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caveira <strong>de</strong> um cavalo colocada à porta da entrada afastava os fantasmas...<br />
galinhas pretas a serviço dos feiticeiros... antiga feitiçaria. Faz parte <strong>de</strong><br />
nosso inconsciente coletivo, e surge em todas as eras, mesmo na nossa...<br />
A hora <strong>de</strong> todas as <strong>bruxa</strong>rias era a noite. Mas a noite <strong>de</strong> então começava<br />
muito mais cedo que a nossa. A gente e os fra<strong>de</strong>s acordavam entre duas e<br />
meia e três horas da madrugada; para o monges, eram as Matinas, quando<br />
começavam a trabalhar. Entre cinco e seis horas da manhã eles comiam;<br />
eram as Lau<strong>de</strong>s para os mosteiros. Pouco antes da aurora, às sete e meia,<br />
eles paravam para rezar; nos conventos tocava-se a Primeira. A Terceira<br />
era às nove horas da manhã; e iam dormir em torno <strong>de</strong> seis ou sete horas:<br />
eram as Completas. Era a hora <strong>de</strong> bicho solto, das burrinhas-<strong>de</strong>-padre, dos<br />
assombrados, dos súcubos e íncubos, das damas brancas, alminhas e<br />
capetas. O povo tremia <strong>de</strong> frio e <strong>de</strong> medo. Uns viam macacos <strong>de</strong> chifres,<br />
seres com cabeça e pés <strong>de</strong> pato, sereias voadoras, corcundas, humanos com<br />
cabeça eqüina.<br />
Com a noite vinham os seres maléficos. Ferreiros, seleiros, pedintes,<br />
ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> ervas, todos enfim se escondiam em casa à noite, pois a<br />
noite não era para a gente, e sim para as mulas-sem-cabeça (amantes <strong>de</strong><br />
padres), os lobisomens e as almas penadas. Ou então para o conciliábulo<br />
dos feiticeiros, gente que tinha a marca no corpo e o diabo na pele, gente<br />
do Cão, que precisava ficar <strong>de</strong>pendurada em uma boa forca, esperando os<br />
luzeiros do sol da manhã nessa posição inferior, à espera <strong>de</strong> que a levasse e<br />
muitas vezes lhe cortasse a mão... Na clarida<strong>de</strong> do amanhecer muitos assim<br />
estavam. Mas a Bruxa <strong>de</strong> Évora nunca assim esteve... Os que a viam, ao<br />
<strong>de</strong>itar rezavam:<br />
"Com Deus me <strong>de</strong>ito Com Deus me<br />
levanto Na graça <strong>de</strong> Deus, De el-Rei<br />
E do Espírito Santo."<br />
Era nessa hora que a Bruxa fazia suas poções <strong>de</strong> cura. Por isso era<br />
procurada, médica dos pobres. E com suas artes mágicas lia a sorte e previa<br />
novida<strong>de</strong>s. Mentiras, diziam uns; verda<strong>de</strong>s, afirmavam outros.<br />
Montada numa mula ela ia pelas ruas escuras. Porcos dormiam pelas ruas.<br />
Boas noites, mula-sem-cabeça, boas noites, bo<strong>de</strong>s pretos... e lá ia a <strong>bruxa</strong><br />
velha passeando à noite nas ruas da cida<strong>de</strong>.