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Arte que inventa afetos - ebook

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ARTE QUE INVENTA AFETOS 275<br />

limitação de tempo e fluidez nas atividades das crianças do bairro, não<br />

houve um momento específico para <strong>que</strong> os zines chegassem a elas e<br />

com elas fossem lidos, folheados, reconhecidos. Porém, os encontros<br />

seguem e as possibilidades também.<br />

Uma última observação a respeito do conteúdo dos zines é bem-<br />

-vinda. É comum encontrar um discurso <strong>que</strong> “pede por paz” entre moradores<br />

de comunidades tidas como periféricas <strong>que</strong> convivem com<br />

graves problemas sociais tais como miséria, violência e tráfico de<br />

drogas. Apesar de o Titanzinho não escapar a esta realidade, em nenhuma<br />

página este clamor surgiu. Como explicar tal fato? Pedir paz<br />

pode ser a maneira mais simples de resolver a construção de um discurso,<br />

<strong>que</strong> é repeti-lo, ou pode ser fruto de um desespero legítimo. Junto<br />

a isto, seguimos nos perguntando: o <strong>que</strong> podem os zines neste contexto?<br />

Numa das cartas do poeta Paulo Leminski ao amigo Regis Bonvincino<br />

ele se <strong>que</strong>stiona a respeito da linguagem e da poesia como ferramenta<br />

de transformação social:<br />

[...] uma coisa é certa: a poesia (como tudo o mais) não tem<br />

solução dentro do capitalismo. Quanto mais capitalismo, menos<br />

poesia. [...] <strong>que</strong>r dizer: a gente fica na<strong>que</strong>la de intelectual pe<strong>que</strong>no-burguês<br />

<strong>que</strong>rendo resolver as coisas dentro da nossa cabeça...<br />

só uma poesia <strong>que</strong> estenda a mão e o coração para um<br />

contexto mais justo vai ser nova, por<strong>que</strong> dialoga com um futuro<br />

geral, uma coisa maior do <strong>que</strong> essa jângal [sic] implosiva em<br />

<strong>que</strong> vivemos... [...] paz só virá com a comunicação / <strong>que</strong> seja<br />

pelo menos um milésimo / da <strong>que</strong> existe entre nós (LEMINSKI;<br />

BONVICINO, 1999, p. 115).<br />

O território <strong>inventa</strong>do e partilhado ao longo da pesquisa era remarcado<br />

a cada encontro não por limites, mas por novas rotas <strong>que</strong> buscavam<br />

o diálogo com o outro – fosse através do texto, da imagem, das<br />

caminhadas, enfim, do estar junto. Onde todos estes zines foram parar?<br />

Impossível saber com certeza, mas torcemos para <strong>que</strong> eles tenham circulado<br />

por mais de um leitor e, caso esteja imóvel ou guardado há<br />

tempos, <strong>que</strong> seja como uma bomba caseira cheia de potência de vida à<br />

espera de novos detonadores e permeada pelos afectos.

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