Arte que inventa afetos - ebook
ARTE QUE INVENTA AFETOS 95 lares, resultou daí um campo de experiências que oscilou entre sua projeção em formas de comportamento e de pensamento pré-concebidas e sua exibição num plano de imanência ou de individuação. Algumas pistas nesse sentido puderam ser sinalizadas. Em primeiro lugar, é inegável que a Cidade dos Direitos agenciou uma reversão do lugar da criança e do adolescente em uma cidade. Geralmente, os prédios públicos e equipamentos culturais são direcionados e frequentados pelos adultos. Na Cidade dos Direitos, havia menor proporção de adultos circulando e os cenários foram projetados para o usufruto e a plena apropriação de crianças e adolescentes. Todavia, como se pretendia ir além do que ampliar seu lugar na circulação da cidade, ou seja, como o desafio maior era dar voz e agenciar suas elaborações sobre a cidade, a proposta pedagógica parece requerer maior refinamento, uma vez que a intervenção dos adultos ainda foi fortemente marcada pela tendência em falar, fazer e responder pelas crianças. Contudo, os resultados parecem promissores. Ao mesmo tempo em que as crianças e os adolescentes demonstraram estar referenciados em códigos pré-estabelecidos acerca das instituições e dos agentes de promoção de seus direitos, há indicativos de que apresentam formas distintas dos adultos em apreender a cidade e o Sistema de Garantia de Direitos. Tampouco se constatou olhares unívocos entre as crianças e os adolescentes acerca dessas questões. No caso das crianças com menor idade, por exemplo, constatou-se que seu olhar é mais destituído dos significados dos discursos sociais, como no caso da proeminência dos operadores do direito na rede de proteção da infância e adolescência. Para as crianças pequenas, o (a) professor(a) aparece mais investido como agente de proteção de seus direitos apesar de sua desvalorização no imaginário social das cidades. Por outro lado, confirmou-se a ideia de que a exposição massiva das novas gerações às mídias e as exigências de aprendizagem na educação formal não parecem ter ampliado, automaticamente, o grau e a qualidade de informação acerca de seus direitos. Em contraponto, nos espaços que não apresentaram exigências de desempenho final, como na maioria dos locais visitados na Cidade, as crianças e os adolescentes parecem realizar apropriações e produções de forma mais rápida do que
96 Estudos da Pós-Graduação através das mídias comerciais com seus recursos tecnológicos mais sofisticados. A hipótese é de que a experiência coletiva de produção de sentidos, como no caso das oficinas de comunicação, favorece a distância de formas estereotipadas, permitindo enunciações singularizadas em maior sintonia com as experiências e os contextos de seus produtores – as crianças e os adolescentes. Dito de outra maneira, observou-se que a oferta de um variado repertório de dispositivos informacionais e comunicacionais não garante o processo de singularização. Dessa forma, cabe problematizar o uso na proposta metodológica da Cidade dos Direitos de alguns recursos pedagógicos estandartizados e ordenados, com pouco espaço para as interferências das crianças e dos adolescentes, como no caso das cartilhas ou jogos com baixa interatividade. Outro ponto crítico foi a utilização de um roteiro pré-estabelecido de “visitação”, que compatibilizava os tempos de circulação dos vários grupos em diferentes áreas da Cidade, muitas vezes exigindo a realização de experiências com finalização rápida, sem assegurar a temporalidade necessária ao desprendimento da inibição ou dos automatismos, enquanto mecanismos defensivos diante da desterritorialização produzida. Apesar do projeto da Cidade ter duração definida e pretensão de maior escala em sua abrangência, uma menor delimitação temporal e circulação espacial poderia ter propiciado melhores resultados na sustentação de lugares de desconhecimento. Entretanto, talvez a força desse projeto resida, justamente, em sua sintonia com o caráter finito e delimitado dos empreendimentos humanos. De um modo geral, o encontro de crianças e adolescentes entre seus pares (de outras escolas e projetos) ou com adultos (autoridades, delegados da conferência, convidados, monitores da Cidade) se revelou mais significativo quanto maior a intensidade vivenciada no compartilhamento de experiências. Como referiu o “prefeito”: “Esse momento para mim foi de uma lição extrema. 25 [...] Vou levar esse ambiente para a minha cidade e conversar com as crianças e adolescentes na prefei- 25 O grifo é nosso.
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A hipótese é de <strong>que</strong> a experiência coletiva de produção de<br />
sentidos, como no caso das oficinas de comunicação, favorece a distância<br />
de formas estereotipadas, permitindo enunciações singularizadas<br />
em maior sintonia com as experiências e os contextos de seus produtores<br />
– as crianças e os adolescentes.<br />
Dito de outra maneira, observou-se <strong>que</strong> a oferta de um variado<br />
repertório de dispositivos informacionais e comunicacionais não garante<br />
o processo de singularização. Dessa forma, cabe problematizar o<br />
uso na proposta metodológica da Cidade dos Direitos de alguns recursos<br />
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para as interferências das crianças e dos adolescentes, como no caso<br />
das cartilhas ou jogos com baixa interatividade. Outro ponto crítico foi<br />
a utilização de um roteiro pré-estabelecido de “visitação”, <strong>que</strong> compatibilizava<br />
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com finalização rápida, sem assegurar a temporalidade necessária ao<br />
desprendimento da inibição ou dos automatismos, enquanto mecanismos<br />
defensivos diante da desterritorialização produzida. Apesar do<br />
projeto da Cidade ter duração definida e pretensão de maior escala em<br />
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poderia ter propiciado melhores resultados na sustentação de lugares<br />
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De um modo geral, o encontro de crianças e adolescentes entre<br />
seus pares (de outras escolas e projetos) ou com adultos (autoridades,<br />
delegados da conferência, convidados, monitores da Cidade) se revelou<br />
mais significativo quanto maior a intensidade vivenciada no compartilhamento<br />
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