Arte que inventa afetos - ebook
ARTE QUE INVENTA AFETOS 313 portante obra do Museu. O que o artista chamou de fase externa causou alvoroço entre os guardas, que não sabiam exatamente se aquele saco deixado naquele local pertencia ou não ao museu, se era ou não uma obra de arte. Em meio a toda burocracia da administração, a obra permaneceu no mesmo lugar por aproximadamente 43 horas, sendo recolhida pelo museu em seguida (BARRIO, 2008). A segunda situação, que pode ser tomada como mais ousada, ocorreu em abril de 1970 também no Rio de Janeiro. Barrio espalhou pela cidade cerca de quinhentos sacos compostos por “sangue, pedaço de unhas, saliva (escarro), cabelos, urina (mijo), merda, meleca, ossos, papel higiênico, utilizado ou não. Modess , pedaços de algodão usados, papel úmido, serragem restos de comidas” (BARRIO, 1970). A terceira intervenção aconteceu em Belo Horizonte também em 1970. Dessa vez, Barrio utilizou como material sangue, carne, ossos, barro, espuma de borracha, pano, cordas, facas, sacos, entre outros materiais em que o artista experimentou o contato quase direto durante o manuseio e montagem das TEs. Barrio colocou quatorze TEs em um rio/ esgoto que corria abertamente atrás do Parque Municipal de Belo Horizonte como trabalho na mostra Objeto e Participação. 170 A ação atraiu um grande público e, mesmo tendo sido autorizada por órgãos do governo, teve mais tarde a intervenção policial e do corpo de bombeiros, impondo-lhe um limite ao mesmo tempo em que provocou o poder institucional tensionando o que a arte pode realizar e qual o seu limite. Coletivo Aparecidos Políticos | Os Ex-Sem-Voto | Fortaleza | 2010 Em uma narrativa emocionada, escrita por Alexandre Mourão (2011), integrante do Coletivo Aparecidos Políticos, relata, no texto 171 170 Objeto e Participação foi uma das séries de proposições artísticas iniciadas na cidade de Belo Horizonte ainda nos 1970. Representou um dos momentos em que se discutiu a quebra de propostas expositivas comumente restritas a museus e galerias (VIVAS, 2012). 171 Texto publicado no site do Coletivo que compõe a descrição. Disponível em: http:// www.aparecidospoliticos.com.br/sobre-nos. Acesso em: 27 set. 2014.
314 Estudos da Pós-Graduação que descreve um pouco o Coletivo, a chegada dos restos mortais de Bergson Gurjão, desaparecido durante 30 anos. Esse movimento foi o disparador e o despertar do desejo de criar um coletivo artístico cuja utopia era encontrar desaparecidos políticos do período da ditadura civil-militar entre 1964-1985, ou mesmo tornar visível espalhando fotos pelos muros da cidade. Tendo sua formação inicial com três estudantes de Artes Visuais, o Coletivo, ainda em 2010, ano de formação, começa a explorar a potencialidade da arte política no sentido de intervir na cidade, revelando as marcas da ditadura militar presentes no espaço público. Apesar de um plano de fundo com uma carga política muito forte, o coletivo segue intervindo com expressões da arte urbana, 172 como grafite, estêncil, lambe- -lambe, entre outras. Como afirma Alexandre Mourão, integrante do Coletivo, “é uma forma de agir na cidade, nos lugares, nos mapas urbanos e em diversas subjetividades sociais e individuais”, 173 confluindo filosofia, arte e comunicação na perspectiva de intervir no espaço urbano. As possibilidades de criação, invenção e intervenção ultrapassam os limites das ruas e são ampliados a partir do uso das tecnologias, editando e reinventando intervenções também na internet, em sites de compartilhamento de imagens. Nesse sentido, afirma-se o espaço virtual também como espaço de atuação, ampliando em escala as experimentações desenvolvidas no espaço físico. Assim, o Coletivo vem experimentando o poder de intervir e inventar transitando pelos campos da comunicação, da arte e também da política, modificando a paisagem 172 O texto de Mesquita (2008, p. 133), Suzanne Lacy popularizou o termo “novo gênero de arte pública” para assim afirmar uma história alternativa da arte urbana e de interesse público. Para Lacy, esse novo gênero de arte pública propõe um modelo democrático de comunicação baseado na participação e na colaboração de uma comunidade na produção de um trabalho de arte visual. Através de uma intervenção social que experimenta situações transitórias e amplia seus efeitos discursivos, artistas-ativistas utilizaram meios tradicionais e não tradicionais de produção visual (pintura, escultura, arte urbana, teatro de guerrilha, instalações, outdoors, posters, protestos e ações) para interagir com o público diverso, abordando assuntos relevantes às suas vidas, como política de moradia, violência, racismo, pobreza e desemprego. 173 Texto de apresentação retirado do site do Coletivo Os Aparecidos Políticos. Disponível em: http://www.aparecidospoliticos.com.br/sobre-nos/. Acessado em 18 de abril de 2014.
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alvoroço entre os guardas, <strong>que</strong> não sabiam exatamente se a<strong>que</strong>le saco<br />
deixado na<strong>que</strong>le local pertencia ou não ao museu, se era ou não uma<br />
obra de arte. Em meio a toda burocracia da administração, a obra permaneceu<br />
no mesmo lugar por aproximadamente 43 horas, sendo recolhida<br />
pelo museu em seguida (BARRIO, 2008).<br />
A segunda situação, <strong>que</strong> pode ser tomada como mais ousada,<br />
ocorreu em abril de 1970 também no Rio de Janeiro. Barrio espalhou<br />
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papel úmido, serragem restos de comidas” (BARRIO, 1970).<br />
A terceira intervenção aconteceu em Belo Horizonte também em<br />
1970. Dessa vez, Barrio utilizou como material sangue, carne, ossos,<br />
barro, espuma de borracha, pano, cordas, facas, sacos, entre outros materiais<br />
em <strong>que</strong> o artista experimentou o contato quase direto durante o<br />
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Horizonte como trabalho na mostra Objeto e Participação. 170 A ação<br />
atraiu um grande público e, mesmo tendo sido autorizada por órgãos do<br />
governo, teve mais tarde a intervenção policial e do corpo de bombeiros,<br />
impondo-lhe um limite ao mesmo tempo em <strong>que</strong> provocou o poder institucional<br />
tensionando o <strong>que</strong> a arte pode realizar e qual o seu limite.<br />
Coletivo Aparecidos Políticos | Os Ex-Sem-Voto |<br />
Fortaleza | 2010<br />
Em uma narrativa emocionada, escrita por Alexandre Mourão<br />
(2011), integrante do Coletivo Aparecidos Políticos, relata, no texto 171<br />
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Objeto e Participação foi uma das séries de proposições artísticas iniciadas na cidade de<br />
Belo Horizonte ainda nos 1970. Representou um dos momentos em <strong>que</strong> se discutiu a<br />
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Texto publicado no site do Coletivo <strong>que</strong> compõe a descrição. Disponível em: http://<br />
www.aparecidospoliticos.com.br/sobre-nos. Acesso em: 27 set. 2014.