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HÁ UM REINO SUSPENSO<br />

NA FLORESTA EM TRANSE<br />

José de Matos-Cruz<br />

3 de Outubro de 1917<br />

Júlio Oliveira sacudiu a mão onde,<br />

sofregamente, se haviam grudado os<br />

musgos e detritos, com o seu simples<br />

gesto de dar a volta à chave. Inquieto,<br />

deteve-se por um instante. Mas logo se<br />

decidiu, empurrando a tosca porta que,<br />

ao ranger, lhe parecia desvanecer um<br />

arco temporal - entre a sua trágica partida<br />

e este regresso, agora, tão intenso de<br />

melancolia e ansiedade.<br />

Ao transpor o umbral da velha casa,<br />

Júlio sentiu uma excitação lúgubre,<br />

visceral, que o atraía para o interior, onde<br />

umas réstias de luz difusa, a partir das<br />

frestas do telhado, eram o único sinal de<br />

vida entre a obscuridade inerme e os<br />

aromas mórbidos.<br />

Avançando meio às cegas pelo que<br />

sabia ser a cozinha, Júlio tropeçou, e a<br />

custo conseguiu manter o equilíbrio. Já<br />

refeito e ambientado à penumbra que<br />

matizara com a sua entrada, Júlio dirigiuse<br />

a uma das janelas, forcejando-a até<br />

abrir num rompante espectral.<br />

Era assim mesmo, um mundo desfeito<br />

e transido, aquele que Júlio tinha diante<br />

de si. E, no entanto, pairava também uma<br />

atmosfera doce, apelativa, lânguida,<br />

através das poeiras, das teias de aranha,<br />

que tudo cobriam. Reconheceu a lareira,<br />

a mesa sobre a qual estava um candeeiro<br />

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