Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Parecia a mesma pessoa, ainda vestida, segundo Treen, como se tivesse<br />
enfrentado uma luta greco-romana num brechó <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>.<br />
<strong>Eu</strong> não fazia i<strong>de</strong>ia do que os moradores da Granta House achavam <strong>de</strong> mim.<br />
Will era in<strong>de</strong>cifrável. Para Nathan, eu <strong>de</strong>via ser apenas mais uma em uma longa<br />
lista <strong>de</strong> cuidadoras contratadas. Ele era bastante simpático, mas um pouco<br />
distante. Suspeitava <strong>de</strong> que ele não estava convencido <strong>de</strong> que eu fosse durar muito.<br />
O Sr. Traynor me cumprimentava, afável, quando nos cruzávamos no hall,<br />
ocasionalmente me perguntava como estava o trânsito ou se tudo ia bem. Mas<br />
não sei se me reconheceria se nos víssemos em um outro cenário.<br />
Mas para a Sra. Traynor — ó, céus! —, para ela eu era aparentemente a<br />
pessoa mais idiota e mais irresponsável do mundo.<br />
Tudo começou com os porta-retratos. Nada naquela casa escapava à<br />
observação da Sra. Traynor, e eu <strong>de</strong>veria saber que a <strong>de</strong>struição dos porta-retratos<br />
seria consi<strong>de</strong>rada um evento sísmico. Ela me interrogou para saber por quanto<br />
tempo exatamente eu tinha <strong>de</strong>ixado Will sozinho; o que havia motivado aquilo;<br />
quão rápido eu havia arrumado tudo. Não chegou a me criticar — era muito<br />
discreta até mesmo para aumentar a voz —, mas o jeito <strong>de</strong> piscar os olhos<br />
<strong>de</strong>vagar a cada resposta que eu dava, os breves hum-hums conforme eu falava,<br />
disseram tudo o que eu precisava saber. Não quei surpresa quando Nathan me<br />
contou que ela era magistrada.<br />
Ela achava que seria uma boa i<strong>de</strong>ia se eu não <strong>de</strong>ixasse Will sozinho da<br />
próxima vez, não importando quão <strong>de</strong>sagradável fosse a situação, hum? E que, na<br />
próxima vez que eu tirasse o pó dos móveis, eu po<strong>de</strong>ria me certicar <strong>de</strong> que os<br />
objetos não estivessem tão na beirada <strong>de</strong> modo a evitar que caíssem<br />
aci<strong>de</strong>ntalmente no chão, hum? (Ela parecia preferir crer que aquilo fora um<br />
aci<strong>de</strong>nte). A Sra. Traynor fazia com que eu me sentisse uma idiota <strong>de</strong> primeira<br />
categoria e, consequentemente, foi isso que me tornei quando estava perto <strong>de</strong>la.<br />
Ela sempre chegava quando eu tinha acabado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar alguma coisa cair no<br />
chão, ou estava lutando com os botões do fogão, ou então ela estava <strong>de</strong> pé na<br />
entrada, aparentando um pouco <strong>de</strong> irritação quando eu pisava <strong>de</strong> volta na casa<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> buscar lenha lá fora, como se eu tivesse ido muito mais longe do que <strong>de</strong><br />
fato eu tinha ido.<br />
Estranhamente, o comportamento da Sra. Traynor me atingia mais do que a<br />
agressivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Will. Em algumas ocasiões, tive vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> perguntar<br />
abertamente se havia algo errado. Você disse que estava me contratando mais pela<br />
minha postura do que por minhas habilida<strong>de</strong>s profissionais, eu quis dizer. Bem, aqui<br />
estou eu, sendo animada a cada dia duro. Sendo forte, como você queria. Então, qual<br />
é o seu problema?<br />
Mas Camilla Traynor não era o tipo <strong>de</strong> mulher para quem se podia dizer isso.<br />
Além do mais, eu achava que ninguém naquela casa falava qualquer coisa<br />
diretamente para outra pessoa.