Arte que inventa afetos - ebook

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ESCRITAS (IN)VISÍVEIS DE QUANDO O PESQUISADOR SE FAZ POR INTENSIDADES Wilma Farias “O verbo tem que pegar delírio” Manoel de Barros Um possível começo Este texto parte de inquietações da experiência de pesquisar em artes e transitar por entre os olhares da ciência e da filosofia. Assim como o artista toma a tela – ou qualquer que seja o seu suporte – o pesquisador, ao dar voz à sua experiência, tem a folha em branco para produzir e compartilhar seus pensamentos através de palavras. Ambos, pesquisador e artista, passam por processos de criação, em suas intensidades singulares. Partindo da perspectiva de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1992) a respeito da arte, da ciência e da filosofia como formas de pensamento e criação, conversaremos sobre a escrita do pesquisador como um processo de criação, tomando como nota os fluxos que percorrem tal processo. Além disso, proponho, também, pensar as relações que se estabelecem com o caderno que acompanha alguns pesquisadores, aqui chamado de caderno de criação. Além de compreender o uso desse caderno como um importante procedimento para o processo de escrita do

72 Estudos da Pós-Graduação pesquisador, ressalto sua importância como um lugar das invisibilidades, que é produzida entre dados, referências, interferências etc. na produção de uma pesquisa. Portanto, este texto apresenta-se como um ensaio de questões que emergem de um processo de escrita e de experiências vivenciadas com o meu caderno de criação. A pesquisa como invenção Em seus estudos, Deleuze e Guattari (1992) traçam três formas de pensamento e criação – a arte, a ciência e a filosofia. Essa última traça um plano de imanência, que faz surgir conceitos ou acontecimentos, levando ao infinito; a ciência, por sua vez, renuncia ao infinito, traçando um plano de coordenadas que define funções ou direções; a arte, no entanto, cria um finito que retorna ao infinito no traçado de um plano de composição de sensações. É importante assinalar que o modo de pensamento desses autores está no plano da invenção. Kastrup (2005; 2012), em seus estudos relacionados à cognição, traz o conceito de invenção a partir da composição dos estudos de Humberto Maturana (1993a; 1993b; 1997, 1998, 2001), e dos filósofos Deleuze e Guattari (1992). A pesquisadora explica que a aproximação entre esses autores, para pensar o conceito de invenção, ocorre na crítica ao modelo de representação. 17 A invenção não é um processo de solução de problemas, mas, principalmente, envolve a experiência de problematização. Portanto, a invenção surge como conceito de deslocamento dos modos de conceber o mundo, a partir dos atravessamentos que surgem, isto é, fazendo surgir fissuras no que está estabelecido, oferecendo espaços para outras possibilidades de vida no mundo. Vale lembrar que esses autores pertencem a áreas distintas Humberto Maturana (1993a; 1993b; 1997, 1998, 2001); Maturana e 17 “Segundo o projeto epistemológico da modernidade, que esteve na base dos grandes sistemas psicológicos, a cognição é governada por leis e princípios invariantes, que colocam numa relação de representação um sujeito dado e um mundo preexistente” (KASTRUP, 2012, p. 141).

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pesquisador, ressalto sua importância como um lugar das invisibilidades,<br />

<strong>que</strong> é produzida entre dados, referências, interferências etc. na<br />

produção de uma pesquisa.<br />

Portanto, este texto apresenta-se como um ensaio de <strong>que</strong>stões<br />

<strong>que</strong> emergem de um processo de escrita e de experiências vivenciadas<br />

com o meu caderno de criação.<br />

A pesquisa como invenção<br />

Em seus estudos, Deleuze e Guattari (1992) traçam três formas<br />

de pensamento e criação – a arte, a ciência e a filosofia. Essa última<br />

traça um plano de imanência, <strong>que</strong> faz surgir conceitos ou acontecimentos,<br />

levando ao infinito; a ciência, por sua vez, renuncia ao infinito,<br />

traçando um plano de coordenadas <strong>que</strong> define funções ou direções; a<br />

arte, no entanto, cria um finito <strong>que</strong> retorna ao infinito no traçado de um<br />

plano de composição de sensações. É importante assinalar <strong>que</strong> o modo<br />

de pensamento desses autores está no plano da invenção.<br />

Kastrup (2005; 2012), em seus estudos relacionados à cognição,<br />

traz o conceito de invenção a partir da composição dos estudos de<br />

Humberto Maturana (1993a; 1993b; 1997, 1998, 2001), e dos filósofos<br />

Deleuze e Guattari (1992). A pesquisadora explica <strong>que</strong> a aproximação<br />

entre esses autores, para pensar o conceito de invenção, ocorre na crítica<br />

ao modelo de representação. 17 A invenção não é um processo de<br />

solução de problemas, mas, principalmente, envolve a experiência de<br />

problematização. Portanto, a invenção surge como conceito de deslocamento<br />

dos modos de conceber o mundo, a partir dos atravessamentos<br />

<strong>que</strong> surgem, isto é, fazendo surgir fissuras no <strong>que</strong> está estabelecido,<br />

oferecendo espaços para outras possibilidades de vida no mundo.<br />

Vale lembrar <strong>que</strong> esses autores pertencem a áreas distintas<br />

Humberto Maturana (1993a; 1993b; 1997, 1998, 2001); Maturana e<br />

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“Segundo o projeto epistemológico da modernidade, <strong>que</strong> esteve na base dos grandes<br />

sistemas psicológicos, a cognição é governada por leis e princípios invariantes, <strong>que</strong><br />

colocam numa relação de representação um sujeito dado e um mundo preexistente”<br />

(KASTRUP, 2012, p. 141).

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