Arte que inventa afetos - ebook

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ARTE QUE INVENTA AFETOS 283 mais participantes. E, por fim, expandiu-se para a comunidade, quando cada membro apresentou a produção a conhecidos, que deram sugestões. No entanto, todas as proposições recomendadas deviam ser adaptadas às particularidades de um blog de investigação científica, observando ainda as necessidades comunicacionais da pesquisa In(ter)venções. Nessa perspectiva, quando eu apresentava propostas em relação à divisão do conteúdo, ao layout, à utilização de certas ilustrações, à usabilidade, ainda que não usasse esse termo propriamente dito etc., gerindo as necessidades, sugestões e contribuições, eu precisava, como bolsista de iniciação científica, trazer argumentações apropriadas, pensando em termos científicos e com referências aos estudos de Humberto Maturana (2001), 137 para legitimar minhas decisões diante do Coletivo Pesquisador e de minha orientadora de bolsa. Desconhecimento técnico; limitações da ferramenta; urgência para a composição; e princípios aprendidos durante minha formação foram alguns dos argumentos apresentados ao Coletivo Pesquisador para explicar as dificuldades que encontrava ao me deparar com as particularidades de um blog de investigação científica, observando ainda as necessidades comunicacionais da pesquisa In(ter)venções. Contudo, em alguns momentos, as argumentações não se mostravam suficientes aos demais participantes do Coletivo, entre eles minha orientadora. E, dessa forma, quando eu não assimilava a contra- -argumentação, em especial, quando as premissas divergiam de fundamentos da minha graduação, ainda que fosse sustentada em termos de tempo, devido aos prazos a serem cumpridos – caráter instituído das organizações que nos cercavam – ou de adequação à pesquisa e ao mé- 137 De acordo com Maturana (2001), uma explicação só é tida como válida cientificamente se satisfizer, em conjunto, quatro operações na prática científica. São elas: 1) Apresentar a experiência ou fenômeno a ser explicado e o que o observador-padrão deve fazer para obter tal experiência; 2) Propor um mecanismo que gere a experiência descrita em 1 para qualquer observador-padrão; 3) Deduzir as demais formas de operar o mecanismo gerador proposto em 2 e as possíveis experiências advindas dessas operações; 4) Verificar se um observador-padrão, através das operações deduzidas em 3, obtém as experiências também deduzidas em 3.

284 Estudos da Pós-Graduação todo, internalizava como uma desvalorização dos meus conhecimentos específicos, afinal não os percebi sendo levados em consideração. 138 Desentendendo... Um episódio marcante na produção do blog foi o processo de construção da página Vídeos, a qual foi dividida em subpáginas categóricas para incluir as diferentes composições audiovisuais, com isolamento de algumas produções, por não encontrarmos uma classificação que as unissem. Assim, sugeri colocá-las em um grupo genérico, “outros”, por exemplo. No entanto, foi decidido em uma reunião entre mim; um colega de curso, que estava nos auxiliando no trabalho de produção do blog; e minha orientadora, coordenadora do projeto; que elas, de fato, ficariam separadas, dentro de uma página exclusiva para cada, fazendo com que os usuários tivessem de ir e voltar muitas vezes na navegação se desejassem assistir a tais vídeos. Isso incomodou-me bastante, uma vez que estavam em desacordo com preceitos de usabilidade (heurísticas), que se relacionam “à facilidade de aprendizado e uso da interface, bem como a satisfação do usuário em decorrência desse uso” (NILSEN, 1993, apud BARBOSA; SILVA, 2010, p. 28). Isso, então, desencadeou um processo de desentendimento, 139 pois, de um lado, a solução era vista como necessária em virtude da 138 Em processos de produção em design digital, é comum, embora não exclusivo, se trabalhar sob orientação de padrões e demandas de clientes, com base em divisões de tarefas e etapas de desenvolvimento bem demarcadas – pesquisa, ideação, prototipação, avaliação, refinamento – e alocadas em níveis, para que se possa criar produtos de fácil aprendizagem e utilização, que sejam eficientes e eficazes, e que possibilitem satisfação de uso. Além disso, ainda visando atingir esses objetivos, mas já em relação à própria interface do artefato, são criados padrões para organização e hierarquização de conteúdos e formas. E, posto isso, no que concerne à criação do blog, quando se fugia de tal modelo descrito – seja quanto a processo, forma ou conteúdo –, orientando-se pelas estratégias de coletividade, interdisciplinaridade e horizontalidade da cartografia, trazia-me estranhamento e incômodo, assim como questões, analisando se o método cartográfico de fato acontecia. 139 “O desentendimento não é o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz preto. É o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz branco, mas não entende a mesma coisa, ou não entende de modo nenhum que o outro diz a mesma coisa com o nome de brancura” (RANCIÈRE, 1996, p. 11).

