MONTRA DAS TENTAÇÕES Vultos passavam, sem que ela reparasse. Sombras fluíam, e a jaula que a continha, suspensa, animava-se de cores e artifícios. Sem o sentir, parecia indiferente. Estática. Estátua. Então, dentro de si, os monstros alvoroçavam, delirantes. Ora, à sua volta, iam crescendo a feérie e a euforia. Apenas impressões, em esquálida imitação da vida. Seria cenário ou realidade? E, nesta hipótese, quem habitaria aquele corpo? Ou, qual ícone exposto, como tenderia às emoções? Teria um domínio próprio? Espelharia outra dimensão? A aura nua do abandono, sob uma espiral esfacelada, inconsequente. Improviso, representação, conjugando distintos planos e correlações fortuitas… Bem mais simples, eis patente um quadro de museu. Espessa moldura, tela exuberante, furtivo público, espaço multifacetado. Ao gerar, entre si, referências e separações. O elã oculto, latente, em que se forjaria um contraste de símbolos, virtualidades. A orla volúvel, subtil, por que se romperia uma convergência de flagrantes, tensões. Assim, ela arrebatava o auge de modelo, no ensejo da mulher – enigma e fascínio, sustendo prodígios, incitando paroxismos. Alvo apático. Fulcro essencial. Porém, era o íntimo que a transfiguraria. Obscuro. Expectante. Aí, evoluía a noite original. Caos. Frenesim. E a luz que irradiava – ínfimas cintilações, ou infinitas possibilidades… José de Matos-Cruz As Crónicas do Livro Livre Ilustração de Shigehiro Okada 60
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