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AONDE É QUE FICA<br />

O CENTRO DE PORTUGAL<br />

José de Matos-Cruz<br />

29 de Fevereiro de 1928<br />

Enquanto era sugado pela terra<br />

adentro, Elísio Salgado sentia uma<br />

impressão horrível entre os pés, e logo<br />

nas pernas todas, que iam sendo<br />

esmagadas. Porém, não tinha dores, nem<br />

a certeza do que estava a acontecer.<br />

Como se parte do seu corpo não fosse<br />

carne, ossos e sangue, mas como uma<br />

mistura de areia e pedras em erosão, que<br />

já não lhe pertencesse.<br />

O que seria quando chegasse ao<br />

coração, quando o pescoço esganasse e,<br />

estilhaçado, até o olhar se perdesse entre<br />

as luzes e as trevas? Tal era o transe, a<br />

aflição física, que Elísio nem conseguia<br />

imaginar, posto como estava, no auge<br />

esbracejante da própria consciência...<br />

«Para que é que eu me meti<br />

nisto?», logrou então pensar. Não fosse a<br />

sua malfadada curiosidade, a atracção<br />

pelo esquisito, a altivez de tentar o que<br />

nem bulia se ninguém lhe mexesse, e não<br />

estaria agora naquele descampado ­ à<br />

beira de desaparecer para sempre, e sem<br />

deixar rasto.<br />

Há mistérios que, bradando aos<br />

céus, calam mais fundo nos infernos.<br />

Vivendo do diz-se, diz-se sempre pronto a<br />

tentar os palermas, pois os moucos<br />

mesmo incautos não lhes dão ouvidos.<br />

Nem os forretas são vítimas do que lhes<br />

custa a acreditar, quando a esmola é de<br />

morrer.<br />

Pelas raias da paranóia, ali em<br />

Mortágua, a parvónia de Elísio, há muito<br />

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