#Química - Volume 1 (2016) - Martha Reis
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Trabalho em equipe<br />
O texto a seguir pode ajudar o professor a orientar o<br />
trabalho dos alunos:<br />
O processo descrito no texto para fabricação de cal é o<br />
que ocorre em grandes indústrias. Há, porém, um pequeno<br />
grupo de produtores artesanais espalhados pelo Brasil, que<br />
trabalham em condições insalubres, prejudicando a própria<br />
saúde, a saúde da população local e o meio ambiente.<br />
O exemplo mais significativo é o que ocorre em Frecheirinha,<br />
município localizado a 286,3 km de Fortaleza,<br />
na porção noroeste do estado do Ceará, que possui uma<br />
população de cerca de 12 mil habitantes e condições climáticas<br />
adversas características do clima semiárido, como<br />
precipitações irregulares e ciclos de seca que se repetem<br />
a cada 8 ou 12 anos.<br />
Nesse município, próximo à BR-222, o processamento<br />
de cal é feito em fornos circulares, construídos artesanalmente<br />
e sem autorização para funcionamento junto aos<br />
órgãos ambientais. É um trabalho que se caracteriza pela<br />
informalidade. A rocha calcária é extraída ilegalmente,<br />
quebrada a marretadas e empilhada dentro do forno. O<br />
forno carregado necessita de cerca de 3 toneladas de lenha<br />
para decompor o calcário e produzir a cal. A queima dessa<br />
lenha, também extraída de forma irregular, emite fumaça<br />
preta e fuligem que podem ser avistadas de longe, durante<br />
dias, ininterruptamente. É um cenário desolador, em<br />
que os proprietários dificilmente são encontrados e os<br />
trabalhadores, orientados a não falar sobre o assunto.<br />
O grande mercado consumidor dos produtos fabricados<br />
em Frecheirinha é o Piauí, onde é comercializada 80% da<br />
produção local, seguido do Maranhão, do Pará e de algumas<br />
cidades do Ceará.<br />
Segundo o estudo de John Kennedy Candeira Andrade,<br />
em sua dissertação de mestrado Diagnóstico socioambiental<br />
da atividade de fabricação da cal em fornos artesanais no<br />
município de Frecheirinha/CE, os trabalhadores são submetidos<br />
a uma “jornada de trabalho de até 12 h em turnos<br />
diurnos e noturnos, 72% dos trabalhadores sem carteira<br />
assinada. O perfil educacional dos trabalhadores pesquisados<br />
é caracterizado por 3,7 anos de estudo em média, sendo<br />
que 24% nunca frequentaram uma escola ou o fizeram<br />
por apenas alguns meses; 50% estudaram por um período<br />
de 1 a 4 anos e 26%, de 5 até o máximo de 8 anos. O nível<br />
de conhecimento adquirido varia entre um percentual de<br />
50% que não sabem ler nem escrever, 37% que afirmam<br />
saber ler e/ou escrever pouco e 12% que responderam que<br />
sabem ler e escrever [...]".<br />
Atenta ao problema, a Comissão de Meio Ambiente e<br />
Desenvolvimento Sustentável havia aprovado, em<br />
20/12/2006, o Projeto de Lei 7.374/06, do Senado, que estabelecia<br />
procedimentos básicos e parâmetros mínimos<br />
para a produção de cal. O objetivo principal da proposta era<br />
reduzir a emissão de componentes tóxicos liberados na<br />
queima da matéria orgânica, principalmente dioxinas e furanos,<br />
que podem causar câncer. Esse Projeto de Lei estabelecia<br />
que a construção ou ampliação e o funcionamento de<br />
estabelecimentos destinados à extração de rocha calcária<br />
e à produção de cal passariam a depender de licenciamento<br />
prévio dos órgãos ambientais.<br />
A calcinação da rocha calcária para produção de cal virgem<br />
deveria ser feita em fornos industriais que possibilitassem<br />
o controle do processo, da temperatura e da emissão<br />
de efluentes na queima de combustíveis autorizados (óleos,<br />
carvão mineral ou vegetal, coque de petróleo e gás natural),<br />
que deveriam ter origem certificada.<br />
Um fato marcante que provavelmente desencadeou<br />
essas providências foi a contaminação por dioxinas no leite<br />
de vaca da Alemanha, ocorrida em 1997. As investigações<br />
concluíram que sua origem estava na ração importada do<br />
Brasil, e que a causa era a cal utilizada na secagem da ração.<br />
A cal, por sua vez, havia sido contaminada pelos combustíveis<br />
utilizados em sua produção, como pneus, lixo plástico<br />
e combustíveis alternativos que continham cloro.<br />
Esse episódio causou ao país um prejuízo da ordem de<br />
100 milhões de dólares e levou o governo a estabelecer parâmetros<br />
técnicos para utilização de cal na produção de<br />
ração animal. Esses parâmetros, porém, não se estenderam<br />
às indústrias alimentícia, farmacêutica, sucroalcooleira e da<br />
construção civil.<br />
De qualquer forma, em 29 de agosto de 2007, a Comissão<br />
de Minas e Energia rejeitou o Projeto de Lei 7.374/06<br />
justamente com o argumento de que as medidas previstas<br />
excluiriam os produtores artesanais do mercado. Foi considerado<br />
o fato de que o Brasil consome cerca de 7 milhões<br />
de toneladas de cal por ano, comércio que é responsável por<br />
um faturamento de cerca de 1 bilhão de reais e pelo emprego<br />
de milhares de pessoas.<br />
Permaneceu apenas a sugestão de coibir a formação de<br />
dioxinas e furanos, proibindo a queima de pneus, lixo plástico<br />
e combustíveis alternativos que contenham cloro nos<br />
fornos de produção de cal.<br />
O pesquisador John Kennedy Candeira Andrade, porém,<br />
que viveu por um tempo entre as caieiras de Frecheirinha,<br />
vislumbrou alternativas melhores para a população local e<br />
o meio ambiente, como a fabricação de mel em associações,<br />
devido ao potencial apícola da região e de sua sustentabilidade<br />
socioambiental; a criação de um polo de artesanato<br />
mineral e a visitação turística induzida pelo atrativo ecológico/científico<br />
das trilhas, formações rochosas e salões existentes<br />
na região.<br />
Fonte de pesquisa: Reportagens de Natercia Rocha.<br />
Diário do Nordeste, 16 mar. 2009; Maria Neves, Agência Câmara,<br />
27 dez. 2006; e Oscar Telles, Agência Câmara, 31 ago. 2007.<br />
Manual do Professor 311