Arte que inventa afetos - ebook
ARTE QUE INVENTA AFETOS 247 gravado na Ilha Grande dos Marinheiros e que até aparece no documentário, no finalzinho ali [...] que as cenas foram feitas na Ilha Grande. Daí, então, [...] vamos fazer um contraponto pra dizer que isso é mentira, que não é bem assim. Que isso aí puxa mais para a ficção porque as pessoas não comiam dos porcos, porque ali ele colocava que as pessoas eram menos que os porcos. Daí, vamos fazer isso, então, daí a gente tava com essa ideia. A gente foi indo, foi fluindo e tal. A gente ficou nessa de fazer a nossa!! A nossa versão do “Ilha das Flores”! Fazer pra dizer que não é bem assim, que não foi na Ilha das Flores e que ele botou esse nome só porque a Ilha das Flores era mais fácil de sucesso, comercialmente... Quando a gente fala de um documentário com o nome de Ilha Grande não ia ter muita repercussão assim não [...] como teve (Entrevista-conversa realizada com Vanessa, em junho de 2012). O grupo formado para trabalhar esse vídeo foi composto por jovens da Ilha das Flores e da Grande dos Marinheiros, onde o documentário foi filmado de fato. A ousadia dos jovens foi impulsionada pelo trabalho de Alberto, educador que acompanhou o grupo. 114 A construção do roteiro foi marcada pela vontade de expressar a indignação de moradores mais antigos que até haviam participado das filmagens do filme de Jorge Furtado. Ficavam mais visíveis, a cada oficina e saída a campo, as marcas que o Ilha das Flores produziu nos moradores das Ilhas. Os jovens traziam as falas que escutavam, levando adiante um sentimento de vergonha imposto pelas cenas em que seres humanos se alimentavam depois dos porcos. Nos estudos de Guidotti (2010a, 2010b), encontramos questões muito próximas às produzidas por jovens e moradores das Ilhas, questões essas que provocam a pensar e, no caso dos jovens, a produzirem a versão Ilha das Flores (ponto de vista dos ilhéus). 115 Então, que ques- 114 Alberto havia sido educando do Projeto na primeira edição do Lente Jovem. 115 Uma das estratégias de difusão das produções audiovisuais do Projeto Lente Jovem foi inseri-las no Youtube. Ilha das Flores (ponto de vista dos ilhéus), 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2014.
248 Estudos da Pós-Graduação tões foram essas? Nos estudos de Guidotti (2010a), as perguntas foram assim formuladas: Ora, o que poderia ser mais doloroso do que seres humanos estarem abaixo de porcos numa escala de prioridade? A situação absurda nos contamina com sensações, faz emergir a imagem- -tempo e seus devires. Diante de tamanha miséria, fica o silêncio, a contemplação, a impossibilidade de agir. A sensação arrebatadora produz o tempo, o pensamento. Uma questão que vale ser levantada é: Por que “Ilha das Flores” foi composto dessa forma? Por que dar um tratamento irônico a uma questão tão trágica? (GUIDOTTI, 2010a, p. 7). E, ao buscar respostas, a pesquisadora oferece rastros de como foi encontrando novas perguntas: Algumas das intenções do autor podem ser verificadas através da leitura de anotações feitas por Furtado no roteiro de “Ilha das Flores”, ou ainda em seu livro Um astronauta no Chipre. Jorge Furtado diz ter utilizado algumas estratégias para que um filme sobre o lixo, solicitado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, não acabasse restrito ao espaço acadêmico [...] (GUIDOTTI, 2010a, p. 7). No caso dos jovens, estudantes de escolas municipais, moradores das Ilhas e participantes do Lente Jovem, o curta deixou marcas nada leves, apesar das manifestações que afirmam a relevância do vídeo por tratar dos descasos com a vida nas periferias urbanas. Nas entrevistas, realizadas no vídeo, alguns moradores expressam bem esse sentido paradoxal. Primeiro, o filme foi feito na Ilha Grande dos Marinheiros. E, quando o pessoal que mora na Ilha das Flores viu o filme se indignou com tamanha barbaridade (!) ser feito aqui na Ilha Grande e levar o nome de Ilha das Flores [...]. Pela grande propagação que teve o filme fora houve a exclusão, aqui. As pessoas não queriam mais saber de nós até chegar um ponto que nós também tínhamos vergonha e não queríamos sair da Ilha para trabalhar fora. [...] Sei que é um filme que tem um teor edu-
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arrebatadora produz o tempo, o pensamento. Uma <strong>que</strong>stão <strong>que</strong><br />
vale ser levantada é: Por <strong>que</strong> “Ilha das Flores” foi composto<br />
dessa forma? Por <strong>que</strong> dar um tratamento irônico a uma <strong>que</strong>stão<br />
tão trágica? (GUIDOTTI, 2010a, p. 7).<br />
E, ao buscar respostas, a pesquisadora oferece rastros de como<br />
foi encontrando novas perguntas:<br />
Algumas das intenções do autor podem ser verificadas através<br />
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Jorge Furtado diz ter utilizado algumas estratégias para <strong>que</strong> um<br />
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Grande do Sul, não acabasse restrito ao espaço acadêmico [...]<br />
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No caso dos jovens, estudantes de escolas municipais, moradores<br />
das Ilhas e participantes do Lente Jovem, o curta deixou marcas nada leves,<br />
apesar das manifestações <strong>que</strong> afirmam a relevância do vídeo por tratar dos<br />
descasos com a vida nas periferias urbanas. Nas entrevistas, realizadas no<br />
vídeo, alguns moradores expressam bem esse sentido paradoxal.<br />
Primeiro, o filme foi feito na Ilha Grande dos Marinheiros. E,<br />
quando o pessoal <strong>que</strong> mora na Ilha das Flores viu o filme se<br />
indignou com tamanha barbaridade (!) ser feito aqui na Ilha<br />
Grande e levar o nome de Ilha das Flores [...]. Pela grande propagação<br />
<strong>que</strong> teve o filme fora houve a exclusão, aqui. As pessoas<br />
não <strong>que</strong>riam mais saber de nós até chegar um ponto <strong>que</strong><br />
nós também tínhamos vergonha e não <strong>que</strong>ríamos sair da Ilha<br />
para trabalhar fora. [...] Sei <strong>que</strong> é um filme <strong>que</strong> tem um teor edu-