10.12.2018 Views

Como Eu Era Antes de Voce - Jojo Moyes

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

5<br />

Ser atirada para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma vida totalmente diferente — ou, pelo menos,<br />

jogada com tanta força na vida <strong>de</strong> outra pessoa a ponto <strong>de</strong> parecer bater com a<br />

cara na janela <strong>de</strong>la — obriga a repensar sua i<strong>de</strong>ia a respeito <strong>de</strong> quem você é. Ou<br />

sobre como os outros o veem.<br />

Para meus pais, em quatro curtas semanas eu quei um pouco mais<br />

interessante. Passei a ser o canal para um mundo diferente. Minha mãe,<br />

particularmente, todo dia me fazia perguntas sobre a Granta House e os hábitos<br />

domésticos <strong>de</strong> seus moradores, como se fosse uma zoóloga forense observando<br />

alguma estranha criatura nova e seu habitat.<br />

— A Sra. Traynor usa guardanapos <strong>de</strong> linho em todas as refeições? — ela<br />

po<strong>de</strong>ria perguntar, ou: — Eles passam aspirador na casa todos os dias, como nós?<br />

— Ou ainda: — <strong>Como</strong> eles preparam as batatas?<br />

Mamãe se <strong>de</strong>spedia <strong>de</strong> mim <strong>de</strong> manhã com recomendações estritas para que<br />

eu <strong>de</strong>scobrisse que marca <strong>de</strong> papel higiênico eles usavam, ou se os lençóis eram<br />

<strong>de</strong> algodão misto. Isso era fonte <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção, já que na maioria das vezes<br />

eu não conseguia me lembrar <strong>de</strong> investigar nada. Minha mãe estava<br />

secretamente convencida <strong>de</strong> que os bacanas viviam como porcos — isso <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que eu contei, aos seis anos, sobre uma colega bem-nascida cuja mãe não nos<br />

<strong>de</strong>ixava brincar na sala “porque íamos levantar a poeira”.<br />

Quando eu chegava em casa e contava que, sim, o cachorro <strong>de</strong>nitivamente<br />

podia comer na cozinha ou que, não, os Traynor não varriam a escada da frente<br />

todos os dias como minha mãe fazia, ela contraía os lábios, olhava <strong>de</strong> soslaio para<br />

meu pai e acenava com a cabeça em muda satisfação, como se tivesse acabado<br />

<strong>de</strong> confirmar tudo <strong>de</strong> que suspeitava sobre os modos <strong>de</strong>sleixados da classe alta.<br />

O fato <strong>de</strong> minha família <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do meu salário, ou <strong>de</strong> saber que eu não<br />

gostava mesmo do meu trabalho, signicou receber um pouco mais <strong>de</strong> respeito<br />

em casa. Isso, na verda<strong>de</strong>, não mudava muito as coisas: no caso <strong>de</strong> meu pai, ele<br />

parou <strong>de</strong> me chamar <strong>de</strong> “gordota” e, quanto a mamãe, passei a ter uma caneca<br />

<strong>de</strong> chá à minha espera quando chegava em casa.<br />

Para Patrick e minha irmã, eu era a mesma: ainda alvo <strong>de</strong> piadas, e a<br />

recebedora <strong>de</strong> abraços, beijos e maus humores. <strong>Eu</strong> não me sentia diferente.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!