prestes<br />

a explodir. Quando viu seu nome na lista de aprovados,<br />

em 38º lugar, ela chorou de alegria.<br />

Uma nova fase começou na vida de Melanie. Após um<br />

ano de privações e sofrimentos, ela seria aluna da 82ª turma<br />

de Medicina da UFES.<br />

Melanie ligou para a mãe:<br />

– Alô, mãe. É a Melanie.<br />

– Oi, Mel.<br />

– Eu passei em Medicina na UFES. Vou poder realizar<br />

meu sonho de ser médica.<br />

– Parabéns, Mel. Eu tô tão feliz por você.<br />

– Obrigada, mãe. Te amo.<br />

– Eu também te amo.<br />

Os professores do TU rasparam o cabelo de Rodrigo.<br />

Ele foi fotografado por Luan, o analista de comunicação e<br />

marketing do cursinho. Rodrigo tirou o primeiro lugar<br />

em Engenharia Ambiental e o 3º lugar geral em Exatas.<br />

114 | MELANIE


Essa foto iria para o anúncio dos jornais de amanhã, tornando-se<br />

o garoto propaganda do cursinho.<br />

Melina estava eufórica pela aprovação em Direito.<br />

– Cara, não acredito. Se isso é um sonho, alguém me<br />

belisca – disse.<br />

Rodrigo ouviu, beliscou Melina e falou:<br />

– É verdade sim. Você foi aprovada em Direito.<br />

– Agora vou de alma lavada pra curtir o carnaval em<br />

Porto Seguro – gritou Melina.<br />

– Parabéns pelo primeiro lugar em Engenharia Ambiental,<br />

Rodrigo.<br />

– Obrigado, Melina.<br />

Melina tirou da bolsa a câmera e fez uma foto dela<br />

abraçada com Rodrigo. Ela postaria no seu Fotolog 13 no<br />

fim da tarde.<br />

Na porta do Lamarck, os colegas de Melanie pintaram<br />

seu rosto e escreveram com batom em sua testa “MEDU-<br />

FES”. Flávia a abraçou e disse:<br />

– Parabéns pela aprovação, Melanie. Não passei aqui<br />

na UFES, mas passei na UFF. Serei uma internacionalista.<br />

– Obrigada, Flávia – respondeu Melanie.<br />

Em seguida, veio Marcelo, que também abraçou Melanie<br />

e disse:<br />

13<br />

Fotolog é como se fosse o pai do Instagram, onde as pessoas só<br />

podiam postar uma foto por dia.<br />

115 | MAXWELL DOS SANTOS


– Parabéns, Dra. Melanie Coser Pignaton. Você sabia<br />

que entre os dez primeiros lugares de todos os alunos cotistas<br />

de Medicina?<br />

– Não. Cadê o Flamarion? – perguntou Melanie.<br />

-Ainda tá viajando pela Suíça onde ele foi ver sua filha<br />

e os net, mas ele já tá sabendo e te mandou os parabéns –<br />

respondeu Marcelo.<br />

Rodrigo veio do TU para abraçar Melanie, falando:<br />

– Deus nos abençoou. Serei engenheiro de produção e<br />

você vai ser uma médica.<br />

– É verdade, Rodrigo. Ele é fiel e infalível – respondeu<br />

Melanie, chorando.<br />

– Foi um ano terrível, mas no fim, vencemos – disse<br />

Rodrigo.<br />

– E como foi, meu bem. Foi o Senhor que me sustentou<br />

pra que eu fosse adiante no meu propósito de entrar na<br />

UFES depois que perdi meu irmãozinho e minha prima<br />

que amava tanto. Onde quer que eles estejam, ficaram felizes<br />

com a vitória que Deus me deu – disse Melanie.<br />

– Há algum tempo que precisava dizer algo – disse Rodrigo.<br />

– Pode falar, querido – respondeu Melanie, com um<br />

sorriso.<br />

– Você me encanta com sua voz e seu jeito meigo. Eu tô<br />

apaixonado por você. Só você faz a minha vida ter senti-<br />

116 | MELANIE


do. Quero construir a minha vida ao seu lado – disse Rodrigo.<br />

– Ai, que fofo – disse Melanie, acariciando as mãos de<br />

Rodrigo.<br />

Rodrigo se aproximou de Melanie e lhe deu um beijo<br />

na boca. Melanie abraçou forte Rodrigo e lhe beijou a<br />

boca. Os alunos do Lamarck ovacionaram o novo casal.<br />

FIM<br />

117 | MAXWELL DOS SANTOS


AUTOR E OBRA<br />

Nasceu em 1986, em Vitória/ES e mora na referida cidade.<br />

É jornalista, designer gráfico e servidor público da Prefeitura<br />

de Cariacica desde 2017. É Técnico em Multimídia<br />

pelo CEET Vasco Coutinho, licenciando em Letras/Português<br />

pelo IFES e em História pela Uninter. É autor dos livros<br />

24 horas de Anna Beatriz, Ilha Noiada, Melanie, Amyltão<br />

Escancarado, Comensais do Caos, #cybervendetta e Empoderando-se.<br />

118 | MELANIE


119 | MAXWELL DOS SANTOS


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com o autor para que este continue escrevendo, faça um<br />

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Maxwell dos Santos<br />

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120 | MELANIE


121 | MAXWELL DOS SANTOS


Este livro foi composto em Alegreya, Alegreya Sans e<br />

Alegreya Sans SC por Maxwell dos Santos em dezembro<br />

de 2018.<br />

122 | MELANIE


MELANIE<br />

UMA HISTÓRIA DE AMOR, LÁGRIMAS E SUPERAÇÃO<br />

O ano é 2007. Melanie, 18 anos, jovem moradora do Bairro da<br />

Penha, tem o sonho de ser médica. Ela faz a prova de seleção para<br />

o Projeto Universidade para Todos(PUPT), à época, gerido pela<br />

Fundação Ceciliano Abel de Almeida.<br />

Sua vida é radicalmente transformada quando é atropelada com<br />

seu irmão Juninho, sua prima Bárbara e o frentista Carlinhos num<br />

posto de gasolina por dois rapazes que estavam participando de<br />

um racha. A prima e o irmão morrem, assim como o frentista.<br />

Mesmo com esses problemas, ela dá a volta por cima e ainda<br />

ganha uma bolsa de estudos no cursinho mais caro da cidade: o<br />

Lamarck.<br />

Naquele ano, a UFES institui cotas de 40% para alunos de escolas<br />

públicas. No texto, o autor mostra a repercussão da medida entre<br />

os alunos de escolas públicas, os alunos da rede privada e o dono<br />

do Lamarck, Flamarion, que representa uma peça do ecossistema<br />

chamado indústria do vestibular e vê nas cotas uma ameaça à<br />

hegemonia do seu cursinho, principalmente nas áreas de<br />

Medicina, Direito e Engenharias. Há confronto ideológico entre os<br />

alunos das duas redes na UFES e Melanie é vítima de<br />

discriminação pelas colegas de cursinho.<br />

Será que a jovem vai conseguir transpor todos os obstáculos e<br />

alcançar sua meta?

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