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O almoço foi servido às quatro. Achei uma hora estranha para almoçar, mas,<br />
como observou Will, era um casamento. O tempo parecia ter se esticado e<br />
perdido o sentido. De qualquer jeito, foi preenchido por inúmeros drinques e<br />
conversas passageiras. Não sei se foi o calor, ou o ambiente, mas quando<br />
chegamos à nossa mesa, eu estava quase bêbada. Só ao me ver falando sem parar<br />
com o idoso à minha esquerda que percebi que <strong>de</strong>via estar mesmo bêbada.<br />
— Tem álcool nesse coquetel <strong>de</strong> frutas? — perguntei a Will, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>rramar o saleiro no colo.<br />
— O mesmo teor <strong>de</strong> uma garrafa <strong>de</strong> vinho. Cada um.<br />
Olhei para ele, apavorada. Olhei para os dois, na verda<strong>de</strong>.<br />
— Está brincando! O coquetel era <strong>de</strong> frutas! Por isso, achei que não tinha<br />
álcool. <strong>Como</strong> vou dirigir <strong>de</strong> volta para casa?<br />
— Bela cuidadora você é — disse ele. Levantou uma sobrancelha. — O que<br />
eu ganho em troca se não contar para minha mãe?<br />
Fiquei pasma com a reação <strong>de</strong> Will durante todo aquele dia. Pensei que eu<br />
fosse ter o Will Taciturno e Sarcástico. No mínimo, o Will Silencioso. Mas ele foi<br />
simpático com todo mundo. Nem reclamou <strong>de</strong> servirem sopa no almoço.<br />
Perguntou apenas, educadamente, se alguém aceitava trocar a sopa pelo pão e as<br />
duas garotas na ponta da mesa — que <strong>de</strong>clararam ter “intolerância a trigo” —<br />
quase atiraram os pães nele.<br />
Quanto mais eu me preocupava em car sóbria, mais animado e<br />
<strong>de</strong>spreocupado Will parecia. A idosa à direita <strong>de</strong>le era ex-integrante do<br />
Parlamento e tinha feito campanha pelos direitos dos <strong>de</strong>cientes físicos. Foi uma<br />
das únicas pessoas que vi conversar totalmente à vonta<strong>de</strong> com Will; à certa altura,<br />
<strong>de</strong>u para ele uma fatia <strong>de</strong> rocambole. No instante em que ela se levantou da<br />
mesa, ele comentou baixinho que ela havia escalado o Kilimanjaro.<br />
— Gosto <strong>de</strong> velhinhas assim — acrescentou. — Posso imaginá-la montada<br />
numa mula, montanha acima, levando sanduíches embalados. Elas são resistentes<br />
como aquela velha bota que todo mundo tem no armário.<br />
Tive menos sorte com o homem à minha esquerda. Ele precisou <strong>de</strong> uns<br />
quatro minutos — nos quais cou me perguntando quem eu era, on<strong>de</strong> morava e<br />
quem eu conhecia no casamento — para concluir que eu não tinha nada a dizer<br />
que pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>spertar seu interesse. Virou-se para a mulher à sua esquerda e me<br />
<strong>de</strong>ixou ali, calada, brincando com a sobra do meu almoço. À certa altura, quando<br />
comecei a me sentir bem esquisita, Will tirou a mão da ca<strong>de</strong>ira e apoiou-a no<br />
meu braço. Olhei para o que estava fazendo e ele piscou. Segurei a sua mão e<br />
apertei-a, satisfeita por ele ter notado o que houve entre mim e o homem ao meu<br />
lado. Ele então afastou a ca<strong>de</strong>ira da mesa alguns centímetros para que eu pu<strong>de</strong>sse<br />
participar da conversa com Mary Rawlinson.<br />
— Will me contou que você é a cuidadora <strong>de</strong>le — disse. Mary tinha<br />
penetrantes olhos azuis e rugas que mostravam que era totalmente refratária a