Arte que inventa afetos - ebook
ARTE QUE INVENTA AFETOS 147 desenvolveram a partir daí suas estratégias de sobrevivência, construíram traços culturais e organizaram o cotidiano (Figura 11). Figura 11 – Crianças surfando na Praia do Titanzinho, em Fortaleza. Fonte: Raimundo Cavalcante Ferreira, 2012. No Titanzinho, a prática do surfe deu uma continuidade renovada a essa tradição em que natureza, trabalho e cultura facilmente se fundem. Os homens, de várias formas, apoderam-se das águas, demarcam as pedras e vivem suas ruas de areia. Nesses lugares, processavam-se nascimentos e óbitos. As intrigas e as amizades da vida desenvolvem-se sobre poeiras e paralelepípedos. Seja como local de moradia, trabalho ou lazer, as nuanças geográficas interferem diretamente no dia a dia da população, aguçando sobremaneira as sensibilidades dessa gente. Do teto plastificado sob o qual se dormia a fim de amenizar o constante cair da areia, ao chão movediço sobre o qual se pisava, os elementos naturais deixam suas marcas no cotidiano do lugar. Do surfe, porém, surge o entendimento de que a deficiência socioeconômica deveria ser superada pela utilização racional do ecossistema, da mediação entre consciência dos valores humanos e a natureza, o mutualismo com o ambiente, a percepção do espaço como impulsionador das transformações sociais necessárias ao meio. A superação do preconceito e da desigualdade econômica exigia, porém, tanto um severo treinamento técnico quanto a aceitação de uma
148 Estudos da Pós-Graduação série de mudanças no estilo de vida, mesclando-se aí velhos hábitos e novos comportamentos. Emergiu o desejo de elaborar novas opções de vida, de vibrar com outras sensibilidades: No futebol, se o cara não está jogando bem eles tiram e colocam outro. No surfe não, quem for mais bonitinho está com patrocínio. O cara dá um aéreo e fica com a prancha cheia de logotipo [...]. Foi de repente, já competia enquanto meus amigos jogavam futebol. Sabia surfar e jogar bola, mas tive que escolher. Hoje vejo que através do surfe conheci outros países e estados, já meus colegas do futebol ainda não saíram do Titanzinho. 37 As histórias de vida apontam a árdua trajetória dos jovens competidores como uma regra geral. O surfe não teve um começo tão nobre. Antes marginalizado, hoje é visto como uma profissão; mas poucos atletas sobrevivem do esporte, enquanto outros somente sonham. Além disso, esse esporte também era extremamente caro, praticamente inacessível, para as condições financeiras da população local, pelo menos até os anos de 1990. Atualmente, porém, constituiu-se uma diversificada rede de trocas e solidariedades que permite que praticamente todos os jovens da localidade tenham acesso gratuito ao equipamento (Figura 12). Figura 12 – Surfista profissional Fábio Silva, atleta local consagrado nacionalmente. Fonte: Raimundo Cavalcante Ferreira, 2013. 37 Entrevista com Lucinho Lima, In: Revista Hard Core, v. 15, n. 182, out. 2004.
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No futebol, se o cara não está jogando bem eles tiram e colocam<br />
outro. No surfe não, <strong>que</strong>m for mais bonitinho está com patrocínio.<br />
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futebol. Sabia surfar e jogar bola, mas tive <strong>que</strong> escolher. Hoje<br />
vejo <strong>que</strong> através do surfe conheci outros países e estados, já<br />
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As histórias de vida apontam a árdua trajetória dos jovens competidores<br />
como uma regra geral. O surfe não teve um começo tão nobre.<br />
Antes marginalizado, hoje é visto como uma profissão; mas poucos<br />
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de trocas e solidariedades <strong>que</strong> permite <strong>que</strong> praticamente todos os jovens<br />
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Fonte: Raimundo Cavalcante Ferreira, 2013.<br />
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