Arte que inventa afetos - ebook
ARTE QUE INVENTA AFETOS 51 A escrita nos constitui no processo de nossa autoexperimentação porque, fenomenologicamente, nos descreve a nós mesmos. Para além da expressão de sentimentos e emoções, as autonarrativas vão nos constituindo como subjetividades e como sujeitos cognitivos. Escrever não é fácil porque no ato da escrita, na ação mesma de dar conta em forma gráfica de nossas dificuldades vamos aprendendo a lidar com elas inventando novas formas de ser. Nesse sentido, a escrita não somente é constituinte, mas possui uma dimensão terapêutica importante. Nietzsche narra com força e emoção o exercício da escrita e sua relação com a administração de seu sofrimento (NIETZSCHE, 1983). Coerentemente com a metodologia complexa adotada, esclarecemos que não trabalhamos com categorias de análise, uma vez que estas remetem a um engessamento da realidade submetida às rígidas regras aristotélicas de classificações e categorizações. Nossa opção é trabalhar com marcadores, que entendemos como estabilizações provisórias de sentidos e domínios de saberes na perspectiva de sinalizar o que emerge no fluxo dinâmico de uma realidade sempre em trânsito. Como já anunciado no início deste artigo: o importante é a aprendizagem no fluxo de viver. Caminhos que se abrem Ao interromper aqui sem concluir, destacamos com maior ênfase a percepção da inseparabilidade ser/conhecer, pois é nosso objeto central de pesquisa no grupo de investigação ao qual pertencemos. 7 Para expressar este fenômeno complexo do viver, cunhamos no grupo o conceito de ontoepistemogênese com a intenção de abordar o ser humano de forma integrada articulando todas as dimensões do viver. Temos teorizado no grupo sobre este conceito e socializado através de artigos e apresentação em eventos os frutos destas teorizações. O objetivo mais importante das autonarrativas é a percepção desta inseparabilidade. 7 Grupo de Ações e Investigações Autopoiéticas – GAIA.
52 Estudos da Pós-Graduação Uma das primeiras inferências que podemos fazer sobre as narrativas e a invenção de si é a implicação de um outro nível de pensamento lógico – a abdução, já mencionado anteriormente – que age juntando dimensões psíquicas e cognitivas fazendo disparar a ação que emergia sob a forma de autoproposição de alternativas de vida e de invenção de novos sentidos. Tudo isso se constitui num emergente processo de complexificação dos sujeitos narradores e na percepção de que somos os autores da nossa vida no sentido da autonomia sugerida pela teoria da Autopoiesis (MATURANA; VARELA, 1980). Nesse devir, a vida de cada um de nós vai se configurando com nossas ações, hábitos e pensamentos, pois não nascemos prontos. E, autopoieticamente, precisamos nos construir no fluxo do viver ao mesmo tempo em que aprendemos. Um instrumento poderoso de constituição de conhecimento/realidade é a narrativa. Somos seres de linguagem. O humano, como afirma Maturana, se constitui na linguagem. E, dentro da linguagem, a narrativa é o instrumento poderoso de constituição de si na medida em que é um instrumento complexo, pois leva os sujeitos a perceberem a emergência do conhecer e do ser de forma inextrincável. Somos aquilo que narramos de nós mesmos e, ao fazer isso, vamos nos complexificando no sentido de maior autonomia e, portanto, de autoria de nós mesmos. Nas reflexões de Connely e Clandinin: A razão principal para o uso da narrativa na investigação educativa é que os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que, individual e socialmente, vivem vidas relatadas. O estudo da narrativa, portanto, é o estudo da forma na qual nós, os seres humanos, experimentamos o mundo (CONNELY; CLANDININ, 1995, p. 11). Para finalizar, vale lembrar Bergson, que dá uma sustentação inestimável para o nosso trabalho a partir de seu pensamento complexo e recursivo: Estamos, pois, certos ao dizer que aquilo que fazemos depende do que somos; mas impõe-se acrescentar que somos, até certo ponto, o que fazemos, e que criamo-nos a nós mesmos continu-
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Uma das primeiras inferências <strong>que</strong> podemos fazer sobre as narrativas<br />
e a invenção de si é a implicação de um outro nível de pensamento<br />
lógico – a abdução, já mencionado anteriormente – <strong>que</strong> age juntando<br />
dimensões psíquicas e cognitivas fazendo disparar a ação <strong>que</strong> emergia<br />
sob a forma de autoproposição de alternativas de vida e de invenção de<br />
novos sentidos. Tudo isso se constitui num emergente processo de complexificação<br />
dos sujeitos narradores e na percepção de <strong>que</strong> somos os<br />
autores da nossa vida no sentido da autonomia sugerida pela teoria da<br />
Autopoiesis (MATURANA; VARELA, 1980).<br />
Nesse devir, a vida de cada um de nós vai se configurando com<br />
nossas ações, hábitos e pensamentos, pois não nascemos prontos. E,<br />
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mesmo tempo em <strong>que</strong> aprendemos. Um instrumento poderoso de constituição<br />
de conhecimento/realidade é a narrativa. Somos seres de linguagem.<br />
O humano, como afirma Maturana, se constitui na linguagem.<br />
E, dentro da linguagem, a narrativa é o instrumento poderoso de constituição<br />
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de autoria de nós mesmos. Nas reflexões de Connely e Clandinin:<br />
A razão principal para o uso da narrativa na investigação educativa<br />
é <strong>que</strong> os seres humanos são organismos contadores de<br />
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vidas relatadas. O estudo da narrativa, portanto, é o estudo da<br />
forma na qual nós, os seres humanos, experimentamos o mundo<br />
(CONNELY; CLANDININ, 1995, p. 11).<br />
Para finalizar, vale lembrar Bergson, <strong>que</strong> dá uma sustentação<br />
inestimável para o nosso trabalho a partir de seu pensamento complexo<br />
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Estamos, pois, certos ao dizer <strong>que</strong> aquilo <strong>que</strong> fazemos depende<br />
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