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Estudos da Pós-Graduação<br />

todo, internalizava como uma desvalorização dos meus conhecimentos<br />

específicos, afinal não os percebi sendo levados em consideração. 138<br />

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Um episódio marcante na produção do blog foi o processo de<br />

construção da página Vídeos, a qual foi dividida em subpáginas categóricas<br />

para incluir as diferentes composições audiovisuais, com isolamento<br />

de algumas produções, por não encontrarmos uma classificação<br />

<strong>que</strong> as unissem. Assim, sugeri colocá-las em um grupo genérico, “outros”,<br />

por exemplo. No entanto, foi decidido em uma reunião entre<br />

mim; um colega de curso, <strong>que</strong> estava nos auxiliando no trabalho de<br />

produção do blog; e minha orientadora, coordenadora do projeto; <strong>que</strong><br />

elas, de fato, ficariam separadas, dentro de uma página exclusiva para<br />

cada, fazendo com <strong>que</strong> os usuários tivessem de ir e voltar muitas vezes<br />

na navegação se desejassem assistir a tais vídeos. Isso incomodou-me<br />

bastante, uma vez <strong>que</strong> estavam em desacordo com preceitos de usabilidade<br />

(heurísticas), <strong>que</strong> se relacionam “à facilidade de aprendizado e uso<br />

da interface, bem como a satisfação do usuário em decorrência desse<br />

uso” (NILSEN, 1993, apud BARBOSA; SILVA, 2010, p. 28).<br />

Isso, então, desencadeou um processo de desentendimento, 139<br />

pois, de um lado, a solução era vista como necessária em virtude da<br />

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Em processos de produção em design digital, é comum, embora não exclusivo, se trabalhar<br />

sob orientação de padrões e demandas de clientes, com base em divisões de tarefas<br />

e etapas de desenvolvimento bem demarcadas – pesquisa, ideação, prototipação,<br />

avaliação, refinamento – e alocadas em níveis, para <strong>que</strong> se possa criar produtos de<br />

fácil aprendizagem e utilização, <strong>que</strong> sejam eficientes e eficazes, e <strong>que</strong> possibilitem<br />

satisfação de uso. Além disso, ainda visando atingir esses objetivos, mas já em relação à<br />

própria interface do artefato, são criados padrões para organização e hierarquização de<br />

conteúdos e formas. E, posto isso, no <strong>que</strong> concerne à criação do blog, quando se fugia<br />

de tal modelo descrito – seja quanto a processo, forma ou conteúdo –, orientando-se<br />

pelas estratégias de coletividade, interdisciplinaridade e horizontalidade da cartografia,<br />

trazia-me estranhamento e incômodo, assim como <strong>que</strong>stões, analisando se o método<br />

cartográfico de fato acontecia.<br />

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“O desentendimento não é o conflito entre a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> diz branco e a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> diz<br />

preto. É o conflito entre a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> diz branco e a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> diz branco, mas não entende<br />

a mesma coisa, ou não entende de modo nenhum <strong>que</strong> o outro diz a mesma coisa<br />

com o nome de brancura” (RANCIÈRE, 1996, p. 11).

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