Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Então, ainda não completamente seca, subi na cama ao lado <strong>de</strong>le, tão perto<br />
que minhas pernas tocaram as suas e, juntos, nós observamos o chamuscar<br />
branco-azulado à medida que os raios atingiam as ondas, as estacas do guardacorpo<br />
prateadas pela chuva, a <strong>de</strong>licada massa turquesa cambiante que caía a<br />
poucos metros <strong>de</strong> distância.<br />
O mundo ao nosso redor pareceu encolher, até que ele fosse somente o som<br />
da tempesta<strong>de</strong>, o mar azul-escuro cor <strong>de</strong> malva e as cortinas nas <strong>de</strong>licadamente<br />
se inando. Senti o cheiro das ores <strong>de</strong> lótus na brisa noturna, ouvi os sons<br />
distantes <strong>de</strong> copos tilintando, <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras sendo aproximadas às pressas, a música<br />
<strong>de</strong> alguma comemoração ao longe, senti a carga da natureza <strong>de</strong>scontrolada.<br />
Alcancei a mão <strong>de</strong> Will e a segurei entre as minhas. Pensei, por um instante, que<br />
nunca mais me sentiria tão intensamente conectada ao mundo, a outro ser<br />
humano, como naquele momento.<br />
— Nada mal, hein, Clark? — disse Will em meio ao silêncio. Diante da<br />
tempesta<strong>de</strong>, o rosto <strong>de</strong>le estava parado e calmo. Ele se virou um pouco e sorriu<br />
para mim, e havia algo em seus olhos, algo triunfante.<br />
— É — respondi. — Nada mal mesmo.<br />
Fiquei <strong>de</strong>itada imóvel, ouvindo a respiração <strong>de</strong>le lenta e profunda, o som da<br />
chuva por trás <strong>de</strong>la, senti seus <strong>de</strong>dos cálidos entrelaçados nos meus. <strong>Eu</strong> não queria<br />
voltar para casa. Pensei que po<strong>de</strong>ria nunca mais voltar. Ali, Will e eu estávamos<br />
seguros, trancados no nosso pequeno paraíso. Toda vez que eu pensava em voltar<br />
para a Inglaterra, a gran<strong>de</strong> garra do medo prendia meu estômago e começava a<br />
apertá-lo bem forte.<br />
Vai dar certo. Tentei repetir para mim mesma as palavras <strong>de</strong> Nathan. Vai dar<br />
certo.<br />
Finalmente, virei-me <strong>de</strong> lado, <strong>de</strong> costas para o mar, e olhei para Will. Ele<br />
virou a cabeça para me olhar na luz fraca e eu senti que ele me dizia a mesma<br />
coisa. Vai dar certo. Pela primeira vez na vida, tentei não pensar no futuro. Tentei<br />
apenas estar, simplesmente <strong>de</strong>ixar as sensações da noite passarem por mim. Não<br />
sei quanto tempo camos assim, apenas olhando um para o outro, mas aos<br />
poucos as pálpebras <strong>de</strong> Will caram mais pesadas até que ele murmurasse, se<br />
<strong>de</strong>sculpando, que achava que estava... A respiração cou mais profunda, ele<br />
fechou a pequena fenda e caiu no sono, e então eu quei apenas olhando o rosto<br />
<strong>de</strong>le, observando que seus cílios eram pequenos pontos separados perto dos cantos<br />
dos olhos, que havia novas sardas em seu nariz.<br />
Disse a mim mesma que eu precisava ter razão. Precisava ter razão.<br />
A tempesta<strong>de</strong> nalmente se dispersou lá pela uma da manhã, sumindo em<br />
algum ponto mar a<strong>de</strong>ntro, seus lampejos <strong>de</strong> raiva cando cada vez mais suaves<br />
até <strong>de</strong>saparecerem por completo, levando a tirania meteorológica para algum<br />
outro lugar invisível. Aos poucos, o ar acalmou em volta <strong>de</strong> nós, as cortinas<br />
pararam <strong>de</strong> esvoaçar, a água que restava foi drenada num gorgolejo. Em algum