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Arte que inventa afetos - ebook

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Estudos da Pós-Graduação<br />

Devorar a imagem pode suscitar catarses a respeito do sentido<br />

do infinito, da potência de um devir do signo, das possibilidades inauditas<br />

da “pura presença icônica” (RANCIÈRE, 2011, p. 45), aguçando<br />

a percepção não para discernir as imagens em movimento, mas testemunhar<br />

a presença do acontecimento para transformá-lo em “[...] teatro<br />

da memória e fazer do artista, um colecionador, um arquivista ou<br />

um expositor [...]” (RANCIÈRE, 2011, p. 38). Nesse sentido, o cho<strong>que</strong><br />

do encontro inusitado, da agressiva ostensividade imagética, da brutalidade<br />

do emaranhado dos silêncios das mensagens, nos remete, por<br />

exemplo, ao ato de imaginação da brincadeira infantil.<br />

O paradoxo do modo de estar da imagem artística não só cria<br />

ambivalências, mas “a incapacidade para a transferência adequada<br />

das significações – a sua própria potência” (RANCIÈRE, 2011, p.<br />

23). A confusão instalada nos sentidos sofre da abstinência do dizível.<br />

Não saber o <strong>que</strong> falta, o <strong>que</strong> acresce, o <strong>que</strong> decifrar. A expressividade<br />

da imagem contemporânea supõe “[...] uma viagem pela<br />

paisagem dos traços significativos dispostos na topografia dos espaços,<br />

na fisiologia dos círculos sociais, na expressão silenciosa dos<br />

corpos” (RANCIÈRE, 2005, p. 55), o <strong>que</strong> não só cria novos mapas<br />

mentais, mas heterotopias.<br />

Os enunciados se apropriam dos corpos e os desviam de sua<br />

destinação na medida em <strong>que</strong> não são corpos no sentido de organismos,<br />

mas quase corpos, blocos de palavras circulantes sem<br />

pai legítimo <strong>que</strong> os acompanhe até um destinatário autorizado.<br />

Por isso não produzem corpos coletivos. Antes, porém, introduzem<br />

nos corpos coletivos imaginários linhas de fratura, de<br />

desincorporação (RANCIÈRE, 2005, p. 60).<br />

A estupefação diante da impossibilidade de classificação, a fratura<br />

da “partilha já dada ao sensível” (RANCIÈRE, 2005, p. 60), implica,<br />

talvez, a luta contra as formas de totalização da vida. Essa reconfiguração<br />

controvertida do sensível põe em causa, justamente, a<br />

existência tradicional da arte. Não se está falando da expressão do niilismo,<br />

da negação da vida, do fim das formas culturais, mas da alegria<br />

da aventura nômade, do se fazer leve, sem a carga dos sentidos a priori

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